A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO CRIAAD MENINA: IMPASSES E POSSIBILIDADES

Resumo

Trata-se de uma análise dos possíveis aspectos que interferem, direta ou indiretamente, no cumprimento da medida socioeducativa de semiliberdade. Verificam-se os impasses e as possibilidades da intervenção do Assistente Social, mediante manifestações da questão social vivenciadas pelas adolescentes, em cumprimento de medida socioeducativa, no CRIAAD Menina em Ricardo de Albuquerque. Para o desenvolvimento deste estudo foram utilizadas bibliografias pertinentes ao tema, além da legislação em vigência. Discute-se o sistema capitalista, a questão social, a trajetória das políticas sociais em prol da criança e do adolescente, o Código de Menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas socioeducativas e o Serviço Social no contexto sociojurídico.

Artigo

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO CRIAAD MENINA: IMPASSES E POSSIBILIDADES

Liliane Pereira dos Santo[1]

Resumo: Trata-se de uma análise dos possíveis aspectos que interferem, direta ou indiretamente, no cumprimento da medida socioeducativa de semiliberdade. Verificam-se os impasses e as possibilidades da intervenção do Assistente Social, mediante manifestações da questão social vivenciadas pelas adolescentes, em cumprimento de medida socioeducativa, no CRIAAD Menina em Ricardo de Albuquerque. Para o desenvolvimento deste estudo foram utilizadas bibliografias pertinentes ao tema, além da legislação em vigência. Discute-se o sistema capitalista, a questão social, a trajetória das políticas sociais em prol da criança e do adolescente, o Código de Menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas socioeducativas e o Serviço Social no contexto sociojurídico.

Palavras-chave: questão social; Adolescentes; Medida Socioeducativa; Políticas Sociais; Criminalização da Pobreza.

Keywords: Social issues; Adolescents; Socio-educational Measure; Social politics; Criminalization of Poverty.

Introdução

A temática do adolescente em conflito com a lei recebe maior atenção através de notícias veiculadas pelos meios de comunicações referentes às situações de cometimento do ato infracional, das rebeliões e fugas, ocorridas em unidades do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), órgão responsável por executar medidas socioeducativas, que são determinadas por juízes das Varas de Infância e Juventude, aos adolescentes que cometem algum tipo de ato infracional.

Dessa forma, abordaremos quais os impasses e as possibilidades na intervenção do Assistente Social, frente às manifestações da questão social experimentadas pelas adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no CRIAAD Menina. O estudo pretende promover a reflexão sobre as demandas neste espaço, considerando o adolescente em conflito com a lei, enquanto sujeito de direitos em processo de formação, inserido num contexto social repleto de desigualdades.

O público alvo deste estudo refere-se às adolescentes do sexo feminino, em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade, no CRIAAD Menina em Ricardo de Albuquerque. Neste trabalho, optamos pela utilização da pesquisa qualitativa entendendo que, segundo Minayo (2003), este método busca se aproximar da realidade, não considerando apenas as expressões numéricas, mas sim, qualquer expressão que possa contribuir para a leitura das relações sociais construídas ao longo do seu processo histórico. Considerando que “a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”. Minayo (2003, p.21).

Realizamos um apanhado histórico acerca da trajetória das Políticas para Infância e Adolescência no Brasil, descrevendo os avanços e retrocessos da intervenção do Estado. Em seguida, procuramos trazer uma reflexão relativa à adolescência e como esta fase da vida é importante para o ser humano em desenvolvimento. Também apontamos os fatores determinantes que impactam nos momentos de escolhas e descobertas das adolescentes. E, por último, realizamos uma análise acerca da inserção do Serviço Social no campo sociojurídico e as possibilidades de intervenção profissional, perante aos processos de criminalização da pobreza vivenciados no CRIAAD Menina Ricardo de Albuquerque.

Para o desenvolvimento deste estudo, foram utilizadas bibliografias pertinentes ao tema, legislação em vigência, tendo por base as seguintes categorias analíticas: questão social, direitos humanos, direito da criança e do adolescente, medida socioeducativa, políticas públicas, entre outras relacionadas. Como instrumentos, empregamos a utilização do livro de registro e controle interno da unidade e, através dele, foi construído um banco de dados que facilitou a extração do conteúdo exposto neste trabalho, possibilitando observar a movimentação das adolescentes, durante o período da pesquisa.

