A MEDIAÇÃO ENTRE FILHOS DE PAIS IDOSOS NO BRASIL

Resumo

Este artigo apresenta a mediação como uma forma de viabilizar a comunicação e a pacificação dos conflitos entre os filhos de pais idosos, trazendo um olhar sobre as razões que influenciam no distanciamento entre irmãos. Em regra, as discussões entre filhos de pais idosos têm origem em fatos da vida familiar anteriores não resolvidos ou mal resolvidos, os quais emergem justamente no momento em que o pai idoso se encontra fragilizado e exigindo cuidados. Ademais, neste artigo são destacadas as normas aplicáveis tanto ao instituto da mediação como da proteção ao idoso. Igualmente, traz luz à mediação como o canal de comunicação pelo qual pessoas em conflito são escutadas com atenção e respeito, onde podem expressar seus sentimentos, dialogarem ou decidirem por si próprias sobre determinado problema que as aflige. Reconhece-se, por fim, a mediação como o método que prima pela não litigância, trazendo valor e efetividade à dignidade da pessoa humana idosa.

Artigo

A MEDIAÇÃO ENTRE FILHOS DE PAIS IDOSOS NO BRASIL

Cláudia Amaral Lima[1]

RESUMO: Este artigo apresenta a mediação como uma forma de viabilizar a comunicação e a pacificação dos conflitos entre os filhos de pais idosos, trazendo um olhar sobre as razões que influenciam no distanciamento entre irmãos. Em regra, as discussões entre filhos de pais idosos têm origem em fatos da vida familiar anteriores não resolvidos ou mal resolvidos, os quais emergem justamente no momento em que o pai idoso se encontra fragilizado e exigindo cuidados. Ademais, neste artigo são destacadas as normas aplicáveis tanto ao instituto da mediação como da proteção ao idoso.  Igualmente, traz luz à mediação como o canal de comunicação pelo qual pessoas em conflito são escutadas com atenção e respeito, onde podem expressar seus sentimentos, dialogarem ou decidirem por si próprias sobre determinado problema que as aflige. Reconhece-se, por fim, a mediação como o método que prima pela não litigância, trazendo valor e efetividade à dignidade da pessoa humana idosa.

Palavras-chave: mediação; filhos; pais; família; idoso.

  

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A PROTEÇÃO DA PESSOA IDOSA E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS. 2.  OS MEDIADORES DE CONFLITOS NAS QUESTÕES FAMILIARES E SUAS RESSONÂNCIAS PESSOAIS. 3. O CONFLITO FAMILIAR E A RELAÇÃO ENTRE IRMÃOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO

 

Nascemos em uma família, crescemos sonhando em ter nossa própria família; quando a construímos, ela floresce, se ramifica, frutificando novas famílias.

A família é um sistema composto por pessoas, de diversas gerações e diferentes personalidades. É o ambiente no qual evoluímos e crescemos, seja apenas com um pai e seus filhos, seja com uma mãe e filhos, seja com companheiros sem filhos. Existe uma família de uma só pessoa. Fato é que, em todas essas novas formas de família, o sentimento de pertencimento estará sempre presente, posto que é um valor inerente ao indivíduo.

A melhor definição de família é aquela que a traduz como um patrimônio afetivo que construímos, como a expressa no Dicionário Houaiss: “o núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária”.

Segundo CERVENY e BERTHOUD (1997), em todas as fases do ciclo vital as pessoas que fazem parte da família estão em “processo de aquisição”. Sendo que a primeira fase do ciclo vital familiar é dedicada à constituição dos objetivos primários e exemplificam citando “encontrar o lugar para morar, o emprego que proporcione condições de sobrevivência, os acessórios domésticos que facilitam a vida, o carro, o seguro saúde, muitas vezes até a complementação educacional”.

Os filhos pequenos são “aquisições” arroladas pelos citados autores nessa primeira fase, ressaltando que esse é o momento em que se inicia a aquisição de um modelo familiar próprio, adotando para o seu casamento, ou convivência, um dos modelos adquiridos em suas famílias de origem.

E os citados autores prosseguem:

na fase de maturidade, adultos, pais e filhos desenvolvem suas interações, organizam e desorganizam, integram e desintegram, constroem e desconstroem padrões, normas, regras, valores e crenças familiares. Preenchem as lacunas de seu desenvolvimento com fatos que se perpetuam intergeracionalmente, transmitidos pelas lealdades de vínculos, afetos e sangue, destacam os citados autores.

GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO (2011) afirmam que, apesar da importância do irmão na constituição do sujeito e na formação do laço social, somente por volta do ano 2000 os autores contemporâneos passaram a mostrar um interesse maior pelo estudo da relação fraterna.

Ocorre, todavia, que a literatura registra mais os comportamentos de competição, ciúmes, disputas patrimoniais e rivalidade entre irmãos do que à boa convivência e solidariedade.  Por sua vez, registra-se que nas famílias em que os irmãos são solidários, companheiros ou cúmplices, a relação afetiva familiar espraia-se entre tios, sobrinhos e primos.

Como última fase do ciclo vital, surge o envelhecimento. Nesta fase, a intergeracionalidade proporcionará à família novos comportamentos, quebra de paradigmas, novas expectativas ou, talvez, a reedição de antigas crenças. Por certo será constatada a reestruturação de papéis nas relações familiares, sendo comum perceber-se o despertar da maturidade do filho cuidador diante do ocaso do envelhecimento de um pai idoso.

A dinâmica do ciclo vital é implícita na família longeva. O afeto será o sentimento que unirá seus membros para seguirem em frente, amparando-se mutuamente, mas em contrapartida gera direitos e obrigações entre pais, filhos e irmãos.

O presente artigo visa discorrer sobre a importância da mediação para a boa convivência entre irmãos e para a paz na família, pois a harmonia entre eles frutificará cuidado e felicidade para os pais idosos.

  1. A PROTEÇÃO DA PESSOA IDOSA E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Longo caminho percorreu-se até que restassem consolidados os princípios da independência, da participação (inclusão), do cuidado, da autorrealização e da dignidade da pessoa idosa.

Novos rumos foram traçados a partir da Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre Envelhecimento, em Madrid, em 2002, cujo objetivo foi estabelecer uma Política Internacional para o Envelhecimento no Século XXI, com a adoção, inclusive, da Declaração Política e o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, com recomendações para a realização de ações de prioridade e desenvolvimento da pessoa idosa, para a melhora da sua saúde, bem-estar na velhice, habitação e ambientes de apoio.

Tais normas internacionais integram o plano normativo brasileiro, agregando o arcabouço constitucional que, desde 1988, impõe à família, à sociedade e ao Estado o “dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” (art. 230, da Constituição da República Federativa do Brasil).

Nesse diapasão, o Estatuto do Idoso no Brasil (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) estabeleceu direitos e garantias para que a pessoa com mais de 60 anos tenha um envelhecimento saudável e em condições de dignidade, dispondo o envelhecimento como um direito personalíssimo e a sua proteção, um direito social.

A população brasileira tem envelhecido rapidamente e vivido mais tempo com a mesma velocidade, e não demorou muitos anos para que o legislador estabelecesse maior prioridade aos idosos com menos mobilidade, ou seja, aqueles com mais de 80 anos.  Fato é que os idosos na faixa dos 60 a 79 anos estão se superando e conquistando um aumento da sua expectativa de vida, tanto que estão sendo denominados de “jovens idosos”.

As novas tecnologias, por sua vez, muito contribuíram para que o idoso viva de forma mais independente e digna e se inclua na sociedade e em sua família, facilitando, aliás, o aparecimento dos “jovens idosos”, os idosos “antenados”, capazes de se socializarem e acompanharem o dia-a-dia da sua família, através do seu telefone celular ou por seu computador doméstico. Um exemplo é o uso por idosos dos aplicativos de mensagens, das redes sociais, do monitoramento de sua saúde e de seus compromissos, por aplicativos ou robôs.

Quando a pessoa idosa passa a não ser mais invisível à sociedade, exercendo seus direitos, por si ou por seus representantes, surgem correlatos deveres a outrem que, acaso descumpridos, implicam em conflitos dentro e fora da família, e em se tratando de ambiente familiar, considera-se o instituto da mediação como o mais adequado para facilitar o diálogo entre a família da pessoa idosa.

A mediação não surgiu repentinamente no Brasil. Houve um estímulo ao consenso introduzido pela Lei nº 7.244/1984 (Juizados de Pequenas Causas) e, posteriormente, pela Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais) que, mesmo tendo revogado a primeira, manteve o procedimento simplificado visando envolver as partes (as pessoas) em conflito para um acordo.

