30 ANOS DE DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL: A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO EM PROVEITO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Resumo

O conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral, adotado explicitamente pelo STF com amparo em Doutrina especializada (ADI 3540), sintetiza de maneira marcante os 30 anos de direito ambiental constitucional brasileiro. Destarte o livre exercício de qualquer atividade econômica no Brasil, por força do direito ambiental constitucional, passou a estar necessariamente condicionado à defesa do meio ambiente dentro de interpretação sistemática que vincula qualquer atividade econômica não só à obediência dos objetivos e fundamentos constitucionais descritos estruturalmente na Constituição Federal, mas também e particularmente em face da relação jurídica estabelecida a partir do uso sustentável dos bens ambientais em proveito da dignidade da pessoa humana.

Artigo

30 ANOS DE DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL: A CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO EM PROVEITO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[1]

 

 RESUMO:

O conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral, adotado explicitamente pelo STF com amparo em Doutrina especializada (ADI 3540), sintetiza de maneira marcante os 30 anos de direito ambiental constitucional brasileiro. Destarte o livre exercício de qualquer atividade econômica no Brasil, por força do direito ambiental constitucional, passou a estar necessariamente condicionado à defesa do meio ambiente dentro de interpretação sistemática que vincula qualquer atividade econômica não só à obediência dos objetivos e fundamentos constitucionais descritos estruturalmente na Constituição Federal, mas também e particularmente em face da relação jurídica estabelecida a partir do uso sustentável dos bens ambientais em proveito da dignidade da pessoa humana.

 

Palavras-Chaves: Direito ambiental constitucional. Meio ambiente. Dignidade da pessoa humana

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A RIO+20 E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CRITÉRIO INTERPRETATIVO DO DIREITO AMBIENTAL EM FACE DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA.

INTRODUÇÃO

O termo meio ambienteprevisto no art.225 da Constituição Federalé um conceito jurídico indeterminado, cabendo, dessa forma, ao intérprete o preenchimento do seu conteúdo.

Com isso, dentre várias definições possíveis no âmbito jurídico, ou seja, em face da relação jurídica ambiental, encontramos pelo menos quatro significativos aspectos que já indicávamos, desde a 1ª edição de nosso Curso de Direito Ambiental Brasileiro, publicada pela Editora Saraiva no ano 2000, e que acabaram sendo acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho sendo certo que a referida classificação vem sendo ampliada no século XXI em face da extraordinária importância da tutela jurídica da saúde ambiental e do meio ambiente digital.

De qualquer forma o Supremo Tribunal Federal ao adotar o julgamento da ADI 3.540 como verdadeira dicção constitucional interpretativa do direito ambiental constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado indicou explicitamente, com fundamento em nossa visão bem como de outros autores pátrios, o critério destinado a estabelecer o devido equilíbrio entre a ordem econômica constitucional e a defesa do meio ambiente, a saber:

““A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural” (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006).”

Com efeito.

Fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a ordem econômica regrada no plano normativo constitucional, tem por fim assegurar a todos a existência digna (Art.170, caput) evidentemente em face de desenvolvimento que atenda às necessidades do presente, sem comprometer as futuras gerações, tudo dentro de todos os parâmetros constitucionais antes indicados.

Destarte o livre exercício de qualquer atividade econômica, está necessariamente condicionado à defesa do meio ambiente dentro de interpretação sistemática que vincula evidentemente o respeito de qualquer atividade econômica aos objetivos e fundamentos constitucionais descritos nos Arts.1º e 3º da Constituição Federal.

Por via de consequência a defesa do patrimônio genético, do meio ambiente cultural, do meio ambiente digital, do meio ambiente artificial/espaço urbano , da saúde ambiental/ meio ambiente laboral e do  meio ambiente natural, em face de seus conceitos constitucionais que se estruturam em decorrência dos princípios fundamentais da Carta Magna como particularmente o indicado no art.1º, III da Constituição Federal (dignidade da pessoa humana),sempre deve ser ponderada e avaliada como um dos  princípios gerais da atividade econômica, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta desde que, conforme já advertiu o Supremo Tribunal Federal” a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentro os quais avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação do meio ambiente”.