1 Trajetória das políticas para a infância no Brasil

A luta de classes é fundamental no processo de construção econômico e social da sociedade brasileira e, por isso, se torna o principal alimento do sistema capitalista no decorrer da história. Para que este sistema continue se reproduzindo é necessário que haja o explorador e o explorado, burguesia e proletariado. Em outras palavras, de um lado temos os detentores do capital, tomado por pequena parcela da sociedade e, por outro, as grandes massas que necessitam da venda da sua força de trabalho para garantir sua sobrevivência. O sistema não gera somente competições para se reerguer; ele necessita sempre ter explorados suficientes disponíveis para promover o acúmulo de capital. Além disso, ele também se constitui das desigualdades sociais e provoca os extremos discrepantes entre sujeitos muito ricos e muito pobres.

A produção capitalista não está vinculada somente à produção da mais valia, isto é, ao valor excedente produzido a partir da exploração do trabalhador. Ela se apresenta, também, nas definições das relações sociais, culturais, étnicas e subjetivas dos indivíduos. Tal fato é possível ser compreendido a partir da correlação de forças entre classe dominante e classe dominada sendo, respectivamente, o primeiro grupo aquele que detém bens, meios de produção, capital para comprar força de trabalho e capacidade de produção em grande escala, e o segundo o que disponibiliza sua força de trabalho para venda e, consequentemente, é explorado devido sua ausência de participação na distribuição total das riquezas originando nossa sociedade classista. Para isso, Marx apud Netto (2012) apresenta:

Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia do seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e da força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto as potências das riquezas. [… E] quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e do exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial.

É em meio a todo esse movimento que se encontram as contradições da sociedade onde vivemos. É a partir dele que podemos identificar as expressões da questão social como sendo reflexos das desigualdades sociais, ou seja, trata-se da pobreza, do desemprego, da violência, da precarização das condições de vida de determinados grupos, entre outras.

Segundo IAMAMOTO (1999) a questão social pode ser definida como:

O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (p. 27)

Diante desse contexto, tornou-se necessária a intervenção do Estado que, na sua função mediadora no complexo movimento da sociedade, tem o dever de prover as condições básicas de sobrevivência da população. Por isso, cria estratégias e alternativas de controle dos impasses oriundos das relações sociais durante a história brasileira, principalmente durante o século XIX que é marcado por inúmeros conflitos e reivindicações da classe trabalhadora em prol de uma vida com mais dignidade. A pressão popular funcionou e inúmeros direitos foram concedidos, desde então, com o princípio do Estado de bem estar social.

Apesar da formulação de políticas ser reconhecida como conquista efetiva, seu caráter controlador é muito forte, pois ela é focalizada na classe trabalhadora e, por isso, possui características pontuais, emergentes, altamente seletivas, de má qualidade que não atendem as demandas dos mais empobrecidos de forma eficaz e não promovem uma sociedade equilibrada e com equidade de direitos.

[…] não é difícil compreender que a resposta dada a questão social no final do século XIX foi, sobretudo repressiva e apenas incorporou algumas demandas da classe trabalhadora, transformando as reivindicações em leis que estabeleciam melhorias tímidas e parciais nas condições de vida dos trabalhadores, sem atingir, portanto, o cerne da questão social. (BEHRING E BOSCHETTI, 2011, p. 63).

Diante do aumento do volume de pessoas em condições de vida precárias que se propagava no país no início do século XX, foi que surgiram os conceitos de que a cidade era lugar da proliferação de doenças, da desordem, da vagabundagem e da violência. Assim, era neste cenário que se encontrava a criança necessitada de “salvação”, ou seja, os órfãos, abandonados e moradores de rua. Nesse momento da historia, a rua tornou-se ameaçadora, pois se presumia a atuação desses “menores” como delinquentes, já que viver em situação de rua era sinônimo de marginalidade.

Sobre o Rio de Janeiro, nossa cidade modelo e principal palco desta história, encontram-se diversas referências à população vista nas ruas. Ela (…) poderia ser comparada às classes perigosas de que se falava na primeira metade do século XIX” (Carvalho, 1991: 18). A cidade propiciava, enfim, uma mistura populacional desconhecida, assustadora. Em meio à fervilhante movimentação ostentatória de riqueza, circulavam e vadiavam nas cidades tipos humanos de toda a espécie: trabalhadores pobres, vagabundos, mendigos, capoeiras, prostitutas, ‘pivetes’. (Rizzini, 2006).

