A INTERFACE ENTRE OS DILEMAS HABITACIONAIS NO BRASIL E EM PORTUGAL: MORADIA COMO DIREITO OU MERCADORIA?

Resumo

o artigo que se segue tem por objetivo revisitar a financeirização da moradia no Brasil e em Portugal, estabelecendo elementos que distinguem e aproximam os países neste quesito. Em tempos de crise, o fluxo migratório entre os dois países, e o reflexo no mercado imobiliário tem mostrado relevante e em uma exponencial de crescimento vertiginoso. O referido artigo, propõe refletir sobre o seguinte problema: quais os fatores que impactam a moradia e quais os seus reflexos no mercado de especulação imobiliária dos espaços urbanos? As pesquisas apontam um grande fetiche sobre a moradia, deixando de lado seu caráter de direito social e dando status de desejo, o que valora economicamente a propriedade e serve de deleite para os grandes investidores do mercado imobiliário.

Artigo

A INTERFACE ENTRE OS DILEMAS HABITACIONAIS NO BRASIL E EM PORTUGAL: MORADIA COMO DIREITO OU MERCADORIA?

 Hector Luiz Martins Figueira1 Irene Celina Brandão Félix2

Resumo: o artigo que se segue tem por objetivo revisitar a financeirização da moradia no Brasil e em Portugal, estabelecendo elementos que distinguem e aproximam os países neste quesito. Em tempos de crise, o fluxo migratório entre os dois países, e o reflexo no mercado imobiliário tem mostrado relevante e em uma exponencial de crescimento vertiginoso. O referido artigo, propõe refletir sobre o seguinte problema: quais os fatores que impactam a moradia e quais os seus reflexos no mercado de especulação imobiliária dos espaços urbanos? As pesquisas apontam um grande fetiche sobre a moradia, deixando de lado seu caráter de direito social e dando status de desejo, o que valora economicamente a propriedade e serve de deleite para os grandes investidores do mercado imobiliário.

Palavras Chaves: direito econômico internacional, direito à moradia, especulação imobiliária, migração.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo fazer uma breve análise acerca da financeirização da moradia nos espaços urbanos brasileiros e portugueses. A forte migração de brasileiros rumo à Portugal em busca de melhores condições de trabalho e de qualidade de vida, em razão da crise no Brasil e da estagnação da economia, são fatores que merecem algumas considerações.

A mudança de comportamento dos turistas em todo o mundo após a criação das plataformas de economias colaborativas de alojamento local, e a necessária criação de infraestrutura para receber o turista, aqueceram a economia portuguesa até então em crise financeira. Deste modo, o presente trabalho abordará questões atuais sobre o mercado de moradia e suas implicações legais que têm sido comentadas e revisitadas nos últimos tempos.

¹Advogado. Doutorando em Direito. Mestre em Direito, UVA/RJ.
2
Advogada. Doutoranda em Direito UVA/RJ e Mestre em Direito UCP.1 Advogado. Doutorando em Direito. Mestre em Direito, UVA/RJ.

O problema da pesquisa se resume em apertada síntese, em identificar alguns dos fatores econômicos, políticos e sociais que trouxeram mudanças no mercado de imóveis residenciais em terras brasileiras e portuguesas.

A justificativa para a reflexão acerca do problema da crise econômica e a especulação imobiliária se faz em razão da grande quantidade de brasileiros que imigraram para Portugal. Há imigrantes que se adaptaram e legalizaram sua condição no país português, e outros que voltaram ao Brasil. Contudo, o fluxo migratório do Brasil em direção à Portugal ainda é grande.

A metodologia empregada no trabalho é a pesquisa teórica, conceitual utilizando referências bibliográficas de livros e artigos de jornal e de periódicos publicados.

Relevante ponderar que a moradia traz consigo a ideia de cidadania. Noutras palavras, se eu consigo comprar uma casa, tenho uma moradia, sou um cidadão com dignidade, caso contrário, sou considerado um sem-teto, vivendo à margem da sociedade. Assim a brilhante leitura do professor Ricardo Lira:

Nos países subdesenvolvidos, e nos países em desenvolvimento como o nosso, a ocupação do espaço urbano se faz marcada pelo déficit habitacional, pela deficiência de qualidade dos serviços de infraestrutura, pela ocupação predatória de áreas inadequadas (LIRA, 1997, p.1)

 Assim, no Brasil a moradia não é um direito de todos, ela se perfaz enquanto direito, caso você tenha condições financeiras para supri-la. Ou seja, é um direito condicionado a classe social a que você se encontra. A desigualdade flagrante em nosso estado, o déficit de cidadania do povo, e as políticas governistas defensoras de direitos privatistas e violação de direitos humanos, faz escamotear os direitos mais básicos de uma população entregue a própria sorte.