Em outras palavras a defesa do meio ambiente como princípio geral da atividade econômica obedece à superior orientação constitucional, adaptada que está ao conceito de desenvolvimento sustentável, quando observa os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa em proveito de assegurar a todos existência digna.

Cabe por via de consequência, pela oportunidade dos 30 anos de existência do Direito Ambiental Constitucional ratificar alguns aspectos básicos que temos desenvolvido em nossos livros.

Senão vejamos.

1.A RIO+20 E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO CRITÉRIO INTERPRETATIVO DO DIREITO AMBIENTAL EM FACE DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA

Adotando uma clara visão antropocêntrica os 193 países que participaram em junho de 2012 da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável realizada no Brasil (a Rio+20) indicaram em documento formal que a erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta atualmente e é um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.

Basta observar alguns trechos do documento final, a saber:

Distr. limitada, 19 de junho de 2012, Español

Tema 10

Documento final de La Conferencia

El futuro que queremos

  1. Nuestra visión común

(…)

  1. “La erradicación de la pobreza es El mayor problema que afronta el mundo enlaactualidad y una condición indispensable del desarrollo sostenible. A este respecto estamos empeñados en liberar com urgencia a la humanidad de la pobreza y elhambre.”

(…)

III. La economia verde enel contexto del desarrollo sostenible y la erradicación de la pobreza

 Afirmamos que cada país dispone de diferentes enfoques, visiones, modelos e instrumentos, em función de sus circunstancias y prioridades nacionales, para lograr El desarrollo sostenibleen sus tres dimensiones, que es nuestro objetivo general. A este respecto, consideramos que la economia verde em el contexto del desarrollo sostenible y La erradicación de la pobreza es uno de los instrumentos más importantes disponibles para lograr El desarrollo sostenible y que podría oferecer alternativas encuanto formulación de políticas, pero no deberia consistir enun conjunto de normas rigidas. Ponemos de relieve que la economia verde deberia contribuir a La erradicación de la pobreza y El crecimiento económico sostenible, aumentando La inclusión social, mejorando El bienestar humano y creando oportunidades de empleo y trabajo decente para todos, manteniendo al mismo tiempo el funcionamiento saludable de los ecosistemas de La Tierra.

Destarte, ficou evidente para todos que a preocupação fundamental dos países que estiveram no Brasil, no que se refere à implementação do Direito Ambiental no século XXI, ficou formalmente explicitada, indicando direção segura, a exemplo da visão brasileira fixada desde nossa Carta de 1988: o objetivo da tutela ambiental em todo o mundo está condicionado a estabelecer a interpretação das normas ambientais vinculadas à erradicação da pobreza e da marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais existentes com o uso racional e equilibrado dos bens ambientais tutelados pelo direito ambiental de cada Nação dentro de um novo “conceito” de “economia verde”, a saber, uma economia no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza como uma das ferramentas importantes disponíveis para garantir o desenvolvimento dos povos em proveito da dignidade da pessoa humana.

Desde a 1ª edição de nosso Curso de direito ambiental brasileiro, elaborado no início do século (no ano 2000) já apontávamos a necessidade de observar a dignidade da pessoa humana como o mais importante critério interpretativo do direito ambiental brasileiro em face da erradicação da pobreza, demonstrando que os princípios fundamentais indicados em nossa Carta Magna são os princípios fundamentais destinados à correta interpretação do direito ambiental constitucional brasileiro.

Destarte, a 18ª edição de nosso Curso, a ser publicada em 2018, continua enfatizando, em face do princípio da legalidade, que os problemas ambientais existentes em nosso país têm solução segura em face do que aponta nossa Constituição Federal. Como sempre, a edição está revista, atualizada e devidamente ampliada em face das novas regras infraconstitucionais em vigor.

De qualquer forma vale lembrar que a responsabilidade de resolver os problemas ambientais no País em face de nossa realidade é tão somente nossa, ou seja, do povo que construiu o Estado Democrático de Direito.

 Daí a importância de uma vez mais ratificar a aplicação de nosso direito ambiental como genuíno produto cultural que continua a ser construído por todos os brasileiros.