A elite burguesa, sentindo-se ameaçada, começou a formular alternativas para tratar essas questões. Era necessário, primeiramente, salvar as crianças para garantir o futuro do país sob a perspectiva de que a criança de hoje seria o adulto de amanhã. Perante essa ideia, iniciaram as primeiras formulações de ações e leis que poderiam intervir na realidade do “o menor que precisava de salvação” sob o discurso que, dessa forma, estariam resguardados o futuro e o desenvolvimento do país.

O fim do período escravocrata, do regime monárquico e o surgimento do ideal de nação civilizada, a influência de estudos europeus e o clima de República que se perpetuava pelo País, configurava um progresso constituído pela intenção de imitar a sociedade Europeia que iniciava a valorização da infância no aspecto da Saúde.

Na passagem do século XIX para o XX, atribuiu-se grande importância à parcela infantil e empobrecida da população brasileira. O significado do papel atribuído a esse grupo no projeto de construção de nossa nação deflagra o momento no qual a infância se revelava como um problema social, cuja solução parecia fundamental para o país. O significado social da infância circunscrevia-se na perspectiva de moldá-la de acordo com o projeto que conduziria o Brasil ao seu ideal de nação. Esse ideal era descrito como o de transformar o Brasil numa nação culta, moderna e civilizada, de acordo com os modelos de civilização da época tipificados pelas principais cidades europeias e norte americanas, entre as quais se destacavam Paris, Londres e Nova York. (RIZZINI, 2006).

A partir disso, as primeiras discussões sistemáticas sobre a responsabilidade do Poder Público na formulação de políticas sociais começam a emergir e, assim, uma nova perspectiva de “Paz Social” originou as primeiras exigências de providências do Estado quanto aos ¨menores de rua¨, tendo em vista que estas comprometiam e colocavam em risco a ordem pública e que o Estado deveria garantir a Paz Social. A criança pobre e abandonada se transforma em um tormento para as autoridades e para a sociedade burguesa da época e, para solucionar esse problema, foram criadas duas importantes forças de trabalho.

A primeira foi a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM (lei 4.513 de 1/12/1964) em meio ao conturbado cenário político do golpe militar. A FUNABEM tinha por objetivo difundir a Política Nacional do Bem-Estar do Menor e, principalmente, impedir que essa população se propagasse em meio à sociedade. A segunda iniciativa foi a revisão do Código de Menores de 1927 (lei 6697 de 10/10/1979), não descaracterizando seu aspecto repressivo, assistencialista e arbitrário, mas incorporando o conceito da doutrina da situação irregular para os menores que se encontravam em situação de que alguns autores denominaram ¨perigo¨.

Nos anos 80, marcados por uma onda de mobilizações populares, realizadas pela sociedade civil, juntamente com as frentes de manifestações universitárias e outras organizações de instâncias jurídicas, que tinham por objetivo a reivindicação dos direitos da população em relação às políticas públicas de má qualidade que estavam sendo disponibilizadas para a sociedade, cria-se a LEI FEDERAL nº 8.069 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. A lei foi uma grande conquista desses movimentos constituindo-se de três esferas: O mundo jurídico, formado por juristas e advogados que debatiam amplamente sobre a realidade das crianças e adolescentes no Brasil, os dirigentes e técnicos dos órgãos estaduais reunidos no Fórum Nacional De Dirigentes De Políticas Estaduais para a Criança e o Adolescente, o qual participavam psicólogos, assistentes sociais, cientistas sociais e outros profissionais.

A importância da conquista do Estatuto da Criança e do Adolescente, denominado comumente de ECA, como agente reformador das políticas da infância e adolescência no Brasil, é reconhecida por nós. Contudo, além da sua ineficácia por ausência de sanção na sua plenitude, há a fragilização das políticas públicas, que impedem muitos direitos de serem efetivamente resguardados. Salientamos que tal Lei não rompe com a lógica que estabelece como “marginais” crianças e adolescentes pobres, mas reformula as dimensões discriminatórias do antigo Código de Menores; Ela se traveste de concessão de direitos, colaborando com a continuidade do controle social promovido pelo capital.

