A LEI Nº 13.655/2018 E A SEGURANÇA JURÍDICA NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS NO RIO DE JANEIRO

Artigo

A LEI Nº 13.655/2018 E A SEGURANÇA JURÍDICA NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS NO RIO DE JANEIRO

 

 Floriano de Azevedo Marques Neto[1]

Kelly Ribeiro Felix de Souza[2]

Douglas da Silva Oliveira[3]

 

Introdução

A Lei nº 13.655/18 tem sido chamada de vários nomes pelos operadores do direito: Lei da Inovação no Setor Público, Lei da Segurança Jurídica, etc. e incluiu dez novos artigos no Decreto-lei nº 4.657/42, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Conforme já observado em diversos trabalhos que buscam compreender as origens dos novéis dispositivos legais, os mesmos não se tratam de novidade lato sensu, mas sim, representam a positivação de um longo acúmulo de reflexões da doutrina sobre as novas possibilidades da hermenêutica do direito em geral e do direito público em especial[4].

Tais estudos, que embasaram a elaboração do anteprojeto que deu origem à referida lei partiram da premissa de que os instrumentos interpretativos contidos na LINDB original, concebida à época em vigorava uma noção oitocentista do Direito, não são mais suficientes para os complexos desafios impostos pela aplicação do Direito Contemporâneo.

Nesse sentido, conforme aponta Floriano de Azevedo Marques Neto[5], duas ordens de complexidades foram levadas em consideração na elaboração do texto normativo. Primeiro, a de que o Direito que se aplica hoje é “muito mais amplo, múltiplo e diversificado”, isto é, as normas vinculantes são mais diversas do que a lei estrita; “a produção normativa infralegal transcende em muito o poder regulamentar atribuído ao Presidente da República pelo art. 84, IV, da CF; a pluralidade de subsistemas jurídicos que preenchem de conteúdo molduras pré-definidas em lei, de normas editadas em processos de deslegalização (como ocorre com as agências reguladoras) ou as normas de concretização editadas por núcleos de competência normativa reservada (como ocorre na Receita Federal), formando o que Maurice Hauriou denominou de “bloco de legalidade”.

Segundo, tendo em vista que a “lei” (ou “bloco de legalidade”) a ser interpretado é mais complexa e menos clara, maior é o ônus de criação do Direito para o intérprete. Porém, se antes era o Poder Judiciário quem detinha a atribuição de interpretar o Direito de forma vinculante, hoje esta competência se expandiu para inúmeras esferas, como as agências reguladoras, os tribunais administrativos (como CADE, CARF, CVM, dentre outros), órgãos de controle, Ministérios Público, entre inúmeras outras instâncias que aplicam o Direito diariamente através de decisões com efeitos concretos.

É nesse contexto que nasce a Lei nº 13.655/2018, dispondo na LINDB normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. E a LINDB, como uma meta-norma que é, ou seja, uma norma que orienta a aplicação das outras normas jurídicas, demonstra que possibilidades que o novel diploma inaugura são, de fato, muito variadas, tanto na sua versatilidade quanto no número de matérias que ela abrange.

Desse modo, é natural que os autores destaquem os aspectos que lhe são mais caros e, sobretudo, a incidência no seu objeto de estudo ou área de atuação. Esta é, exatamente, a função da nova legislação: criar novos paradigmas para a aplicação das normas jurídicas nas muitas nuances que estas podem se apresentar na prática cotidiana do operador do direito, sobretudo daquele que opera o direito público. Cumpre-nos, no presente trabalho, destacar a importância da norma para o setor de infraestrutura.

O setor de infraestrutura é marcado por desembolsos financeiros significativos nos momentos iniciais dos projetos para construção da infraestrutura, balanceados pelo retorno desse investimento no longo prazo. Marcante do setor é o fato de que este investimento incorre em custos irrecuperáveis do ponto de vista econômico, uma vez que seu custo de oportunidade é próximo de zero. Diferente de uma indústria, manufatura ou prestador de serviços que poderia realocar seu capital físico para outras atividades, um concessionário de uma rodovia, por exemplo, não tem esta opção. Esta rigidez do investimento após a formação do capital físico é recompensada pela remuneração do investimento no longo prazo. Os agentes econômicos precificam a imobilidade de seu capital e o risco do negócio, chegando, assim, no retorno esperado para o projeto. Para isso, é essencial a segurança jurídica, em sentido bem capturado por Egon Bockmann Moreira:

“[…] o que de comum assiste a todos esses setores é a necessidade de projetos com desembolsos significativos num primeiro momento (sobretudo nas concessões), orientados pela segurança de seu retorno em longo prazo. Esta é essencial em empreendimentos de engenharia financeira duradoura que de partida envolvam aportes maciços de recursos. Investimentos dessa ordem só se sustentam num cenário de conhecida estabilidade político-jurídica: regras claras previamente estabelecidas e depois respeitadas, que permitam dar consistência a projeções elaboradas com número certo de variáveis endógenas.”[6]

Segurança jurídica é fundamental no desenvolvimento do setor de infraestrutura. Ela implica em duas vertentes. Primeira, segurança jurídica dos marcos regulatórios. Mudanças bruscas nos marcos regulatórios e sem período de adaptação adequado ferem a previsibilidade dos agentes econômicos e da sociedade.

Não se trata de defender a imutabilidade dos marcos regulatórios, mas sim buscar caminhos para uma boa gestão das mudanças, vale dizer, a capacidade de conciliar três variáveis: i) necessidade de mudança; ii) interesses dos particulares; iii) tempo. Segunda, a vertente da aplicação das normas. Como as normas serão aplicadas pelas instituições? Instituições importam, e muito, para o desenvolvimento saudável de qualquer sociedade. Para a segurança jurídica a existência de instituições fortes, que respeitem contratos e velem pela observância estabilidade das relações é fator decisivo.

A Lei nº 13.655/18 embarca no desafio de aprimorar a qualidade decisória dos órgãos públicos, racionalizando os procedimentos decisórios, garantindo independência para os tomadores de decisão decidirem e criando uma cultura de incentivos à estabilidade e segurança jurídica.

Assim sendo o objetivo do presente trabalho é fazer uma análise dos vetores introduzidos pela Lei nº 13.655/2018 na LINDB contrastando-os, posteriormente, com exemplos práticos de criação e aplicação do direito público nas contratações públicas no Rio de Janeiro, a fim de que se possa, ao final, apresentar um panorama do setor de infraestrutura no Rio nos últimos anos e quais as contribuições que a nova legislação pode oferecer para o setor nos próximos anos.

  1. Vetores de interpretação da Lei nº 13.655/2018

Como dito inicialmente, a Lei nº 13.655/2018 introduziu dez novos artigos na LINDB. Tais artigos detem uma racionalidade própria, com vistas a garantir maior eficiência e segurança jurídica ao direito público. Nesse sentido, o presente capítulo busca expor os vetores de interpretação da nova lei, a fim de que se tenha uma maior compreensão de sua amplitude e âmbito de aplicação.

