A EMPATIA NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E NA FACILITAÇÃO DE DIÁLOGOS: COMO, QUANDO, PARA QUE?

Resumo

O artigo pretende, inicialmente, aprofundar o tema empatia sob o olhar da psicologia humanista existencial de Carl R. Rogers. Em sequência, busca descrever e elucidar as relações de ajuda, apontando algumas intervenções relacionadas à habilidade empática na mediação de conflitos e na facilitação de diálogos e discorrendo sobre os principais impactos que cada intervenção pode despertar. Conclui convidando o mediador/facilitador de diálogos a perceber a sutil, mas importante, diferença na utilização da empatia, entre algumas das principais escolas de Mediação de Conflitos.

Artigo

A EMPATIA NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E NA FACILITAÇÃO DE DIÁLOGOS: COMO, QUANDO, PARA QUE?

 

Maria do Céu Lamarão Battaglia1

RESUMO: O artigo pretende, inicialmente, aprofundar o tema empatia sob o olhar da psicologia humanista existencial de Carl R. Rogers. Em sequência, busca descrever e elucidar as relações de ajuda, apontando algumas intervenções relacionadas à habilidade empática na mediação de conflitos e na facilitação de diálogos e discorrendo sobre os principais impactos que cada intervenção pode despertar. Conclui convidando o mediador/facilitador de diálogos  a perceber a sutil, mas importante, diferença na utilização da empatia, entre algumas das principais escolas de Mediação de Conflitos.

Palavras-chave: empatia; facilitação de diálogo; mediação de conflitos; não diretividade; Abordagem Centrada na Pessoa

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. EMPATIA. 1.1. As pesquisas. 2. CARL ROGERS E A RELAÇÃO DE AJUDA. 3. IMPACTOS SIGNIFICATIVOS DAS INTERVENÇÕES EMPÁTICAS. 4. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MEDIADOR. 5. EMPATIA NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS. REFERÊNCIAS

 

 INTRODUÇÃO

 No campo da mediação de conflitos e facilitação de diálogos, muito se fala sobre a empatia. Este artigo pretende aprofundar um pouco mais o tema, oferecendo uma breve fundamentação histórica e teórica sobre tão importante conceito, além de elucidar algumas intervenções úteis para sua efetivação. Descreve o conceito de relações de ajuda, com suas características essenciais, apontando ao final a significativa diferença de aplicação da empatia nas escolas de Harvard, Circular Narrativa, Transformativa, Emancipatória Responsável e Centrada na Pessoa.

1.      EMPATIA

 O termo Empatia é historicamente atribuído a Theodor Lipps (1851-1914), filósofo alemão do início do séc. XX. Embora o desenvolvimento deste conceito nas ciências psíquicas seja atribuído a Karl Jasper, psiquiatra que publicou conhecido compêndio de psicopatologia em 1913, sempre foi recurso de trabalho de psiquiatras e psicoterapeutas das mais diferentes orientações teóricas.

Hoje, o conceito de empatia não se restringe apenas à área da saúde, mas se estende a diversos campos, embora nem sempre seja bem compreendido ou utilizado com lucidez.

Em verdade, a empatia é um tipo de compreensão, entre outras. Além dela, temos: (i) a compreensão verbal, que se divide entre puramente verbal e lógica; (ii) a compreensão não verbal; (iii) a compreensão dinâmica.

A compreensão puramente verbal se relaciona aos dados oferecidos e a compreensão lógica busca o estabelecimento de relação de causalidade e/ou sequência lógica. A compreensão não verbal se refere à fisionômica/gestual. A compreensão dinâmica é da competência de especialistas como psicólogos ou psiquiatras. Finalmente a compreensão empática, a qual trataremos com maior profundidade, apesar de utilizar parcialmente todos os demais tipos de compreensão, se refere mais especificamente à economia interna emocional da pessoa.

Esta é a principal razão para que a escuta empática seja direcionada primordialmente para a pessoa e não exatamente para os fatos que ela está narrando.

Sobre nossa forma cotidiana de escutar, compreender e responder, Marshall Rosenberg2 exemplifica os modos de resposta mais frequentemente utilizados pelas pessoas. Nos relata que, usualmente, em situações delicadas, ou emocionalmente intensas, respondemos aconselhando, competindo, educando, consolando, contando algo parecido, minimizando, compadecendo, interrogando, explicando ou corrigindo o outro.