[…] entendemos que o ECA promoveu uma reforma no Código de Menores de 1979, na medida em que não rompeu com a visão do projeto de sociedade presente no Código de Menores. É claro que incorporou elementos de “descontinuidades” e manteve os de “continuidades” num processo de reafirmação da sociedade de controle do capital. (SILVA, 2005, p .31)

O sistema capitalista é marcado pela competitividade e, respectivamente, pelas desigualdades que atingem mais intensamente os grupos mais pobres e socialmente mais desfavorecidos. A busca por ascensão social é generalizada. Não poderia ser diferente em relação ao adolescente que, em seu processo de formação, busca demasiadamente seu encaixe numa sociedade, que é delimitadora de padrões sociais estereotipados e os impulsionam a procurar alternativas que facilitem sua inserção no modelo de sociedade que lhes é imposto. Muitos desses adolescentes encontram essa possibilidade através do crime, originando a prática do ato infracional.

O projeto de sociedade se manteve inalterado na estruturação do ECA, mostrando que seus alicerces são pautados na questão da prevenção geral, que remete à “periculosidade juvenil”, isto é, à perspectiva criminológica face aos adolescentes em conflito com a lei. (SILVA, 2005, p.31).

É notório que mediante a lógica do Estado Mínimo onde sua primazia funda-se na participação social democrática, o distanciamento da repressão infundada no regime ditatorial, as lutas políticas e conquistas adquiridas até aqui são extremamente significativas para ascensão dos direitos sociais no país. Apesar disso, observamos que a elaboração do ECA apenas teve intencionalidade de ruptura com o projeto de sociedade vigente, entretanto, não se efetivou de fato, uma vez que continua a reproduzir os estigmas da assistência e proteção versus punição e controle. Dessa forma, originando uma percepção de avanço enquanto continua a reproduzir suas desigualdades.

[…] enquanto por um lado os estabelecimentos de disciplina se multiplicam, seus mecanismos têm certa tendência a se desinstitucionalizar, a sair das fortalezas fechadas onde funcionavam e a circular em estado livre, as disciplinas maciças e compactas se decompõe em processos flexíveis de controle, que se pode transferir e adaptar. (FOUCAULT, 2013, p. 199).

Tal perspectiva apenas constata que, embora o sistema parecesse buscar alternativas para as problemáticas que assolam a sociedade através da manifestação da questão social, nas entrelinhas, ele buscava alternativas de continuar se reproduzindo e provocando a busca por acúmulo de capital, propagando na sociedade formas diferentes de se estruturar e influenciar as relações sociais.

2 A adolescência e o adolescente que comete um ato infracional

O Governo do Paraná, na gestão de 2003 a 2006, através do IASP – Instituto de Ação Social do Paraná, desenvolveu um trabalho para diagnosticar o atendimento aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa. Após a realização do diagnóstico, foi elaborado um plano de ação que culminou no material que será utilizado para reflexão da prática no presente capítulo.

Não diferindo de qualquer outro adolescente, o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa está exposto a diversas mutações psicológicas. Como por exemplo, as crises de identidade, a impulsividade e o imediatismo. Mas são as influências dos fatores sociais que mais implicam no seu processo de desenvolvimento. “… as transformações sociais dependem de uma série de fatores e acontecem das mais diversificadas maneiras, influenciadas por uma série de variáveis: culturais estruturais familiares, condição socioeconômica, fatos vividos e os significados atribuídos a eles, entre outras. Todos esses fatores vão determinar formas distintas de vivenciar a adolescência, pois a construção da identidade é pessoal e social, acontecendo de forma interativa, através de trocas entre o indivíduo e o meio em que está inserido”. (IASP, p. 18).

Esses fatores permeiam o desenvolvimento de todo e qualquer adolescente ao longo da construção da sua identidade, portanto nada o diferencia do adolescente autor de ato infracional, cuja realidade inúmeras vezes não condiz com as expectativas da sociedade em relação a indivíduos dessa faixa etária. A ausência da família, a vivência da violência doméstica, os conflitos familiares de forma geral, a violência disseminada em seu meio social, a exposição ao consumo de drogas, a vulnerabilidade social a que estão submetidos, entre outros, vão de alguma forma implicar na formação desse indivíduo. Não se trata de uma regra, mas o adolescente exposto a tais fatores compõe um número significativo do público que integra as unidades de medidas socioeducativas do país, caracterizando o processo de criminalização da pobreza.

