A aplicabilidade da suspensão condicional do processo na Lei Maria da Penha

Resumo

O presente texto tem o propósito de demonstrar, através da pesquisa doutrinária, as particularidades da Lei n.º 11.340/2006, analisadas perante o instituto da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, são expostos os entendimentos dos tribunais superiores, o motivo pelo qual firmaram sua posição, além do debate sobre as divergências acerca do tema proposto.

Abstract

This text aims to demonstrate, through doctrinal research, the particularities of Law No. 11.340 / 2006, analyzed before the institute of conditional suspension of proceedings. In this sense, the understandings of the superior courts are presented, the reason for which they established their position, as well as the debate about the divergences about the proposed theme.

Artigo

A aplicabilidade da suspensão condicional do processo

na Lei Maria da Penha

  Douglas G. Pina Bastos[1]

  RESUMO:

 O presente texto tem o propósito de demonstrar, através da pesquisa doutrinária, as particularidades da Lei n.º 11.340/2006, analisadas perante o instituto da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, são expostos os entendimentos dos tribunais superiores, o motivo pelo qual firmaram sua posição, além do debate sobre as divergências acerca do tema proposto.

 PALAVRAS-CHAVES: suspensão condicional do processo; violência doméstica; Lei Maria da Penha.

 ABSTRACT

 This text aims to demonstrate, through doctrinal research, the particularities of Law No. 11.340 / 2006, analyzed before the institute of conditional suspension of proceedings. In this sense, the understandings of the superior courts are presented, the reason for which they established their position, as well as the debate about the divergences about the proposed theme.

 KEYWORDS: conditional suspension of proceedings; domestic violence; Maria da Penha Law.

 INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva realizar uma pesquisa analítica doutrinária exploratória sobre a não aplicação da suspensão condicional do processo nas hipóteses de incidência da Lei Maria da Penha.

Inicialmente, convém mencionar que a origem histórica da Lei n.º 11.340/2006 foi o caso nº 12.051 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), cuja autora, Maria da Penha Maia Fernandes, fora casada com Marco Antônio Heredia Viveros e sofrera violência doméstica, inclusive duas vezes tentativas de homicídio, sendo a primeira por arma de fogo, deixando-a paraplégica, e a segunda por eletrocussão seguida de afogamento.

Após as tentativas de homicídio, Maria da Penha tomou iniciativa processando seu agressor, todavia o trâmite processual percorreu alguns anos. Devido a isso, Maria da Penha uniu-se ao Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e juntos formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, alegando insuficiência de meios coercitivos e violação aos direitos fundamentais, ocasião em que o país foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para proibir a prática de violência doméstica contra a mulher, sendo acusado de negligência, omissão e tolerância. Além disso, foi recomendada a conclusão do processo criminal que envolvia a autora e o início de investigações sobre irregularidades e atrasos no processo. Além de toda reparação de direito, a condenação do Brasil teve como principal foco a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

A Lei protege todas as pessoas pertencentes ao sexo feminino, ainda que divergente sua identidade de gênero, bem como àqueles do sexo masculino cuja identidade de gênero seja diversa. Em síntese, a vítima precisa estar em situação de vulnerabilidade em relação ao agressor, não há necessidade de que seja marido ou companheiro, podendo ser um parente ou pessoa de convívio. A Lei Maria da Penha não contempla apenas os casos de agressão física, também, estando previstas as situações de violência psicológica como afastamento dos amigos e familiares, ofensas, destruição de objetos e documentos, difamação e calúnia. Conforme preceitua o artigo 7º da Lei n.º 1.340/2006.

 BREVES APONTAMENTOS SOBRE O SURGIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

 No Brasil, o instituto da Suspensão Condicional do Processo foi inserido no ordenamento jurídico através da Lei n.º 9.099/1995 com procedimento previsto no art. 89, § 1º da mencionada norma jurídica.