O Judiciário Brasileiro sofreu uma reforma, em 2004, visando reorganizar a competência dos tribunais e promover modificações institucionais voltadas à celeridade e melhor entrega da prestação jurisdicional, mas o jurisdicionado ainda não percebia mudanças no acesso à justiça.

Com o estímulo, principalmente ao consenso, à celeridade e eficiência, diversos projetos voltados aos métodos autocompositivos foram apresentados, até culminar na aprovação, pelo Conselho Nacional de Justiça do Brasil, da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos (Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010), visando, prioritariamente, modificar a imagem do Poder Judiciário moroso e ineficaz.

Buscava o legislador brasileiro o acesso à justiça guiado nos moldes do “tribunal multiportas”, como idealizado por Frank Sander, na década de 1970, nos Estados Unidos da América, redefinindo-se o Poder Judiciário na sociedade.

Este impulso normativo que faltava para que os tribunais de justiça estaduais se organizassem e passassem a interagir junto ao seu jurisdicionado, tanto que, hoje, o Poder Judiciário Brasileiro pode ser considerado como uma das “portas” à escolha daquele que busca uma solução para o seu problema, seu conflito.

O jurisdicionado brasileiro pode se dirigir ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) mais próximo ao seu domicílio, para realizar sessões de conciliação e mediação, solicitar a prática das Oficinas de Pais e Filhos, de Constelação Familiar, entre outros, de participar de programas assistenciais oferecidos pelos tribunais locais.

Em 2015, foram publicadas duas leis que sedimentaram as práticas autocompositivas existentes no ordenamento jurídico: o novo Código de Processo Civil Brasileiro (CPC- Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) e posteriormente a Lei de Mediação (nº 13.140, de 26 de junho de 2015).

Por definição, a mediação é “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (parágrafo único, do artigo 1º, da Lei de Mediação).

Traduz-se como um método de solução de conflitos adequado para enfrentar questões conflituosas oriundas de relações duradouras e contínuas, tal qual a relação entre familiares, nelas incluídas as relações em empresas familiares, em virtude do tênue limite físico e sentimental entre a casa e a empresa, quando é necessário resolver um problema que aflige os familiares sócios.

O novo Código de Processo Civil Brasileiro manteve o estímulo à autocomposição existente no código anterior, cuidando de enfatizar sua relevância nas questões de família. Como exemplo deste cuidado do legislador, verifica-se a expedição do mandado de citação desacompanhado da petição inicial (§1º, art. 695, do CPC), visando criar uma ambiência de colaboração entre os familiares na sessão de mediação ou de conciliação, quando poderão conversar e expor, em viva voz, de corpo e alma, seus interesses e necessidades.

No processo de mediação há liberdade e flexibilidade, sendo norteado por princípios que amparam, igualmente, a conduta do mediador e das partes em conflito, tais como: (i) imparcialidade do mediador; (ii) isonomia das partes; (iii) oralidade; (iv) informalidade; (v) autonomia da vontade das partes; (vi) busca do consenso; (vii) confidencialidade; (viii) boa-fé.

No escólio de HALE, PINHO e CABRAL (2015), “os princípios são valorizados no processo de aplicação da lei e como normas finalísticas, estabelecem um fim a ser atingido, devendo guiar a interpretação das demais normas e complementá-las”.

  1. OS MEDIADORES DE CONFLITOS NAS QUESTÕES FAMILIARES E SUAS RESSONÂNCIAS PESSOAIS

As mediações de relações entre familiares são aquelas que mais exigem equilíbrio emocional do mediador, além do bom uso de suas técnicas e ferramentas, pois quando ele se conecta com as questões postas pelos familiares, passa a integrar o sistema a que estes pertencem.

O mediador deve continuar agindo conforme os princípios e a ética, tendo, todavia, consciência de que é um ser humano, uma pessoa que está inserida em uma família e consequentemente sente emoções. Por isso, se faz tão importante ter autoconhecimento e controle das próprias emoções.

Como bem assinalou VICENTE (2014), o mediador “deve ter consciência de si mesmo e de como sua história pessoal e familiar interfere em seu modo de entender a realidade e relacionar-se com ela”, trazendo interessantes trechos reflexivos:

Coitadas, eu entendo, não é fácil estar na idade dela passando por isso”: O mediador pode identificar-se com uma das partes por compartilhar do mesmo ciclo de vida pessoal.