  1. Aqueles que aplicam o direito têm o ônus argumentativo

 “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

 O primeiro vetor de interpretação diz respeito ao ônus argumentativo daquele que toma decisões no âmbito administrativo ou daquele que controla as decisões tomadas. Partindo do pressuposto de que a Administração Pública interpreta o direito, sendo, na verdade, seu maior intérprete[7], aqueles que pretendam rever suas decisões devem, necessariamente, carregar o ônus argumentativo atrelado às escolhas.

Determinadas normas jurídicas permitem uma identificação clara e precisa do seu conteúdo e das soluções que elas oferecem para problemas práticos que se apresentem para aquele que deve aplicar o direito. Suponha-se, a título de exemplo, que um servidor público federal, que tenha interesse pessoal direto em determinada matéria, atue em um processo administrativo correlato. O art. 18, I, da Lei nº 9.784/99 dispõe claramente que o mesmo está impedido de fazê-lo. Se o fez, os atos praticados são nulos de pleno direito. A regra jurídica prevê uma vedação (atuação de servidor com interesse na matéria) que foi descumprida (o servidor atuou em matéria de seu interesse), gerando uma solução jurídica precisa (nulidade dos atos).

Outras normas jurídicas contém um grau de indeterminação que não permite precisar de antemão o seu conteúdo ou a solução prescrita. É o caso, por exemplo, do princípio da moralidade administrativa previsto no art. 37 da Constituição Federal. Trata-se da clássica distinção entre princípios e regras que há tempos é debatida na doutrina estrangeira e nacional. Conforme aponta Marçal Justen Filho, verifica-se uma tendência de proliferação de normas gerais e abstratas, aumentando, por consequência, a quantidade de soluções, que podem ser contraditórias e imprevisíveis[8].

Na prática da aplicação do direito, a tendência de utilização de conceitos jurídicos abstratos revelou-se fator de instabilidade e insegurança na prática jurídica nas últimas décadas. Sobre o ponto, é célebre a provocação de Carlos Ari Sundfeld ao questionar se “Princípio é preguiça?”[9]. O autor se opõe ao uso de princípios verificada na prática administrativa e judiciária, que se traduzem em “puro voluntarismo” a despeito da sofisticação teórica no desenvolvimento da teoria dos princípios pela doutrina.

Na prática os princípios são utilizados como argumentos retóricos vazios em jogos de poder para fortalecimento institucional ou como forma de legitimação das aspirações de “espertos e preguiçosos”[10]. Contudo, a medida que a decisão baseada em normas indeterminadas aumenta o poder decisório das instituições e o leque de opções interpretativas possíveis, sobretudo para o judiciário e órgãos de controle, não lhes transfere o ônus correlato e inerente ao tipo de atuação que se propõe a exercer.

Como apontado por Juliana Bonacorsi de Palma, os arts. 20 e 21 funcionam como “testes de deferência” para os controladores. Estes, não podendo cumprir com os ônus argumentativos que lhe foram atribuídos, deve guardar deferência para com a interpretação administrativa e preservar a ação administrativa[11].

O art. 20 da LINDB tenta corrigir algumas assimetrias decisórias e garantir maior estabilidade para as decisões ao exigir uma análise de consequências dos efeitos das decisões[12]. A decisão das autoridades públicas, no Estado Democrático de Direito, não pode ser fruto de voluntarismo sem substrato fático, legal ou racional.

Não se trata de negar a permeabilidade do sistema jurídico às normas de caráter mais aberto, mas sim de aprimorar o processo decisório que se valha de tais mecanismos[13]. Decidir com base em princípios não pode se prestar a ser “um argumento de autoridade hermenêutica” sem que a autoridade que toma a decisão tenha o ônus de perquirir os efeitos desta decisão. A decisão seguirá um itinerário lógico:

“[o art. 20 da LINDB] Estabelece um devido processo legal decisório, mais interessado nos fatos, por intermédio do qual os decisores terão de explicitar se: (i) dispõem de capacidade institucional para tanto, ou se, excepcionalmente, estão exercendo uma função que lhe é atípica, mas por uma necessidade pragmática, porém controlável; (ii) a decisão que será proferida é a mais adequada, considerando as possíveis alternativas e o seu viés intrusivo; e (iii) se as consequenciais de suas decisões são predicadoras de medidas compensadoras, ou de um regime transição.[14]

Temos, em síntese, que o primeiro vetor predica que aquele que substitui o administrador possui o ônus de justificar sua competência e capacidade institucional, bem como, sequencialmente, justificar adequadamente o mérito e as consequências de sua decisão.

  1. A interpretação do direito implica em produzir a norma no caso concreto

“Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.”

 “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

  • 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
  • 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
  • 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.”

O segundo vetor de interpretação da Lei nº 13.655/18 busca reconhecer que a interpretação do direito cria a norma no caso concreto. Todo o processo de aplicação do direito ao caso concreto decorre de um processo de aplicação de regras abstratas[15]. A característica da lei é a abstração e generalidade. A lei, em regra, não possui destinatários específicos, salvo raras exceções. Todos os destinatários que atendam ou não os requisitos legais sofrerão uma consequência jurídica, positiva ou negativa, a depender do conteúdo que a lei veicula.

Entre a lei abstrata e a consequência jurídica que esta veicula, encontra-se o intérprete. Aplicar o direito importa, necessariamente, na canalização do efeito jurídico em concreto do comando abstrato. A questão reside, como aponta Marçal Justen Filho, na ausência de exposição clara e evidente do processo pelo qual a autoridade competente concretiza tais valores[16].

A previsão dos efeitos práticos é medida necessária para determinar a compatibilidade da escolha com o valor abstrato invocado, independente do seu grau de determinação (princípio ou regra). O processo de concretização, mais do que uma escolha, resulta de uma ponderação quanto ao resultado prático produzido pela decisão[17].

Revela-se essencial, portanto, levar em consideração as circunstâncias reais. A norma possui caráter prescritivo veiculando um dever ser. Ocorre que o dever ser não corresponde a realidade concreta existente no momento. Não apenas a realidade que a norma prescreve ainda não é concreta, mas também os pressupostos que ela adota para aquela realidade. Neste segundo ponto reside a importância crucial da previsão dos efeitos práticos. A aplicação da norma não pode ser feita com base em abstrações ou pressuposições de um mundo ideal ou idealizado pelo legislador. Não se trata de negar o caráter prescritivo da norma, mas sim de reconhecer o estágio atual de evolução institucional.

Em síntese, trata-se de considerar as circunstâncias reais em detrimento de abstrações. O consequencialismo da LINDB abdica de interpretações desconectadas da realidade. A decisão controladora, administrativa ou judicial não opera creatio ex nihilo. Portanto, para que se proceda uma análise de consequências adequada, imperioso que se considere as circunstâncias concretas de aplicação da norma.

