A AGENDA 2030 DA ONU – OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 16 E A MEDIAÇÃO

Resumo

O presente artigo abordará os métodos autocompositivos, com ênfase na mediação como forma adequada de solução do conflito na modernidade tardia e sob a ótica do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS 16 proposto pela ONU através da Agenda 2030 – Transformando nosso Mundo. Aborda a teoria de justiça proposta por Amartya Sen, com enfoque na garantia da paz social, através de instituições eficazes. Apresenta o princípio constitucional do acesso à justiça e o diferencia do acesso ao judiciário. Disserta sobre os métodos alternativos de solução de conflito, notadamente a mediação, seu surgimento, evolução e características atuais no Brasil. Explora o conflito na pós-modernidade, a partir do indivíduo no contexto da revolução digital e propõe a mediação como forma de solução de conflito e de efetivo acesso à justiça.

Artigo

A AGENDA 2030 DA ONU – OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 16 E A MEDIAÇÃO

  Valéria Tavares de Sant’Anna1

Resumo: O presente artigo abordará os métodos autocompositivos, com ênfase na mediação como forma adequada de solução do conflito na modernidade tardia e sob a ótica do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 16 proposto pela ONU através da Agenda 2030 – Transformando nosso Mundo. Aborda a teoria de justiça proposta por Amartya Sen, com enfoque na garantia da paz social, através de instituições eficazes. Apresenta o princípio constitucional do acesso à justiça e o diferencia do acesso ao judiciário. Disserta sobre os métodos alternativos de solução de conflito, notadamente a mediação, seu surgimento, evolução e características atuais no Brasil. Explora o conflito na pós-modernidade, a partir do indivíduo no contexto da revolução digital e propõe a mediação como forma de solução de conflito e de efetivo acesso à justiça.

Palavras Chaves: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável/ONU – Conflito – Métodos adequados de resolução de conflito – Mediação – Acesso à justiça

Sumário: Introdução. 1. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. 2. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes. 3. Amartya Sen: para além da utopia da “justiça perfeita”. 3.1. O acesso à justiça e acesso ao judiciário. 4. Métodos alternativos de resolução de conflitos. 4.1. A mediação – estado das coisas no Brasil. 5. O conflito na pós-modernidade – comunicação, consumo e tecnologia digital. A vida on-line, os conflitos além da tela e a adequação da ODR – On- line Dispute Resolution. Considerações finais.

 

Introdução

A velocidade com que tudo acontece determina um tempo muito curto, de agora até 2030, sendo fundamental que a humanidade estabeleça, urgentemente, ações comprometidas com a sustentabilidade do planeta.

A mediação através da ODR está diretamente relacionada com o ODS 16 da Agenda 2030/ONU – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

 

1.      A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU

Em 2015, a ONU2 estabeleceu a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com 17 Objetivos e 169 Metas para a comunidade global: para as pessoas, para o planeta e para a

prosperidade, através do fortalecimento da paz universal, com mais liberdade. O principal desafio lançado pela agenda é a erradicação da pobreza, incluindo a pobreza extrema: requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.

A Agenda 2030 se originou a partir da observação do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e constatação de que apesar do desenvolvimento e progresso significativo em diversas áreas, o mesmo ainda era desigual, notadamente na África, nos países de economia periférica, nos países sem faixa litorânea em desenvolvimento e em pequenos Estados insulares em desenvolvimento, outros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio permaneceram longe da efetividade, principalmente, os relacionados com saúde materna, neonatal e infantil e a saúde reprodutiva.

Ao adotarem o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável3, os representantes dos Estados-membros da ONU, reconheceram que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.

Reconhecida como um plano de ação para as pessoas, o planeta, a prosperidade e a paz universal, contém 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, com o fim primordial de erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta.

Trata-se de um plano de ação para as pessoas e o planeta, coletivamente, criado para colocar o mundo em um caminho mais sustentável e resiliente até 2030, com objetivos integrados e indivisíveis que equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.

Assim, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável inauguram uma nova fase para o desenvolvimento dos países, que busca integrar, por completo, todos os componentes do desenvolvimento e engajar todos os países na construção de um futuro sustentável.

