A MEDIAÇÃO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS AMBIENTAIS

Resumo

O presente artigo tem por objetivo estudar a mediação na resolução de conflitos ambientais. Faremos uma analise de referidos conflitos, dos instrumentos tradicionais existentes no nosso ordenamento jurídico para solucioná-los e, finalmente, da mediação como um dos meios alternativos para a resolução dos conflitos.

Artigo

Sumário: Introdução. 1. Os conflitos ambientais. 2. Meios tradicionais de resolução de conflitos ambientais. 3. A mediação. 3.1. Conceito. 3.2. Sistemas de mediação. 3.2.1. Sistema Judicial. 3.2.2. Sistema Extrajudicial. 3.2.3. Mediação na Administração Pública. 4. Mediação de conflitos ambientais. 4.1. Características. 4.2. Legislação aplicável. 5. A questão da mediabilidade dos direitos transindividuais. 5.1. Bases teóricas. 6 Do mediador. 6.1. Do mediador ambiental. 6.2. Co-mediação. 6.3. Ética do mediador. 7. Metodologia da mediação. 8. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A crescente degradação do meio ambiente, em nível nacional e internacional, tem se constituído na grande preocupação da atualidade e merecido especial atenção por parte de vários segmentos da sociedade, o que tem levado a procura de 1 Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Desembargador aposentado do TJ-SP, Tribunal do qual foi corregedor. Supervisor dos grupos de mediação e de métodos alternativos para solução de conflitos socioambientais e urbanísticos do TJ-SP. Professor de Direito Ambiental do programa de pós graduação da Universidade Católica de Santos (mestrado e doutorado). Ex-promotor Público do Estado de São Paulo. Foi Presidente da Comissão de Juristas do Ministério da Justiça que elaborou o projeto de lei que resultou na Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. 2 Advogado. Mestre e Doutorando em Direitos das Relações Sociais na PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ. Membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Professor no curso de pós-graduação em Direito ambiental da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e no curso de Especialização em Direito ambiental da Escola de Administração Judiciária (ESAJ/TJRJ). Professor dos cursos de pós graduação da FGV. alternativas mais eficientes para evitar a ocorrência de danos ao meio ambiente e reparar os ocorridos, considerando que os métodos tradicionais (administrativos ou jurídicos) não tem se mostrado suficientes. Realmente, a complexidade que caracteriza o dano ambiental, via de regra envolve várias faces do meio ambiente (v.g. o ar, o solo, a água, a fauna, a flora, a biodiversidade), assim como pelos seus aspectos espacial e temporal, tudo aliado as regras e sanções jurídicas previstas para a efetiva proteção e reparação, que nem sempre estão adequadas ao problema, levam a necessidade de adoção de novas alternativas. Nesta linha, procuraremos demonstrar a importância da mediação para a resolução de conflitos ambientais e a necessidade da especialização de mediadores em meio ambiente e de ambientalistas em mediadores.

1. OS CONFLITOS AMBIENTAIS Os conflitos ambientais dispondo a respeito de interesses coletivos ou difusos, cujos danos em grande parte são transfronteiriços e invisíveis, afetando vários recursos naturais (v.g. ar, água, solo), em alguns casos envolvendo aspectos econômicos e políticos, como assinalado, não tem encontrado nos métodos tradicionais as soluções mais adequadas. Estes conflitos no dizer de Henri Acselrad, “…constituem uma realidade que tende a ocupar cada vez mais espaço na agenda pública, tanto nacional como internacional, à medida em que se aprofunda o processo de transformação econômica e social dos territórios. É a emergência dos conflitos ambientais que põe em evidência a disputa por hegemonia entre distintas concepções sobre as formas de incorporação da natureza para satisfazer necessidades materiais simbólicas e espirituais de indivíduos e de comunidades. O seu estudo representa uma necessidade urgente, tanto para a academia quanto para a comunidade política e para os atores sociais.”33 ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll, 2004, p. 2. Dentre os conflitos ambientais que tem surgido com mais freqüência em nosso país, destacam-se os que decorrem da ocupação de áreas de preservação ambiental para fins de moradia. A crescente invasão e ocupação de tais áreas, por pessoas de baixa renda, vem se constituindo em uma preocupação do Poder Público, o qual, entretanto, não tem conseguido solucionar o problema.