A escuta empática é, portanto, uma forma não usual e diferenciada de ouvir, que demanda esforço específico. Requer preparação podendo ser aprendida e desenvolvida, embora não possa ser aplicada mecanicamente. Demanda que o mediador tenha o desejo de ouvir e esteja disposto a se conectar como o outro. Requer também uma sensibilidade alterocêntrica para que se torne possível captar o mundo interno da outra pessoa, isto é, a significação pessoal da palavra do outro. O mediador precisa ser capaz de abstrair de cada mediando, seus valores, sentimentos e necessidades, assim como os critérios realistas, objetivos e racionais que os guiam nas próprias vidas. Ser capaz de compreendê-los verdadeiramente a partir deles e não de si. Além disso, e fundamentalmente, lembrar que a empatia só se efetiva quando comunicada ao outro, até porque é ele quem vai confirmá-la, validá-la ou refutá-la. O especialista é o outro!

Por todas estas razões, os dados por si só não são importantes para o mediador que busca a escuta empática, já que é o próprio mediando quem imprime significado a eles. Logo, o mais importante é como os mediandos compreendem e significam os dados relatados. Consequentemente, nas mediações qualitativas, que têm como foco a transformação nas relações, os resultados são aferidos através do grau de mudança no modo de percepção do mediando, em relação à imagem que faz de si e do outro e o quanto cada um compreende e soluciona melhor seus próprios problemas.

Mesmo nas mediações quantitativas, que têm como foco o acordo, a escuta empática do mediador serve de norte a sua criatividade. O mediador, baseando-se em um conhecimento mais consistente sobre as partes envolvidas no conflito e o significado do conflito para cada uma, será capaz de gerar soluções mais plenas, equilibradas e satisfatórias.

Portanto, refletindo sobre a compreensão intelectual completa e detalhada do caso, sob o ponto de vista do mediador e não do mediando, tanto nas mediações qualitativas quanto nas quantitativas, Carl R. Rogers, psicólogo e pesquisador americano, tem uma frase que se adequa a qualquer relação de ajuda e traduz bastante bem a quem este tipo de compreensão atende3: “It makes the terapist feel good, but it dosen’t make the client feel better.”4

Em 1942, Rogers, em suas pesquisas sobre processo terapêutico, formula a seguinte pergunta: “Qual a diferença da escuta em termos da atenção ao conteúdo versus atenção aos sentimentos?” Esta pergunta norteou muitas pesquisas de campo e permitiu um aprofundamento significativo sobre empatia resumidamente compartilhado, a seguir.

  • As pesquisas

Com o tempo e com os resultados afirmativos de inúmeras pesquisas realizada por Carl Rogers e seus colaboradores, evidenciou-se que talvez a empatia fosse o fator mais relevante em uma relação e um dos conceitos mais importantes na promoção de mudanças e aprendizagem.

A transposição destes resultados para o campo da mediação de conflitos e facilitação de diálogos é fundamentada no arcabouço teórico da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), teoria de cunho humanista-existencial, criada e desenvolvida por Carl Rogers. É importante ressaltar que os últimos 10 anos de vida de Rogers foram dedicados à mediação de conflitos nacionais e internacionais, tendo sido ele um dos três indicados ao Prêmio Nobel da Paz em 1987, ano em que faleceu.5

Enumeramos a seguir algumas das descobertas obtidas nestas pesquisas, que se adequam também para nossa atuação como mediadores e facilitadores de diálogo6:

  1. Uma postura empática pode ser aprendida com pessoas empáticas e pode ser treinada (1951, Blocksma; 1970, Guerneye Andronico; 1970, Bergin e Salomon; 1972, Aspy; 1975, Aspy e Roebuck)
  2. A empatia é oferecida através do tipo de intervenção realizada (1953, Quinn)
  3. A empatia presente no início da relação permite prever o sucesso posterior (1962, Barrett-Lennard; 1973,Tausch)
  4. Quanto mais equilibrado internamente o profissional, maior o grau de empatia que ele demonstra (1969, Bergin e Jasper; 1970, Bergin e Salomon)
  5. Os clientes são melhores juízes do grau de empatia do que os próprios terapeutas/facilitadores de diálogo (1967, Rogers, Gendlin, Kiesler e Truax)
  6. Brilhantismo e percepção diagnóstica não tem relação direta com a empatia (1969, Bergin e Jasper; 1970, Bergin e Salomon)
  7. A escuta empática é uma qualidade especial numa relação e os profissionais devidamente treinados a oferecem mais que os amigos solícitos (1970, Van Der Veen) Segundo o próprio Rogers, mesmo que algumas destas pesquisas tenham sido realizadas especificamente no campo da psicoterapia, elas são aplicáveis a qualquer relação de ajuda, que pretenda auxiliar no fortalecimento da pessoa como um todo, fomentando o desenvolvimento de suas potencialidades e autonomia.

2.      CARL ROGERS E A RELAÇÃO DE AJUDA

Em 1961, Rogers publica estudos sobre relações de ajuda de uma maneira geral. Nelas estão incluídas, entre outras, relações como terapeuta-cliente, professor-aluno, empregador-empregado, mediador de conflitos-mediandos. Nesta época, ele define a relação de ajuda como7:

“Relação nas quais pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma capacidade de enfrentar a vida…”

“…situação na qual um dos participantes procura promover numa ou em outra parte ou em ambas, uma maior apreciação, uma maior expressão e uma utilização mais funcional dos recursos internos latentes no indivíduo.” (ROGERS, 1961, p. 43)

Neste mesmo período, as pesquisas também revelaram aspectos que desfavorecem este tipo de relação proposta. Os principais obstáculos encontrados para o desenvolvimento de relações de ajuda foram: (i) falta de interesse ou atitude distante do profissional para com a pessoa atendida; (ii) simpatia excessiva; (iii) conselhos diretos e precisos; (iv) grande importância ao passado em lugar de focar os problemas presentes.

No que diz respeito aos conselhos dados como sugestão, verificou-se que eles eram percebidos pelas pessoas como neutros, não atrapalhando nem favorecendo.

Essas mesmas pesquisas revelaram quatro fatores que favorecem as relações de ajuda:

(i) a confiança experimentada pela pessoa atendida em relação ao profissional; (ii) ter sido compreendido pelo profissional; (iii) o sentimento de independência e autonomia em relação as suas opções e decisões; (iv) o que mais ajudava: o profissional clarificar e exprimir abertamente, o conteúdo que a pessoa atendida abordava vagamente e com hesitação.

Portanto, entendendo a mediação de conflito, ou a facilitação de diálogos, como um tipo de relação dentre as que Rogers descreve como sendo uma relação de ajuda, podemos incorporar essas descobertas e a partir destes dados, enriquecer nossa prática profissional.

Intervenções e atitudes que favorecem a comunicação empática e suas respectivas funções

2- Reiteração:

Esta intervenção é a devolução da expressão mais pura da fala do outro. O mediador resume, assinalando algum elemento relevante ou reproduzindo as últimas palavras. Nada acrescenta ao pensamento da pessoa.

Pretende que o mediando possa tomar consciência do que está dizendo e o provoca a tornar mais claro determinados aspectos do que está apresentando em sua narrativa.

3. Resposta Reflexo:

Esta intervenção parte de uma percepção afetiva, refletindo os sentimentos e tornando o fundo, figura (Gestalt8), amplificando a figura total. Oferece mais elementos a serem integrados à figura, modificando ou revalorizando a mesma. Traz nela a intenção de que a pessoa compreendida sinta que o outro “participa” de sua experiência.

Dá a ideia de que não pensa nele, mas com ele.

É uma intervenção que alivia, ao mesmo tempo que estimula a tomada de consciência autônoma da experiência vivida.

Pretende que a comunicação, ao se reduzir na passagem para a linguagem, se amplie ao ser recebida pelo ouvinte. Esclarece sem instruir e estimula o pensamento sem deturpá-lo.

4. Elucidação:

Intervenção que, partindo da percepção lógica, evidencia sentimentos e atitudes que não decorreram diretamente das palavras do mediando, mas que podem ser razoavelmente deduzidos da comunicação ou do contexto pelo entendimento racional do mediador.

Este tipo de intervenção pode acelerar uma solução na mediação, mas tem pouca potência transformativa, já que é algo produzido a partir do mapa mental/emocional/cultural do mediador.