  1. VISÃO ANTROPOCÊNTRICA DO DIREITO CONSTI-TUCIONAL AMBIENTAL

Cabe-nos neste momento questionar: a quem o direito ambiental serve? Seria somente ao homem ou a toda e qualquer outra forma de vida? O tema pode ser desenvolvido a partir de duas ideias fundamentais: a) a de que o destinatário do direito ambiental seria a pessoa humana; e b) a de que seu destinatário seria a vida em todas as suas formas. Passemos a analisar as duas ideias.

2.1.      A PESSOA HUMANA COMO DESTINATÁRIA DO DIREITO AMBIENTAL

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III)como fundamento destinado a interpretar todo o sistema constitucional , adotou visão (necessariamente com reflexos em toda a legislação infraconstitucional – nela incluída toda a legislação ambiental) explicitamente antropocêntrica, atribuindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no País (arts. 1º, I, e 5º da Carta Magna) uma posição de centralidade em relação ao nosso sistema de direito positivo .

De acordo com esta visão, temos que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas . Todavia, aludido fato, de forma alguma, impede que ele proteja a vida em todas as suas formas, conforme determina o art. 3º da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), cujo conceito de meio ambiente foi, a nosso ver, inteiramente recepcionado .

Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, sendo certo que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, na medida que possa ser essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o art. 225 da Constituição Federal (bem material ou mesmo imaterial) .

Dessa forma, a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma .

Vale ressaltar nesse sentido o Princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992:

“Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”.

Na verdade, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria. Do contrário, qual será o grau de valoração, senão for a humana, que determina, v. g., que animais podem ser caçados, em que época se pode fazê-lo, onde etc.?

Além disso, costuma-se afirmar que a Constituição Federal de 1988, ao proibir práticas cruéis contra os animais, teria deslocado a visão antropocêntrica do direito ambiental. Questões intrigantes envolvem o tema, que exige do aplicador da norma uma interpretação sistemática da Carta Constitucional, deixando de lado a literalidade do dispositivo. Exemplo disso é a questão da farra do boi, atividade cultural típica do Sul do País, que gera grandes embates na doutrina e na jurisprudência e que será oportunamente analisada.

De qualquer modo, quando entram em choque o direito constitucional do animal de não ser submetido a práticas cruéis e o de manifestação da cultura do povo, parece-nos que a única opção a prevalecer é a atividade cultural, porquanto é a identidade de um povo, representando a personificação da sua dignidade como parte integrante daquela região. Todavia, deve ser ressaltada a hipótese de o animal ser uma espécie ameaçada de extinção. Nessa situação, estaria comprometida a própria perpetuação do costume em tela, e, vedando-se a prática, o animal teria um mínimo de chance de sobreviver na cadeia ecológica, de forma a se reclamar, na hipótese, a sua preservação.

Não se deve perder de vista que crueldade é um termo jurídico indeterminado, reclamando do intérprete o preenchimento de seu conteúdo. Para tanto, cumpre ao aplicador da norma questionar se a prática é necessária e socialmente consentida. Com isso, obrigamo-nos à reflexão do que seja cruel, na medida em que, se concluirmos que matar um animal é agir com crueldade, chegaremos ao absurdo de que a Constituição Federal estaria proibindo práticas comuns que garantem nossa subsistência. Exemplo disso é pensarmos no abate diário de mais de duzentos mil frangos no Brasil.

Por ora, urge observar que o art. 225 da Constituição Federal de 1988 busca estabelecer, no mundo do dever-ser, um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a sadia qualidade de vida. Isso significa que a crueldade deriva de um não aproveitamento do animal para fins de manutenção da própria sadia qualidade de vida. Dessa forma, o que não se pode permitir é, por exemplo, que se abata um animal destinado ao consumo humano por um método que, comprovadamente, seja mais doloroso para ele. Interessante verificar que, por motivos biológicos, chegou-se à conclusão de que, quanto mais o animal sofre antes de ser abatido, maior será sua liberação de toxinas e hormônios, que, impregnados em sua carne, provocarão danos à saúde. Aludido fato, em última análise, retrata a presença da visão antropocêntrica no direito ambiental, porquanto não se submete o animal à crueldade em razão de ele ser titular do direito, mas sim porque essa vedação busca proporcionar ao homem uma vida com mais qualidade.

