A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL

Resumo

Este artigo tem como escopo abordar as características das competências dos Municípios, notadamente em matéria ambiental, considerando a importância dada a este ente federativo pela Constituição Federal. Será abordada a autonomia e os princípios que regem as competências dos Municípios. Nesse aspecto, perquirirá a respeito do significado da competência suplementar e do interesse local que a Constituição Federal atribui ao Município, abordando o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade, ou não, do Município legislar sobre meio ambiente. E, por fim, este trabalho apresenta também a questão da hierarquia entres os entes federativos e a forma de solucionar os conflitos existentes entre eles quando se trata de repartição de competências.

Artigo

A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL

 Fernando Lúcio Esteves de Magalhães[1]

Resumo : Este artigo tem como escopo abordar as características das competências dos Municípios, notadamente em matéria ambiental, considerando a importância dada a este ente federativo pela Constituição Federal. Será abordada a autonomia e os princípios que regem as competências dos Municípios. Nesse aspecto, perquirirá a respeito do significado da competência suplementar e do interesse local que a Constituição Federal atribui ao Município, abordando o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade, ou não, do Município legislar sobre meio ambiente. E, por fim, este trabalho apresenta também a questão da hierarquia entres os entes federativos e a forma de solucionar os conflitos existentes entre eles quando se trata de repartição de competências.

Palavras-Chaves:

Federalismo; Autonomia; Competência; Município; Meio Ambiente;

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; A IMPORTÂNCIA DOS MUNICÍPIOS NO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO; A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL (ARTIGOS 23, III e VI, 24, I, VI E VII, 30, I, II E VIII e 225, CAPUT e § 1°, III E IV, E § 4°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL); CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

A crise econômica mundial das últimas décadas tem causado grande empobrecimento da população, gerando enormes contingentes de pessoas sem emprego e habitação, ao passo que a má gestão política na área social já vem se tornando perene, aliada ao crescimento industrial sem preocupação com planejamentos ambientais, também têm contribuído para aumentar o problema do déficit habitacional e de trabalho, com o aumento da pobreza, colaborando, assim, para piorar a situação socioambiental do país, além do que estes fatores juntos têm causado enormes pressões sobre o ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho, com prejuízo a toda população envolvida.

Porém, após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992, a RIO-92, a conscientização da problemática ambiental tomou foro mundial, mas em alguns países, como o Brasil, a questão ambiental já se apresentava importante, o que se prova pela existência, em nossa Constituição Federal promulgada em 1988,  de dispositivo específico relativo à matéria, qual seja, o artigo 225, assim como já possuíamos algumas leis neste sentido como a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, e, posteriormente, a Lei nº 9.605, de 13.2.98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais.

Assim, nos últimos anos a preocupação da sociedade e dos administradores com o meio ambiente cresceu muito, havendo muitas ações e trabalhos no sentido de melhorar a qualidade de vida global.

Entretanto, em termos de Municípios, ainda temos pouquíssima legislação e ações de proteção ambiental, apesar da sua importância. Esta insuficiente proteção ambiental deve ser resolvida imediatamente, pois não podemos esquecer que eles também devem dar atenção ao meio ambiente, o que além de ser uma obrigação constitucional, é o que a sociedade quer deles, como veremos.

Outrossim, adentrando, propriamente, no objeto do estudo, analisará a repartição das competências das entidades políticas previstas pela Constituição Federal, de modo geral, e, especificamente, a ambiental, e, nesse particular, abrirá tópico específico para o Município, a respeito do significado da competência suplementar e o que seja “interesse local”.

Conclui, por fim, a abordagem da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a competência do Município para legislar sobre questão ambiental, nos mais recentes julgamentos.

  1. A IMPORTÂNCIA DOS MUNICÍPIOS NO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

A importância dos Municípios no Estado federal brasileiro talvez constitua a verdadeira razão deste artigo, que, mesmo despretensioso, buscará estudar um dos temas mais atuais e controvertidos no Direito Constitucional Ambiental pátrio, qual seja, as competências dos Municípios em matéria ambiental.