5 .Resposta Empática Integrativa:

Intervenção que busca refletir sobre dissonância entre ação, razão e emoção, buscando um maior entendimento do mediando sobre ele mesmo e um melhor alinhamento ou sintonia entre os três aspectos.

Conduz a uma imediata reintegração da experiência e da percepção, reorganizando experiências fragmentadas, resultando em nova compreensão de si, de seus interesses e necessidades.

6. Resposta de apoio:

Intervenções apreciativas de avaliação, estímulo ou reforço positivo.

Provê o outro de acolhimento, calor humano, força e sensação de estar em comunicação, mas não necessariamente muda as percepções do mediando.

7. Simpatia/Antipatia/Empatia:

A simpatia é quando temos afinidade com o outro. Ela ocorre entre os iguais.

Antipatia é quando algo no outro nos incomoda ou desagrada. Embora sejam sentimentos que ocorrem nos mediadores, eles precisam ser ativamente cuidados e contornados.

Ocorrem sempre que nos comparamos com o outro, utilizando nossos referenciais internos para avaliar com quem concordamos ou discordamos. Essa atitude avaliativa  centrada em nós mesmos, afasta a oportunidade de conhecer o outro como ele é, para além de sua aparência.

A empatia é a única via de acesso aos interesses e necessidades humanas. A simpatia e a antipatia nos desviam e entorpecem falando mais de nós do que do outro em si.

8 .Compreensão empática:

É a percepção dos sentimentos já representados, ou claramente simbolizados pelos mediandos. Isto é, sentimentos os quais o próprio mediando já tem consciência.

Permite que o mediando se perceba legitimamente escutado. 8- Inferência empática/significado implícito:

Na inferência empática, o mediador percebe, para além das palavras expressadas pelo mediando, os significados que foram expressos somente de maneira indireta, ou ainda se encontram implícitos na comunicação do mesmo. Significados os quais, este não tem clara consciência.

Provoca a ampliação do campo perceptual do mediando a partir da ressignificação dos acontecimentos passados.

9- Empatia ou Escuta Ativa:

Jonh Wood, psicólogo da ACP, descreve em 1994 a empatia e a comunicação empática como sentir os sentimentos do outro como se fossem seus, e ainda assim sem sentir os seus próprios sentimentos sendo envolvidos nisto. Perceber com clareza e mover-se no mundo do cliente livremente e então comunicar sua compreensão.9

Carl Rogers fala sobre empatia como querer compreender, querer realmente sentir o que algo significa para o outro: “Uma maneira de ser complexa, exigente, intensa, ainda que sutil e suave”10

A escuta ativa, terminologia mais conhecida no campo da mediação, assim como a escuta empática, é a capacidade de entrar no mundo interno do outro e esclarecer não só o significado do que o outro está consciente, mas também o que se encontra abaixo do nível de consciência.

É uma escuta profunda, onde o mediador é capaz de ouvir as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos sentimentos e o significado pessoal do que está sendo expresso, sem julgar, diagnosticar, apreciar, culpar ou avaliar. É uma espécie de escuta criativa, ativa, sensível, acurada, empática e imparcial.

2.      IMPACTOS SIGNIFICATIVOS DAS INTERVENÇÕES EMPÁTICAS

  As pesquisas de Carl Rogers demonstraram alguns impactos significativos nas intervenções empáticas. São eles:

✔ Humaniza a pessoa afastando a alienação;

✔ Quanto mais a pessoa se percebe sendo compreendida com sensibilidade, mais provável se torna a ocorrência de aprendizagem e mudança construtiva;

✔ Oferece ao outro a percepção de ser visto, valorizado e aceito por alguém, como a pessoa que realmente é;

✔ Confere a seu receptor a qualidade de pessoa. O sentido de identidade requer a existência de outra pessoa que nos reconheça e confirme;

✔ Aumenta gradativamente a autoaceitação e autoestima.

Com frequência, o mediador/facilitador de diálogos experiente afirma que, independente do resultado alcançado, é incontestável a diferença de postura com que os mediandos chegam e saem das sessões de mediação, sejam elas breves ou demoradas, quando os escutamos verdadeiramente. E este fenômeno não ocorre por acaso. Durante o processo de mediação, esta transformação se inicia dentro de cada mediando para, então, dar-se na relação entre eles.