2. MEIOS TRADICIONAIS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS O meio tradicional de resolução de conflitos, em regra, é o Judicial, onde as partes buscam um terceiro, o juiz, para a solução do problema. Ao Poder Judiciário cabe o monopólio da jurisdição, de dizer o direito, constituindo garantia de todo e qualquer cidadão se socorrer do mesmo, diante da lesão ou ameaça de lesão ao direito, conforme preleciona inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal. É o princípio do direito de ação, da inafastabilidade da jurisdição, garantia e direito de todo e qualquer cidadão. Pilar do sistema democrático, o Judiciário tem constituído um histórico de decisões corretivas dos desmandos do Executivo e dos erros do Legislativo, repousando sobre o mesmo funções essenciais de implementação dos direitos e garantias individuais e metaindividuais. Esse avanço, que desbordou suas funções tradicionais, têm dado ensejo a muitas controvérsias sobre seus limites de atuação, mas o certo é que um dos pontos importantes a serrem destacados e de peculiar relevância no âmbito do direito ambiental, consiste-se na possibilidade de revisão do mérito do ato administrativo , quando o mesmo destoar da legalidade. Alheio a um standart tradicional, o Poder Judiciário tem, assim, ocupado papel de destaque na implementação do Estado democrático de direito, notadamente quando em jogo direitos difusos e coletivos e que pertinem à toda a sociedade. Mas o certo é que a tarefa do juiz vem intrinsecamente delimitada por uma função substitutiva. A decisão judicial, se por um lado, pacifica o conflito, por outro, suprime a vontade das partes no que diz respeito às escolhas que podem realizar para que seja dirimida a controvérsia de modo menos traumático. Em certos casos, a decisão judicial, em que pese pautada por legalidade extrema, pode acirrar o conflito do ponto de vista social. A bem da verdade, o princípio do dispositivo condiciona a decisão judicial à matéria para a qual o Juiz foi provocado, sob pena de se ferir a imparcialidade. Ocorre que, em um conflito de interesses, existem vários outros elementos subjacentes e que estarão apartados dos limites objetivos e subjetivos da demanda levada ao Judiciário. Nesse sentido, não é demasiado afirmar que, em certa medida, o sistema tradicional de resolução de conflitos pela via de um terceiro imparcial, o Estado-Juiz, não tem se mostrado bastante e suficiente para resolver a questão do alto grau de litigiosidade de da particularidade de questões envolvendo os conflitos sociais que existem no mundo contemporâneo. Ademais, as sanções jurídicas previstas no nosso ordenamento jurídico como forma de solucionar controvérsias, como bem anota Paulo Renato Ernandorena, “mostram-se incapazes de acompanhar e abranger o dinamismo do comportamento social, na proporção dos novos direitos e necessidade advindas.”4

3. A MEDIAÇÃO

3.1. CONCEITO

A mediação constitui-se em um método de solução de conflitos. Mas essa busca pela solução advém da atuação das partes através da presença de um terceiro. 4 ERNDORENA, Paulo Renato. “Resolução de conflitos ambientais no Brasil: do patriarcal ao fraternal”. Estudios Sociales, volume XX, n. 40, Julio-diciembre 2012, p. 13 Esse terceiro, o mediador, é um sujeito imparcial, sem qualquer poder decisório, mas capacitado segundo técnicas especiais, de forma a possibilitar que os envolvidos alcancem resultados desejáveis. A mediação reveste-se, portanto e em primeiro lugar, de uma técnica, que é pautada pelo critério autoral, na medida em que os participantes protagonizam as opções e escolhas que lhes pareçam mais adequadas. Trata-se, também, de opção voluntária, eis que, não obstante, em certos casos possam começar por imposição legal, os participantes do processo não são obrigados a levá-la a cabo.5 Nesse sentido a definição de Rafael Mendonça para quem a “mediação é o termo utilizado para nomear um método particular de transformação de conflitos, no qual as partes cooperam entre si, voluntariamente, para mudar a experiência que tem de si, do outro e da qualidade de sua interação.”6 Segundo prelecionam Maria de Fátima Batista Meguer e Danielle Anne Pamplona, “Esta técnica é amplamente utilizada nos conflitos de relações complexas, onde os vínculos são preexistentes, e, é almejado que haja continuidade após o desenlace pontual. Neste tipo de resolução de conflito, a solução decorre do entendimento das partes e compreensão sobre o que lhes diminui a capacidade comunicativa ou afeta a relação comum. Embora a realização do procedimento ocorra por intermédio de um terceiro, o mediador, quem decide o status da questão são os envolvidos.”7

3.2. SISTEMAS DE MEDIAÇÃO

3.2.1. MEDIAÇÃO JUDICIAL 5 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; ANDRADE, Juliana Loss de e PANTOJA, Fernanda. “Fundamentos” In:HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Tricia Navarro Xavier. O marco Legal da Mediação no Brasil – Comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. São Paulo; Editora Atlas, 2015, p. P. 41. 6 MENDONÇA, Rafael. A Ética da Mediação Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 14. 7MEGUER, Maria de Fátima Batista e PAMPLONA, Danielle Anne. Mediação Ambiental: uma contribuição ao desenvolvimento sustentável. In:WWW.WWW.derechoycambiosocial.com. ISSN:2224-4131.