A partir do público adolescente da nossa sociedade, é necessária uma educação que ultrapasse o limite do acesso, mas possibilite a permanência escolar. O investimento no adolescente da classe popular não deve estar pautado na justificativa de que ele não se torne infrator, mas em seu processo de desenvolvimento. Assim, ele terá acesso ao que lhe é assegurado como direito fundamental estabelecido por lei CF Art. 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

É importante explicitarmos os papéis e as responsabilidades da família, da sociedade e do Estado em relação aos adolescentes. Mediante o que o Estado impõe como responsabilidade compartilhada entende-se que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF/88, Art. 227).

É senso comum a sociedade responsabilizar e cobrar, apenas da família, o compromisso que é de todos na construção de uma sociedade diferente, em que os jovens tenham a possibilidade de vivenciar um desenvolvimento pleno, capaz de propiciar um amadurecimento saudável, através da observância às necessidades e aos direitos da população de crianças e adolescentes. Entendemos, portanto, que quando um adolescente chega a uma instituição, como o Departamento Geral de Ações Socioeducativas – Degase, significa que diversos outros direitos foram violados, não nos limitando à questão da pobreza, mas sim da efetivação dos seus direitos como adolescente brasileiro, pois nem sempre o comprometimento acontece por ausência material.

A lei 8069/90, que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, conceitua em seu artigo 103 o ato infracional: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Na ocasião da criança, definida, nesta lei, como sujeito que tenha idade até 12 anos, cometer um ato infracional faz com que a mesma fique sujeita às seguintes medidas de proteção:

encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; b) orientação, apoio e acompanhamento temporários c) matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de Ensino Fundamental; d) inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; e) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; f) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; g) acolhimento institucional; h) inclusão em programa de acolhimento familiar; i) colocação em família substituta. (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, Art101. Rio de Janeiro, 6ª edição, p.86).

No ato infracional, praticado por adolescentes, considerados sujeitos entre 12 e 18 anos de idade (considerando a data do fato), este fica sujeito às seguintes medidas socioeducativas:

  1. a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional; g) qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, Art101. Rio de Janeiro, 6ª edição, p.86).

A privação da liberdade para um adolescente, sendo ela integral ou parcial, vai além de qualquer ferramenta disciplinadora de conduta que, supostamente, promoveria uma possível “regeneração”. Em se tratando da medida socioeducativa de semiliberdade ainda é mais complicado, pois o retorno das adolescentes para a unidade é sempre difícil, tendo em vista que é forte a aspiração pela liberdade definitiva. Os que não possuem família sentem, ainda mais, essa dificuldade devido à ausência e a necessidade de proteção. Os anseios, as dúvidas e angústias estão fervilhando nessa fase da vida e urge a necessidade da imediaticidade.

Essa vivência é caracterizada pela impulsividade e, por vezes, pelo desprendimento de preocupação com as consequências futuras dos atos realizados aqui e agora. Comum à adolescência, a impulsividade está ligada à imediaticidade. […] A imediaticidade é marcada pelo fato de o adolescente desejar algo e querer que isso ocorra imediatamente, a curto prazo. (IASPI, 2006, p. 25).

Dessa forma, podemos considerar que um ano para um adulto significa dez anos para um adolescente, pois a referência de tempo, no período de desenvolvimento do sujeito, não é cronológica e, sim, subjetiva e sentimental.

Ao citar Outeiral (2001), um dos cadernos do Instituto de Ação Social do Paraná – IASP sinaliza que “a disparidade entre a noção de tempo entre os adolescentes e os adultos torna-se ainda mais acirrada diante da dinâmica da sociedade pós-moderna em que vivemos.” O autor afirma que “o tempo dos adolescentes hoje é muito mais acelerado do que o dos adultos: refiro-me ao tempo interno, tempo de elaboração das experiências [..] eles são fast kids (crianças aceleradas)”. (2001, p. 98, In: IASP, 2006, p.24).

            O DEGASE foi criado pelo Decreto nº 18.493 de 26/01/1993, para atender às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente em conflito com a lei, priorizando a educação, a integração e a inclusão. Atualmente, existem 25 unidades, sendo oito destinadas à internação e dezessete ao cumprimento da medida em semiliberdade.

A unidade do DEGASE que pesquisamos foi a do Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (CRIAAD) Ricardo de Albuquerque, vinculado à Secretaria do Estado do Rio de Janeiro. Ela é o órgão executor da medida socioeducativa (MSE) de semiliberdade exclusivamente para adolescentes do sexo feminino oriundas de todas as comarcas do Estado do Rio de Janeiro.