Observa-se que as atitudes e os sentimentos do mediador/facilitador são mais importantes que sua orientação teórica e as técnicas são menos importantes que suas atitudes. Além disso, a maneira como as atitudes do mediador são apreendidas pelos mediandos é de crucial importância. Portanto, a atitude que consiste em querer compreender e que é comunicada à pessoa que estamos atendendo é a pedra fundamental de todo desenvolvimento subsequente do trabalho. É onde se inicia a criação de contexto fértil, para que as ferramentas da mediação possam gerar os impactos almejados.

Isso nos leva ao próximo tema: a pessoa do mediador.

2.      RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MEDIADOR

 “Minha capacidade de criar relações que facilitem o crescimento do outro como uma pessoa independente, mede-se pelo desenvolvimento que eu próprio atingi.” (Rogers, 1961)

Os estudos de neurociência têm demonstrado o quanto a emoção se sobrepõe e atravessa a razão. Imaginar-se como um mediador que sabe se controlar, é uma imensa ilusão.

A autoempatia é tão importante quanto a empatia com o outro. Uma não existe sem a outra e tudo se inicia na pessoa do mediador/facilitador de diálogos.

Quando não estamos alinhados em nossas palavras, sentimentos e emoções, não há como não transparecer. Deixamos escapar por algum dos inúmeros canais de comunicação humana. Relações não autênticas, onde se desempenha um papel, são relações que minam a confiança.

Como estabelecer uma relação de ajuda sem a conquista da confiança mútua? Quantas vezes interrompemos uma mediação, por perceber que uma ou mais partes, não está agindo verdadeiramente, isto é, de boa-fé? Portanto, a confiança precisa estar presente entre todos: mediadores, mediandos e advogados. Basta que um destes não a estabeleça, para que o processo de mediação se inviabilize.

A comunicação empática é certamente a principal via para instaurar a confiança, por ser de imediato uma escuta, que ao mesmo tempo surpreende e traz conforto. Com o seguimento do processo de mediação, a empatia vai adquirindo e somando outras funções, levando a um maior aprofundamento e conscientização, propiciando uma autonomia mais madura e responsável.

3.      EMPATIA NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

 Como apresentamos anteriormente, a empatia em sí é um caminho, uma forma de compreender o outro, a partir de seus valores e visões de mundo.

Este recurso tem sido amplamente explorado nos mais diferentes campos de saber, porém com intenções distintas.

Analisando especificamente as escolas de mediação, podemos perceber que algumas práticas têm foco na realização de acordos. Estas escolas, como a de Harvard, são escolas estratégicas, que usam a empatia para, através de técnicas estratégicas, conduzir as partes envolvidas para a realização de um acordo. Nessas práticas, a empatia serve como guia para o mediador “realizar” um trabalho mais eficiente, apresentando resultados quantitativos em número de acordos efetuados. Neste caso, é o mediador que domina e dirige o processo para os acordos, a partir da escuta especializada e técnica. Aqui, a vantagem é que a utilização da empatia, permite que a solução seja norteada pelos interesses das partes, mesmo que não  tenha sido exatamente construída por elas. Quanto maior a capacidade de empatia do mediador, maior a probabilidade de o acordo ser adequado à situação específica e às pessoas que dele participe. Entretanto, esta solução extraída das partes, resolve o problema, mas não gera autonomia responsável.

Nas mediações que buscam uma mudança de comportamento e focam na autonomia das partes, a empatia é um dos recursos essenciais. Neste estilo de atuação, o especialista não é o mediador, mas sim as partes envolvidas na situação. Aqui encontramos as mediações: Transformativa, Circular Narrativa, Emancipatória Responsável e Centrada na Pessoa. Estas são mediações não diretivas, não avaliativas, que utilizam a empatia como fonte disparadora de acolhimento, hetero e autoconhecimento, aceitação de si e do outro, onde as mudanças almejadas se direcionam mais às transformações nos relacionamentos, visando maior flexibilidade, colaboração, participação, pluralidade, transparência, respeito, aceitação, consideração e criatividade nas soluções. A avaliação dos resultados destas mediações não se dá quantitativamente, mas qualitativamente. Conquanto nem sempre os acordos ocorram na mesa de mediação, mesmo sendo esta interrompida, os efeitos da atuação do mediador continuam reverberando, a ponto dos casos se solucionarem pelas próprias pessoas, fora e após o encerramento do processo formal de mediação.