  1. Necessidade de manter a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões

“Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Parágrafo único. (VETADO).”

 “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”

Atribui-se ao ex-ministro Pedro Malan a afirmação de que no Brasil até o passado é incerto. A linha temporal dos fatos não raro é revisitada, o que seria salutar, mas para atribuir ou mudar os efeitos sobre eles. Apesar da deferência abstrata, há um baixo compromisso prático com a segurança jurídica na nossa cultura. Se um ato ou contrato firmado no passado torna-se desinteressante, há um arsenal de subterfúgios para que se tente alterá-lo.

No campo do Direito Público, o interesse público[18] e outros valores abstratos se prestam a esse papel de longa data. Criou-se um sistema peculiar: “a CRFB veda que a lei retroaja (artigo 5º, XXXVI), mas o ato administrativo e, pior, a interpretação da lei pelo Executivo, pelo Judiciário ou pelos meros órgãos auxiliares do Legislativo podem retroagir, desconsiderando o que já se perfez juridicamente[19].

Segurança jurídica é essencial para o investimento em infraestrutura e foi uma preocupação central na elaboração da nova LINDB. A segurança jurídica comporta três dimensões: estabilidade, ponderabilidade e previsibilidade[20]. Se a lei não retroage, a mudança de interpretação da lei também não pode retroagir.

Além do ônus de fundamentação adequada das decisões, como exposto no primeiro vetor, a LINDB cria um ônus argumentativo adicional:

Com os artigos incluídos na LINDB pela Lei 13.655/18, cria-se um racional decisório, por intermédio do qual tais entidades [administrativa, controladora ou judicial], ao reverem interpretações consolidadas, para além de terem de discriminar as razões da superação, terão de disciplinar os seus efeitos; trata-se de um ônus argumentativo para além do dever genérico de motivação das decisões[21].

Nesse sentido, o art. 23 estabelece um regime de transição para mudanças de interpretação sobre normas de conteúdo indeterminado. Sua esfera de aplicação é abrangente, envolvendo as esferas judicial, administrativa e controladora. A fórmula adotada pelo legislador não deixa dúvidas de que os artigos são de observância obrigatória por qualquer agente, órgão ou ente que integre o aparelho do Estado ou que se equipare ao aparato estatal no exercício do poder extroverso delegado[22].

Para que faça jus ao regime de transição, o art. 23 qualifica um tipo específico de decisão com três qualificantes. A primeira qualificante da decisão é ser inovadora. A decisão, de algum modo, deve ir em sentido diverso de decisões anteriores ou inaugurar uma interpretação ou delimitação inexistente. A segunda qualificante é a interpretação de norma de sentido indeterminado. São de conteúdo indeterminado aquelas normas que exigem o preenchimento de um conteúdo subjetivo do intérprete para a extração do conteúdo normativo de sua prescrição. Por fim, a terceira qualificante é que a decisão crie obrigação ou condicionamento. A decisão qualificada desta forma gera um poder-dever de previsão de um regime de transição que module temporalmente a eficácia da nova interpretação e distribua os ônus e consequências dela derivados dentro de critérios de proporcionalidade[23].

Com a mesma inspiração, o art. 24 traz a deferência para as interpretações válidas à época do ato, vedando a sua invalidação de situações plenamente constituídas com base em mudanças de interpretação. Como destaca Luciano Ferraz, esta norma guarda sintonia com outras previstas no ordenamento jurídico, mas cuja efetividade de sua aplicação sempre esteve longe de se concretizar[24].

Desta forma, a LINDB traz uma deferência para com o passado e uma mudança gradual para o futuro. A gestão das mudanças concilia o tempo e os interesses dos afetados de modo a achar um ponto ótimo. Dessa forma, pretende-se que a segurança jurídica deixe de ter uma deferência meramente retórica, mas tenha uma deferência prática no cotidiano dos aplicadores do Direito Público.

  1. Consensualidade

“Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:
I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
II – (VETADO);
III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;
IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
§ 2º (VETADO).”

“Art. 27.  A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.                      

 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.

  • 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos.”

O quarto vetor de interpretação é a consagração da consensualidade. A consolidação da consensualidade no direito brasileiro ocorreu de forma fragmentária por meio de atos normativos que consagraram consultas e audiências públicas prévias à edição de normativos, bem como uma plêiade de dispositivos que disciplinaram espécies díspares de acordos substitutivos. Na falta de uma regulamentação legal abrangente, a Lei nº 13.655/18 institui um regime geral para a consensualidade.

Primeiro, uma autorização genérica para a celebração de acordos, inclusive no exercício do poder extroverso estatal, por meio do art. 26 da LINDB, ao dispor que “para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”.

O dispositivo figura como um permissivo genérico para a celebração de acordos, alinhado com outros sistemas jurídicos que também dispõem de leis autorizativas[25]. Ainda, no âmbito de polícia administrativa, o dispositivo serve como um permissivo genérico à celebração de acordos prévios à própria instauração do processo administrativo sancionador.

Não se trata de prescrição inédita. No âmbito do sistema brasileiro da concorrência, de modo similar, tem lugar o compromisso de cessação de conduta violadora da ordem econômica (art. 85 da Lei nº 12.529/2011) e, na seara ambiental, o compromisso de cessação de infrações ambientais (artigo 79-A da Lei nº 9.605/1998)[26].

Com a consagração do consenso, o dogma que caracteriza o poder de polícia pela necessária coercitividade restou superado. De acordo com o art. 26, o administrado é chamado a participar da formação da decisão de polícia[27]. Não importa dizer que não exista coercibilidade na função de polícia, mas apenas de que a regra geral é a atuação consensual.

No entanto, vale dizer que a autorização genérica para celebração de acordos não abdicou de métodos e critérios objetivos. O art. 26 estabeleceu um processo para celebração do compromisso, estruturado em três fases: (i) iniciativa; (ii) instrução; e (iii) celebração do compromisso[28].

A iniciativa pode ser do particular ou da autoridade administrativa. A fase de instrução, por sua vez, envolve a negociação, a realização de consulta pública, quando for o caso, e a oitiva do órgão jurídico. Por fim, celebra-se o compromisso que, obrigatoriamente, deverá ser publicado no diário oficial como condição de validade.

Quanto ao conteúdo do acordo, o art. 26, §1º, buscou-se delinear o mínimo legal para a celebração do acordo, definindo seus requisitos de validade, vedações e cláusulas obrigatória[29]. O compromisso deverá buscar uma solução juridicamente válida para equacionar a irregularidade, incerteza ou situação contenciosa que o acordo pretende enfrentar.

Tal solução deve ser proporcional e equânime, como prediz o art. 26, §1º, I, de modo que se tenha um meio termo entre posições extremistas que desestimulem a formulação de acordos ou posições que importem em leniência do Poder Público. Ao revés, deverá se considerar o contexto, comportamento do compromissário, estágio do processo, impasses burocráticos, etc[30].

