A cultura da culpabilidade da mulher frente à agressão a ela cometida em pleno século XXI : Até quando a vítima será colocada no banco dos Réus?

Resumo

O presente trabalho aborda, a cultura da culpabilidade da mulher frente à violência por ela sofrida e o mito de que o homem age de forma violenta porque a mulher deu causa, seja pela sua vestimenta, comportamento, ou posicionamento. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu artigo 5° inciso I que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, determinando, ao menos no plano deontológico, que não haja diferenciação social, moral e jurídica. O maior problema, no entanto, é que ainda nos dias atuais, e apesar da mulher ter garantido seus direitos, o que há pouco não era resguardado, a culpa pela agressividade do homem para com ela, seja dentro de uma relação amorosa ou não, se dá em virtude dela ser mulher. Abre-se, portanto, uma discussão: Até quando a mulher agredida sentará no banco dos Réus e será responsabilizada socialmente pela violência sofrida? Jargões como “Não quer ser estuprada não saia como uma vadia”, “Vestido curto demais. Tá pedindo” ou “Na hora de pagar a conta, nenhuma mulher é feminista” são exemplos de uma sociedade que culpa a mulher por ser mulher, o que precisa ser combatido por se tratar de uma afronta ao principio constitucional da Igualdade.

Artigo

A cultura da culpabilidade da mulher frente à agressão a ela cometida em pleno século XXI : Até quando a vítima será colocada no banco dos Réus?

 

Thais Christine Oliveira da Silva

RESUMO

 

O presente trabalho aborda, a cultura da culpabilidade da mulher frente à violência por ela sofrida e o mito de que o homem age de forma violenta porque a mulher deu causa, seja pela sua vestimenta, comportamento, ou posicionamento. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu artigo 5° inciso I que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, determinando, ao menos no plano deontológico, que não haja diferenciação social, moral e jurídica. O maior problema, no entanto, é que ainda nos dias atuais, e apesar da mulher ter garantido seus direitos, o que há pouco não era resguardado, a culpa pela agressividade do homem para com ela, seja dentro de uma relação amorosa ou não, se dá em virtude dela ser mulher. Abre-se, portanto, uma discussão: Até quando a mulher agredida sentará no banco dos Réus e será responsabilizada socialmente pela violência sofrida? Jargões como “Não quer ser estuprada não saia como uma vadia”, “Vestido curto demais. Tá pedindo” ou “Na hora de pagar a conta, nenhuma mulher é feminista” são exemplos de uma sociedade que culpa a mulher por ser mulher, o que precisa ser combatido por se tratar de uma afronta ao principio constitucional da Igualdade.

Palavras-chave: Direitos da mulher; Violência de gênero; princípio da Igualdade.. Direito Civil. Direito constitucional.

INTRODUÇÃO

“.. o amor que mata, amor Nêmeses, o amor açougueiro, é uma contrafação monstruosa do amor…”

(TJSP, Rec, Rel. Camargo Sampaio, RJTJSP 53/312)

 

Trata-se de um tema que, apesar de estarmos no ano de dois mil e dezenove, em pleno século XXI, ainda é materializado na sociedade. A falta de educação e principalmente informação fizeram surgir graves problemas sociais envolvendo a mulher, em especial quando se fala de violência. O Estado até o presente momento ainda não conseguiu tutelar os direitos da mulher com efetividade, havendo consequentemente um grande impasse entre a atual cultura da culpa da mulher no país e os princípios de proteção às mesmas.

No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas. Somente em 2016, mais de 4.600 mulheres perderam a vida no País. Apesar do grande número de casos, somente 11% deste total foi classificado como feminicídio.

Isso demonstra dificuldades na implementação da Lei nº 13.104, de 2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, tal qual estupro e genocídio.

Neste passo, vem o presente trabalho abordar a cultura da “responsabilidade” da mulher frente à violência a ela dirigida, o que bate de frente com os princípios constitucionais de proteção a mulher.

Assim, pretende-se analisar a real necessidade de reflexões e discussões que tenham como objetivo desmistificar a atual cultura da “culpa da mulher” no Brasil em restabelecimento ao principio da Igualdade.