Fiquem tranquilos, Deus vai ajudar”: O mediador mobilizado e angustiado com a problemática da família pode querer se livrar do próprio sofrimento tentando atenuar o sofrimento da família com que seria útil a ele, aqui, no caso, uma crença religiosa.

Parem de brigar, deem as mãos, vocês são uma família e se amam”: O mediador deve evitar narrativas sociais absolutas e que geralmente representam as vivências particulares.

 “Doutora, você é ótima… sei que vai resolver todos os meus problemas…” ou “Não sei por que estou vindo aqui, essa mediadora não fala nada, só faz perguntas”: Essas duas vinhetas, embora antagônicas, tratam de uma mesma problemática. As partes veem o mediador como o depositário de seus conflitos e, simultaneamente, como o especialista que deve resolvê-los.

Com efeito, nas mediações de família, por envolverem sentimentos e emoções, há grande risco das ressonâncias pessoais aparecerem, em especial quando os mediadores, em certo nível, veem a si mesmos diante da narrativa concreta.

Em vista disso, o mediador deve estar preparado para neutralizar suas emoções caso se espelhe de forma prejudicial ao desenvolvimento de auxilio e estímulo à questão apresentada pelo mediando.

Ainda VICENTE (2014) discorre que:

diante de um caso parecido com sua história pessoal, o mediador pode frustrar a mediação quando ressoam em problemas pessoais do mediando. As partes falam, o mediador se lembra da sua história! Se forem parecidos e graves, como o abandono parental, a alienação parental, luto por um divórcio ou mesmo a violência intrafamiliar, entre outros, serão perturbadores e de difícil condução. O mediador pode ficar paralisado quando um caso evoca seus problemas familiares, além de poder apresentar uma série de indicadores de que fatores pessoais estão interferindo na sua capacidade de conduzir a sessão de mediação, tais como: postura refratária, inflexibilidade no pensamento, mudança brusca de postura ou de tema, foco e intensidade inapropriados, dispersão, irritação, cansaço, sono etc.

As ressonâncias pessoais são invocadas pela teoria sistêmica como um “fator de risco” para o mediador, pois ao escutar a história do familiar sentirá desconforto ou abalo, identificando-se com sua própria história.

Cada pessoa se encontra inserta em um sistema, tal qual uma família, possuindo uma relação de interdependência com os membros que participam desse sistema, o que justifica a necessidade da boa qualidade da comunicação e comportamento entre familiares.

Em regra, a proximidade do mediador a uma das partes é considerada prejudicial ao procedimento pela possibilidade de trazer desconforto e incerteza quanto à isenção frente aos sentimentos envolvidos. A confiança no trabalho e na conduta do mediador são fatores essenciais para que os mediandos compartilhem seus interesses, suas intimidades e necessidades. A “afinidade”, o denominado “rapport”, deve ser construído em bases sólidas, o que exige um cuidado especialíssimo do mediador, seja ele um amigo ou contratado.

O mediador constrói sua relação de afinidade naturalmente, sem imposição, escutando ativamente os mediandos, pois somente com uma escuta apurada, ele terá condições de identificar quais são as posições de cada familiar, “o querer cristalizado pelos envolvidos no conflito”, seus reais interesses e suas efetivas necessidades para, após, elaborar as pautas subjetiva e objetiva que servirão de norte para o trabalho de mediação que irá realizar e, ao final, alcançar o consenso entre as partes mediandas, os familiares.

O sigilo das sessões de mediação atende ao princípio da confidencialidade, contudo, revela-se na prática, na maioria das vezes, como um grande facilitador, uma cautela para que os familiares exponham ao mediador, sem timidez ou medo, as questões conflituosas.

Enfim, os mediadores ou qualquer um dos presentes à(s) sessão (ões) somente poderão revelar os fatos nela(s) tratados, caso tais fatos revelem a prática de um crime. Neste caso, a sessão deve ser interrompida pelo mediador, que comunicará o fato criminoso à autoridade competente, no caso de mediação extrajudicial, ou ao juiz competente, em caso de mediação judicial, para apreciação do Ministério Público.

Diante de todo o contexto apresentado, a mediação possibilita um ambiente propício para que os familiares conversem e decidam sobre suas vidas, pois estarão juntos em uma mesa voluntariamente, amparados por um procedimento sigiloso e auxiliados por profissional capacitado (o mediador) que conduzirá a reunião de mediação.