Deposito legal: 2005-5822, p. 11.

A medição judicial é aquele prevista no curso do processo judicial, e suas características concernem à ocorrência no âmbito na máquina judiciária por mediadores judiciais especialmente designados pelo Juiz da causa e escolhidos em um cadastro dos Tribunais, após sua habilitação para a específica finalidade8 . Sua previsão inicialmente veio através de Resolução do CNJ, de nº 125, de 2010, e veio sendo depois, disciplinada nos Diplomas legais pertinentes, a saber, na Lei da mediação, que em seu art. 24, assim dispôs, verbis: Art. 24. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. E também no novo CPC, especificamente, no seu art. 165, a saber: Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Em ambos os diplomas, consta que a composição e a organização dos Centros de mediação serão definidos pelos próprios tribunais, ex vi § 1o , do art. 165, do novo CPC9 e também o Parágrafo Único do art. 24, da Lei nº 13.140/2015.10 A previsão já vinha contida na Resolução 125/2010, do CNJ, a saber: Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização ou gestão das sessões e 8 Conforme se depreende da leitura do Art. 167, da Lei nº 13.105/2015, verbis: “Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. § 1o Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.” 9 “§ 1o A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça. 10 “Parágrafo único. A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.” audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão.

3.2.2. MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Diferentemente da mediação judicial, a extrajudicial é aquela que ocorre fora do âmbito Judicial. Embora não careça de previsão, o legislador brasileiro houve por bem discipliná- la. A previsão veio explicitada em uma subseção da Lei da mediação. Nessa toada, o art. 21 da Lei nº 13.140/2015, assim dispõe, verbis: Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo proposto para a negociação, a data e o local da primeira reunião. Parágrafo único. O convite formulado por uma parte à outra considerar-se-á rejeitado se não for respondido em até trinta dias da data de seu recebimento. Segue-se à aceitação do convite a previsão contratual de mediação que servirá como um roteiro para que as partes alcancem a composição do conflito, composição essa efetuada em caráter estritamente privado, mas que objetivará a solução do conflito de interesses eis que promovida por mediador habilitado para tal finalidade. Convém salientar as palavras Flávia Pereira Hill, Gabriela Assmar, Vitor Lopes e Viviam Gama, quando asseveram que “a primeira reunião de mediação é a oportunidade necessária para que o mediador use suas técnicas e amplie a compreensão das partes e seus advogados acerca dos benefícios e alcances da mediação. Só então com a escolha do método (mediação, conciliação, arbitragem, judiciário, um híbrido ou nenhum deles) pode ser considerada informada. Se, a partir daí, as partes não desejarem prosseguir no procedimento da mediação, o princípio da 11 Essa redação foi dada pela Emenda nº 02, de 08.3.2016, de forma que a redação anterior do dispositivo era: Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. autonomia da vontade das partes prevalecerá e elas não serão obrigadas a negociar o conflito em mediação.”12 O objetivo da Lei é criar uma cultura de resolução de conflitos que diminua a sobrecarga no Judiciário e apresente uma melhor qualidade de resposta aos conflitos sociais e que, com alcance de visão, inclusive interdisciplinar, seja capaz de considerar variáveis não contempladas nas soluções judiciais, que ficam balizadas pelos parâmetros legais.

3.2.3. MEDIAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A mediação na Administração Pública vem regulada pelos art. 32 a 40 da Lei nº 13.140/2015, e se consiste em compor conflitos em que for parte a Administração Pública, ficando facultados à não, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver “13, com competência para: “I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”14 Gize-se que muito da composição de tais conflitos dependem da estipulação de procedimentos claros por parte dos órgãos públicos, o que em muitos dos casos, ainda não existem, conforme adverte Luciane Moessa de Souza.15 Em que pese a lei dispor claramente sobre as mediações no âmbito da administração, é certo que apresenta problemas quando a mediação envolver direitos de terceiros, notadamente direitos coletivos. Lembra a referida autora citada que o Ministério Público Federal, através da sua 6ª Câmara, invocando a Convenção nº 169, da Organização Mundial do 12 ASSMAR, Gabriela e at. “Procedimento” In: HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Tricia Navarro Xavier. O marco Legal da Mediação no Brasil – Comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. São Paulo; Editora Atlas, 2015,p. 161. 13 Art. 32, da Lei nº 13.140/2015. 14 Incisos I a III, do art. 32, da Lei nº 13.140/2015. 15 SOUZA, Luciane Moessa. “Mediação de Conflitos e Administração Pública”. In: HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardinha de; CABRAL, Tricia Navarro Xavier. O marco Legal da Mediação no Brasil – Comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. São Paulo; Editora Atlas, 2015, p. 222. Trabalho, já destacou a necessidade de se ouvir comunidades (quilombolas indígenas e outras) em procedimentos de conciliação em que se discutem tais direitos, o que motivou, inclusive, uma Portaria do Consultor =geral da União (de nº 03/2009) “determinando a realização de audiências públicas com tais comunidades em tais procedimentos.”16

4. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS AMBIENTAIS

Não há dúvida a respeito da importância do Poder Judiciário para a solução de conflitos envolvendo o meio ambiente. Entretanto, como assinalado, considerando os instrumentos processuais colocados à disposição pelo nosso ordenamento jurídico, nem sempre o mesmo tem conseguido dar a melhor resposta, e o emprego da mediação se mostra então adequado, não só pela circunstância de apresentar uma solução em menos tempo, mas, principalmente, quando envolve a necessidade da criação de políticas públicas, regulamentação e planejamento. Realmente, nos últimos anos a humanidade, como bem assinala Maria Betânia Medeiros Sartori, “vem discutindo cada vez mais a problemática ambiental, repensando o mero crescimento econômico, buscando alternativas de preservação do meio ambiente. Nesse contexto, apesar os avanços ocorridos, surge, também, a necessidade de uma mudança de postura nas mais diversas áreas de conhecimento, inclusive no Direito, a fim de buscar soluções que garantam, de forma rápida, a efetividade da tutela do meio ambiente. Isso porque, em matéria ambiental, o fator temporal, no que tange à manutenção do equilíbrio ecológico, é essencial, pois quanto antes o perigo da ocorrência de dano for afastado, ou o dano ambiental for reparado, a proteção do meio ambiente será mais eficiente e tanto as presentes quanto as futuras gerações estará melhor resguardadas.”17 É o caso, por exemplo, das ações judiciais referentes às invasões de áreas de preservação permanente por população de baixa renda, que vem ocorrendo praticamente em todo o país. Deixando de lado as dificuldades que o processo 16 Idem, p. 225. 17 SARTORI, Maria Betânia Medeiros. “A mediação e a arbitragem na Resolução dos Conflitos Ambientais”. In: Direitos Culturais. Santo Angelo, v. 6, n. 10, jan.-jun., 2011. apresenta, como a citação dos invasores, prova pericial, etc., a decisão determinando a retirada de milhares e milhares de pessoas do local, praticamente não terá condições de ser cumprida. Ademais, para onde serão encaminhadas as pessoas retiradas das áreas ocupadas, quando, em regra, os municípios não dispõem de áreas para colocá-las, nem meios para adquirí-las? No caso, a adoção da mediação, onde as partes têm participação direta no processo se apresenta como o instrumento mais adequado para a resolução do conflito. Aliás, conforme estabelece o Princípio 10, da Declaração do Rio de 1992: Principio 10 – A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive sobre informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processo de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação publica, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação dos danos. E o Ministério das Cidades, através da Resolução Recomendada n. 87, de 2009, determinado que “para efeitos da Política Nacional, a garantia do direito humano à moradia adequada é componente fundamental para o cumprimento da função social da propriedade urbana e da cidade”18, resolução esta que recomenda a instituição de uma Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos. Finalizando, conforme observa Rafael Mendonça, citando Lawrence Susskind “existem cinco ingredientes comuns para negociações mediadas bem sucedidas: a) participação de representantes dos principais interessados que sejam capazes e dispostos de se comprometer com a participação; b) levantamento dos fatos em 18 Parágrafo único do Art. 1º, da Resolução Recomendada nº 87/2009, DOU- 25.05.2010 – seção I, nº 98, p. 88 conjunto; c) negociação frente a frente, tipicamente auxiliada por um mediador imparcial ou facilitador; d) foco na intervenção dos melhores caminhos possíveis para lidar com as diferenças; e) a preparação de um acordo escrito que todas as partes se comprometam a implementar.”19