Portanto, buscou-se reunir dados/informações com o propósito de responder ao seguinte problema de pesquisa: A culpabilidade da mulher frente à agressão a ela cometida em pleno século XXI: Até quando a vítima será colocada no banco dos Réus? A escolha do tema justifica-se pelo incessante número de mulheres que estão morrendo (uma mulher a cada duas horas), tendo em vista uma mentalidade machista e mal informada difundida na sociedade, carregando o tema de dilemas e questionamentos

morais e éticos que devem ser pensados e discutidos.

Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizadas pesquisas bibliográficas. A pesquisa bibliográfica baseou-se na doutrina e em publicações científicas da área do direito da mulher.

O artigo estrutura-se em quatro capítulos, apresentando-se primeiramente a contextualização da violência contra mulher tutelada nas leis e na sociedade. Em seguida é abordada a cultura da culpabilidade da mulher frente à agressão a ela cometida, utilizando como exemplo o caso Doca Street e Ângela Diniz.

Logo após, o trabalho irá discutir até quando a mulher será posta no banco dos réus como responsável da violência sofrida, bem como os meios do Estado tutelar seus interesses em restabelecimento ao princípio da isonomia, como objetivo de responder o problema apresentado acima.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER TUTELADA NAS LEIS

 

A lei acompanha o ideal do povo a quem ela é aplicada. Assim, a luz da má formação da sociedade que infelizmente machista, foi traçado um paralelo histórico de desenvolvimento social de dominação masculina sobre o cenário familiar e a coletividade social além da 1aplicação das penalidades aos transgressores da lei, que influenciaram por muito tempo na situação social da mulher frente à sociedade.

Ao abordar a historia da mulher no Brasil, temos que desde o inicio da nossa civilização a mulher foi vitima da sua condição mais vulnerável.

Da condição da mulher no inicio da história do Brasil

A condição da mulher no Brasil Colônia, período compreendido entre 1500 a 1822, era de total desvalorização. Começamos então por observar a condição da mulher índia que segundo Teles2 :

A mulher indígena foi usada pelos colonizadores “que se apropriaram assim de sua capacidade reprodutora, perdendo paulatinamente sua

1 SCHMIDT, Mário. Nova história crítica. São Paulo: Nova Geração, 2008.

2 Teles, Maria Amélia de Almeida. A breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, Pg. 17

capacidade erótica nesta função sexual reprodutora separada do prazer”.

No que diz respeito à condição da mulher branca neste período, temos que era totalmente dominada e sem nenhum poder de decisão3:

Nesta situação o poder que cabia a mulher da classe dominante (proprietários de terras e de escravos) era necessariamente, o de esposa e mão dos filhos legítimos do senhor. A mulher se casava ainda muito jovem e o marido, escolhido pelo pai, era geralmente, bem mais velho (…) Nesta época, no Brasil, a educação estava a cargo da Igreja Católica, em especial dos padres Jesuítas. A igreja disseminava a ideologia patriarcal e racionalizava seu significado: “Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão. É justo que aquele que foi induzido ao pecado pela mulher seja recebido por ela como soberano”(…).

Ainda falando sobre e condição da mulher4 :

As negras, quando na lavoura, executavam as mesmas tarefas dos homens. A mulher escrava, além de trabalhar como tal, era usada como instrumento de prazer sexual do seu senhor, podendo até ser alugada por outros senhores”.

Já partindo para a época do Brasil Império e indo ao inicio do Brasil República, observamos que a função jurídica da mulher era ser servil ao seu marido. Além de deter domínio sobre os negócios, que incluíam também os escravos, exercia todo seu poderio sobre a mulher. Caso a mulher se recusasse em servi-lo sofria sanções por ele aplicada.

Tais sanções eram violentíssimas. Os arquivos paroquiais dos séculos 18 e 19 estão repletos de relatos de senhoras que apanhavam com varas cravejadas de espinhos, que eram obrigadas a dormir ao relento, que ficavam proibidas de comer por vários dias e até que eram amarradas ao pé da cama enquanto o marido, no mesmo aposento, deitava-se com a amante. As esposas eram tão brutalizadas que os bispos, em certos casos, atendiam-lhes as súplicas e concediam a separação de corpos.