O dispositivo dispõe, ainda, que o compromisso deve ser eficiente e compatível com os interesses gerais, de modo que todas as obrigações devem ser endereçadas ao caso concreto.

Quanto às vedações, o art. 26, §1º, III, veda a renúncia de competência por parte do Poder Público. De parte do compromissário, o compromisso não poderá impactar a plena efetivação de seus direitos[31].

Por fim, o art. 26, §1º, IV, prevê as cláusulas obrigatórias. As obrigações devem ser definidas sem ensejar margem de interpretação sobre o que as partes firmaram no compromisso. Devem ser definidos, ainda, prazo e sanções de descumprimento como medidas de incentivo ao cumprimento do acordo[32].

Desta forma, o art. 26 consagra a consensualidade, mas sem permitir a abdicação completa do dever estatal e com balizamento legal mínimo que os acordos deverão observar.

  1. O regime jurídico para o administrador honesto

“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”

O quinto vetor é a consolidação de um regime jurídico para o administrador honesto. Fala-se em consolidação ao invés de criação, pois os expedientes normativos existentes não fornecem respaldo para certas práticas que configuram excessos de controle, como as tentativas de responsabilização objetiva de servidores. Se os vetores acima delineados garantem ao servidor público maior proteção contra o voluntarismo oriundo de normas jurídicas abstratas no âmbito controle[33], o art. 28 da LINDB consolida um regime de incentivos positivos ao administrador público honesto e, principalmente, que pretenda inovar na gestão pública.

O primeiro passo para consolidar o regime jurídico do administrador honesto é mudar o enfoque legislativo. O processo de construção do sistema jurídico de controle foi reativo. Como reação aos escândalos de corrupção, criaram-se diversos diplomas de defesa da moralidade administrativa[34]. Com esta inspiração, o sistema normativo desenvolveu-se considerando o ilícito, o erro, a má fé. O administrador probo e honesto foi relegado a um vácuo normativo que, aliado ao conteúdo abstrato e vago das normas de controle, criou incentivos para a não ação, o chamado “apagão das canetas”[35].

O gestor público honesto não é tutelado pela legislação. O risco ao qual estão sujeitos é alto: i) grande variedade de consequências jurídicas a qual podem ser submetidos; ii) ausência de parâmetros de dosimetria; iii) risco de responsabilização por divergência interpretativa dos controladores; etc.

A Lei nº 13.655/18, assim, cria o regime jurídico do administrador honesto e inovador, que não deve ter receio de exercer suas funções e introduzir inovações no corpo administrativo. O administrador honesto passa a ser o foco da discussão do controle.

O PL da Segurança Jurídica [atual Lei nº 13.655/18] não está preocupado com o gestor de má-fé. Para este, foi construída toda uma legislação de controle. Está preocupado, isso sim, com o gestor de boa-fé, cujo comportamento honesto não é tutelado pelo Direito e termina por receber o mesmo tratamento jurídico do sujeito de má-fé. Por um lado, há o componente de Justiça ao cidadão honesto que atua no Poder Público e busca exercer as suas competências dentro da legalidade e do modo mais eficiente possível. Porém, os fins da tutela do agente público honesto vão muito além da pessoa do gestor.

[…]

Basicamente, a tutela do gestor público honesto está sedimentada em duas frentes: (i) depositar confiança na pessoa do gestor – por essa razão ele não será pessoalmente responsabilizado, mas sua ação poderá ser corrigida (recompensa) e (ii) conferir segurança para que ele efetivamente decida do melhor modo possível na sua avaliação técnica, podendo inovar na gestão pública e mesmo contrariar os entendimentos controladores, desde que fundamentadamente.[36]

O enfoque se descola para o administrador probo, honesto, responsável e criativo. Não o “administrador médio”, figura desconstruída de forma primorosa por Juliana De Palma[37]. Abandonando o administrador ideal no mundo ideal, o enfoque no administrador real no mundo real permite verificar os obstáculos do cotidiano, como a falta de recursos, as exigências de políticas públicas que seu cargo exige, conforme delimitado pelo art. 22 da LINDB.

Tal dispositivo reafirma a aplicação do princípio da proporcionalidade ao administrador público, ao passo que a interpretação deverá considerar “os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”. Ainda, as decisões sobre sua conduta deverão considerar “as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado” a sua ação (art. 22, §1º).

Os parágrafos segundo e terceiro[38], incluídos no projeto original por emenda da Senadora Simone Tebet, buscaram introduzir critérios de dosimetria no direito público. Eduardo Jordão revela os dois aspectos do dispositivo. O primeiro é o aspecto substancial, que aplica a lógica da contextualização às sanções administrativas. Exige-se que, na aplicação de sanções, sejam considerados: i) os danos causados para a administração; ii) os agravantes; iii) as atenuantes; iv) os antecedentes do agente; v) outras sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo que lhe tenham sido aplicadas. O segundo aspecto é o procedimental que impõe, em sintonia com os demais dispositivos (ex. arts. 20 e 21), uma motivação reforçada[39].

Por sua vez, o art. 28 adequa o sistema de responsabilização do administrador público honesto, criando incentivos para melhor fundamentação da atuação administrativa, por meio de uma adequada processualização, reduzindo os riscos de que suas decisões sejam inquinadas pela pecha dos “atos dolosos” ou dos atos praticados lastreados em um “erro grosseiro”[40]. Ainda, inverte e amplia o ônus de fundamentação para o controlador, que passará a ter de demostrar, por intermédio de provas concretas, que o ato praticado pelo agente público restou maculado pela intenção de malferir a probidade administrativa[41].

A delimitação do erro grosseiro é fundamental para o incentivo ao processo de inovação. A inovação deve tolerar o erro, algo que é corrente no setor privado e deve ser incorporado no setor público, como assinalam Gustavo Binenbojm e André Cyrino[42]. Isto não importa em complacência com a desídia, uma vez que o erro grosseiro continuará a ser objeto de responsabilização. Outros erros podem ter consequências internas de natureza não sancionatória, como, por exemplo, a perda de um cargo em comissão. O que importa é “ponderar o equívoco com as motivações e os cuidados que foram tomados”, de modo a relegar a responsabilização pessoa apenas para os casos graves[43].

O regime jurídico do administrador honesto, em síntese, ameniza injustiças no excesso de responsabilização ao quão estão sujeitos ao mesmo tempo que confere segurança para inovação no âmbito da Administração Pública.

  1. Transparência

“Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver.
§ 2º (VETADO).”

O sexto vetor de interpretação é a transparência. Este vetor se expressa de duas formas na Lei nº 13.655/18. A primeira forma de expressão da transparência é a motivação detalhada que a lei exige para as decisões, conforme previsto nos arts. 20, 21, 22, 23 e 24, conforme já delineado.