Pois bem, a Constituição Federal de 1988 consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao sistema federativo brasileiro. A Carta Magna ainda o integrou na organização político-administrativa e lhe garantiu plena autonomia, como prevê seu artigo 18, caput: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Nesse diapasão é a lição da doutrina[2]:

“A análise dos artigos 1º e 18, bem como de todo o capítulo reservado aos Municípios (apesar de vozes em contrário), leva-nos ao único entendimento de que eles são entes federativos dotados de autonomia própria, materializada por sua capacidade de auto-organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação. Ainda mais adiante do art. 34, VII, c, que estabelece a intervenção federal na hipótese de o Estado não respeitar a autonomia municipal”.

A principal competência legislativa dos Municípios é a capacidade de auto-organização através da edição da sua Lei Orgânica. Essa competência está prevista no artigo 29 da Constituição Federal.

Sobre esse ponto, convém transcrever as palavras do doutrinador Alexandre de Moraes[3]:

“A primordial e essencial competência legislativa do município é a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica do município, diferentemente do que ocorria na vigência da constituição anterior, que afirmava competir aos Estados-membros essa organização. A edição de sua própria Lei Orgânica caracteriza um dos aspectos de maior relevância da autonomia municipal, já tendo sido estudado anteriormente”.

Cumpre observar que as competências de cada um dos entes federativos estão estabelecidas na Constituição Federal, sendo que o princípio geral que norteia a repartição dessas competências é a predominância de interesse.

Nesse sentido[4]:“À União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que os Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local”.

Com efeito, o Município possui competências administrativas ou materiais, e competências legislativas, sendo que as primeiras podem ser: a) comum (cumulativa ou paralela), quando todos os entes são aptos a exercer essas competências, está disciplinada no artigo 23 da CF; e b) privativa (enumeradas), somente o Município pode exercer essa competência, consoante o artigo 30 da CF.

Outrossim, as competências comuns estão dispostas no artigo 23 da CF, e compete a todos os entes federativos exercê-las. A doutrina classifica-as como uma modalidade de competência concorrente, pelo fato de que se trata de uma concorrência de atuação nas matérias estabelecidas nesse artigo, objetivando a cooperação entre os entes federativos. Pelas próprias matérias presentes no dispositivo citado conclui-se que o legislador constitucional quis evitar o surgimento de lacunas e garantir que essas matérias sejam efetivadas.

Nas palavras da doutrina[5]:

“Trata-se de matérias em relação às quais o Constituinte pretendeu assegurar certa simetria entre os entes federativos, ademais de garantir uma ampla cobertura de atuação, isenta de lacunas, mediante políticas públicas e ações diversas em áreas sensíveis, como é o caso, apenas para ilustrar, zelar pela guarda da Constituição, das leis e instituições democráticas e conservar o patrimônio público (art. 23, I), cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência (art. 23, II), entre outros”.

Didaticamente, as competências legislativas, por sua vez, podem ser: a) expressa, disciplinada no artigo 29; b) suplementar, cabe ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, ou seja, dentro do interesse local, artigo 30, II, CF/88.

Além da competência para a edição da sua lei orgânica, as competências legislativas do Município se caracterizam pelo princípio da predominância do interesse local, conforme o artigo 30, I, da CF. Esse interesse local, vale salientar, diz respeito às peculiaridades e às necessidades ínsitas à localidade ou, por outros termos, refere-se àqueles interesses mais diretamente ligados às necessidades imediatas do Município, ainda que repercutam regional ou nacionalmente.

O doutrinador Gilmar Mendes[6], ao abordar essa matéria, comenta:

“As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras”.

Também, a Constituição Federal prevê que os Municípios possuem a chamada competência suplementar no artigo 30, II, ou seja, o legislador municipal pode complementar a legislação federal e a estadual para ajustar sua execução às peculiaridades locais, desde que não contrarie as normas federais ou estaduais e esteja de acordo com o requisito da repartição de competências desse ente federativo, o interesse local.Dessa forma, a competência suplementar dos Municípios não permite que eles legislem sobre qualquer matéria e em qualquer caso.