Autorização Legal para subjugar mulheres

Teles, Maria Amélia de Almeida. A breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, Pg. 19

4 Teles, Maria Amélia de Almeida. A breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, Pg. 21

Tais violências praticadas contra mulheres era aprovada pelas Ordenações Filipinas que era o diploma legal que aplicada em Portugal, era aplicada no Brasil por ser colônia. O documento dava ao marido o direito de matar sua mulher caso fosse pega em adultério, bem como, se suspeitasse que ela estivesse o traindo. Vejamos: Ordenações Filipinas (Livro V, tít. XXXVIII) “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero”.

No Brasil República, o Código Civil de 1916 dava às mulheres casadas o status de “incapazes”. Elas só podiam assinar contratos ou trabalhar fora de casa se tivessem a autorização expressa do marido. No artigo 186, dispõe que havendo discordância entre os cônjuges prevalecerá a vontade paterna.

O artigo 380 do mesmo código dá ao homem o exercício do pátrio poder permitindo tal exercício à mulher apenas na falta ou impedimento do marido.

Observa-se, ainda, o artigo 2425 que dispunha:

Art. 242 – A mulher não pode, sem o consentimento do marido:

  1. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulher
  2. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos
  • Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de
  1. Aceitar ou repudiar herança ou
  2. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos.
  3. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e
  • Exercer profissão.
  • Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do
  1. Aceitar mandato.

Somente com o Código Eleitoral de 1932 é que começou a surgir alguns avanços nos direitos da mulher quando pela primeira vez, o referido código, permitiu à mulher exercício do voto aos vinte e um anos de idade, tendo a Constituição Federal de 1934 reduzido esta idade para dezoito anos.

Mais do que individual, a violência doméstica é um fenômeno histórico e social. O conceito de que o homem é superior, deve subjugar a mulher e não permitir que ela decida sobre a própria vida foi construído e solidificado ao longo dos séculos e se

5 BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 08/04/2019.

mantém até hoje, permeando toda a sociedade. Fatores como bebida, droga, ciúme e desemprego são meros estopins.

II.         DA    CULTURA   DA    CULPABILIDADE   DA    MULHER    FRENTE   À AGRESSÃO A ELA COMETIDA

 Felizmente, o Brasil atual não é o mesmo do passado, mas o controle do homem sobre a mulher persiste na memória social brasileira. Fazemos parte de uma cultura em que muitos homens ainda possuem o sentimento de posse sobre a mulher. Tal sentimento é nutrido pela cultura da “culpa” da mulher frente à violência a ela cometida.

Conforme observamos no capítulo anterior, a mulher flagrada em adultério poderia ser morta, para limpar a honra do marido traído ou supostamente traído.

A tese da Legitima defesa da honra fora muito utilizada para inocentar “maridos traídos” e tirar-lhes a responsabilidade de seus atos, em total desrespeito contra as mulheres e totalmente aceito em nossa sociedade.

O caso mais famoso foi o do playboy Doca Street, que em 1976 matou com quatro tiros no rosto a namorada Ângela Diniz, na sua casa em Búzios (RJ). O primeiro julgamento foi em 1979. A defesa a acusou de traição e a classificou de “mulher fatal”.

Nas palavras da defesa6:

(…) A “mulher fatal”, esse é o exemplo dado para o homem se desesperar, para o homem ser levado, às vezes, à prática de atos em que ele não é idêntico a si mesmo,  age  contra  a  sua  própria natureza. (…) Senhores jurados, a “mulher fatal”, encanta, seduz, domina, como foi o caso de Raul Fernando do Amaral Street.

A estratégia do advogado Evandro Lins e Silva absolveu Doca Street que saiu livre do tribunal e chegou a ser aplaudido na rua. A sociedade estava ao seu lado e frases como “Doca, Cabo Frio está com você”, foram vistas nas ruas, como se matar por ciúme fosse a coisa mais normal do mundo.