Por ser uma unidade que atua com medidas socioeducativas de semiliberdade, o objetivo do CRIAAD não está alicerçado na perspectiva de que as adolescentes permaneçam muito tempo institucionalizadas. A ideia é que possam desenvolver suas habilidades e responsabilidades para efetivá-las ao adquirir a liberdade definitiva.

3 O serviço social no âmbito sociojurídico

A atuação do Serviço Social na área sociojurídica se efetivou, principalmente, após o processo de institucionalização da profissão. Segundo IAMAMOTO (2010), já era possível identificar intervenções profissionais no final da década de 30 junto ao “Juízo de Menores”, justamente perante problemáticas oriundas da infância pobre, “delinquente” e “abandonada”.

O assistente social é fundamental na viabilização do acesso e efetivação dos direitos sociais da população, pois atua diretamente na “defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e autoritarismo”. Por isso, tem a atribuição de promover meios de viabilizar o acesso ao direito daqueles que dependem da justiça. (Código de ética do Assistente Social, 2012, p. 124). Não é por acaso que a profissão tem se expandido, historicamente, nesta área. Sua inserção está, a cada dia, mais consolidada no Ministério Público, nos Tribunais, locais de acolhimento institucional e órgãos de execução de medidas socioeducativas.

            Embora a importância do Assistente Social seja fundamental neste âmbito, exige-se desse profissional mais que a função pericial. O processo de burocratização das demandas é intenso. O DEGASE, enquanto órgão executor da Medida Socioeducativa, está ligado ao judiciário trazendo para sua atuação muitas características desse campo que, em consequência desse processo, promove entraves que implicam na ausência de ações mais concretas voltadas para o usuário.

            O profissional tem o desafio de construir uma intervenção qualificada que possibilite identificar os fatores sociais, econômicos e políticos que perpassam o campo socioeducativo, viabilizando o acesso aos direitos sociais para os adolescentes em conflito com a Lei e seus familiares, subsidiando-os para o exercício da cidadania e participação política na sociedade. O assistente social é um profissional capacitado para desvelar a realidade e construir estratégias que interferiram nas peculiaridades que envolvem os adolescentes em conflito com a lei, de forma a subsidiá-los para exercício da cidadania tendo referência o projeto ético político da profissão.

Neto (1999) afirma que:

Este projeto ético-político tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central […] daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais […] O projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe/etnia e gênero […] afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo – tanto na sociedade como no exercício profissional […] ele se posiciona em favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são postas explicitamente como condição para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras.

Nessa perspectiva, afirmamos que a atuação do Serviço Social deve estar pautada no desenvolvimento de espaços de cidadania, democracia, de respeito à autonomia e participação dos usuários no exercício de sua própria cidadania e, também, em seu próprio exercício enquanto autor social e político das políticas públicas.

4 Impasses e possibilidades de intervenção profissional no Criaad menina Ricardo de Albuquerque

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, e posterior extinção da FUNABEM – Fundação do Bem Estar do Menor, regida pelo Código de Menores, observou-se “não ser mais possível defender sistemas concentrados e segregadores ou ainda impor aos órgãos oficiais responsabilidades exclusivas pelo destino de crianças e adolescentes, privadas nas suas origens, dos benefícios das políticas públicas”, acarretando em mudanças de referenciais e paradigmas com reflexos, inclusive, no trato da questão infracional.

Nesta perspectiva, ainda no ano de 1988, dezesseis CRIAM’s (Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor) foram inaugurados e divididos entre a região metropolitana e interior do Estado do Rio de Janeiro, como estratégia para projetos táticos, definição de programas e concepção operacional política e social da cada região.

A partir de 2009 transformou-se em Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente – CRIAAD – compondo uma unidade do DEGASE de cumprimento de medida sócio-educativa de semiliberdade, que tem por finalidade orientar, assistir, acompanhar e avaliar as adolescentes durante processo socioeducativo, por meio de uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, estagiários, agentes socioeducativos, cozinheiros, administrativos e serviços gerais.