2.  O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Dentre os objetivos e metas instituídos no acordo global, destaca-se o Objetivo 16 –

Paz, Justiça e Instituições Eficazes que visa a promoção do respeito aos direitos humanos

baseados no Estado de Direito e o efetivo acesso à justiça como base para o desenvolvimento humano sustentável.

As metas relacionadas ao Objetivo 16 evidenciam que a manutenção do Estado de Direito, a transparência das instituições, a responsabilidade dos gestores, a participação do cidadão e o mais absoluto respeito aos Direitos Humanos são os principais fatores para uma sociedade e um planeta sustentado e sustentável. Uma governança transparente, inclusiva, responsável e eficaz, por instituições, igualmente, transparentes, participativas e inclusivas, resulta na paz sustentável: sociedades pacíficas com desenvolvimento justo e sustentável.

O Objetivo 16 reconhece a importância vital da governança, prestação de contas, transparência e desenvolvimento institucional, dos direitos humanos e da justiça, como basilares de um ambiente favorável onde as pessoas possam viver com liberdade, segurança e prosperidade.

A meta 3 do Objetivo 16 – “Promover o Estado de Direito em nível nacional e internacional e assegurar justiça para todos4 propugna por leis eficazes, justas e acessíveis, além de sistemas judiciários transparentes, participativos e inclusivos que deem segurança e proteção a todas as pessoas, criando vias concretas de reabilitação para delitos criminais e civis.

A consolidação do Estado de Direito requer tanto a criação de leis justas, norteadas, fundamentalmente, pelo respeito aos direitos humanos individuais, como a aplicação dessas leis pelas instituições judiciárias capazes de investigar, indiciar e julgar com eficácia os crimes denunciados.

3.  Amartya Sen: para além da utopia da “justiça perfeita”

O Objetivo 16 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU demanda, inicialmente, a identificação de uma teoria de justiça que dê conta de garantir a paz social, através de instituições eficazes.

Amartya Sen5, na antiga ciência do direito indiano, encontra dois conceitos de justiça: niti e nyaya. A primeira se refere à adequação organizacional e à correção comportamental; a segunda se refere à vida que as pessoas são realmente capazes de levar.

A partir dessa ilação é possível associações com a filosofia política ocidental: Nitiaproxima-se do contratualismo – Locke, Hobbes, Rousseau e Kant – que remonta à filosofia grega, mas adquiriu importância teórica e política somente no pensamento liberal modern o: sociedade e Estado articulados através de arranjos institucionais ideais. Nyaya que se destacou nos primeiros séculos D.C. privilegia o comportamento real das pessoas e suas interações sociais, aproximando-se, portanto, da abordagem de outros iluministas como Adam Smith, Marx, Bentham, Stuart Mill, cujas proposições de justiça, embora fossem bastante diferentes, bem como diferentes os respectivos métodos de fazer comparações sociais, orientavam seus estudos a partir de comparações com foco em realizações e entre sociedades que já existiam ou pudessem vir a surgir. E tais investigações, invariavelmente, se relacionam ao interesse de remoção de injustiças evidentes.

O uso da perspectiva comparativa com foco nas realizações garante o discernimento quando ao protestarmos em relação à negligência médica não percamos de vista a inexistência de instalações médicas, na maior parte do Continente Africano. Em síntese, tal método mantém o foco na remoção das injustiças e não na justiça perfeita.

A teoria de justiça apresentada por John Rawls6: a justiça com equidade (justice as fairness) foi ampliada por Amartya Sen, quando sustenta ser inadequada a concentração dominante nas instituições “que supõem o comportamento, apropriadamente, obediente” e quando propõe a transcendência da utopia da justiça perfeita através de foco sobre a vida real: vida que as pessoas são capazes de levar.