Inicialmente, tratava-se a Suspensão Condicional do Processo como simples medida despenalizadora que tinha objetivo de evitar que o processo sequer se iniciasse. Tal entendimento foi desconstituído com a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo-se a efetiva contribuição e funcionalidade do instituto, como se depreende a seguir:

 Diante da formulação de proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, o denunciado tem o direito de aguardar a fase de recebimento da denúncia, para declarar se a aceita ou não. A suspensão condicional do processo, embora traga ínsita a ideia de benefício ao denunciado, que se vê afastado da ação penal mediante o cumprimento de certas condições, não deixa de representar constrangimento, caracterizado pela necessidade de submeter-se a condições que, viesse a ser exonerado da acusação, não lhe seriam impostas. Diante da apresentação da acusação pelo Parquet, a interpretação legal que melhor se coaduna com o princípio da presunção de inocência e a garantia da ampla defesa é a que permite ao denunciado decidir se aceita a proposta após o eventual decreto de recebimento da denúncia e do consequente reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da aptidão da peça acusatória e da existência de justa causa para a ação penal. Questão de ordem que se resolve no sentido de permitir a manifestação dos denunciados, quanto à proposta de suspensão condicional do processo, após o eventual recebimento da denúncia (STF, Pet 3.898/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27-8-2009, DJe 237, de 18-12-2009).

 Em outra vertente, na Exposição de Motivos n° 016 – SPM/PR, de 16 de novembro de 2004, enviada ao Presidente da República por Nilcéa Freire, Secretária Especial de Políticas para as Mulheres, como parte integrante do anteprojeto de criação da Lei n.º 11.340/2006, argumentou-se que em não havendo acordo, o Ministério Público poderia propor a transação penal ao agressor para cumprir as condições equivalentes à pena alternativa para encerrar o processo (pena restritiva de direitos ou multa). Não sendo possível a transação, o Ministério Público então ofereceria a denúncia e o processo seguiria o rito comum de julgamento para a condenação ou a absolvição. Cabe ressaltar que não há escuta da vítima e ela não opina sobre a transação penal.

2.1 Correlações entre os institutos da suspensão condicional do processo e a lei n.º 11.340/2006

A Lei Nº 9.099/1995 introduziu formas de atuação estatal na repressão de infrações de menor potencial ofensivo sem, no entanto, usar de penas restritivas de liberdade, garantindo-as como medida de reserva quando houvesse necessidade. Neste mesmo sentido, vale a lição deixada por Beccaria: “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcional ao delito e determinada pela lei”. (BECCARIA, 2003, p. 107).

BECCARIA, expoente da escola criminológica clássica, defendia já em seu tempo que a pena deveria ser pública, pronta, necessária e proporcional. Entendimento esse que já é consolidado nas doutrinas e jurisprudências como objetivo do Direito Penal brasileiro. Além disso, também defendia a moderação das penas, proibição de punições degradantes, como tortura e pena de morte, em que alega ser inaceitável exigir que um homem acuse a si mesmo. Mas seu ponto principal é a ideia de Inevitabilidade do Castigo; tem-se para tanto que o modo como os crimes são evitados não está na severidade da pena e sim em sua aplicação obrigatória. Para afastar a ideia de impunidade, é necessária a perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável. Nesse contexto, pode-se dizer que a Lei n.º 11.340/2006, deve de fato punir com obrigatoriedade seus descumpridores, mas na perspectiva moderada e inevitável.

Verifica-se nesse ponto perfeita harmonia entre os institutos despenalizadores e as infrações da Lei n.º 11.340/2006, vez que não há que se falar em impunidade sob sua aplicação. Sendo assim, há correlação com todo ordenamento jurídico vigente no Brasil, não havendo, portanto, hipótese normativa justificável para uma inaplicação. Não há que se falar no Direito Penal brasileiro em uma pena que seja desproporcional ao delito praticado, nem impunibilidade vez que comprovados materialidade e autoria.

 2.2 Breve análise sobre o minimalismo penal e seus princípios norteadores

 Nesse contexto, para construção de uma base sólida de argumentação, necessário se faz trazer algumas teorias e princípios que norteiam a aplicação do Direito Penal e seus respectivos desdobramentos como forma de complementar a construção teórica aqui firmada.

2.2.1 Direito Penal Mínimo, Direito Penal Máximo e Direito Penal do Inimigo

O Direito Penal Mínimo, em síntese, tem uma finalidade de proteção dos bens necessários de uma sociedade, aqueles cujos demais ramos do ordenamento jurídico não conseguem alcançar, traduzido no Direito Penal pátrio nos Princípios da Intervenção Mínima, Lesividade, Proporcionalidade e Legalidade.