  1. O CONFLITO FAMILIAR E A RELAÇÃO ENTRE IRMÃOS

A comunicação de forma eficaz ou o resgate da capacidade de comunicação dos familiares proporcionado pela mediação não é imediato, exigindo, principalmente, a habilidade do mediador de utilizar técnicas e ferramentas por ele desenvolvidas.

Falar sobre a vida, as emoções e sentimentos não é fácil para ninguém, sendo entendido em geral como uma exposição de suas “fraquezas”. As queixas mais comuns entre irmãos, por exemplo, consistem na dificuldade do outro ouvir e refletir sobre algo que queiram obter. Quando os irmãos têm percepções distintas sobre um mesmo fato, bloqueiam sua capacidade de escuta e de entendimento.

TARTUCE e GONÇALVES (2013) mencionam que:

na mediação, as partes são convidadas a falar para expor sua visão dos fatos e propor saídas para os impasses verificados; sobreleva destacar a estratégia de combinar que cada um fale na primeira pessoa, buscando explicar como atuou e o que sentiu sem apontar culpa para outro. A “escuta ativa” configura importante técnica da mediação, por meio dela, busca-se valorizar o sentido do que é dito com vistas a compreender o que foi exposto pelo interlocutor.

Importantíssima a utilização da ferramenta da “escuta ativa” pelo mediador, para a identificação e captação do que foi dito por um irmão ao outro sobre o pai idoso. Entretanto, a compreensão do que foi dito dependerá da entrega de cada um ao procedimento da mediação, envolvendo-se no resgate do relacionamento com boa-fé e afeto. Ouvir para compreender, e não para responder, requer um exercício constante de desenvolvimento pessoal.

ALMEIDA (2009), ao tratar sobre o caráter prejudicial do conflito nas relações duradouras e a adequação da mediação, afirma que:

a permanência do conflito possibilita a construção de novos desentendimentos ou de novos litígios; esgarça o tecido social entre as pessoas envolvidas em uma discordância e entre as redes sociais que as apoiam e das quais fazem parte. A permanência do conflito é, portanto, terreno fértil para manter latente a possibilidade de novas discórdias e o ânimo de desavença entre os grupos sociais de pertinência dos litigantes. Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do conflito que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social, a mediação vem sendo considerada como método de eleição ideal ou mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo seja por vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria.

Na relação pai-filho, desde o nascimento, há uma relação hierarquizada e a superioridade do pai sobre o filho é vista como natural. Os irmãos, desde a tenra idade, disputam a atenção e o amor dos pais. O nascimento de um novo irmão enseja ciúmes, considerados pela psicanálise como sendo “derivados do sentimento de rivalidade reprimido em relação ao amor dos pais”.

No vínculo fraternal pode até haver uma dominação de um irmão sobre o outro, mas pode se inverter em algum momento da vida, facilitando a relação entre irmãos, quando enxergam que suas semelhanças e diferenças os complementam, em ações de colaboração e não competitivas.

Como acentua LISA PARKINSON (2016), “a mediação oferece oportunidades para as famílias colocarem um fim nos ciclos negativos da comunicação ou comportamento sem obrigá-los a fazer o que não desejam”.

Não são poucas as disputas entre irmãos submetidas ao Poder Judiciário com conflitos enraizados e subjacentes, conflitos que não possibilitam uma decisão objetiva e imparcial pelo juiz, o que faz prolongar o processo judicial por até longas décadas, como o exemplo a seguir: o processo judicial submetido à mediação encaminhava duas irmãs que discutiam a convivência de uma irmã privada de ver sua mãe, bem como a gestão do patrimônio desta. Uma irmã cuidava e convivia com a mãe, administrando seu patrimônio, por sua vez, privando a outra da convivência, não escutando ou respondendo às perguntas financeiras da outra irmã. O conflito começou quando a irmã privada da convivência sob a acusação  de que era “mesquinha” e “pobre”, vez que exprimia os frascos de cremes e pomadas, até o final, ao invés de comprar outros novos antes do esvaziamento dos frascos, e que não queria a curatela porque amava a mãe, mas sim porque queria o dinheiro de sua mãe.  A irmã privada do convívio da mãe requereu em juízo a destituição do encargo da irmã cuidadora, requerendo a curatela, com o convívio pleno e a administração dos bens de sua mãe. A irmã cuidadora era acusada de ser perdulária, pois gastava além da conta, utilizando da pensão da mãe para gastos particulares.  Nas sessões de mediação, as irmãs puderam conversar, em sessões conjuntas e individuais. As pautas subjetivas e objetivas foram cumpridas. Alternativas e opções apresentadas por ambas foram palco de um difícil diálogo entre irmãs, trazendo as sessões episódios havidos na infância que não perdoados. Informações distorcidas que foram transmitidas pela genitora às suas filhas, com o objetivo de manter o controle e a dependência das filhas, levaram-nas a sucessivas discussões e afastamento.  Não foram sessões fáceis, mas as irmãs compreenderam que não haveria uma ganhadora ou uma perdedora na disputa judicial. Ambas perderiam. Portanto, firmaram um acordo de convivência e curatela compartilhada. Resgataram o diálogo, muito embora não tivessem conseguido restabelecer o afeto entre irmãs.