 1.      A FINANCEIRAÇÃO DA MORADIA: O CASO BRASILEIRO

Em 26 de agosto de 2016 o jornal francês Le Monde Diplomatique Brasil traz a seguinte matéria: O direito à cidade em tempos de crise: A financeirização da moradia no Brasil: a cidade como direito ou mercadoria? Assim, a matéria jornalística já nos convida à reflexão de início:

Em um mundo pós-guerra fria, a esfera financeira vem atingindo grande dimensão devido aos processos de sobre acumulação de capital. O aumento da riqueza baseada em práticas financeiras tem alcançado – ou reforçado – novos perfis econômicos, para além das atividades clássicas de crédito. De fato, durante o último século, inovações nos mercados financeiros têm transformado propriedades urbanas em um dos mais importantes ativos financeiros, com impactos diretos na dinâmica das cidades (ARAGÃO, 2017).

A criação de novos loteamentos e áreas urbanizadas com a finalidade de construir moradia, sejam prédios de apartamentos ou casas, modificam o entorno das cidades brasileiras que nem sempre possuem infraestrutura adequada como a contenção de chuvas, esgoto tratado, entre outros.

Juridicamente, a dinâmica das cidades e a ocupação urbana encontram-se amplamente protegidas pelo Estatuto da Cidade – Lei. 10.257/2001. Tal estatuto traz em seu arcabouço especializado de proteções a garantia à propriedade urbana e ao direito à moradia no art. 2º, veja:

A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; Grifos meus. (FIORILLO, 2009, p. 341)

O direito à moradia digna, portanto, foi reconhecido e implantado como pressuposto para a Dignidade da Pessoa Humana, desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E foi recepcionado e propagado na Constituição Federal de 1988, por advento da Emenda Constitucional nº 26/2000, em seu artigo 6º caput. Constitucionalmente não há dúvidas sobre a garantia deste direito social tão indispensável à sobrevivência humana.

Ainda sobre o prisma do aspecto legal constitucional importa lembrar o Art. 7º, inciso IV da CF que define o salário mínimo como aquele “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,…”. Novamente, a expressão moradia é aventada na carta política de 1988 sendo assim fundamental para a sua garantia que todos zelem pela efetiva aplicação na órbita material. Noutras palavras, o que se pretende é a função social da cidade – cumprida quando proporciona a seus habitantes uma via com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais. Neste sentido, Fiorillo leciona:

Podemos identificar 5 (cinco) principais funções sociais da cidade, vinculando-a à realização: a) habitação; b) circulação; c) do lazer; d) do trabalho e e) do consumo. Uma cidade só cumpre sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna. Para tanto, cabe ao poder público proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Grifos meus (FIORILLO, 2009, p. 341)

Assim, tanto governantes (poder público) quanto sociedade civil devem juntos, se articular na busca por soluções viáveis e possíveis para concretização da habitação digna. Devido às lógicas econômicas e desiguais preponderantes da economia de mercado e do sistema capitalista, o direito à sadia moradia adequada fica restringido a uma parte específica da sociedade.

É possível afirmar, de acordo com matéria veiculada no O Estado de S. Paulo e citada por (FIORILLO: 2009) que 81,2 da população vivem em zonas urbanas, podendo este número aumentar significativamente até 2050. Tendo em vista tal dado estatístico é fundamental a existência de um planejamento de desenvolvimento e de expansão urbana das cidades brasileiras para além de mera especulação imobiliária como se verificou nos últimos anos em pesquisa já citada:

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014), de 2004 a 2010, cerca de 26 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza. Tal transformação na estrutura social do país gerou grande demanda habitacional, dado que parte das famílias que anteriormente não tinham condições de se enquadrarem nos parâmetros de mutuários atingiram níveis de renda adequados para acesso ao crédito. Todas essas transformações influenciaram a retomada da produção habitacional pelo setor da construção civil. (ARAGÃO, 2017)

Com a alteração do paradigma econômico brasileiro, o cenário da moradia também se transforma e junto dele alguns fenômenos trazidos pela indústria da construção civil aparecem – como boom imobiliário. Estimulado por este boom, inúmeras linhas de crédito foram liberadas em bancos e financeiras para que se adquirissem novos imóveis e para construção desses.