Esta diferença crucial na utilização dos recursos de empatia, não desqualifica nenhuma das maneiras de aplicá-la. Aqui, mais uma vez, a diversidade é necessária e muito bem-vinda.

Talvez, o que possa melhor nortear a escolha, seja a área de atuação a qual o mediador se dedica e/ou seu estilo pessoal. O mais importante, é que o mediador como um profissional reflexivo11, tenha claro sobre o que, como e para que está usando os recursos empáticos na mesa de mediação.

REFERÊNCIAS

 BATTAGLIA, Maria do Céu L. Carl Rogers e a Mediação de Conflitos. In: BACELLAR, Anita (coord.) A psicologia humanista na prática: reflexões sobre a Abordagem Centrada na Pessoa. Santa Catarina: Ed.Unisul. 2009, p. 128-136.

ROGERS, Carl; KINGET, G. Marian. Psicoterapia e relações humanas. 1. Belo Horizonte: Interlivros. 1977.

ROGERS, Carl; ROSENBERG, Rachel. A pessoa como centro. São Paulo: Ed. E.P.U. 1977. ROGERS, Carl Ranson. Tornar-se pessoa. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 1961, p. 43- 61. SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed. 2000

WOOD, John Keith et al. (org.). Abordagem centrada na pessoa. Espírito Santo. Ed. Fundação Ceciliano Abel de Almeida Universidade Federal do Espírito Santo. 1994, p. 165.

Notas:

1 Psicóloga, Mestre pela UFRJ. Pós-graduação em Psicoterapia Centrada na Pessoa e Facilitação de Grupos. Título de especialista no CRP. Mediadora Sênior CNJ, TJRJ, Mediare, Defensoria Pública, OABRJ, FGV Projetos, CAMES. Facilitadora de Diálogos privada presencial e hibrida. Supervisora Mediare e privada. Membro da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Professora e coordenadora de cursos de pós-graduação. Participação em eventos nacionais e internacionais, como palestrante. Diversas publicações.

2ROSENBERG, Marshall B. Comunicación no violenta: un lenguaje de vida. Buenos Aires: GranAldea Editores. 2006, p. 29-36.

3 ROGERS, Carl; KINGET, G. Marian. Psicoterapia e relações humanas 1. Belo Horizonte: Interlivros. 1977, p. 129.

4 Tradução livre do autor: “Isto faz o terapeuta se sentir bem, mas não faz o cliente se sentir melhor.”

5 BATTAGLIA, Maria do Céu L. Carl Rogers e a Mediação de Conflitos. In: BACELLAR, Anita (coord.) A psicologia humanista na prática: reflexões sobre a Abordagem Centrada na Pessoa. Santa Catarina: Ed.Unisul. 2009, p. 128-136.

6 ROGERS, Carl; ROSENBERG, Rachel. A pessoa como centro. São Paulo: Ed. E.P.U. 1977, p. 76-79.

7 ROGERS, Carl Ranson. Tornar-se pessoa. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 1961, p. 43- 61.

8 Gestalt é uma doutrina da psicologia baseada na ideia de que o todo é sempre mais do que a soma das partes que o compõem. Aqui, o que está se propondo é se chamar a atenção para partes que estão representadas como fundo de uma figura, invertendo a imagem inicial de figura e fundo. Transformando assim fundo em figura e figura em fundo. Esta alteração de imagem, que inclui novas informações à imagem inicial, amplia o campo perceptual da pessoa.

9 WOOD, John Keith et al. (org.). Abordagem centrada na pessoa. Espírito Santo: Ed. Fundação Ceciliano Abel de Almeida Universidade Federal do Espírito Santo. 1994, p. 165.

10 ROGERS, Carl; ROSENBERG, Rachel. A pessoa como centro. São Paulo: Ed. E.P.U. 1977, p. 73-74

11 SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed. 2000

 

Palavras Chaves

empatia; facilitação de diálogo; mediação de conflitos; não diretividade; Abordagem Centrada na Pessoa