  1. A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA AMBIENTAL (ARTIGOS 23, III e VI, 24, I, VI E VII, 30, I, II E VIII e 225, CAPUTe § 1°, III E IV, E § 4°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Em questões de Direito Ambiental, há que se considerar a existência simultânea de competência legislativa, ou seja, competência para legislar sobre questões afetas à defesa, conservação e proteção do meio ambiente, e competência material, ou executiva, que significa o poder para executar medidas concernentes às matérias acima referidas, aplicando as leis.

Historicamente, a Constituição Federal de 1967 não possuía capítulo específico sobre meio ambiente, apresentando dispositivos dispersos tratando sobre recursos minerais, florestas, caça e pesca, águas, etc, cuja competência legislativa pertencia tão-somente à União, nos termos do artigo 8º, inciso XVII. Por sua vez, os Estados federados não possuíam competência alguma, ainda que de forma suplementar, para dispor sobre tais matérias (artigo 8º, § 2º, da Carta de 1967).

De forma bastante distinta, a Carta de 1988 adota forma hodierna de divisão de competência em matéria ambiental, correspondente na fixação de temas comuns aos entes federados, prevendo atuações paralelas.

Com relação à competência legislativa, a Constituição Federal, em seu artigo 24, I, VI, VII e VIII, determina ser concorrente entre União, Estados-membros e Distrito Federal a competência para legislar sobre matérias relativas à proteção do meio ambiente, conservação da natureza, defesa do solo, proteção ao patrimônio paisagístico e responsabilidade por dano ao meio ambiente. Já o artigo 30, I, da Carta Federal, dispõe serem os Municípios competentes para legislar sobre assuntos de natureza local.

A competência material ambiental, comum à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios vem delimitada no artigo 23, III, VI e VII.

Aparentemente esta competência é apenas administrativa, não legislativa, mas quem tem o poder de proteger, deve ter o poder de legislar para que possa exercer o seu poder amplamente. Assim, tem-se entendido que, se a Constituição conferiu tais competências, está implícita a competência legislativa sobre as matérias.

Desse modo, existindo competências legislativa concorrente e material comum a que concorrem todos os entes federados, torna-se fundamental que sejam determinados seus limites, a fim de se evitar conflitos, em evidente prejuízo à sociedade.

O doutrinador Paulo de Bessa Antunes[7], ao comentar o artigo 30 da Constituição, reflete que:

“O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal”.

Outrossim, na Lei nº 6.938/81, vemos em seu artigo6º, §2º, que os Municípios estão autorizados a elaborar normas na esfera de sua competência.

A título de exemplo, a Lei n° 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, é de se ressaltar a necessidade de estrita observância ao artigo 5º, § 2º a seguir transcrito: “§ 2° – Normas e diretrizes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como limitações à utilização de imóveis poderão ser estabelecidas nos Planos de Gerenciamento Costeiro, Nacional, Estadual e Municipal, prevalecendo sempre as disposições de natureza mais restritiva”.(grifado)

Com efeito, a Lei ora em questão estabelece diversas limitações ao uso do solo urbano na Zona Costeira que deverão ser obrigatoriamente respeitadas por Estados e Municípios, haja vista que foram editadas em atenção não a interesses de ordem local ou regional, mas sim a interesse público em seu mais amplo sentido, ou seja, de proteção à Zona Costeira como patrimônio nacional, conforme determinação constitucional.

Para dirimir uma problemática a respeito desta competência legislativa ambiental municipal, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, na defesa de interesses locais, cabe ao Município legislar em relação à proteção ao meio ambiente e combate à poluição,desde que observadas as condições estabelecidas pela própria Constituição Federal, ou seja, tratar-se de assuntos de interesse local e respeitar o disposto nas legislações estadual e federal:

O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II, da CRFB). (RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145).

Também foi publicado no Informativo do STF nº 857, referente ao período de 13 a 17 de março de 2017, a seguinte informação sobre julgado da 2ª Turma que tratou da competência legislativa mais restritiva dos Municípios em matéria de direito ambiental:

“Os Municípios podem legislar sobre Direito Ambiental, desde que o façam fundamentadamente. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental. A Turma afirmou que os Municípios podem adotar legislação ambiental mais restritiva em relação aos Estados-Membros e à União. No entanto, é necessário que a norma tenha a devida motivação”. (ARE 748.206-AgR, Rel. min. Celso de Mello, j. 14-3-2017, 2ª T, Informativo 857).