Em outro ponto, temos o Direito Penal Máximo, nascido no Movimento Lei e Ordem, de caráter repressivo e extremo, que argumenta uma forma de controlar e repreender todos os conflitos que a sociedade possui, constituindo excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das penas e condenações. É um poder de coerção através da violência excessiva e legitimada por alguns Estados Soberanos, que por lógica obtém uma quase inexistência de Direitos. Dentro desse sintético panorama, originou-se a Teoria das Janelas Quebradas que consiste, em síntese, que a desordem gera a desordem, ou seja, relata que um delito por menor que seja deve ser punido pelo Estado com força total, de forma a evitar que delitos maiores ocorram e, caso o Estado seja omisso em contrapor tal delito ínfimo, terá dificuldades em contrapor delitos grandes.

O Direito Penal do Inimigo, ainda pertencente à “família” do Direito Penal Máximo, mas como o mais agressivo, foi desenvolvido pelo Professor Gunter Jakobs e, em suma, argumenta que o Direito Penal deveria estar despreocupado com seus princípios fundamentais, tendo em vista lidar com inimigos do Estado. Seria como se o Estado travasse uma guerra interna com sua população delinquente, firmando um liame de reincidência criminosa quase obrigatória dentre os inimigos. Nesse sentido, leciona Rogério Greco;

O chamado Direito Penal do Inimigo encontra-se, hoje, naquilo que se reconhece como a terceira velocidade do Direito Penal. A primeira velocidade seria aquela tradicional do Direito Penal, que tem por fim último a aplicação de uma pena privativa de liberdade. Nessa hipótese, como está em jogo a liberdade do cidadão, devem ser observadas todas as regras garantistas, sejam elas penais ou processuais penais. Numa segunda velocidade, temos o Direito Penal à aplicação de penas não privativas, a exemplo do que ocorre no Brasil com os Juizados Especiais Criminais, cuja finalidade, de acordo com o art. 62 da Lei nº 9.099/95, é, precipuamente, a aplicação de penas que não importem na privação da liberdade do cidadão, devendo, pois, ser priorizadas as penas restritivas de direitos e a pena de multa. Embora ainda com certa resistência, tem-se procurado entender a terceira velocidade. Seria uma velocidade híbrida, com finalidade de aplicar penas privativas de liberdade com uma minimização das garantias necessárias a esse fim. (GRECO, 2009, p.19).

 O autor faz menção às velocidades do Direito Penal, em que se podem extrair princípios e teorias advindas de cada uma delas. Nesse contexto, temos que a primeira velocidade traz influência da Escola Clássica de Beccaria e também do pensamento de Kant, destacando a importância das penas na prevenção do crime, proporcionalmente, mas também na garantia do devido processo legal e dos limites do poder punitivo. Na denominada segunda velocidade, temos grande influência do pensamento restaurativo de Zaffaroni e Christie, com maior interesse em pormenorização do cárcere e propagação das penas restritivas de direitos. Por fim, aloca a teoria do Direito Penal do Inimigo no que seria considerada a terceira velocidade do Direito Penal, um misto de aplicação do cárcere e repressão das garantias processuais.

 2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima e Fragmentariedade

 O Princípio da Intervenção mínima, oriundo da corrente teórica do Direito Penal Mínimo, também conhecido como ultima ratio, compreende o raio de incidência do Direito Penal de modo a não tutelar os bens passíveis de proteção por outros ramos do direito lato sensu. Em síntese, tem-se que o Direito Penal deve interferir minimamente na sociedade, atuando somente em situações indispensáveis, tutelando bens jurídicos próprios e de maior importância. Nesse tocante, ao Poder Legislativo cabe a prerrogativa de modificar e inovar a Ordem Jurídica, tanto para benefício coletivo, quanto para beneficiar certos fragmentos da sociedade.

O Princípio da Intervenção Mínima não deve se confundir com o da Fragmentariedade, esse demonstra que o Direito Penal só deve se ocupar com ofensas realmente graves aos bens jurídicos protegidos, enquanto aquele demonstra a tutela do Direito Penal a bens jurídicos relevantes. Em suma, de acordo com ambos, devemos ter uma tutela de bens jurídicos importantes e, além disso, de ofensas realmente importantes.

 2.2.3 Princípio da Proporcionalidade

 Em matéria penal, conceitua-se como exigência de proporcional equilíbrio que deve existir no binômio entre crime e pena, fundamentados na gravidade do injusto penal e a pena aplicada. O referido Princípio sustenta que não se podem criar tipos penais que não protejam bens jurídicos, bem como a pena cominada deve ser compatível com o bem jurídico tutelado. Nessa toada, o princípio da proporcionalidade, na sua forma atual, é normalmente descrito pela doutrina alemã como um conjunto de três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Gilmar Ferreira Mendes assim descreve o princípio da proporcionalidade:

A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. (Mendes, 2001).