Tangenciando a temática temos ainda, desde 2009, o programa federal Minha Casa Minha Vida desempenhando papel central na política nacional de habitação de interesse social. Não obstante, um grande problema se visualizou com este projeto, muitas famílias de baixa renda adquirentes de imóveis não conseguiram honrar as prestações avençadas, surgindo assim até paráfrases com o nome do programa – “minha casa minha dívida”. Neste sentido, matéria do jornal Extra/O Globo:

A crise financeira que afeta o país tem elevado a inadimplência de imóveis financiados pelo “Minha casa, minha vida”. Pelo menos 20% das famílias brasileiras beneficiadas na faixa 1 do programa habitacional, que engloba aqueles com renda mensal de até R$ 1.600, não estão em dia com suas prestações, segundo o Ministério das Cidades. A sede da Associação de Mutuários do Rio, no Centro afirma que é cada vez mais procurada por pessoas que recebem avisos de cobrança, e estão com os imóveis em vias de ser leiloado. (Jornal, EXTRA)

De tal forma, verifica-se um elevado número de pessoas que não conseguem honrar com as parcelas do financiamento, o que configura a dificuldade do acesso a moradia digna em nosso país.

2.      A FINANCEIRIZAÇÃO DA MORADIA: O CASO PORTUGUÊS

 Com a crise financeira internacional no ano de 2007, em Portugal foi criado o golden visa por meio de Lei nº 84/2007, de forma a estimular a imigração principalmente daqueles que possuem um maior poder aquisitivo, favorecendo a abertura de empresas e aquisição de moradia e nacionalidade.

No ano de 2016, com a chegada da Troika (Troika é a designação atribuída à equipe composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) em Portugal, foi concedido um empréstimo ao país português, mediante determinadas condições de contenção financeira no orçamento do Estado, que atingiu os aposentados, pensionistas, funcionários públicos por um determinado período, até que as contas públicas fosse reordenadas de forma a efetivar o pagamento do referido empréstimo.

Com as medidas de contenção financeira no orçamento do Estado, a forte recessão e o desemprego, culminaram na reabilitação urbana com finalidade específica de movimentação financeira de forma a diversificar a economia portuguesa.

Em virtude da dificuldade de capital para promover a reabilitação urbana e impulsionar a construção civil, com a reforma de prédios antigos destinado ao comércio e aqueles que já eram destinados a moradia, os portugueses modificaram a Legislação do golden visa no ano de 2017, incluindo também a aquisição de moradia para fins de reabilitação urbana.

O referido programa contempla a possibilidade de aquisição da nacionalidade, após cinco anos, desde que atendidas as exigências, que tanto se enquadram para aqueles que pretendem investir no país criando empresas e gerando empregos, como outros que desejam morar ou simplesmente desfrutar de sua aposentadoria.

Através da compra de casas destinadas a moradia, cujo valor seja superior a quinhentos mil euros, ou a compra de casas destinadas a reforma, cujo valor de aquisição é de trezentos e cinquenta mil euros, que deverão ser reformadas conforme preconiza a legislação portuguesa, ou a percepção de renda mensal garantida principalmente pelos aposentados (autorização de residência temporária e após cumpridos os requisitos a conversão em autorização definitiva), sem nenhum tipo de desconto a título de imposto, constituem vantagens oferecidas pelos portugueses como forma de impulsionar a economia.

O público alvo já eram os ingleses que em razão do inverno severo já passavam grandes temporadas na região do Algarve com o clima ameno quando comparado a Londres. Por outro lado, houve estímulo aos franceses com tributação sobre pensões e aposentadorias com alíquotas mais baixas em Portugal fizeram com o que os mesmos adquirissem moradia em Portugal. Com a crise política e financeira no Brasil, e a forte imigração chinesa, o golden visa tem hoje como público alvo os ingleses, franceses, chineses e brasileiros dentre outras nacionalidades.