A segunda forma que o reforço da transparência se apresenta é na figura da consulta pública. Dessa forma, o art. 26 estabelece que, quando for o caso, os compromissos celebrados devem passar por consulta pública. Um exemplo seria um compromisso que, embora firmado com apenas um interessado, reflita a situação de outros.

A consulta pública permitiria, por exemplo, que a Administração tivesse um maior balizamento das obrigações do acordo a partir das contribuições dos demais interessados. Ainda, permitiria que um número maior de acordos fosse firmado, reduzindo as irregularidades e incertezas jurídicas que a lei pretende eliminar.

A consulta pública também tem importância destacada no exercício da função normativa, como previsto no art. 29 da LINDB. Com exceção dos atos internos de mera organização, a consulta pública, nestes casos, não constitui mera liberalidade do gestor. Ao revés, “cuida-se de prescrição que institui o dever-poder de que os processos normativos sejam permeáveis pelos administrados que serão colhidos por seus efeitos”. Ademais, a consulta confere uma racionalidade à função normativa da administração, “de modo que ela não seja referenciada, apenas, por balizas ex ante (fundamento legal), mas por um olhar prospectivo (foward-looking), mediante o qual serão aferidos os impactos, equilibrados interesses e comparadas alternativas[44].

  1. Criação de uma cultura dos precedentes

“Art. 30.  As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Parágrafo único.  Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.”

Por fim, o último vetor de interpretação da LINDB é o incentivo à criação de uma cultura de precedentes.

Conforme destacam Egon Bockmann Moreira e Paula Pessoa Pereira, a prática de seguir precedentes torna-se princípio central do processo de tomada de decisões, com o objetivo de tutela dos valores da racionalidade, imparcialidade, igualdade formal, segurança jurídica e liberdade[45].

Ao menos em quatro hipóteses se vislumbra a incidência do dispositivo. A primeira no precedente formado no âmbito de um processo administrativo, adversarial, de consentimento ou não adversarial. A segunda, na edição de súmulas que uniformizem interpretações. A terceira, o precedente extraído de um parecer jurídico de caráter vinculante. A quarta, na edição de regulamentos administrativos de uniformização de procedimentos[46]. Nestes casos, e em outros que possam se apresentar na prática, os precedentes terão caráter vinculante dentro do órgão até sua superação, conforme prevê o parágrafo único.

Em síntese, trata-se de reconhecer que o agir administrativo vincula, inclusive a discricionariedade do intérprete.  As esferas com poder decisório, judicial, controladora e administrativa, devem tomar a sério suas decisões, evitando “o casuísmo e o randomismo decisório e, assim, poderem sinalizar ao cidadão quais as condutas e parâmetros decisórios a seguir[47].

  1. Infraestrutura e insegurança jurídica nas contratações públicas no Rio de Janeiro

Como dito inicialmente, a Lei nº 13.655/2018 é considerada a positivação de um longo acúmulo de reflexões da doutrina sobre as novas possibilidades da hermenêutica do direito em geral e do direito público em especial. Pode-se dizer, além disso, que tais reflexões também partiram dos problemas reais enfrentados nas relações público-privadas, muitas vezes construídas desde procedimentos administrativos que desconsideram princípios constitucionais básicos, como o dever de eficiência e proporcionalidade, até violações à direitos previstos na legislação vigente sem justificativa plausível.

Neste sentido, o presente capítulo tem como objetivo trazer maior concretude aos problemas que poderão ser enfrentados tendo como substrato a Lei nº 13.655/2018. Para tanto, o recorte escolhido foi o Rio de Janeiro, primeiro pela afinidade com a atuação da CIDE, segundo pelo acúmulo de medidas administrativas arbitrárias adotadas nos últimos anos. Nesse sentido, foram escolhidos três casos a serem explorados, conforme será desenvolvido adiante.

  1. a) O Decreto Municipal nº 41.206/2016 e a proibição de reajustamento de contratos e convênios administrativos

O Decreto Municipal nº 41.206, de 18 de janeiro de 2016, editado pelo Ex-Prefeito do Município do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, estabeleceu normas de execução orçamentária e programação financeira que deveriam ser observadas pelos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro no exercício de 2016. Dentre as disposições deste Decreto, interessa ao presente trabalho aquelas constantes de seu artigo 24, caput e parágrafo único, que veda o reajustamento dos contratos e dos convênios administrativos nos seguintes termos:

“Art. 24 Fica proibido qualquer tipo de reajuste de contratos e convênios, referentes a despesas de prestação de serviços e fornecimento de material de consumo, com exceção das parcelas de custos relativos a despesas com mão-de-obra que compõem esses instrumentos legais e que serão submetidos à análise da CODESP, devendo prever no máximo a variação do IPCA-E do período.

Parágrafo único. O previsto no “caput” não pode ser compensado com a redução do escopo do contrato e/ou convênio; redução na quantidade ou qualidade do material fornecido ou do prazo para prestação dos serviços.”

Por meio do referido Decreto, o Ex-Prefeito consolidou em norma a proibição que já vinha sendo verificada extraoficialmente, no sentido de impedir reajustamento aos contratos administrativos já celebrados entre a Administração Direita e Indireta da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e os particulares – com exceção das parcelas relativas às despesas dos contratados com mão-de-obra, sobre a qual incidirá índice arbitrariamente eleito pelo Município. Não bastasse esta proibição, o Ex-Chefe do Poder Executivo Municipal foi além para também proibir que fossem tomadas medidas no sentido de equacionar o desequilíbrio econômico-financeiro. A normativa foi replicada pelo atual Prefeito, Marcelo Crivella, no âmbito do Decreto nº 42.737/2017.

Como se vê, trata-se de medida flagrantemente inconstitucional e ilegal.

Em primeiro lugar, há violação à disposição constitucional que protege o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, mais especificamente o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, há violação aos dispositivos constitucionais que reservaram à União a competência para prescrever as normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 22, inciso XXVII), bem como as normas gerais do sistema monetário (art. 22, inciso VI), nos escopo dos quais está o disciplinamento da aplicação de reajuste anual aos contratos administrativos.

Em terceiro lugar, na linha do exposto no item anterior, há flagrante violação à Lei Federal nº 8.666/1993 e à Lei Federal nº 10.192/2001, que versam, respectivamente, acerca de normas gerais de licitações e contratos e normas gerais do sistema monetário, as quais dispõem sobre a obrigatoriedade da presença de cláusulas de reajuste nos contratos administrativos, de modo que a sua aplicação não se encontra na seara da discricionariedade administrativa.

Além das violações à Constituição e às normas infraconstitucionais anteriormente citadas, a proibição de aplicação de reajustes imposta pelo então Prefeito viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, na medida em que se cria passivo gerado pelo próprio Município, de forma totalmente injustificada e pela não observância das regras legais e contratuais, bem como configura-se como crime de responsabilidade do Prefeito, nos termos do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, arts. 1º, V e XIV, e 4º, VI e VII[48].