 Nesse sentido, temos que não basta que seja criada uma restrição legal, ainda que direcionada a determinado fim, sem observância dos parâmetros legais, ainda que haja urgência na tomada de medidas. Não se pode justificar a acréscimo legal, somente com base na necessidade da sociedade.

 2.2.4 Garantismo Penal

 O garantismo surgiu como uma válvula de escape para os movimentos extremistas que existiam antigamente, como uma espécie de meio termo entre o Abolicionismo Penal e o Movimento Lei e Ordem. Luigi Ferrajoli, expoente do pensamento garantista no Direito Penal, ensina, em apertada síntese, que o sistema penal deve ser aplicado de forma justificada em relação aos indivíduos.

Segundo o pensamento garantista, o direito penal não deve servir apenas à pessoa ofendida pela conduta delituosa, mas também ao infrator, sendo que este deve ser protegido em face das reações advindas de seu ato, sejam estas reações informais, públicas ou privadas. Nesse sentido, a corrente defendida pelo sistema penal garantista não serve apenas para prevenir os injustos delitos, mas também os castigos injustos.

Para Ferrajoli, o garantismo apresenta três sentidos: como um modelo normativo de Direito, que busca garantir os direitos dos cidadãos com a capacidade de punir do Estado; como uma teoria crítica do direito, é uma teoria jurídica que se fundamenta na diferença entre a norma e a realidade, ocasionando uma separação entre o ser e o dever ser. Contudo, o juiz não é obrigado a aplicar leis inválidas, mesmo as vigentes; como uma filosofia política, impondo o dever de justificativa ético-política ao Estado e ao Direito, não aceitando somente a justificação jurídica. (FERRAJOLI, 2002).

Nesse contexto foram desenvolvidos desdobramentos dessa teoria: Garantismo Positivo que consiste, na qualidade de proteção que o Estado oferece aos indivíduos, com fundamento constitucional que garante o direito à segurança como dever do Estado. Sendo assim, não pode ser tolerada uma proteção deficiente, que favoreça a periculosidade e fomente a criminalidade. Garantismo Negativo, esse pensamento tem fundamento na visão do acusado, réu, apenado, de forma a garantir a proteção dos direitos e deveres do referido, frente ao Estado.

A coexistência de ambos os institutos é perfeitamente possível, como forma de atuação plena do Estado e garantia dos direitos do acusado. Essa junção de Garantismo Negativo e Garantismo Positivo, denominado pela doutrina de Garantismo Integral, determina uma visão plena do Direito Penal brasileiro, como será desenvolvido a seguir.

 

2.2.5 Efetividade do Direito Penal

 O Direito Penal tem se modernizado e, junto a isso, tem deixado o antigo pensamento de que seus objetivos seriam apenas de regular as ações do homem. Esse pensamento vem sendo substituído por um pensamento mais abrangente, garantindo proteções à sociedade, perante aqueles que delinquem, mas também proteção àqueles que delinquem contra os excessos estatais, como preconiza a doutrina garantista. Todavia, é necessário o entendimento sobre a efetividade do Direito Penal, ou seja, como poderia o Direito Penal se fazer efetivo. Um primeiro caminho é a distinção de que a simples aplicação da legislação criminal não impõe uma efetividade, é necessário mais, como sustenta Eugenio Raúl Zaffaroni:

 A efetividade do direito penal é sua capacidade para desempenhar a função que lhe incumbe no atual estágio de nossa cultura. Esta função é a de garantia externa de um âmbito de autorrealização humana, isto é, a garantia de disponibilidade daquilo que se considera que pode ser necessário para realizar-se em coexistência. Logo, é efetivo o direito penal capaz de servir de garantia externa da existência. Um direito penal que não tenha esta capacidade será não efetivo, e gerará tensões sociais e conflitos que acabarão destruindo sua eficácia (vigência). Não obstante, continuará sendo direito penal e estará vigente enquanto for sustentado. Se a carência de efetividade é de grau tão elevado, que afeta o atual horizonte de projeção da ciência jurídico-penal, este ficará reduzido a um simples exercício de poder e não será direito penal. Para que o direito penal tenha efetividade, será necessário que respeite a condição humana: que sirva ao homem a partir de um reconhecimento do ser do homem. Isto é a fundamentação antropológica. O direito penal efetivo deverá estar antropologicamente fundamentado. O direito penal não efetivo não o estará, mas continuará sendo enquanto conserve eficácia. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2015).