Criado ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 90.º – A da Lei 23 do ano de 2007 de 4 de julho, foi alterada pela Lei n.º 29/2012, de 09 de agosto. Preconiza a referida Lei que

 Todos os cidadãos nacionais de Estados Terceiros que exerçam uma atividade de investimento, pessoalmente ou através de sociedade constituída em Portugal ou noutro Estado da U.E. e com estabelecimento estável em Portugal, uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos:

  1. A transferência de capitais no montante igual ou superior a 1 milhão de euros;
  2. A criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho;
  • A aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros;
  1. Aquisição de bens imóveis, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em área de reabilitação urbana e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis adquiridos, no montante global igual ou superior a 350 mil euros;
  2. Transferência de capitais no montante igual ou superior a 350 mil euros, que seja aplicado em atividades de investigação desenvolvidas por instituições

públicas ou privadas de investigação científica, integradas no sistema científico e tecnológico nacional;

  1. Transferência de capitais no montante igual ou superior a 250 mil euros, que seja aplicado em investimento ou apoio à produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural nacional, através de serviços da administração direta central e periférica, institutos públicos, entidades que integram o setor público empresarial, fundações públicas, fundações privadas com estatuto de utilidade pública, entidades intermunicipais, entidades que integram o setor empresarial local, entidades associativas municipais e associações públicas culturais, que prossigam atribuições na área da produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural nacional;
  • Transferência de capitais no montante igual ou superior a 500 mil euros, destinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou de capital de risco vocacionados para a capitalização de pequenas e médias empresas que, para esse efeito, apresentem o respetivo plano de capitalização e o mesmo se demonstre viável.

De acordo com Carolina Nunan e João Peixoto (2012:242) A criação dos vistos gold somada à instabilidade política e financeira principalmente após o impeachment da presidenta Dilma, tornou o cenário propício para a migração dos brasileiros às terras lusas. Neste sentido, os referidos autores sustentam que “Uma das razões que tem sido citada para o aumento da imigração em Portugal nos últimos anos são as possibilidades de regularização, incluindo as que foram criadas pela última lei de imigração de 2007” (NUNAN; PEIXOTO: 2012, p. 242)

O efeito migratório de brasileiros vendendo suas residências no Brasil e aderindo ao Programa Visa Gold e comprando casas em Portugal, acrescido da mudança na Lei de Migrações, onde os netos e descendentes de portugueses passaram a ter direito à nacionalidade portuguesa, criaram condições favoráveis à imigração brasileira em terras lusas.

Os estudos sobre imigração brasileira têm comprovado que muitos dos imigrantes acedem como turistas e passam algum tempo em situação irregular, até se beneficiarem das oportunidades de regularização para obterem um estatuto legal. Em face desta realidade, podemos admitir que estamos em presença de um fluxo gradual, cuja principal intensificação data do final dos anos 1990. As oscilações têm mais a ver com as alterações legislativas do que com variações reais do fluxo. É possível que um elevado ritmo de entradas se tenha mantido até o final da primeira década do novo século, tendo depois a crise levado à diminuição do fluxo. Neste sentido, o aumento dos números oficiais a partir de 2008 poderá resultar sobretudo da regularização de entradas anteriores, ou mesmo de processos de obtenção de estatuto legal a anteceder imediatamente o retorno (funcionando o estatuto legal como garantia de regresso à União Europeia caso o projeto de retorno falhe) (NUNAN; PEIXOTO: 2012, p. 240).

Por outro lado, a pressão econômica sobre o preço da moradia em todo território português aumentou, não somente em razão dos vistos gold como também da forte demanda turística.

Em Lisboa, foram alguns imóveis foram reabilitados, e prédios novos foram construídos de forma a tentar atender ao fluxo migratório, e também a necessidade de alojamento local com o crescimento da demanda em razão do site airbnb entre outros, propiciando infraestrutura ao turismo.

Com isso, os portugueses atualmente encontram dificuldade de adquirir moradia em Lisboa seja própria ou alugada, e acabam por morar na periferia onde as casas são mais baratas acessíveis ao povo português. Acresça-se ainda a forte migração portuguesa em razão da falta de emprego para outros países da Europa durante o período da troika em Portugal. Neste sentido,

O Acordo de Schengen criou a Europa sem fronteiras, o que passou a permitir o deslocamento de cidadãos dos países membros e de alguns não membros pelo território europeu, sem necessidade de passaporte. A União Europeia desenvolveu, ao longo dos anos, um mercado comum, regido por um sistema legal padronizado ao qual estão subordinados todos os Estados-Membros. A livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais no âmbito da União e um dos pontos de destaque, ao lado de políticas comuns de comércio, agricultura

– a controvertida política agrícola comum, que, comum, que, como todos sabem, é responsável por grandes contendas com terceiros Estados – e de pesca e desenvolvimento regional. (Antônio Celso, p. 7-8)

O incentivo ao turismo em Portugal, se encontra em discussão a Lei de Alojamento Local, tendo em vista que muitas residências sofreram modificação e foram reformadas, de forma a se adequar ao site airbnb gerando renda diária ao proprietário. Com isso, nasceram mais restaurantes, transportes exclusivos destinados ao turismo, com a criação dos tuk tuk (motos adaptadas que promovem o turismo), que alavancaram a economia portuguesa.