Através da argumentação racional – bastante utilizada durante o Iluminismo europeu, assemelhado ao pensamento asiático gestado em momento histórico, muito anterior7, o que não deve ser caracterizado por inusitado, posto que análises intelectuais semelhantes em tempos e lugares distintos são recorrentes na história da humanidade – constrói-se uma teoria de justiça inspirada na noção de equidade (John Rawls) que analisa as assimetrias produtoras de injustiças na vida das pessoas reais, embora leve em conta fatores não racionais, como as emoções dos indivíduos; cuja premissa consiste no reconhecimento de que as pessoas, embora sejam iguais perante a lei, possuem necessidades, capacidades e desejos distintos. A promoção da equidade na justiça, segundo Amartya Sen, é o caminho político a ser seguido

para diminuição das brutais desigualdades sociais e econômicas do mundo contemporâneo, bem como para universalização de suas liberdades democráticas:

O que mais importa é o exame do que o raciocínio argumentativo exigiria para busca de justiça – levando em conta a possibilidade de existirem muitas diferentes posições razoáveis. Esse exercício é totalmente compatível com a possibilidade, até mesmo a certeza, de que, em determinado momento, nem todas as pessoas estejam dispostas a realizar tal análise. A argumentação racional é central para compreensão da justiça mesmo em um mundo que inclui muita “desrazão”; na verdade, ela pode ser especialmente importante em um mundo assim.

Dada a conjuntura atual do planeta – base de orientação da Agenda 2030 da ONU, justamente por identificar o não atingimento das proposições do início do milênio, em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) é fundamental a identificação de uma teoria de justiça construída para além da estrutura do contrato social, dissociada da utopia da “justiça perfeita”, com foco na equidade, a partir da filosofia política, da observação do fato social – fonte da norma, realmente, como ele se apresenta: considerando as assimetrias produtoras de injustiças e reconhecendo que embora iguais perante a lei, as pessoas possuem necessidades, capacidades e desejos distintos.

  • O acesso à justiça e o acesso ao judiciário

O Princípio do acesso à justiça é garantia constitucional prevista no Artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal do Brasil8 que assegura a todos o direito de junto aos órgãos do Poder Judiciário protestar pela proteção jurisdicional do Estado.

Assim, o acesso à justiça pressupõe o efetivo exercício da cidadania, consolidando a capacidade e oportunidade de realização de um direito, principalmente dos direitos humanos, assim considerados os direitos civis, políticos e sociais9, aproximando o que venha a ser o Direito como tentativa de construção de justiça.
Todavia, o acesso à justiça não deve ser confundido com acesso ao judiciário. Como defendido por Kazuo Watanabe10, o acesso à justiça não se esgota no acesso ao judiciário e tampouco no próprio universo do direito estatal, ou ainda nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Acrescenta que não se trata, pois, de conceder o acesso à justiça

enquanto instituição estatal, mas, de forma efetiva, viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, capaz de garantir o exercício dos direitos fundamentais da pessoa.

Em recente entrevista, Kazuo Watanabe11, trouxe reflexões das razões que levaram à criação dos Juizados Especiais, Cíveis e Criminais, no Brasil, como uma tentativa de dar efetividade ao princípio do acesso à justiça, principalmente porque as pessoas simplesmente não sabiam onde, a quem ou como recorrer.

Ainda que as reformas advindas das Leis dos Juizados Especiais, possam ter admitido e facilitado o acesso de pessoas com menor poder aquisitivo e condições ao judiciário, em pouco tempo serviu para torná-los contrários ao fim ao qual se destinavam. Embora ainda continuem funcionando, as pessoas que precisam de respostas aos seus conflitos, permanecem sem orientação e conhecimento; e a justiça permanece distante e utópica.

Considerando que a mera facilitação de acesso ao judiciário não alcança o princípio constitucional de acesso à justiça, novas formas de resolução dos conflitos precisaram ser introduzidas no ordenamento jurídico.

Diante desse cenário, foi editada a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça12 que atualizou o conceito de acesso à justiça, como acesso à uma ordem jurídica justa. Essa definição está expressa na exposição de motivos da referida resolução, determinando que o judiciário vá além do julgamento de processos, oferecendo métodos eficazes para a resolução dos conflitos, tais como a mediação e outros métodos de resolução consensual.

Por outro lado, as alterações centrais do Novo Código de Processo Civil Brasileiro tiveram por vetor a busca de eficiência na gestão do volume de processos, valorizando o filtro das demandas que podem ser resolvidas por métodos alternativos de solução de conflito, tais como, a mediação e conciliação, devendo ser oferecidos desde o início do procedimento e com as técnicas de julgamento de casos repetitivos pautadas em agregação e padronização decisória13.