Presume-se que no caso acima o Juiz tenha submetido o processo à mediação por entender que o diálogo entre as irmãs e uma solução construída por ambas seria a melhor do que qualquer decisão judicial.  De outra forma, a transferência dos cuidados da mãe de uma filha para a outra, sem provas de maus tratos ou de ilícito, seria realizada com base apenas em percepções e argumentos de convencimento, os quais talvez não revelassem a realidade dos fatos.

Como o mediador não toma nenhuma decisão pelos familiares (as filhas ou irmãs nesse caso), nem tampouco sugere soluções para o problema, as partes envolvidas no conflito chegam ao entendimento, por elas próprias, conscientes dos reflexos que tal decisão trará em suas vidas.

O resultado da mediação na vida daqueles que alcançam um entendimento será sempre positivo, isto porque as partes, no caso os familiares, seguirão em frente e não precisarão reviver os fatos que lhes causam tristeza ou ansiedade. Um olhar para frente será sempre melhor do que não ter o controle de mudar o passado e prever o futuro. Deixar o passado para trás, porque este não pode ser mudado, sem dúvida, é uma boa medida. Corroborando tal entendimento, a doutrina de MOORE (2003) nos ensina que:

Devido ao caráter nocivo do conflito e aos custos físicos, emocionais e financeiros que frequentemente resultam das disputas, as pessoas têm sempre buscado maneiras de resolver suas diferenças. Ao procurar administrar e resolver suas diferenças tem tentado desenvolver procedimentos que sejam eficientes que lhes permitam satisfazer seus interesses, que minimizem seus sofrimentos e que controlem gastos desnecessários de recursos.

Outrossim, os tribunais registram conflitos sucessivos entre irmãos para que os juízes decidam qual o melhor tratamento/cuidado médico para o idoso detentor de doença terminal.

Recordo-me da discordância de dois irmãos com relação à decisão de prolongar o tratamento de uma doença terminal de seu pai, a saber: os irmãos, juntos, haviam consultado vários especialistas para a cura da doença de seu pai. No momento em que a doença se agravou, não conseguiam entrar em acordo sobre entubar e prolongar a vida por tempo indeterminado ou proceder a cuidados paliativos. Para não ingressar com ação judicial em face do seu irmão, aquele que decidia pelos cuidados paliativos solicitou mediação pré-processual para conversar com seu irmão que estava irredutível, ameaçando entrar com pedido liminar. Em sessão conjunta, ambos decidiram na sessão de mediação prolongar a vida do pai para que pudessem desfrutar da companhia deste por tempo, mesmo indefinido. Traçaram objetivos e responsabilidades mútuas, mas precisavam “conhecer o sentimento” do outro irmão para ajudá-lo, e consequentemente prestar cuidado ao pai idoso.

Mais uma vez constatou-se que a solução amigável através da mediação é mais adequada e menos onerosa emocionalmente do que uma decisão judicial.

ROSENBERG (2006) resume que:

a empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivenciando. Em vez de oferecermos empatia, muitas vezes sentimos uma forte urgência de dar conselhos ou encorajamento e de explicar nossa própria posição ou nossos sentimentos. Entretanto, a empatia requer que esvaziemos nossa mente e escutemos os outros com a totalidade de nosso ser.

A mediação não pode ser considerada uma terapia, muito embora produza efeitos terapêuticos, mas falar, desabafar, ser escutado, criar novas alternativas e opções para determinado problema, principalmente ao lado de quem compartilhou sua vida desde a infância, é uma atitude revitalizadora e renovadora.