A economia foi impulsionada tanto pelo forte turismo, como pela reabilitação urbana realizada às custas de capital estrangeiro, e do forte fluxo de imigração de pessoas com renda mensal mais alta.

3.      A QUESTÃO DA MORADIA LUSO BRASILEIRA

 Um dos sonhos do brasileiro é sair do Brasil. Com a falta de emprego principalmente para uma mão-de-obra qualificada, o aumento de imigrantes brasileiros para Portugal em busca de emprego e também de qualificação profissional junto à Universidade de Lisboa aumentou bastante.

Na Universidade de Lisboa houve registro de casos de xenofobia, servindo como exemplo o caso do saco de pedras na porta da Universidade de Lisboa, a reação dos alunos brasileiros e da direção da universidade.

Apenas a título de ilustração dos 5488 alunos da Faculdade de Direito de Lisboa, 1227 são brasileiros – ou seja, 22%. Os portugueses representam 66% dos estudantes da instituição, com 3620 inscritos.

A Direção da Faculdade a emitiu um comunicado no dia 29 de abril de 2019 reafirmando seu orgulho em ser um espaço de liberdade e opinião e de incentivo à participação cívica responsável, convivendo com a autocrítica, humor e a sátira e que estes valores devem coadunar-se com o respeito por todos os alunos, assim como com a respectiva diversidade cultural, étnica ou de proveniências, e pela consequente ausência de ações suscetíveis de serem ofensivas ou impróprias. O caso foi retratado por inúmeros jornais e revistas (RODRIGUES, 2019).

(…) Sempre houve forte discriminação do imigrante na Europa e, nos dias atuais, a rejeição aos mesmos tornou-se, em alguns casos, política de Estado. As primeiras levas de imigrantes dos anos de crescimento econômico da Europa, em sua maioria europeus ocidentais, se esforçavam para se integrar social e culturalmente. Era alta a taxa de casamentos entre pessoas de nacionalidades distintas. Imigrantes não oriundos da Europa Ocidental ou do Leste europeu, vivem isolados em suas comunidades, não tem amigos entre alemães, franceses ou ingleses, e, frequentemente não falam a língua do país onde trabalham. “Seus líderes religiosos (neste caso, principalmente os islâmicos) lhes dizem que seus valores e suas tradições são muito superiores aos dos infiéis e que não é desejável que entrem em contato mesmo com os vizinhos”. A situação hoje nessa matéria é muito grave. Pesquisa realizada na virada do milênio indicava que os imigrantes ja representavam um quarto, ou mesmo um terço, em certos casos, das populações dos bairros periféricos de muitas cidades europeias. (Antônio Celso, 2019, p. 9)

Apesar da xenofobia, as cidades do interior de Portugal possuem preços de imóveis mais acessíveis aos brasileiros, bem como as periferias dos grandes centros portugueses como Lisboa e Porto.

Muito embora haja diferença do valor da moeda entre os países, o custo de um apartamento nas zonas sul do Rio de Janeiro ou de São Paulo, foi mais que suficiente para aquisição de moradia nas cidades portuguesas.Com isso, o preço dos imóveis nas zonas mais valorizadas do Rio de Janeiro e de São Paulo experimentaram queda de preço visível em razão da estagnação da economia brasileira.

De outro lado, também é muito importante frisar a criação em Portugal do Programa de Retorno Voluntário, também conhecido como “Árvore” Programa de “Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração”, gerida pela Organização Internacional para as Imigrações (OIM), que propicia o pagamento da passagem de volta para aqueles que não se adaptaram, não possuem documentação e emprego, e desejam retornar ao Brasil mais não possuem condições financeiras de comprar a passagem de volta.