Por tudo isso, não temos dúvida em afirmar que não só existe uma visão antropocêntrica do meio ambiente em sede constitucional, mas também uma indissociável relação econômica do bem ambiental com o lucro que pode gerar, bem como com a sobrevivência do próprio meio ambiente. Além disso, a vida humana só será possível com a permanência dessa visão antropocêntrica – o que, obviamente, não permite exageros –, visto que, como o próprio nome já diz, ecossistema engloba os seres e suas interações positivas em um determinado espaço físico.

3.CLASSIFICAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. OS QUATRO SIGNIFICATIVOS ASPECTOS QUE JÁ INDICÁVAMOS DESDE A 1ª EDIÇÃO DE NOSSO CURSO (2000) E QUE ACABARAM SENDO ACOLHIDOS E RATIFI-CADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Como acima foi dito, o termo meio ambiente é um conceito jurídico indeterminado, cabendo, dessa forma, ao intérprete o preenchimento do seu conteúdo. Assim, passaremos a classificar seus aspectos.

Primeiramente, cumpre frisar que é unitário o conceito de meio ambiente, porquanto todo este é regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política Nacional do Meio Ambiente. Não se busca estabelecer divisões estanques, isolantes, até mesmo porque isso seria um empecilho à aplicação da efetiva tutela.

A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados.

E com isso encontramos pelo menos quatro significativos aspectos que já indicávamos desde a 1ª edição de nosso Curso (2000) e que acabaram sendo acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho .

Evoluímos na classificação, conforme os leitores poderão observar a seguir.

De qualquer forma o Supremo Tribunal Federal continua ratificando nosso entendimento ao adotar o julgamento da ADI 3.540 como verdadeira dicção constitucional interpretativa do direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Neste momento faremos uma análise breve acerca de cada um dos aspectos, reservando capítulos próprios para o aprofundamento dos temas.

3.1.      MEIO AMBIENTE NATURAL

O meio ambiente natural ou físico é constituído pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas (inclusive pelo mar territorial), pelo solo, pelo subsolo (inclusive recursos minerais), pela fauna e pela flora. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem.

O meio ambiente natural é mediatamente tutelado pelo caput do art. 225 da Constituição Federal e imediatamente, v. g., pelo § 1º, I, III e VII, desse mesmo artigo:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

(…)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

(…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

3.2.      MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto).

Este aspecto do meio ambiente está diretamente relacionado ao conceito de cidade. Vale verificar que o vocábulo “urbano”, do latim urbs, urbis, significa cidade e, por extensão, seus habitantes. Não está empregado em contraste com o termo campo ou rural, porquanto qualifica algo que se refere a todos os espaços habitáveis, “não se opondo a rural, conceito que nele se contém: possui, pois, uma natureza ligada ao conceito de território” .

O meio ambiente artificial recebe tratamento constitucional não apenas no art. 225, mas também nos arts. 182, ao iniciar o capítulo referente à política urbana; 21, XX, que prevê a competência material da União Federal de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; 5º, XXIII, entre alguns outros.

No momento oportuno, verificaremos detidamente a proteção conferida ao meio ambiente artificial, não só em face da Constituição Federal de 1988como em decorrência da mais importante norma vinculada ao Meio Ambiente Artificial, que é o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).

3.3.      MEIO AMBIENTE CULTURAL

O conceito de meio ambiente cultural vem previsto no art. 216 da Constituição Federal, que o delimita da seguinte forma:

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

Ressalta o Prof. José Afonso da Silva que o meio ambiente cultural “é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial” .

O bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil.

3.3.1. Meio ambiente digital

Ratificando a matéria anteriormente indicada (Meio Ambiente Cultural), todo bem referente à nossa cultura, identidade, memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural, integra a categoria de bem ambiental e, em decorrência disso, difuso.

Ademais, além de restar evidente no plano jurídico constitucional que as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver integram o conceito jurídico constitucional de patrimônio cultural, deve-se verificar que o art. 215, caput e § 1º, da Constituição Federal de 1988 determina:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

  • 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

Assim, ao estabelecer como dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural, a Constituição Federal ratifica a natureza jurídica de bem difuso, porquanto este é de uso comum de todos. Um uso preenchido pelos elementos de fruição (uso e gozo do bem objeto do direito) sem comprometimento de sua integridade, para que outros titulares, inclusive os de gerações vindouras, possam também exercer com plenitude o mesmo direito (art. 225 da CF).