Assim, em havendo outras portas de acesso à justiça, as transformações sociais não devem, obrigatoriamente, passar pelo judiciário que tem limites institucionais para endereçá- las, é inerte e só age quando provocado.

4.  Métodos alternativos de resolução de conflitos

Os métodos adequados de solução de conflitos (ADR14) se constituem em alternativas amigáveis e pacíficas de solução de conflitos e sobre os quais tem-se, cada vez mais, dada ênfase. São formas pacíficas que se baseiam no consenso entre as partes em conflito que, despindo-se da conduta adversarial, firmam propósito na solução amigável do conflito, com boa-fé e boa vontade, podendo se dar através da atuação de uma terceira pessoa, neutra, ou de mais de uma, de sua livre escolha e confiança.

Ocorrem os meios autocompositivos quando a construção da solução é realizada pelas próprias partes, enquanto protagonistas do método, ainda que auxiliadas por um terceiro e os heterocompositivos, quando a solução é formulada e aplicada por um terceiro imparcial.

O Código de Processo Civil Brasileiro15 trouxe importantes e significativas mudanças ao incluir em seu texto a previsão da mediação e da arbitragem como métodos de solução consensual de conflitos que devem ser estimulados por todos os agentes indispensáveis à administração da justiça16.

4.1. A mediação – o estado das coisas no Brasil

  O conceito de Resolução Alternativa de Disputas (ADR), surgiu em meados da década de 1970 nos Estados Unidos, como uma alternativa aos elevados custos da justiça comum e logo ganhou força.

Por se tratar de um país de economia liberal, a possibilidade de acordos que pudessem satisfazer ambas partes, por meio da livre negociação, fez com que a Alternative Dispute Resolution (ADR) rapidamente se popularizasse17.

A mediação, como método alternativo de resolução de conflito, não é matéria nova no sistema jurídico brasileiro.

Em 1998 foi apresentado o primeiro Projeto de Lei18 que pretendia regulamentar o método, estabelecendo definição e dispositivos, contudo, o projeto acabou arquivado, sem aprovação.

Depois do amadurecimento dos debates sobre os métodos alternativos de solução de conflitos, o Conselho Nacional de Justiça editou a primeira Resolução19 específica acerca do tema, sendo, portanto, um marco na implementação definitiva do também denominado de sistema multiportas20.

Apenas em 2015, foi editada a Lei de Mediação21, com o fim de privilegiar os princípios constitucionais do acesso à justiça e da duração razoável do processo, na mesma esteira das mudanças advindas com o Código de Processo Civil Brasileiro que passou a vigorar em março de 2016.

A mediação é caracterizada pela presença de terceiro profissional: o mediador – imparcial e equidistante do conflito que tem por mister auxiliar as pessoas em contenda a chegar ao consenso e, portanto, à solução do conflito.

O mediador tem o papel de facilitador, conduzindo as partes à composição amigável, através da neutralização das emoções na comunicação, formação de opções e negociação de acordos, sem interferir diretamente na construção das soluções22. Os protagonistas da negociação são as partes que a partir do conflito e com o auxílio do mediador, buscam juntas  a forma de solucioná-lo.

5.   O conflito na pós-modernidade – comunicação, consumo e tecnologia digital. A vida on-line, os conflitos além da tela e a adequação da ODR – On-line Dispute Resolution

Na pós-modernidade, a atomização da sociedade e a erosão do social derivam do binômio tecnologia e consumo: meios se transformam em finalidade, deslocando objetivos a ponto de serem perdidos de vista.

Constata-se uma violência neuronal, inicialmente, sofrida pelo indivíduo, alterando- lhe o comportamento e definindo a paisagem patológica do início do século XXI: Síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL), Síndrome de Burnout.

A mudança de paradigma se caracteriza através do desaparecimento da alteridade e da estranheza que são substituídas, respectivamente pela diferença e pelo exótico. O desaparecimento da alteridade demonstra que vivemos em época de poucas negatividades. Portanto, a violência, no alvorecer do século XXI, deriva do excesso de positividade.

Ultrapassada a sociedade disciplinar definida por Foucault, os asilos, fábricas, hospitais e presídios são sucedidos por shoppings, academias de crossfit, aeroportos e clínicas de estética que caracterizam a sociedade do desempenho, portanto, o sujeito de obediência é substituído pelo sujeito do desempenho e produção.