 Nesse sentido, de acordo com o atual estágio de nossa cultura o direito penal busca a tutela daquilo que é necessário, caso fuja desse patamar perderá sua efetividade, tornando-se mero instrumento de coerção e confundindo-se com a pura norma incriminadora, que deveria ser mero instrumento para coibir a violência social e deixando de lado o caráter ressocializador.

O direito penal efetivo não é aquele que conserve eficácia, mas aquele que de acordo com os ditames antropológicos e sociais consegue atingir os objetivos propostos por essas disciplinas, diferentemente da política criminal que estuda os meios de controle e repressão criminais, o direito penal é a norma enquanto “Ser” e, para isso, necessita de extrema efetividade no controle social.

 3. O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

 No Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento do HC 280.788-RS, o Ministro Rogério Schietti argumentou que embora o artigo 41 da Lei Maria da Penha fizesse referência a crimes, a orientação do STJ é de que não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/2006 a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal. Embora tenha reconhecido que uma interpretação literal do artigo 41 poderia levar à conclusão de que a Lei n.º 9.099/2006 poderia ser aplicada às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, segundo ele, os fins sociais da Lei Maria da Penha impedem essa conclusão.

Nesse sentido, o Superior Tribunal editou a Súmula de nº 536 que reafirma a impossibilidade de aplicação da Suspensão Condicional do Processo e da Transação Penal em delitos previstos na Lei Maria da Penha ou que seguem seu rito, apesar da súmula referida não apresentar distinções sobre crime ou contravenção, o entendimento firmado no STJ foi de que ambos não teriam a aplicação de medidas despenalizadoras.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), já se verificam diversas manifestações, quais sejam: Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.424/DF; Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 19/DF; Medida Cautelar na Reclamação n.º 27.262/RJ. Em apertada síntese, a relatoria da Ação Direta de Inconstitucionalidade invoca o princípio explícito constitucional da dignidade humana, atribuindo ao Estado a criação de mecanismos para coibir a violência no seio familiar. Ressaltou-se, ainda, a constitucionalidade do artigo 41 da Lei n.º 11.340/06, confirmando o pleito alvo do julgamento que era a natureza jurídica da ação penal, nos casos relativos à Lei.

No tocante à Ação Declaratória de Constitucionalidade, temos que a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, depende de opção político-normativa dos representantes do povo os Deputados Federais e dos representantes dos Estados os Senadores da República, ao analisar a constitucionalidade do artigo 41 da Lei n.º 11.340/06 evidencia-se a notória contribuição deste dispositivo ao ordenamento jurídico pátrio, como forma de avanço cultural de combate aos males sofridos pelas mulheres.

Por fim, a Medida Cautelar na Reclamação versa, inicialmente, da decisão de um Juízo singular que optou pela não aplicação do artigo 88 da Lei n.º 9.099/96. Todavia, a relatoria invocou entendimento pacífico do Pleno, argumentando a constitucionalidade do artigo 41 da Lei n.º 11.340/06, deixando claro a extensão da decisão para a transação penal, composição civil dos danos e a suspensão condicional do processo. Argumentou, ainda, que a persistência da suspensão condicional do processo, poderia acarretar indevida extinção da punibilidade do acusado ou ainda o cumprimento desnecessário de condições.

Diante destes pronunciamentos dos tribunais superiores, temos em síntese que os institutos despenalizadores não são aplicáveis, segundo a jurisprudência, a todos os crimes e contravenções que sigam o rito da Lei n.º 11.340/2006.

CONCLUSÃO

 Considerando todo o exposto acima, o que se entende hoje nos tribunais é pela vedação da Suspensão Condicional do Processo nos crimes e contravenções que observam o rito da Lei Maria da Penha, todavia, analisando as teorias e os princípios expostos no presente  texto, tem-se que, a posição adotada hoje pelos tribunais não está consoante com os princípios constitucionais, como o Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Razoabilidade, Princípio da Intervenção Mínima e também de todas as teorias atinentes ao Direito Penal Pátrio, como Teoria do Garantismo Integral e Teoria do Direito Penal Mínimo.