Anos mais tarde, ele admitiria ter se sentido constrangido com a absolvição, e em entrevista a Folha de São Paulo o mesmo afirmou7:

“Fiquei com vergonha de ser absolvido. Não entendi. Também não entendi por que era aplaudido e por que chovia mulher. Eu saía com

6 Grandes Advogados, Grandes Julgamentos – Pedro Paulo Filho – Depto. Editorial OAB-SP

7 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0109200607.htm. Acesso em 20/04/2019

elas, não resistia-testosterona no máximo-, mas não entendia. Um dia, uma moça me perguntou: “Como eu faço para te seduzir?”. Fomos para o motel, tudo e tal, ela me disse: “Você é o Doca ou não?”. Confirmei, ela me olhou decepcionada: “Puxa, você nem me bateu?”. Saiu insatisfeita. Outra vez, fui ao cinema, baita fila, o gerente me viu: “Você não precisa ficar na fila”. Eu pensava: “Será que estou ficando louco?     “Vou     dar     mais      tiro      por      aí”.      (Doca      ri)    O segundo julgamento foi em 1981. “As feministas fizeram bom trabalho”, avalia Doca. Pegou 15 anos, cumpriu três em regime fechado, dois no semi-aberto, o resto em condicional. “Fui condenado, muito bem. Ainda bem que fui”, ele diz. Para Doca, o Brasil entrou no caso Doca Street de um jeito e saiu de outro. “Digamos que foi uma fronteira. Depois disso, o Brasil melhorou, sim. Que bom! Não se aceita mais que um homem maltrate uma mulher.”

Em 1981, por pressão dos movimentos feministas, voltou a ser julgado e só então foi para a prisão condenado a 15 anos de prisão.

O caso emblemático mostra que mesmo após 40 anos do cometimento do crime, a mulher ainda é culpabilizada pela sua morte, agressão ou qualquer outro tipo de violência.

III.      ATÉ QUANDO A MULHER AGREDIDA SENTARÁ NO BANCO DOS RÉUS E SERÁ RESPONSABILIZADA SOCIALMENTE PELA VIOLÊNCIA SOFRIDA?

Infelizmente a história mostra, conforme vimos acima que a mulher é vista como “fatal”, confirmando o quanto a mulher vítima de violência ainda sofre pela culpa que recai sobre ela.

Frases do tipo: “só podia ser mulher”, “lugar de mulher é em casa com os filhos”, “mulher não nasceu para comandar”, “mulher tem que se cuidar”, “mulher que provoca”?, “Menina não brinca de luta”, “Por que você tá brava? É TPM?”, “ Vestido curto demais. Tá pedindo…”, “Trocou uma de 40 por duas de 20”, “É muito bonita pra ser inteligente”, reforça esse sentimento de culpa e inferioridade da mulher na nossa sociedade.

Desde criança, meninas e meninos são ensinados de forma a responsabilizar a mulher por seus atos, e em contrapartida sempre tolerar o mau comportamento dos meninos.

Não precisamos ir muito longe para observar que quando se quer educar um menino a ser forte dizemos ou ouvimos: “seja homem!” e quando se quer repreender o menino que tem atitudes frágeis, dizemos ou ouvimos “é uma mulherzinha!”.

A mulher neste contexto é sempre representada como fraca, inferior e vulnerável, enquanto que o homem é visto como forte e viril, que tem respaldo para agir da forma que age porque é homem.

Observa-se esse contexto principalmente quando se fala do comportamento sexual masculino, que muitas vezes caracterizado pela violência, culpa a mulher pela agressão a ela acometida por ser “inferior”.

Destarte, verifica-se a estreita relação que existe até os dias de hoje entre o valor da mulher e sua forma de agir, vestir e pensar.

Em 2016, foi realizado pelo IPEA, o Atlas da Violência, com o intuito de mapear homicídios e outras violências sofridas pelas mulheres no Brasil. De acordo com os dados lançados, em 2016 8, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Em dez anos, observa-se um aumento de 6,4%.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,2% das mulheres sofreu agressão em 2009, o equivalente a um contingente de 1,3 milhão de mulheres vitimadas.

Segundo Venturi e Oliveira9, numa pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em que as mulheres entrevistadas foram estimuladas a responder se sofreram determinados tipos específicos de violência, o quadro parece bem mais dramático: 43% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência ao longo de sua vida, sendo que as violências psíquicas e morais foram as mais prevalentes; seguidas por agressões brandas (tapas e empurrões); ameaças de espancamento; espancamento; e ameaças com armas de fogo.

No contexto em que a violência doméstica ocorre em ciclos, que muitas vezes se repetem, numa espiral de agravamento das violências perpetradas, a ocorrência do homicídio pode se dar não como um ato premeditado de eliminação do cônjuge, mas como resultante de uma crise, em que uma agressão mais severa redundou inesperadamente na morte do outro.