“Nos últimos cinco anos, o Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (Árvore), ligado à Organização Internacional para Migrações (OIM) e ao governo português, financiou a viagem de volta de 1.639 brasileiros. ” (RIBEIRO, 2018)

Apesar de corresponderem a 20% dos estrangeiros morando em Portugal, os brasileiros respondem por 86% dos pedidos de auxílio para voltar para casa. Após ter o benefício concedido, o imigrante fica impedido de entrar em Portugal por três anos. Em 2013, no auge da crise econômica portuguesa, registrou-se pico de concessão desse tipo de ajuda para brasileiros: 593 viagens pagas. O número diminuiu nos anos seguintes, mas, de 2017 para cá, mostra tendência de aumento: foram 222 embarques de janeiro a junho de 2018, aproximando-se dos 232 retornos financiados em todo ano passado. Na reunião da OIM em Lisboa em que a reportagem esteve presente, a maioria dos participantes se recusou a dar entrevista. (RIBEIRO, 2018)

A comunidade brasileira que hoje vive em Portugal soma mais de oitenta e cinco mil pessoas. De 2016 para 2017, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras concedeu mais de 4 mil novas autorizações de residência para brasileiros, que já somam mais de 85.426 no país, representando a maior comunidade estrangeira.

Perguntado sobre o fluxo de entrada, um dos representantes da OIM cita ainda as possibilidades de regularização da imigração, afirmando que: “Em geral, não houve uma redução… Portugal ainda é atrativo. […] Ainda há muitos brasileiros a sair do Brasil. Mais do que a entrar. […] Há um crescimento fortíssimo no Brasil, mas não beneficia a todos ainda”. E complementa essa ideia, ao afirmar que Portugal continua sendo uma opção atrativa e há muita gente a querer sair (…) (NUNAN; PEIXOTO: 2012, p. 246).

É interessante observar no processo de imigração, que nem sempre é bem- sucedido independente de qualificação profissional do imigrante. Há outros fatores como a economia local e a adaptação pessoal que contam bastante. Assim, a decisão de imigrar precisa ser analisada minuciosamente e bem planejada de forma a evitar sofrimento desnecessário.

CONCLUSÃO

 Com a criação de plataformas de economia colaborativa como por exemplo o airbnb e o couch surfing, dentre outros, houve um crescimento econômico voltado para o turismo fortalecendo o mercado de imóveis de muitos países. Assim, houve impacto na moradia que sofreu alterações para atender a nova demanda turística. O advento da crise financeira no Brasil, culminou com uma forte imigração para Portugal nos últimos anos, sendo certo que a economia portuguesa se encontrava em crise severa.

Por meio da construção civil, a reabilitação de espaços urbanos e criação de moradia com a finalidade de atender o público alvo do golden visa e do alojamento local em Portugal, logrou êxito na venda das habitações que atualmente se encontram escassas com preços mais altos.

Por outro lado, em terras brasileiras, também há um mercado destinado ao alojamento local visando o turismo e também pessoas que se encontram em deslocamento por motivo de trabalho ou estudo. A lenta recuperação da economia brasileira, a falta de emprego e renda ainda são fatores preponderantes para fomentar uma forte onda de imigração para o Brasil.

REFERÊNCIAS

 ARAGÃO,ThêmisAmorim.http://diplomatique.org.br/a-financeirizacao-da-moradia-no- brasil-a-cidade-como-direito-ou-mercadoria/ Acesso em 01/04/2017.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 1º ed. rev., atual. E ampliada – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 341

 LIRA, Ricardo Pereira. Direito urbanístico, estatuto da cidade e regularização fundiária. Revista de Direito / Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Procuradoria-Geral – Vol. 1, n. 1 (ago. 1997). Rio de Janeiro: A Câmara, 1997. p.1.

 NUNAN, Carolina; Peixoto, João. Crise econômica e retorno dos imigrantes brasileiros em Portugal. REMHU. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Urbana, v.20, n. 38, p. 233- 250, 2012.

 OExtra/OGlobo. http://extra.globo.com/noticias/economia/prestacoes-atrasadas-do- minha-casa-minha-vida-devem-ser-regularizadas-em-ate-tres-meses-16437366.html.

Acesso em 02/04/2017.

 PEREIRA, Antônio Celso Alves. Crise Mundial: O caso da Europa.

 PLANALTO.                              Estatuto                              da                              Cidade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm]

RIBEIRO, Ricardo. Não era como imaginava: cresce número de brasileiros que pedem ajuda   para     voltar   de            Portugal.         <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas- noticias/2018/08/17/brasileiros-voltam-portugal-emigrar-salario-seguranca- visto.htm?cmpid=copiaecola> acesso em: 05/07/2019

RODRIGUES,<https://www.dn.pt/pais/interior/lisboa-uma-piada-sobre-brasileiros-poe- a-faculdade-de-direito-em-polvorosa-10845576.html> Acesso em 05/06/2

Palavras Chaves

direito econômico internacional, direito à moradia, especulação imobiliária, migração.