4.1. CARACTERÍSTICAS

Quando se fala em mediação ambiental, a primeira questão a ser enfrentada, diz respeito à complexidade dos conflitos ambientais que, via de regra, não se restringem a ocorrência de um “simples dano”, como ocorre em outras áreas, onde o dano poderá ser reparado ou, na sua impossibilidade, o prejudicado ser ressarcido. Os conflitos ambientais vão muito além, envolvendo além do dano em si, aspectos sociais, econômicos, culturais, dentre outros, a exigir, como bem observou Luiza Klunk, “um tratamento interdisciplinar, pois os aspectos envolvidos são complexos e estão inter-relacionados.”20 Tomando-se como exemplo o acidente ocorrido na cidade de Santos, em 2015, que ficou conhecimento como “o incêndio de Alemoa”, ali tivemos danos a flora (destruição de mangues), a fauna (mortandade de peixes e molúsculos), a biodiversidade, poluição do ar, do solo e do mar. Problemas sociais envolvendo pescadores que ali exerciam suas atividades. Problemas econômicos com interdição de área de Porto, etc. Para lidar com um problema de tamanha complexidade, necessário se faz não só a participação de pessoas habilitadas nas diversas áreas de conhecimento, como também de representantes dos diversos setores públicos, já que envolvem vários interesses (municipal, estadual e federal) e dos envolvidos. 19 MENDONÇA, Rafael. Ob. cit, p. 66. 20 KLUNK, Luiza. A complexidade dos conflitos socioambientais e a mediação como alternativa de resolução democrática. Âmbito Jurídico In: http://ambitojuridico.com.br/site/?_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14639&revista_caderno=5. Acesso em 21.08.2016. Neste ponto, a mediação se apresenta como o instrumento mais adequado. Conforme preleciona Luiza Klunk: As vantagens da mediação no tratamento de disputas ambientais são: a informalidade, o reconhecimento das responsabilidades de cada envolvido quanto aos direitos e deveres ambientais, o fortalecimento das relações de confiança e credibilidade que traz uma solução conjunta, a prática de princípios como respeito, solidariedade e cooperação e o diálogo direto entre os envolvidos, evitando-se manipulações autoritárias.21

4.2. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

a) Resolução 125, de 2010, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) – a qual dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, e a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, através de uma “Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”;22 b) Resolução Recomendada nº 87, de 08.12.2009, do Ministério das Cidades – Essa Resolução recomenda ao Ministério das Cidades instituir a Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos23 ; c) Lei nº 13.140, de 26.07.2015 (Lei de Mediação) – Dispõe sobre a “mediação sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”, definindo a mesma como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.”; d) Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil) – que expressamente, através do art. 165 a 175, dispõe, em sua seção V, do Capitulo III, trata dos Conciliadores e Mediadores Judiciais, como Auxiliares da Justiça, sem embargo 21 KLUNK, Luiza. Mediação de conflitos ambientais: um novo caminho para a governança. Curitiba,. Ed. Juruá, 2010. 22 Art. 1º da Resolução nº 125/2010, do CNJ ( Conselho Nacional de Justiça). 23 DOU- 25.05.2010 – seção I, nº 98, p. 88. de outros dispositivos, como o art. 334, que dispõe sobre a audiência de mediação e conciliação.

5. A QUESTÃO DA MEDIABILIDADE DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

O meio ambiente, reconhecido pela Constituição brasileira de 1988 como bem de uso comum do povo (art. 225), pelo que todos os integrantes da coletividade são seus titulares e, portanto, incluído na categoria dos bens difusos, marcado pela transindividualidade quanto a titularidade, que recai sobre pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato, sendo indivisível24, em princípio não seria passível de mediação ou outro meio alternativo de solução de litígios, como a transação, negociação, termo de ajustamento de conduta e outros. Entretanto, a utilização de tais meios, inclusive a mediação para a resolução de conflitos ambientais, diga-se de passagem, amplamente adotada em outros países ( vg. USA, Canadá), e que entre nós foi objeto de alguma discussão, atualmente é reconhecida legalmente e consagrada pela doutrina dominante, evidentemente, com algumas restrições.