Assim, não se devem enxergar os índices epidêmicos de violência contra a mulher como resultado de transtornos psicológicos ou famílias desestruturadas. Não há nada mais falacioso do que se creditarem espancamentos e assassinatos ao alcoolismo puro e simples, por exemplo. O homem que abusa da bebida normalmente não ataca o

2018.

8 BRASIL, IPEA Atlas da Violência. IPEA e FBSP, 2017. Acesso em marco de 2019 v. 30,

9   VENTURI,  M.  R.;  OLIVEIRA,  S.  (Orgs.).  A  mulher  brasileira  nos  espaços  público e

privado. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

amigo de bar nem agride o vizinho. O alvo é, premeditadamente, a mulher que é culpabilizada.

Exemplos de como esses estereótipos estão nas raízes da violência doméstica segundo preleciona Marai Larasi10:

Grande parte dos homens autores de violências contra suas parceiras dizem: ‘eu bati nela porque ela me tirou do sério, me irritou, a culpa é dela’. Quando a gente começa a analisar isso junto com eles e questionar – ‘por que você acha que tem direito de controlar a maneira como ela se veste? Por que você acha que ela deve cozinhar para você?’ – é quase impossível separar o que eles entendem como ‘ser homem’ e os direitos que isso lhes dá, da maneira que eles se comportam e de suas atitudes’.

De acordo com as delegacias especializadas na violência doméstica, as partes do corpo que os homens mais atacam são o rosto e os seios. Há casos de homens que ferem a testa da companheira usando marcador incandescente de gado. Com esses alvos, o objetivo subjacente é destroçar-lhes a autoestima e impedi-las de serem desejadas por outro homem.

Apesar dos dados alarmantes, muitas vezes, essa gravidade não é devidamente reconhecida, tendo em vista que esses homens não se responsabilizam. Necessário se faz entender que a causa é a própria construção da sua masculinidade que, de certa forma, foi nutrida para desencadear o exercício da superioridade, o que leva a violência sobre as mulheres.

políticas para a inibição da violência contra mulher. Atenta-se que em toda a legislação que regulamenta as medidas de proteção à mulher, o Estado detém obrigação legal de intervenção para a garantia desses direitos, do contrário o que teremos é uma afronta direta ao principio da Igualdade.

IV.       DA INTERVENÇÃO DO ESTADO A FIM DE RESTABELECER O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A mulher que viu nascer o século XX como relativamente incapaz de gerir sua pessoa e seus bens, ainda que casada; com o advento da nova Constituição, emancipou-

10 Disponível em :https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia- domestica-e-familiar-contra-as-mulheres. Acesso em 20/04/2019

se política, civil e socialmente, levando o constituinte, não somente a conceder uma igualdade, porém, muito mais, a reconhecer uma paridade de direitos.

Elencado no artigo 5º caput da Constituição Federal, o Princípio da Igualdade trouxe que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Tais obrigações devem abranger também a forma como o homem se relaciona com a mulher. Aceitar tratamento discriminatório não cabe mais na realidade atual, pois já foi o tempo em que a mulher era subjugada pelos homens.

A violência pode se manifestar em diversas formas, como assédio sexual, agressão moral, patrimonial, física, tentativa de homicídio e feminicídio. Combater a violência doméstica contra a mulher tem sido uma das prioridades do Poder Judiciário,  e o cumprimento estrito da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 2006), e é um de seus maiores desafios.

Ressalta-se, porém que a violência contra mulher acaba quando começa a educação. O padrão cultural em que crescemos é o de “Se ela saiu com essa saia na rua é por que queria ser assediada, né?” ou, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, porém essas ideias arraigadas na sociedade devem mudar. Em tempos de discussões sobre igualdade de gênero, é preciso observar as situações rotineiras para compreender que o problema está na falta de educação.