O sujeito de desempenho concorre consigo mesmo, se vê forçado a superar, constantemente a si próprio.

A depressão, na modernidade tardia, surge da perda de relação com o conflito como nos foi herdado no final do século XIX23. O sujeito de desempenho não aceita sentimentos negativos, o que conduziria ao conflito intrapsíquico, porém tal negação faz com que o processo de elaboração do conflito seja por demais demorado. Em tempos líquidos24, quase gasosos, mais simples a redenção aos antidepressivos, já que mais rápido o restabelecimento do sujeito funcional e capaz de desempenho25.

Esse sujeito de desempenho, atomizado, ao qual é disponibilizada uma quantidade de informação, quase bizarra, impossível de ser captada, gerando efeito lisérgico e viciante, conectado todo o tempo, já que os dispositivos móveis se tornaram verdadeiras próteses metálicas, desenvolve um agir on-line, uma identidade que projetada nas relações interpessoais darão uma nova caracterização do conflito.

Nesse contexto é possível identificar a velocidade com que o conflito escala quando ocorre fora do território da rede, na vida off-line, como mostra Relatos Selvagens26 e a filmografia de Michael Haneke, na qual demonstra-se que as vidas das pessoas comuns também se convertem em protagonistas das notícias, sendo estas também parte desse carrossel de imagens sem fim e assumidas por uma sociedade de consumo, completamente saturada de imagens27.

Assim, inequívoca a adequação da ODR como método de composição, já que se estabelece e desenvolve no território da rede.

Considerações finais

 Diante do fenômeno da desintegração social caracterizado pela pouca vivência de solidariedade, dando espaço a medo, insegurança, inclusive em relação às instituições, imperioso o protagonismo das partes na construção de soluções para os conflitos.

A tecnologia trouxe as facilidades do acesso quase instantâneo a uma gama infinita de informações e oportunidades, mas, em vez de aproximar, acabou por isolar o indivíduo, dificultando a comunicação, talvez por excesso de informação, comprometendo a vivência em comunidade.

Baseado na Teoria de justiça – nyaya – trabalhada por Amartya Sen, é preciso considerar a vida que as pessoas são capazes de levar, afastando o mito da justiça perfeita e aproximando os princípios e valores que possam dar conta de identificar métodos para solução de conflitos, sem perder de vista a cultura e o momento civilizatório local.

A banalização do ofensivo e a ausência de filtros transformou o indivíduo que agora, no esconderijo e proteção da tela de seus dispositivos móveis, se sente com liberdade de escrever e compartilhar qualquer conteúdo, sem nenhuma preocupação com a veracidade, fonte, teor ou alcance daquela informação e, principalmente o impacto a ser causado.

Longe do debate da censura, ou da Lei Geral de Proteção de Dados, a experimentação da 4ª Revolução Industrial cuidou de aprofundar as desigualdades e polarizar ainda mais o indivíduo, afastando-o cada vez mais da vida e do real, tornando-o, além de isolado, capaz de banalizar o mal.

Numa sociedade que é campeã na criação de memes e fake news, não é surpresa que o conflito ainda que ocorra além das telas, se origine no território virtual das redes.

Em que pese a existência de departamentos especializados em ditos “crimes virtuais”, importante oportunizar ao indivíduo a possibilidade de autogerir e autocompor conflitos, a partir do incremento da genuína experimentação da autorresponsabilidade.

Assim, mais adequado que a resolução desses conflitos se dê através do mesmo meio, qual seja, o virtual.

Referências bibliográficas

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Notas: 

1 Advogada. Mediadora Certificada ICFML – Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos. Presidente da Comissão Temporária de Estudos sobre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável/ONU do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro Efetivo da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro Efetivo da Comissão de Filosofia do Instituto dos Advogados Brasileiros. Mestranda em Ciência da Sustentabilidade na PUC – Rio.

2 Organização das Nações Unidas

3 Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em < http://www.agenda2030.com.br/> Acesso em 09 de setembro de 2019.