CONCLUSÃO

A facilitação do diálogo entre os filhos de pais idosos traduz uma prática do mediador. No entanto, quando os conflitos estiverem cristalizados, o mediador deverá se utilizar de técnicas específicas.

Isto porque o relacionamento entre irmãos não é construído em pouco tempo. Traduz uma história pessoal, valores e reflexões sobre a vida familiar que tiveram.

Ressalta RUFO (2003) que o acesso ao “banco de memórias” compartilhado pelos irmãos possibilita a eles um resgate da história de cada um, independente do tempo passado, ao passo que para OLIVEIRA (2005) a memória construída pelos irmãos de forma compartilhada proporciona a eles um senso de identidade pessoal e familiar.

Envelhecer é um processo natural que ocorre com todos, muito embora se manifeste de forma distinta para cada um devido à influência de aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, ambientais.

As discussões longas e infrutíferas entre irmãos perante o Judiciário podem ser presenciadas ou percebidas pelos pais idosos, quando conscientes do afeto familiar. Percebendo, os idosos se fragilizam e entram em depressão, em prejuízo à sua saúde física e emocional.

Os frutos positivos colhidos desde a instituição da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos são reconhecidos pela difusão dos meios consensuais nos tribunais brasileiros nos dias de hoje.

A mediação revela-se como o método mais adequado de facilitação do diálogo entre familiares, onde os sentimentos e lembranças influenciam diretamente no relacionamento e comportamento de todos que estão inseridos no sistema familiar. Viver cercado de afeto e compreensão proporciona o bem viver da pessoa idosa e de seus familiares, permitindo que suas limitações sejam ultrapassadas com dignidade e gentileza.

Nas palavras de SATIR “Curando a família, eu curo o mundo”.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Tania. Mediação e Conciliação: dois paradigmas, duas práticas diversas. In: SOUZA, Luciane Moessa de; CASELLA, Paulo Borba (Coord.) Mediação de Conflitos: Novo Paradigma de Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Forum, 2009.

CERVERLY, C e BERTHOUD, B. Família e Ciclo Vital. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

COOLEY, John W. A advocacia na Mediação, 1ª. ed., Brasília : UnB, 2001.EIGUER, A. (2001). Y si Narciso tuviera una hermana? In Hermanos, psicoanálisis de las configuraciones vinculares. Revista de la Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo, 44, 15-30.

GOLEMAN, Daniel. Foco: a atenção e seu papel fundamental para o sucesso. 1ª. ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

GOLDSMID, Rebeca e FÉRES-CARNEIRO, Terezinha.  Psicol. USP, vol.22, no.4, São Paulo, Oct./Dec. 2011, Epub Nov 21, 2011- http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642011005000031

HALE, Durval. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. O marco legal da mediação no Brasil: comentários à lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. 1ª. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

MUNIZ, M e FÉREZ CARNEIRO, T. Função Fraterna: reflexões a partir do filme “Principe das Marés. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 18, n.1, p.41-56, abril.2012.

OLIVEIRA, A. (2005). Irmãos, meio-irmãos e coirmãos: a dinâmica das relações fraternas no recasamento. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, São Paulo. In: MUNIZ, M e FÉREZ CARNEIRO, T. Função Fraterna: reflexões a partir do filme “Principe das Marés. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 18, n.1, p.41-56, abril.2012.

PARKINSON, L. Mediação Familiar. Belo Horizonte. Del Rey, 2016.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 2ª.ed. São Paulo : Ágora, 2006.

RUFO, M. (2003). Irmãos: como entender essa relação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. In: MUNIZ, M e FÉREZ CARNEIRO, T. Função Fraterna: reflexões a partir do filme “Principe das Marés. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 18, n.1, p.41-56, abril.2012.

SATIR, V. O Livro da Psicologia. Tradução de Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins. São Paulo:Globo, p.147, 2012

TARTUCE, Fernanda. Técnicas da Mediação. In: GONÇALVES, Luciana Aboim Machado (org.). Mediação de Conflitos, 1ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

VICENTE, Reginandréa Gomes. Ressonâncias Pessoais na Mediação em Crime de Gênero e Família. In: Revista do Advogado, São Paulo: AASP, Ano XXXIV, nº123.

Notas:

[1] Advogada graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1987); Mediadora Judicial Sênior certificada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Mediadora da Ordem dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro; Especialista em Mediação de Conflitos com Ênfase em Conflitos Familiares, pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro (AVM).

Palavras Chaves

mediação; filhos; pais; família; idoso.