Segundo a psicóloga Laura Frade, o preconceito é perpetuado pelas própias mulheres que desvalorizam outras mulheres e nutrem nos homens esses sentimentos de supremacia:11

Infelizmente, nós somos perpetuadores de práticas que desvalorizam as mulheres. No Brasil, quem nasceu em uma família com irmãos e irmãs sabe a diferença de tratamento entre os gêneros. E, posteriormente, a mulher vai se desenvolver nessa sociedade com a ideia de que precisa de um homem ao seu lado para se sentir valorizada.

contra essa cultura que culpa as mulheres pela violência, pois permitir tal comportamento é ferir o principio da isonomia, devendo todos nós fiscalizar as leis e incentivar programas educacionais a fim de que sejam assegurados os direitos das mulheres.

11    Disponível   em:   http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84416-educacaoedialogoparaenfrentara violenciadomésticacontraamulher. Acesso em 20/04/2019

V.   CONCLUSÃO

Infelizmente o machismo é uma herança histórica. Não se elimina de uma hora para outra. A criação da Lei Maria da Penha, em 2006, e a Lei que instituiu o Feminicídio, em 2015, prevendo punição mais severa para quem agride e mata mulheres, foram passos importantíssimos. Antes, muitas mulheres não denunciavam porque sabiam que seriam ignoradas pelas autoridades e, além disso, muitos homens agiam com absoluta tranquilidade porque davam a impunidade como certa.

Tendo como exemplo a morte de Ângela Diniz, onde seu assassino saiu em liberdade do julgamento e a mesma totalmente desmoralizada, a criação dessas Leis foram imprescindíveis para que a vítima não sofra duas vezes, primeiro pela agressão e segundo pela desmoralização social. Agora a mulher tem voz para lutar por respeito e exigir da sociedade comportamento diferente daqueles de 40 anos atrás.

Será através de uma reedução social que mudanças efetivas aconteceram. O tipo de educação que mais dá frutos é a que se ensina ainda criança. Nas palavras de Maria da Penha Fernandes, a mulher que dá nome à lei 11.340/06:

O que muda o comportamento da sociedade é a educação. Temos que ensinar a nossos filhos desde pequenos, na escola, que a mulher merece respeito. Antes, ninguém usava o cinto de segurança. Hoje, a primeira coisa que a criança faz ao entrar no carro é avisar ao pai que ele precisa pôr o cinto. Quando ela crescer, nem sequer passará por sua cabeça não usar o cinto. Na violência contra a mulher, a lógica é a mesma. Tenho fé que lá na frente os homens aceitarão as mulheres como iguais. Nesse momento, a Lei Maria da Penha se tornará desnecessária.

Dada à importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de  formas de agilizar a construção de uma nova mentalidade, que venham a incentivar o respeito as mulheres. Não esquecendo que é nosso dever como profissionais do direito discutir ainda mais o tema, e mobilizar a sociedade em prol da proteção das mesmas.

É necessário, portanto, que o Estado, bem como os operadores de direito, realizem trabalhos de divulgação nos espaços acadêmicos, através de palestras, ações sociais, programas, destacando sempre a importância do respeito a mulher, e o seu  papel na construção de uma sociedade justa e equilibrada.

A culpa nunca é da vítima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL.                    Código                     Civil.                     Disponível                     em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 08/04/2019.

Constituição Federal de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br.> Acesso em: 25/04/2019

Doca Street afirma que mereceu ser condenado. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0109200607.htm. Acesso em 20/04/2019

Educação e diálogo para enfrentar a violência doméstica contra a mulher. Disponível        em:                                           <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84416- educacaoedialogoparaenfrentaraviolenciadomésticacontraamulher.>Acesso                 em 20/04/2019

Lei 13.104 de 9 de Março de 2015. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em 25/04/2019.

Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006 <.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em 25/04/2019.

Grandes Advogados, Grandes Julgamentos – Pedro Paulo Filho – Depto. Editorial OAB-SP.

SCHMIDT, Mário. Nova história crítica. São Paulo: Nova Geração, 2008.

Teles, Maria Amélia de Almeida. A breve história do feminismo no Brasil. São  Paulo: Brasiliense, 1993.

VENTURI, M. R.; OLIVEIRA, S. (Orgs.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

Violência              doméstica              e              familiar.              Disponível              em

<:https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-domestica- e-familiar-contra-as-mulheres>. Acesso em 20/04/2019

 

Palavras Chaves

Direitos da mulher; Violência de gênero; princípio da Igualdade.. Direito Civil. Direito constitucional.