Daí ficar bem caracterizado que as formas de expressão, assim como manifestações das culturas populares bem como dos grupos participantes de nosso processo civilizatório nacional, estão tuteladas pelo meio ambiente cultural no plano constitucional, a saber, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo (art. 220 da CF) nada mais refletem que as formas, os processos e veículos usados pela pessoa humana, em face de seu atual estágio cultural (processo civilizatório nacional em que se encontram) destinada a satisfazer suas necessidades dentro de um padrão cultural vinculado à sua dignidade (art. 1º, III, da CF) diante da ordem jurídica do capitalismo (art.1º, IV, da CF) e adaptada à tutela jurídica do meio ambiente cultural (arts. 215 e 216 da CF).

O meio ambiente cultural por via de consequência manifesta-se no século XXI em nosso país exatamente em face de uma cultura que passa por diversos veículos reveladores de um novo processo civilizatório adaptado necessariamente à sociedade da informação, a saber, de uma nova forma de viver relacionada a uma cultura de convergência em que as emissoras de rádio, televisão, o cinema, os videogames, a internet, as comunicações por meio de ligações de telefones fixos e celulares etc. moldam uma “nova vida” reveladora de uma nova faceta do meio ambiente cultural, a saber, o meio ambiente digital.

3.4.      MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E A SAÚDE AM-BIENTAL                                                                          

Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).

Caracteriza-se pelo complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa ou sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que a frequentam .

O meio ambiente do trabalho recebe tutela imediata pela Carta Constitucional no seu art. 200, VIII, ao prever que:

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

Por outro lado, a redução dos riscos inerentes ao trabalho vinculado aos trabalhadores urbanos e rurais por meio de normas de saúde, higiene e segurança também passou a ser tutelada no âmbito de nossa Carta Magna conforme observamos:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXIII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Assim, a tutela imediata do meio ambiente do trabalho foi fixada pelos dispositivos constitucionais vinculados ao direito à saúde ambiental (arts. 196 a 200 da CF), sendo certo que a tutela mediata do meio ambiente do trabalho concentra-se no caput do art. 225 da Constituição Federal.

Importante verificar, todavia, que a proteção do direito do trabalho é distinta da assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades. O direito do trabalho, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas que disciplina as relações jurídicas entre empregado e empregador.

3.5.      O PATRIMÔNIO GENÉTICO

3.5.1.   O patrimônio genético (art. 225, § 1º, II e V) como direito tutelado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal

Conforme já tivemos a oportunidade de aduzir , o patrimônio genético brasileiro passou a receber tratamento jurídico a partir da Constituição Federal de 1988, em face do que estabelece o art. 225, § 1º, II e V, observando-se dessarte a proteção constitucional vinculada não só à vida humana, mas à vida em todas as suas formas, sempre em função da sadia qualidade de vida da pessoa humana (a mulher e o homem), revelando uma vez mais a clara posição antropocêntrica da Carta Magna.

O direito de agir, garantido pelo art. 5º, XXXV, assegura por via de consequência a possibilidade de submeter à apreciação do Poder Judiciário toda e qualquer lesão ou mesmo ameaça ao denominado patrimônio genético no âmbito constitucional.

O patrimônio genético merece proteção jurídica em face de relacionar-se à possibilidade trazida pela engenharia genética de utilização de gametas conservados em bancos genéticos para a construção de seres vivos, possibilitando a criação e o desenvolvimento de uma unidade viva sempre que houver interesse. Daí, em decorrência do evidente impacto da engenharia genética na pecuária, na avicultura, na agricultura etc., o entendimento constitucional de organizar as relações jurídicas advindas da complexidade de aludido tema.

3.5.2.   O patrimônio genético da pessoa humana (arts. 5º e 225, § 1º, II e V) como direito tutelado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: a tutela jurídica do ADN e do ARN

O direito de agir garantido pelo art. 5º, XXXV, assegura a possibilidade de submeter à apreciação do Poder Judiciário toda e qualquer lesão ou mesmo ameaça ao denominado patrimônio genético da pessoa humana no âmbito constitucional brasileiro.