5.1. BASES TEÓRICAS

A respeito da possibilidade da adoção de métodos alternativos para a composição de conflitos ambientais a doutrina, majoritariamente, não só entende ser admissível a mediação, como tem incentivado a sua adoção. Para Geisa de Assis Rodrigues: Nada impede, todavia, que na resolução de conflitos envolvendo direitos transindividuais se possa utilizar a solução não jurisdicional, desde que se atente para algumas particularidades relacionadas à essência desses direitos. Mais uma vez devemos consignar que a categoria dos modos de mecanismos de auto-regulamentação de grupos, formas de solução com organismos de mediação públicos, privados, e outras formulas desde que 24 AKAOUI, Fernando Reverendo, Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 2. resultem na solução não jurisdicional de conflito, independentemente das características e efeitos de cada uma das modalidades possíveis.25 E, prosseguindo, afirma: Basicamente o regime peculiar da solução extrajudicial dos conflitos envolvendo direitos transindividuais pode se resumir a duas regras que devem necessariamente ser observadas, sendo a primeira relacionada à ausência de renúncia e de concessão do direito em jogo, e a segunda no sentido da observância de um sistema que garanta que a vontade manifestada coincida com os interesses dos titulares do direito, seja através da consulta efetiva dos interessados, seja através da presunção de que os órgãos públicos poderão adequadamente representar os direitos da coletividade. Uma outra característica da solução extrajudicial dos conflitos transindividuais, que nem sempre está presente nas resoluções alternativas dos conflitos individuais, é o seu potencial preventivo, posto que ocorre, em muitos casos, a disciplina de alguns aspectos da relação entre aqueles que participam do acordo, não só apresentando a solução para um dissídio concreto mas dispondo para o futuro, a fim de evitar novos pontos de atrito em relacionamentos às vezes inevitáveis.26 Segundo Alexandre Amaral Gavronski: …muitos concluem pela impossibilidade de autocomposição por negociação nas controvérsias ou lides de natureza coletiva. Essa conclusão parte da premissa de que autocomposição por negociação importa, necessariamente, na disposição sobre o direito, premissa que está amparada na concepção de transação que orienta o direito privado e está disciplinada nos arts. 840 a 850 do CC. A premissa é equivocada. É, sem dúvida, possível a composição por negociação em tutela coletiva sem que haja disposição sobre os direitos coletivos pelos legitimados a defende-los, isto é, sobre seu conteúdo normativo, residindo o equívoco fundamental na confusão entre essa negociação e a transação do direito civil. Sem dúvida, a negociação em tutela coletiva não comporta, como na transação, concessões sobre conteúdo dos direitos (renúncia), ao menos não por parte dos legitimados em relação aos direitos coletivos que defendem, titularizados por terceiros que não participam, usualmente, da negociação, embora nada impeça que participem, por meio dos instrumentos apropriados, como é o caso da audiência pública. A doutrina especializada em compromisso de ajustamento de conduta – o principal instrumento público para formalizar negociações envolvendo direitos coletivos – costuma admitir a sua utilização para o fim de especificar as condições de modo, tempo e, às vezes, lugar para a implementação dos 25 RODRIGUES, Geisa de Assis. A Ação Civil Pública e o Termo de Ajustamento de Conduta. Teoria e Prática. Forense. RJ: 2002, p. 59. 26 Idem. direitos coletivos que ele se destina a proteger, o que não se confunde com dispensa das obrigações previstas em lei e, portanto, com disposição ou renuncia do direito, ambas vedadas.27 Em suma, conforme entendimento mencionado no Curso de Mediação de Conflitos realizado pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação – ENAM: No que concerne à possibilidade de mediação envolvendo direitos indisponíveis, valem aqui as mesas considerações que já foram feitas na doutrina acerca da celebração de ajustamento de conduta (já que este nada mais é do que modalidade de negociação direta, ou seja, também um meio consensual de solução de conflitos), seja o judicial, seja o extrajudicial: mesmo se tratando de questão posta em juízo, não há possibilidade de transigir sobre o objeto do direito, apenas de definir prazos, condições, lugar e forma de cumprimento, ainda que se utilize o termo transação” (Rodrigues, 2006, p.236) O que essa linha de argumentação leva a concluir é que, existindo já expressa autorização legislativa para a utilização da negociação quanto à forma de cumprimento dos deveres jurídicos correspondentes aos direitos de natureza transindividual, a qual foi formulada e vem de fato funcionando como resposta aos anseios por uma tutela coletiva mais eficaz, evidente que não há que se objetar quanto à possibilidade de resolução destes mesmos conflitos pela vida da mediação. A utilização da mediação nesta seara, aliás, se faz com ganho de qualidade, como observa com propriedade Waral (2001, p. 88): Em termos de autonomia, cidadania, democracia e direitos humanos, a mediação pode ser vista como a sua melhor forma de realização. As práticas sociais de mediação configuram-se em um instrumento de exercício de cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões (…). Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um certo sentido, é ocuparse da capacidade das pessoas para se autodeterminarem-se em relação com os outros; a autodeterminarem-se na produção da diferença (produção do tempo com o outro). Em realidade, a mediação revela-se como método ideal para lidar com conflitos complexos e multifacetados, dado seu potencial de ligar com as camadas a eles subjacentes e de trabalhar com múltiplos interesses e necessidades, harmonizando-os e buscando compensações e soluções criativas que maximizem a proteção do com junto, tanto do ponto de vista objetivo (dos diversos interesses em jogo) quanto sob o prisma subjetivo (dos diferentes sujeitos afetados pelo conflito).

6. DO MEDIADOR 27 GAVRONSKI, Alexandre Amaral. “Autocomposição na ação civil pública”. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação Civil Pública após 30 anos. Coord. Edis Milaré. Ed. RT. São Paulo: 2015, p. 37 e SS. Nas palavras de Rafael Mendonça, o “mediador é uma terceira parte que se insere nesta relação (mediação) , sem nenhum poder de decisão sobre o conflito, para auxiliá-las a potencializar suas capacidades de autonomia e, com isso, aumentar as possibilidades de criarem soluções para a crise na sua interação.”28 Sua tarefa vem revestida de uma função social imensa já que “o mediador precisa ser apto a trabalhar com resistências pessoais e obstáculos decorrentes do antagonismo de posições para restabelecer a comunicação entre as partes”, revelando-se seu papel essencial no sentido de facilitar o “diálogo para que os envolvidos na controvérsia possam protagonizar a condução de seus rumos de forma não competitiva.”29