4 Em < http://www.agenda2030.com.br/ods/16/> Acesso em 09 de setembro de 2019.

5 SEN, Amartya. A idéia de justiça; tradução Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

6 RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971.

7 Op. Cit. SEN, Amartya. p.17. “Alguns dos argumentos racionais, por exemplo, de Gautama Buda (o defensor agnóstico do “caminho do conhecimento”) ou dos escritores da escola de Lokayata (empenhada na análise incansável de todas as crenças tradicionais) na Índia do Século VI A.C., podem soar intimamente alinhados – e não adversos – a muitos dos escritores críticos de autores proeminentes do Iluminismo europeu. Não precisamos nos alvoroçar tentando decidir se Gautama Buda deve ser visto como um membro antecipado de alguma liga iluminista européia (seu nome adquirido afinal de contas significa “iluminado” em sânscrito), nem considerar a tese forçada de que o Iluminismo europeu pode ser remontado à influência de longa distância do pensamento asiático.”

8 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação            do                                 Poder       Judiciário       lesão                      ou                  ameaça   a                         direito” Em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 09 se setembro de 2019.

9 BRAGA, Marcela de Almeida Pinheiro. 20 anos da Constituição. Acesso à Justiça não se confunde com acesso ao Judiciário. Em: <https://www.conjur.com.br/2008-out-11/acesso_justica_nao_confunde_acesso_judiciario> Acesso em 09 de setembro de 2019.

10 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1988.

11 CREPALDI, Thiago e VALENTE, Fernanda. Revoluções Jurídicas. Reforma do CPC perdeu oportunidade de melhorar sistema das ações coletivas. Entrevista concedida pelo jurista Kazuo Watanabe. Em: < https://www.conjur.com.br/2019-jun-09/entrevista-kazuo-watanabe-advogado> Acesso em 09 de setembro de 2019.

12 Brasil. Resolução nº. 125 do Conselho Nacional de Justiça. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Em:< https://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em 09 de setembro de 2019.

13 GABBAY, Daniela Monteiro. Acesso ao Judiciário nem sempre é sinônimo de acesso à Justiça. Em:<https://www.valor.com.br/politica/5494921/acesso-ao-judiciario-nem-sempre-e-sinonimo-de-acesso- justica> Acesso em 09 de setembro de 2019.

14 Alternative Dispute Resolution.

15Brasil.     Lei     nº     13.105,     de     16     de     março    de     2015.     Código     de     Processo      Civil.      Em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 09 de setembro de 2019.

16 Brasil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Art. 3º “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos   e   membros   do   Ministério   Público,   inclusive   no   curso   do   processo   judicial”.        Em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 09 de setembro de 2019. 17Mediação nos Estados Unidos e Mediação no Canadá Em:< https://www.centrodemediadores.com/mediacao- nos-estados-unidos-e-mediacao-no-canada/> Acesso em 11 de setembro de 2019.

18 Brasil. Projeto de Lei nº. 4.827/1998. Autoria Deputada Zulaiê Cobra.

19 Brasil. Resolução nº. 125 do Conselho Nacional de Justiça. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Em:< https://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em 09 de setembro de 2019.

20 DALLA, Humberto e MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. – São Paulo: Saraiva Educação. 2019. p. 37

21 Brasil. Lei nº. 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/Lei/L13140.htm> Acesso em 10 de setembro de 2019.

22 Op. Cit. DALLA, Humberto e MAZZOLA, Marcelo. p. 48.

23 EHRENBERG. Das erschöpfte Selbst, p. 11 Apud HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço; tradução de Enio Paulo Gianchini. 2ª edição ampliada – Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

24 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida; tradução, Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Zahar, 2001

25 Op. Cit. HAN, Byung-Chul. p. 99

26 RELATOS SELVAGENS – Warner Bros. Pictures – Kramer & Sigman Films e El Deseo, 2014. 120 minutos, colorido.

27 GARCÍA, Pablo Ferrando. Vida e destino na sociedade do espetáculo. Metatextualidade e autorreferencialidade: uma estrutura em loop em 71 fragmentos de uma cronologia do acaso (71 fragmente einer chronologie des zufalls, 1994), de Michael Hanake. Universidade Jaume I de Castellón

 

Palavras Chaves

Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável/ONU – Conflito – Métodos adequados de resolução de conflito – Mediação – Acesso à justiça