Tal decreto foi alvo de denúncia junto ao Tribunal de Contas do Município[49], o qual declarou[50] a contrariedade de tais normativos ao ordenamento jurídico brasileiro. O acórdão consignou que as circunstâncias da economia brasileira não podem servir de salvo-conduto para que o gestor atue contrariamente à lei e aos contratos, causando desequilíbrios fiscais à Administração, bem como que a proibição ao pagamento de reajustes legais afronta princípios basilares do ordenamento jurídico como a moralidade, a legalidade e a boa-fé objetiva, os quais devem nortear a celebração e a execução dos contratos e convênios administrativos.

O Tribunal de Contas demonstrou preocupação não só com a ilegalidade das normas proibitórias de aplicação de reajustes. Também apontou o passivo existente no Município e, principalmente, a violação constitucional contida nos atos administrativos denegatórios de reajuste: a total ausência de motivação.

Decisões como esta estão em consonância com os objetivos da NLINDB, garantindo eficácia aos direitos legalmente previstos e resgatando a segurança jurídica das contratações públicas.

  1. b) O Decreto Municipal nº 43.705/2017 e a limitação de emissão de notas de empenho

Outro exemplo é o Decreto Municipal nº 43.705/2017, que buscou limitar a emissão de notas de empenhos originários de fontes de recursos não vinculados do Tesouro Municipal. O Decreto foi editado com fundamento na Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe ao Executivo e demais poderes a limitação de empenho e movimentação financeira, caso verificado, ao final de um bimestre, que a receita prevista poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal. A medida justificou-se, segundo o próprio decreto, pelo “baixo desempenho da arrecadação municipal” verificado na avaliação bimestral anterior à edição do Decreto.

Contudo, mais uma vez os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal não podem ser confundidos com uma carta em branco para que o Poder Público proceda a alteração unilateral na forma de pagamento dos contratos firmados, agravando um problema crescente nos contratos públicos do Município: a falta de estabilidade e segurança jurídica. É dizer: as regras de pagamento dos contratos públicos devem ser respeitadas em benefício da população destinatária dos serviços públicos, da imagem da Administração Municipal no mercado e dos cofres públicos.

  1. c) A Resolução nº 3.954/2016 e o estabelecimento de prazo decadencial para solicitação de reajuste contratual

Ainda, é digna de nota a Resolução nº 3.954/2016, emitida pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, a qual aprovou cláusula padrão de editais e contratos de concorrências de obras, entre outros, no sentido de estabelecer prazo decadencial de 60 (sessenta) dias para que o contratante faça solicitação de pagamento de reajuste contratual, contados da publicação do índice ajustado contratualmente, conforme abaixo:

“Art. 1º – As minutas-padrão de edital de concorrência de obras (P-03/09), prestação de serviços (P-01/10) e serviços técnicos de advocacia (P-05/12); de toma de preços de prestação de serviços (P-03/10); de pregão presencial de prestação de serviços (P-03/06); de pregão eletrônico de prestação de serviços (P-01/09); de pregão eletrônico com a utilização do SIGA para prestação de serviços (P-05/11); de pregão eletrônico exclusivo para ME, EPP, empresário individual e cooperativas de prestação de serviços (P-02/13) passam a vigorar com o seguinte dispositivo:

O prazo decadencial convencionado para o Contratado solicitar o pagamento do reajuste contratual, que deverá ser protocolizado na Unidade Protocoladora do órgão contratante, é de 60 (sessenta) dias, contados da publicação do índice ajustado contratualmente, sob pena de decair o seu respectivo direito de crédito, nos termos do art. 211, do Código Civil.”

A adoção da referida cláusula tem como fundamento o art. 211 do Código Civil, o qual dispõe que “se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação”. No entanto, o dispositivo legal não é aplicável aos reajustes de contratos administrativos tendo em vista que, em decorrência do disposto no art. 37. XXI, da Constituição Federal, e dos arts. 40, XI, e 55, III, da Lei nº 8.666/1993, a aplicação do reajuste deve ocorrer de forma obrigatória e automática a partir do aniversário das etapas contratualmente previstas. Ou seja, não depende, sequer, de pedido do contratado, devendo a Administração Pública fazê-lo de ofício, não havendo que se falar, assim, em prazo decadencial.

Trata-se, como se vê, de mais uma medida que busca restringir direitos de particulares que contratam com a Administração Pública, isto sem que a resolução apresente qualquer motivação ou análise mais apurada da constitucionalidade e da legalidade da medida.

Essas e outras inúmeras medidas que vem sendo adotadas pela Administração Pública, não só no âmbito do Rio de Janeiro, vem mostrando-se bastante desfavoráveis ao erário no médio e longo prazo. No entanto, a LINDB tem o potencial de mostrar-se como forte instrumento para desincentivar a adoção de alívios transitórios fundados na negativa de direitos legalmente garantidos, o que tem o condão de minar a confiança do mercado na Administração Pública, impedindo avanços no setor da infraestrutura.

  1. d) Da decisão que suspendeu a concessão do Zoológico do Rio de Janeiro

Por fim, outro exemplo relevante é a concessão do Zoológico do Rio de Janeiro. Após o certame ter sido vencido pelo Grupo Cataratas do Iguaçu, foi proposta a Ação Popular nº 0240710-17.2016.8.19.0001. Em 1ª instância, foi negado o pedido de antecipação de tutela, levando à interposição do Agravo de Instrumento nº 0047572-88.2016.8.19.0000, distribuído para a 21ª Câmara Cível sob a relatoria da Desembargadora Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho.

Inicialmente, a Desembargadora proferiu decisão concedendo a tutela recursal para o fim de suspender os efeitos da licitação, sob o seguinte fundamento:

“É fato incontroverso, como já dito acima, que quem elaborou o projeto básico que serviu de base para a formulação do Edital de Licitação não só participou da concorrência, mas sagrou-se ali vencedora, padecendo de nulidade o ato administrativo de licitação e consequente contratação.”

 Como se vê, a decisão partiu de uma presunção de direcionamento da licitação face ao fato de que a vencedora do certame elaborou o projeto básico na fase de Procedimento de Manifestação de Interesse. É digno de nota, porém, que na referida decisão não foi feita qualquer análise sobre as consequências da invalidação dos atos administrativos provenientes da licitação. Nesse sentido, vale notas as péssimas condições do Zoológico à época, seja em relação a sua infraestrutura, seja em relação ao risco de morte e sofrimento dos animais, face à impossibilidade de a Administração Pública realizar a adequada conservação do local.

A decisão somente foi revista 4 (quatro) meses depois, quando a Desembargadora entendeu que:

“Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bens públicos, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços.”