O patrimônio genético da pessoa humana tem proteção ambiental constitucional observada em face do que determina o art. 225, § 1º, II e V, iluminada pelo art. 1º, III, da Carta Magna, sendo certo que a matéria foi devidamente regulamentada pela Lei n. 11.105/2005, que define no âmbito infraconstitucional a tutela jurídica dos mais importantes materiais genéticos vinculados à pessoa humana.

De qualquer forma, cabe destacar que o direito ambiental constitucional, no que se refere ao patrimônio genético da pessoa humana, assegura a tutela jurídica não só individual das pessoas – como o direito às informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência – abarcadas pela Carta Magna mas particularmente do povo brasileiro, observado em sua dimensão metaindividual, analisado nos dias de hoje por meio das novas “ferramentas” científicas desenvolvidas em proveito da tutela dos grupos participantes do processo civilizatório nacional .

É exatamente em defesa da “exuberante diversidade genética de nosso povo”, na feliz expressão de Sérgio D. J. Pena, que restou assegurada a tutela jurisdicional judicial ante qualquer ameaça ou mesmo lesão ao patrimônio genético da pessoa humana em nosso país.

CONCLUSÃO

            Assim, aos 30 anos de existência do direito ambiental constitucional, o direito ambiental brasileiro consolida-se tendo como objetivo em face da ordem econômica capitalista assegurar a dignidade da pessoa humana, a vida humana conforme fundamental lição do Mestre José Afonso da Silva, “objeto do direito assegurado no art. 5º, ‘caput’, integrada “de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais)”, constituindo a “fonte primária de todos os outros bens jurídicos”.

REFERENCIASBIBLIOGRÁFICAS

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 17ªedição, revista, ampliada e atualizada São Paulo:Saraiva, 2018.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do direito processual ambiental – A defesa judicial do patrimônio genético, do meio ambiente cultural, do meio ambiente digital, do meio ambiente artificial, do meio ambiente do trabalho e do meio ambiente natural no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Crimes Ambientais. 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2017.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Curso de direito da energia – Tutela jurídica da água, do petróleo, do biocombustível, dos combustíveis nucleares, do vento e do sol. 3ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva,  2015.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito ambiental tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Comentários ao Estatuto da Cidade — Lei 10.257/01 — Lei do Meio Ambiente Artificial. 6ª edição São Paulo: Saraiva, , 2014

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Comentários ao Código Florestal Lei 12.651/2012. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Paulo; MORITA, Dione Mari. Licenciamento Ambiental. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

FIORILLO,Celso Antonio Pacheco ;FERREIRA, Renata Marques. Liberdade de expressão e direito de resposta na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro :Lumen Juris,2017.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques Tutela Jurídica do Patrimônio Genético em face da Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco ;FERREIRA, Renata Marques. Tutela Jurídica do Whatsapp na Sociedade da Informação Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O Marco Civil da Internet e o Meio Ambiente Digital na Sociedade da Informação. São Paulo:Saraiva,2015

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios constitucionais do direito da sociedade da informação. São Paulo: Saraiva, 2014.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Crimes no Meio Ambiente Digital em face da Sociedade da Informação. 2ª edição São Paulo: Ed. Saraiva, 2016.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco O Direito de Antena em face do Direito Ambiental no Brasil.São Paulo: Saraiva, 2000

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco DIAFÉRIA, Adriana Biodiversidade, Patrimônio Genético e Biotecnologia no Direito Ambiental São Paulo : Saraiva, 2012.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,1995.

Notas de Rodapé:

[1] Advogado militante há mais de 30 anos é o primeiro professor Livre-Docente em Direito Ambiental do Brasil bem como Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais. Director Académico do Congresso de Derecho Ambiental ContemporáneoEspaña/Brasil-Universidade de Salamanca (ESPANHA) e Miembro del Grupo de Estudios Procesales de La Universidad de Salamanca – Grupo de InvestigaciónReconocido IUDICIUM(ESPANHA). Presidente da Comissão Permanente do Meio Ambiente da OAB/SP.

Palavras Chaves

Direito ambiental constitucional. Meio ambiente. Dignidade da pessoa humana