6.1. DO MEDIADOR AMBIENTAL No que diz respeito ao mediador ambiental, a expectativa do perfil acima tratado se agiganta, haja vista a multiplicidade de aspectos e a complexidade de expertises de que se reveste a matéria ambiental. O mediador para atuar em questões ambientais, muito embora possa se valer do concurso de peritos na matéria, conforme assinalamos de início, além de sua formação para atuar como tal, deve ter conhecimentos da área em que vai atuar e noções de Direito Ambiental. 6.2. DA CO-MEDIAÇÃO A co-mediação se dá quando se faz necessária a presença de mais de um mediador para atuar, de molde a contemplar a multiplicidade de aspectos que envolvem o conflito e os perfis de variados matizes que o envolve. Nessas hipóteses não apenas é possível como também recomendável a atuação de mais de um conciliador.

28 MENDONÇA, Rafael. Ob. Cit, p. 19. 29 TARTUCE, Fernanda, Mediação nos Conflitos Civis, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense.São Paulo: Método, 2015, p. 271 A previsão legal para essa múltipla atuação vem prevista no § 3º do art. 16830 , do novo CPC, e também no art. 15 da Lei nº 13.140/201531 . Esse tipo de mediação de natureza interdisciplinar possui um papel importantíssimo na solução de conflitos ambientais, já que o direito ambiental, por si só, já é multidisciplinar. Em geral, os problemas ambientais exigem o envolvimento do conhecimento de profissionais de diversas áreas. Nesse sentido, importa destacar as palavras de Nelson Nery Jr. discorrendo sobre a necessidade de perícia múltipla antes da alteração do CPC de 1973, com a edição da Lei nº 10.358/2001, que introduziu o art. 431-B (que passou a permitir as perícias múltiplas), e sustentava que “à indagação a respeito da inviabilidade de um só perito opinar sobre área diversa da sua especialidade a justificar a nomeação de mais de um expert respondem com a possibilidade de o perito único nomear assistentes e servir-se das informações de outros profissionais para elaborar o laudo único” destacando ainda que “é intuitivo que, havendo necessidade de o juiz sopesando fatos que dependam de prova pericial dos mais variados ramos do conhecimento, sirva-se ele de um perito em cada uma dessas atividades.”32 Na mediação não é diferente não apenas em razão dos aspectos que envolvem várias áreas, mas da multiplicidade do próprio direito ambiental, que exige a composição dos conflitos com atenção ás diversas dimensões do meio ambiente ( natural, cultural, artificial e do trabalho), sem embargo de cada dimensão exigir vários aspectos a serem considerados, de ordem social, econômica, cultural etc.