 Ainda, reconheceu as condições do Rio Zoo como ruins e apontou a incapacidade da Administração Pública em gerenciá-lo:

“É fato público e notório o péssimo estado de conservação do Zoo, com diversos animais com risco de morte e em grave sofrimento, tanto que houve a interdição do local para visitação pública. Além de diversas matérias veiculadas pela imprensa, isso se comprova com parecer do IBAMA sobre vistoria efetuada no local, dando conta das péssimas condições encontradas, o que gerou um termo de ajustamento de conduta para providências emergenciais; nota pública da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil, manifestando sua preocupação com o Zoo do Rio de Janeiro e os animais que abriga.”

 No entanto, é de se pensar nos danos que poderiam ser evitados se, desde o começo, fosse feita uma análise mais apurada das consequências da suspensão do contrato de concessão com base em mera presunção de impedimento e irregularidade.

  1. Conclusões

Em geral, pode-se afirmar que contratos de infraestrutura tem ao menos duas características: são de longo prazo e, portanto, incompletos, de modo que suas lacunas são saneadas pelas próprias partes ou por agentes externos (como o Poder Judiciário, o agente regulador, entre outros); e comportam interesses distintos entre o Poder Público e o contratado, isto é, o Poder Público busca otimizar a atividade ou serviço para o maior número de destinatários, enquanto que o privado o incremento de sua rentabilidade[51].

Dessas características e dessa ordem de interesses diversos, típicos de contratos complexos, decorrem inúmeros problemas, alguns citados neste trabalho como exemplo.

Assim sendo, tendo em vista que a Lei nº 13.655/2018 tem como objetivo conferir eficiência e segurança jurídica às relações público-privadas, é notório que os mesmos terão impacto sob os contratos de infraestrutura. Nesse sentido, a partir dos casos trabalhados, podemos citar alguns efeitos da nova lei nos contratos de infraestrutura.

Em primeiro lugar, pode-se citar o art. 20, o qual dispõe que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Trata-se de dispositivo de importância de alta relevância, tendo em vista que, conforme exemplos citados, não é incomum que a Administração Pública decida sem qualquer análise de boas práticas, em franca violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, criando passivos ao erário que uma hora ou outra serão cobrados pela via judicial com os acréscimos devidos.

Na mesma linha, o art. 21, segundo o qual “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”. Se antes o Poder Judiciário considerava a hipótese de proferir decisão anulando atos administrativos sem fazer uma análise detida das consequências da invalidação, como no caso do Zoológico do Rio, a LINDB hoje contem dispositivo que o impele diretamente de fazê-lo, deixando claro o óbvio: não é possível ao julgador deixar de lado as circunstâncias do caso concreto, como se sua decisão fosse abstrata e não apresentasse efeitos de curto e até longo prazo, podendo trazer, inclusive, danos irreparáveis.

Da mesma forma o art. 22, o qual dispõe que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”. É fato que o gestor público encontrará inúmeras dificuldades, principalmente em tempos de crise econômica e baixa arrecadação, porém, suas decisões para contornar as intempéries do dia a dia não podem negar direitos previstos na constituição, na legislação e nos contratos firmados.

À luz dos casos trabalhados, essas são apenas algumas possibilidades de aplicação da LINDB frente aos inúmeros casos de violações de direitos verificadas diariamente Brasil a fora nas relações público-privadas, estimulando o mercado de infraestrutura. Isto porque, racionalidade, previsibilidade, segurança jurídica, eficiência, entre outros instrumentais trazidos pela Lei nº 13.655/2018 certamente ajudarão a estabelecer um ambiente de maior harmonia para o desenvolvimentos dos projetos necessários para o crescimento econômico.

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SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2 ed. Malheiros: São Paulo, 2017.

Notas de Rodapé:

[1] Professor Titular do Departamento de Direito do Estado da Universidade de São Paulo – SP. Professor do curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro – RJ.

[2] Advogada no Licks Attorneys. Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense.

[3] Advogado. LL.M em Direito: Infraestrutura e Regulação pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro – RJ (em curso).

[4] Como exemplo, cite-se a comissão formada em 2007 para elaboração do anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública Federal e Entes de Colaboração, em substituição ao Decreto-Lei nº 200/67, que dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa; além das discussões suscitadas na obra de Modesto (2009) e no prenúncio da Lei nº 13.655/2018 de Sundfeld (2013).

[5] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Art. 23 da LINDB – O equilíbrio entre mudança e previsibilidade na hermenêutica jurídica. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 93-112, nov. 2018.

[6] MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: inteligência da lei nº 8.987/1995 (Parte Geral). Malheiros: São Paulo, 2010, p.35.

[7] PALMA, Juliana Bonacorsi de. A proposta de lei da segurança jurídica na gestão e do controle públicos e as pesquisas acadêmicas, p. 7 ss. Disponível em http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf, acessado em 09/12/2018.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Art. 20 da LINDB – Dever de transparência, concretude e proporcionalidade nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 13-41, nov. 2018, p. 16-17.

[9] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2 ed. Malheiros: São Paulo, 2017, p. 205-229.

[10] Ibidem, p. 214-215.

[11] PALMA, Juliana Bonacorsi de. op. cit., p. 9 ss.

[12] Importante a nota de Marçal Justen Filho de que a lei não impôs uma prevalência da concepção consequencialista na aplicação do direito, mas apenas exige que a autoridade estatal tome em conta as consequências, inclusive para avaliação da proporcionalidade da decisão a ser adotada. (Ibidem, p. 38)

[13] No mesmo sentido: “Note-se que a Lei nº 13.655/18 não tem nem de longe a intenção de combater a multiplicidade normativa e a fragmentação hermenêutica. Assume tais realidades como fato e a partir disso procura enfrentar as consequências apresentando critérios e parâmetros para a boa interpretação do Direito.”. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Art. 23 da LINDB – O equilíbrio entre mudança e previsibilidade na hermenêutica jurídica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 93-112, nov. 2018, p. 97-98.

[14] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova LINDB e o consequencialismo jurídico como mínimo essencial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-mai-18/opiniao-lindb-quadrantes-consequencialismo-juridico#_ftn, acessado em 26/12/2018.

[15] JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 27.

[16] Idem.

[17] Ibidem, p. 29.

[18] Ressalve-se que a doutrina há muito critica o uso indiscriminado do interesse público de forma genérica. Ver: Capitulo III – Do princípio da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade in BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3 ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2014; Capítulo II – O interesse público e a ponderação de interesses no Direito Administrativo. BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

[19] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova LINDB e o direito à previsibilidade das mudanças interpretativas. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jun-01/opiniao-lindb-direito-previsibilidade-mudancas-interpretativas, acessado em 26/12/2018.