Ademais, o STF negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 194.704, interposto por empresas de ônibus permissionárias prestadoras de serviços de transporte coletivo de passageiros de Belo Horizonte/MG, contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que julgou constitucionais as normas do Município que estipulam a aplicação de multas para os proprietários de veículos automotores que emitem fumaça acima de padrões considerados aceitáveis.

O Ministro Celso De Mello, em seu voto no julgamento do Recurso, defendeu que no contexto da ação emergiu, com nitidez, a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, inclusive os Municípios.

É de se ressaltar, ainda, o seguinte julgado:

“Interpretação da Lei municipal paulista 14.223/2006. Competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. (…) O acórdão recorrido assentou que a Lei municipal 14.223/2006 – denominada Lei Cidade Limpa – trata de assuntos de interesse local, entre os quais, a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana, com vistas a evitar a poluição visual e bem cuidar do meio ambiente e do patrimônio da cidade. ” (AI 799.690-AgR, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 10-12-2013, Primeira Turma, DJE de 3-2-2014).

Ademais, não podemos esquecer que o direito ao meio ambiente equilibrado referido no artigo225, da Constituição Federal, é um direito de todos e sua manutenção um dever do Poder Público, este em todas as suas esferas e poderes, não se podendo excluir evidentemente o Município.

Fora isso, possuem os Municípios, na sua grande maioria, gravíssimos problemas de cunho ambiental para resolver tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Naquelas, há o problema do lixo, o tratamento da água potável, da ocupação do solo em relação aos mananciais, consequências da insuficiência do sistema de saúde pública e educação, problemas de esgotos sanitários, indústrias e comércio poluidores, problemas de fiscalização insuficiente etc. Nas áreas rurais, os Municípios encontram problemas de desmatamentos irregulares, depredação do solo, poluição dos rios, mal zoneamento populacional, atividades mineradoras, poluição por agrotóxicos etc.

CONCLUSÃO

Verifica-se, na Constituição Federal, a existência simultânea de competência legislativa, ou seja, competência para legislar sobre questões afetas à defesa, conservação e proteção do meio ambiente, e competência material, ou executiva, que significa o poder para executar medidas concernentes às matérias acima referidas, aplicando as leis.

Quanto aos Municípios, houve expressa exclusão relativamente às matérias relacionadas no artigo 24, o que não significa, entretanto, que lhes tenha sido negado o direito de legislar sobre aquelas questões, desde que observadas as condições estabelecidas pela própria Constituição Federal, ou seja, tratar-se de assuntos de interesse local e respeitar o disposto nas legislações estadual e federal.

Desse modo, o fato de tratar-se de matéria de interesse local não autoriza o Município a legislar plenamente, ignorando as disposições contidas em diplomas federais e estaduais, posto que, como os Estados-membros podem, no âmbito da competência concorrente, editar normas para aplicação e complementação dos princípios gerais ditados pela União, a única interpretação que não esvazia o conteúdo do artigo 24 é aquela que compatibiliza o interesse local com a legislação estadual, editada sob o regime das normas gerais.

Tratando-se de normas de preservação ambiental, não se pode ignorar que o aspecto suplementar diz respeito exclusivamente ao caráter “mais restritivo” da norma municipal, não sendo admitida pelo sistema aquela que contrarie ou deturpe a finalidade e conteúdo das normas federais e estaduais, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Isso porque o critério básico para a solução de conflitos normativos ambientais entre os diferentes entes federados é aquele que garante a prevalência da norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado, por se tratar de preceito constitucional que se impõe à ordem jurídica central ou regional: in dubio pro natura.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 15ª ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

Notas de Rodapé:

[1] Membro da CDA/OAB-RJ. Procurador do Município de Belford Roxo, atualmente lotado na Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico, pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Empresarial, pela Universidade Veiga de Almeida.

[2]LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 540.

[3]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 332.

[4]SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 858.

[5]SARLET, MARINONI E MITIDIERO, 2016, p. 861.

[6]MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 842.

[7]ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 15ª ed., 2013, Atlas, p. 110/111.

Palavras Chaves

Federalismo; Autonomia; Competência; Município; Meio Ambiente.