6.3. ÉTICA DO MEDIADOR 30“§ 3o Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador.” 31 “Art. 15. A requerimento das partes ou do mediador, e com anuência daquelas, poderão ser admitidos outros mediadores para funcionarem no mesmo procedimento, quando isso for recomendável em razão da natureza e da complexidade do conflito.” 32 NERY JR., Nelson. “Perícia Multipla na Ação Civil Pública Ambiental”. In: Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios. MILARÉ, Edis. (org). São Paulo; RT, 2005, p. 432. A questão foi objeto de discussão na ação civil publica relativa aos danos causados pelo pólo petroquímico de Cubatão, em que a mesma não era admitida, e defendida pelo professor em questão. Nesse diapasão, forçoso destacar o aspecto ético de que deve ser revestir a atividade do mediador. A Resolução do CNJ de nº 125/2010, no seu anexo III, objeto da Emenda nº 01, de 31.03.2013, dispõe sobre um Código de Ética do Mediador que envolverá a observância de diversos deveres, todos elencados no seu artº 1º, que assim dispõe, verbis: “São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.”33 Sem embargo de tais disposições e do próprio conteúdo da Lei nº 13.140/2015 que, ao delimitar princípios, e estipular prescrições e deveres emite regras que deve matizar a conduta ética do mediador34, quando o conflito envolver o meio ambiente, a questão ética envolverá um outro componente, já que o bem tutelado é um bem de 33 Cada uma desses princípios vem definidos nos respectivos incisos do dispositivo citado: “I – Confidencialidade – dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese; II – Decisão informada – dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido; III – Competência – dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada; IV – Imparcialidade – dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente; V – Independência e autonomia – dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível; VI – Respeito à ordem pública e às leis vigentes – dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes; VII – Empoderamento – dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição; VIII – Validação – dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como serem humanos merecedores de atenção e respeito para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes.” 34 Para tanto, convém um exame dos diversos dispositivos legais que constam das disposições comuns da Lei, a saber: “Art. 5o Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz. Parágrafo único. A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas. Art. 6o O mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes. Art. 7o O mediador não poderá atuar como árbitro nem funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado como mediador. Art. 8o O mediador e todos aqueles que o assessoram no procedimento de mediação, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, são equiparados a servidor público, para os efeitos da legislação penal.” uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida não apenas das presentes, mas também das futuras gerações. Assim, pela natureza do bem jurídico em questão, o bem ambiental deve comportar um outro nível de compromisso ético do mediador, que não se restringe àqueles consagrados no Código de Ética, mas um compromisso ético que advém da própria qualidade do bem em questão. Nesse sentido as palavras de Rafael Mendonça para quem “tendo em vista que a mediação ambiental afeta recursos (ar, água, solo, por exemplo), que afetam comunidades como um todo e não simplesmente as partes que estão à mesa, o mediador deve se preocupar com o que acontece nas negociações privadas desses bens públicos. Caso sejam negociados da mesma maneira que os conflitos que não transcendem a esfera privada, podem gerar resultados danosos e perdulários sociedade que deles depende.”35 7. METODOLOGIA DA MEDIAÇÃO O procedimento da mediação pode variar em função do caso concreto e das suas características, motivo pelo qual tem se entendido que não há necessidade de se estabelecer um rito que deva ser obedecido rigorosamente. Em casos complexos, como os que envolvem conflitos ambientais, a preparação da mediação é medida que se faz necessária para o seu sucesso. Os momentos preparatórios da mediação podem ser realizados em sessão que se denomina pré-mediação, realizada em momento imediatamente anterior à mediação e que visa introduzir as partes no processo de mediação, dar a conhecer as regras a serem observadas e o rito a ser observado. A sessão da pré-mediação se encerra com a assinatura pelas partes e mediador ou mediadores, de um protocolo, que marca o início da mediação e pelo qual as partes se comprometem a aceitar os seus termos. 35 MENDONÇA, Rafael. Ob. Cit, p. 71. Para Christopher Moore, antes do início da sessão de mediação deverão ser observadas as seguintes questões: “a) constituição de um relacionamento com as partes; b) escolha da estratégia da mediação; c) colheita de informações sobre as partes e o conflito; d) programação detalhada da mediação; e) estabelecimento de confiança e cooperação.”36 Segundo o Centro de Direito e Meio Ambiente da Fundação Getulio Vargas – Direito-Rio, a mediação de conflitos ambientais se desenvolve, em cinco etapas: 1) diagnóstico do conflito (identificação do histórico e dos atores envolvidos; contato com cada um destes atores para conhecer suas perspectivas e preocupações, bem como as informações disponíveis sobre o conflito, identificar representantes que estarão na mesa de negociações, explicar o funcionamento do processo de mediação na seara coletiva e verificar se aceitam participar do processo, assim como a equipe de mediadores proposta); 2) planejamento do processo (número, local, horário e duração das sessões de mediação; estudos técnicos necessários; proposta de protocolo de conduta dos participantes; tempo necessário para o compartilhamento de informações; forma de permitir a participação de terceiros e de divulgar informações junto à imprensa); 3) sessões de mediação (reuniões conjuntas e privadas) e realização de estudos técnicos; 4) redação do acordo (previsão clara de obrigações, prazos e responsáveis por implementá-las; previsão de sanções para cada obrigação e de responsáveis pelo monitoramento do seu cumprimento); 5) homologação do acordo pelas pessoas com poder de decisão em cada ente público ou grupo participante e também em juízo. Esse escalonamento em fases fornece uma dimensão do planejamento de que se deve revestir a mediação considerando inclusive, os múltiplos aspectos e a necessidade de participação, através de reuniões privadas e públicas, já que se está tratando de bem de uso comum e, portanto, submetido aos princípios da informação e da participação que regem o direito ambiental. 8.CONSIDERAÇÕES FINAIS 36 MOORE, Chistopher. The Mediation Process, San Francisco: Josseybass, p. 68. Não se pretendeu com o presente trabalho esgotar uma temática tão rica, como é a mediação em matéria ambiental. Nossa pretensão é contribuir para a adoção de soluções consensuais que não só previnam a ocorrência de danos, como contribuam para uma reparação mais rápida e eficiente, enfim, assegurar uma efetiva proteção do meio ambiente. Conforme expresso nas observações apresentadas, o emprego da mediação para a solução de conflitos socioambientais se constitui num instrumento de grande relevância, não só para a proteção do meio ambiente, como para a solução de questões sociais e, principalmente, o desenvolvimento de uma cultura da pacificação.

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Palavras Chaves

Conflitos ambientais. Meio ambiente. Mediação.