[20]A segurança jurídica tem uma dimensão de estabilidade, na medida em que dá perenidade aos atos jurídicos e aos efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas normas ou no entendimento que se faz delas. Tem uma segunda dimensão, de ponderabilidade e razoabilidade, na medida em que a aplicação do Direito não pode nem ser irracional, nem desproporcional. Por fim, a segurança jurídica confere previsibilidade ao Direito, protraindo mudanças bruscas, surpresas, armadilhas. Exatamente nestes três sentidos que a Lei nº 13.655/18 veio reforçar a segurança jurídica.”

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Op. cit., p. 99.

[21] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova LINDB e o direito à previsibilidade das mudanças interpretativas. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jun-01/opiniao-lindb-direito-previsibilidade-mudancas-interpretativas, acessado em 26/12/2018.

[22] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Op. cit., p. 100.

[23] Ibidem, p. 93-112, nov. 2018, p. 104-107.

[24] O autor cita como exemplos o art. 146 do CTN, art. 2º, parágrafo único, XIII da Lei nº 9.784/99, art. 14 do CPC. FERRAZ, Luciano. Nova Lindb reafirma o brocardo “tempus regit actum”. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-out-18/interesse-publico-lindb-reafirma-brocardo-tempus-regit-actum#_ftn5, acessado em 26/12/2018.

[25] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 135-169, nov. 2018, p. 146. Os autores bem ressaltam que o art. 5º, §6º, da Lei da Ação Civil Pública já figurava como uma autorização no sistema jurídico, porém faltava uma aceitação ampla ou um precedente que respaldasse esta autorização genérica (Ibidem, p. 146-148).

[26] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. O artigo 26 da LINDB e o consenso na função de polícia administrativa. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jul-16/opiniao-lindb-consenso-funcao-policia-administrativa#_ftn2, acessado em 26/12/2018.

[27] Idem.

[28] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. Op. cit., p. 154.

[29] Ibidem, p. 160 e ss.

[30] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 135-169, nov. 2018, p. 162.

[31] Ibidem, p. 163.

[32] Ibidem, p. 135-169, nov. 2018, p. 164-165. Os autores aduzem que a definição do prazo tem ao menos três grandes utilidades: i) servir de parâmetro para o desenho das cláusulas obrigacionais; ii) servir de marco para a avaliação do compromisso; iii) servir de marco de liberação do compromissário.

[33] O exemplo mais eloquente de vagueza normativa é o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92): “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: ”.

[34]Ele é composto da parte penal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 90 et seq. da Lei 8.666/1993); da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência); da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa); dos artigos 312 et seq. do Código Penal, que disciplinam os crimes praticados contra a administração pública, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa); e, mais recentemente, da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Tais diplomas, na sua maioria, resultaram de manifestações legislativas expeditas, provocadas pela pressão popular (uma espécie de “vonluntarismo normativo”, por assim dizer). Essa marcha legislativa açodada costuma produzir falhas regulatórias (regulatory failures), por erros de diagnóstico e análises superficiais.”

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. O artigo 28 da nova LINDB: um regime jurídico para o administrador honesto. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-mai-25/opiniao-lindb-regime-juridico-administrador-honesto, acessado em 26/12/2018.

[35] Idem. A inércia torna-se prática defensiva. Dorme tranquilo quem indefere, como diria Marcos Juruena (apud BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Art. 28 da LINDB – A cláusula geral do erro administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 203-224, nov. 2018, p. 205-206). Os incentivos para o administrador honesto apontam para a adoção de uma postura burocrática, preso a ritos e cautelas que tendem a gerar a paralisia decisória (Idem).

[36] PALMA, Juliana Bonacorsi de. op. cit., p. 12 ss.

[37] PALMA, Juliana Bonacorsi de. Quem é o administrador médio do TCU? Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-e-o-administrador-medio-do-tcu-22082018, acessado em 26/12/2018.

[38] § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

  • 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

[39] JORDÃO, Eduardo. Art. 22 da LINDB – Acabou o romance: reforço do pragmatismo no direito público brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 63-92, nov. 2018, p. 84-86.

[40]A conduta dolosa é aquela na qual o agente tem o desiderato de violar a probidade administrativa, seja por ações (recebendo propinas, por exemplo), seja por omissões (por exemplo, prevaricando em suas funções). O “erro grosseiro”, por sua vez, terá lugar quando o agente público incorrer em negligência, imprudência ou imperícia irrecusáveis no exercício de seu mister (por exemplo, quando expedir um ato administrativo de cassação de uma licença, com base numa legislação revogada). Não se trata de violar a probidade, por divergência de interpretações com o seu controlador, mas de atuar com menoscabo e com desídia para com a função pública.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. O artigo 28 da nova LINDB: um regime jurídico para o administrador honesto. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-mai-25/opiniao-lindb-regime-juridico-administrador-honesto, acessado em 26/12/2018.

[41] Idem.

[42]É necessário admitir que haja tentativas fracassadas. É preciso assegurar que equívocos de prognoses não impliquem imediata responsabilização, salvo se o erro efetivamente for grosseiro. Do contrário, o incentivo ao gestor é de cumprir com os ritos sem se preocupar com resultados. Num contexto, como o brasileiro, em que se clama por gestão mais eficiente, impossível desconsiderar um tratamento diferente ao erro e aos meios de controle.

BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. Op. cit., p. 213-214.

[43] Ibidem, p. 214-215.

[44] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A função normativa da administração pública e a Lei 13.655/2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/opiniao-funcao-normativa-administracao-publica-lindb, acessado em 26/12/2018. No mesmo sentido, Vera Monteiro aduz que a ausência de oitiva e consulta dos interessados implica na edição de um ato de motivação vazia e, portanto, sem validade. MONTEIRO, Vera. Art. 29 da LINDB – Regime jurídico da consulta pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 225-242, nov. 2018, p. 232-238.

[45] MOREIRA, Egon Bockmann; PEREIRA, PAULA PESSOA. Art. 30 da LINDB – O dever público de incrementar a segurança jurídica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 243-274, nov. 2018, p. 261 e ss.

[46] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova LINDB e a incorporação da teoria dos precedentes administrativos ao país. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jun-04/opiniao-lindb-teoria-precedentes-administrativos, acessado em 26/12/2018.

[47] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A nova LINDB e a incorporação da teoria dos precedentes administrativos ao país. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jun-04/opiniao-lindb-teoria-precedentes-administrativos, acessado em 26/12/2018.

[48] “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…) V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes; (…) XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.”

“Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: (…) VI – descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro, (…) VII – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática.”

[49] Denúncia nº 40/2224/2016, Relator Conselheiro Antônio Flores de Moraes.

[50] Conforme Voto 119/2017, proferido pelo Conselheiro Revisor Felipe Galvão Puccioni, publicado no Diário Oficial em dia 20 de outubro de 2017.

[51] Conforme considerações de Rafael Véras de Freitas em artigo publicado no Jota sobre A nova LINDB e o Direito da Infraestrutura. Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-nova-lindb-e-o-direito-da-infraestrutura-22092018, acessado em 10/04/2019.