O que no entendimento dos tribunais é uma justificativa de que a aplicação de medidas despenalizadoras gera uma impunibilidade por parte do Estado e, caso houvesse sua aplicação, estar-se-ia divergindo do propósito de criação da Lei Maria da Penha, mitigando a importância da proteção às mulheres. Porém, quando um magistrado aplica a Suspensão Condicional do Processo a um delito, ele não está deixando de punir, apenas está evitando a contaminação do cárcere, optando por medidas diversas da prisão, que coadunam perfeitamente com os crimes que lhe são aplicáveis e os propósitos de sua criação.

Não se pode justificar a imposição de cárcere a contravenções pelo fato de que supostamente seriam praticadas em situação de violência doméstica, como por exemplo: a contravenção de Vias de Fato. Nesse ponto, os tribunais aplicaram um entendimento que se assemelha ao entendimento da posição doutrinária adepta ao Movimento Lei e Ordem ao Direito Penal Máximo e sua Teoria das Janelas Quebradas, punindo assim, qualquer infração independentemente de sua lesividade e gravidade, com força máxima.

A aplicação da Suspensão Condicional do Processo não altera em nada os objetivos da Lei Maria da Penha, tampouco induz impunibilidade, apenas traz ao réu a observância de proporcionalidade a sua questão.

A edição da Lei n.º 11.340/2006 foi uma grande conquista a todas as mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de violência em âmbito familiar ou doméstico, com ela a proteção constitucional da família e à mulher foi valorizada, tornando-se hoje um pilar de segurança contra as covardias e falta de escrúpulos de indivíduos machistas e opressores que, de alguma forma, ainda vivem numa sociedade patriarcal e totalitária. Todavia, e aqui deixemos nossa íntima convicção e emoção à parte, não podemos justificar a inaplicabilidade de todo um sistema jurídico funcional composto de princípios, doutrinas e jurisprudências, por uma falsa percepção de que estaríamos minorando a proteção garantida às mulheres pela lei citada ou então de que estaríamos contribuindo de certa forma para parcial impunidade daqueles que cometeram os crimes previstos no corpo do dispositivo normativo.

Um instrumento que poderia ser utilizado para parcial solução à hipótese apresentada seria a aprovação por parte do Poder Legislativo de uma reforma nos crimes de modo a aumentar a pena em abstrato dos delitos previstos na Lei n.º 11.340/2006, isso importaria em além do aumento da proteção às mulheres e maior punição aos criminosos, observadas a culpabilidade de cada caso, extrapolaria o índice de aplicação da Suspensão Condicional do Processo, esse ato solucionaria os problemas com os crimes previstos na Lei Maria da Penha, mas de nada adiantaria sobre as contravenções já decididas pelo STF como inclusas no entendimento de não aplicação da Lei n.º 9.099/1995 e seus institutos.

Nesse ponto a questão torna-se mais complexa, pois no tocante às Contravenções Penais segundo a Súmula 588 do STJ, não cabe nem substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nesse caso vislumbra-se que deveria ser aplicada uma interpretação casuística para a contravenção de Vias de Fato, pois deve existir disparidade de forças e índices de submissão para que esta se caracterize como aplicável pela Lei n.º 11.340/2006, e não pura e simplesmente por ocorrer em ambiente doméstico.

Entende-se, portanto, uma grande disparidade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, nesse ponto acredita-se que a jurisprudência não tem acompanhado as melhores doutrinas, causando profundos questionamentos sobre a aplicabilidade da Suspensão Condicional do Processo em Lei n.º 11.340/2006, todavia há esperanças de uma mudança na interpretação de tais institutos, tendo em vista a evolução do Direito Penal.

REFERÊNCIAS

 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004.

 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradutores do livro Diritto e ragione: teoria dei garantismo penale, de Luigi Ferrajoli, 6.ed. Roma: Laterza, 2000 : ANA PAULA ZOMER, JUAREZ TAVARES, FAUZI HASSAN CHOUKR, LUIZ FLÁVIO GOMES. com a colaboração de: Alice Bianchini, Evandro Fernandes de Pontes, José Antonio Siqueira Pontes, Lauren Paoletti Stefanini. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

GREGO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 4. ed. Niterói: Impetus, 2009.

MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v.01, nº5, agosto, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br . Acesso em: 12 maio 2018.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

[1] Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Valença – CESVA/FAA. E-mail: [email protected]

Palavras Chaves

suspensão condicional do processo; violência doméstica; Lei Maria da Penha.