Antes de iniciarmos a apresentação dos dados, é importante ponderar os desafios que se perpetuaram até a execução da pesquisa. O processo de pesquisa em uma instituição como o DEGASE, além de extremamente burocrático, é demasiadamente trabalhoso. Todas as informações contidas neste relatório passaram por uma análise criteriosa nas diversas esferas institucionais norteadoras do trabalho com medidas socioeducativas. Tais apreciações ocorreram pela supervisora de estágio da unidade do CRIAAD e pela gestão da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire (ESGSE). Esse procedimento justifica-se no respaldo e monitoramento da produção científica relativa à instituição e visa resguardar a privacidade, o sigilo e a exposição do adolescente. Diversos entraves foram superados durante o percurso da pesquisa buscando sua aprovação, entretanto as limitações propiciaram a expansão de experiências em relação ao processo estrutural da produção científica institucional, o aprofundamento do tema, a hierarquização do sistema de medidas socioeducativas, a valorização da proteção ao adolescente e uma vivência rica e desafiadora.

Segundo o ECA, no Art. 120 “O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilita a realização de atividades externas, independente de autorização judicial”. Desta forma, o assistente social, juntamente com a equipe técnica, procura estimular a autonomia das adolescentes com a finalidade de potencializar suas habilidades.

Entretanto, esta é uma das medidas mais difíceis para a adolescente, tendo em vista que, somado aos anseios provocados pela idade, ela deve lidar com a liberdade parcial, isto é, ir para casa nos finais de semana, mas ter que retornar à instituição em seguida ou não ter para onde ir aos finais de semana, no caso daquelas que vivem em situação de rua. Isto significa permanecer institucionalizada, mesmo cumprindo em regime de semiliberdade ou, pior ainda, presenciar outras adolescentes indo para os seus lares e ter que lidar com o abandono e falta de uma família, um lugar para ser acolhida. Não são todas que suportam administrar esta dinâmica e tal fato provoca alta rotatividade de meninas na unidade.

A pesquisa foi realizada no período de agosto de 2013 a Agosto de 2014. Durante esse ano, passaram pela instituição 55 meninas, na faixa etária que compreende 13 a 19 anos; percebemos que, em relação à faixa etária, a distribuição das adolescentes é bem equilibrada. Em contrapartida, a convivência e a troca de experiências entre as meninas de 13 e as de 19 anos é uma preocupação da equipe, visto que algumas adolescentes se desligam e retornam ao sistema periodicamente, trazendo consigo suas experiências e as vulnerabilidades que ficam expostas. Além disso, as que possuem maioridade, e em ocasiões pontuais, já vivenciaram até mesmo o regime penitenciário, o que provoca uma hierarquização de poder entre elas, decorrente das experiências acumuladas e, por vezes, até mesmo a intimidação no protagonismo da liderança.

Do total de 55 adolescentes apenas dez possuem filhos, mas é importante salientar que houveram casos de gravidez interrompida, e a ausência desse relato no primeiro atendimento dificulta a precisão dessa informação. Mesmo com esse número reduzido, o processo de reflexão sobre a sexualidade na adolescência é uma demanda para a equipe. Durante o período da pesquisa, três meninas engravidaram e para, além disso, é de extrema relevância o desenvolvimento de um trabalho evidenciando sobre o uso do preservativo como ferramenta de proteção contra a gravidez indesejada, mas, sobretudo, contra as doenças sexualmente transmissíveis, pois a demanda por atendimento ginecológico é extensiva originando sempre a necessidade por orientações quanto ao cuidado e a higiene do corpo.

A distribuição das adolescentes por etnia nos apresentou propriedade para confirmar uma das hipóteses cogitada no início da pesquisa. Isto é, predomina-se a inserção de adolescentes pardas e negras, no cumprimento de medidas socioeducativas de semiliberdade no CRIAAD Menina, sendo 13 brancas, 12 pretas e 30 pardas por autodeclaração. Tal fato coincide, respectivamente, com os números apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006. Segundo esta, o total de crianças e adolescentes negros e indígenas soma 51% das crianças no Brasil, ou seja, cerca de 31 milhões de brasileiros com menos de 18 anos configuram, também, a parcela mais vulnerável da população, que se encontra em risco social.

As informações em relação à renda familiar das adolescentes são fragilizadas e inconsistentes, pois nem sempre a adolescente acautelada na unidade possui família ou nem sempre a família acompanha o cumprimento da medida. Isso acontece pelas dificuldades financeiras e distância da residência da família em relação do CRIAAD, vivenciado principalmente pelas famílias que residem em outras comarcas do estado do Rio de janeiro, ou por abandono ou rejeição à adolescente. Identificamos que 29 adolescentes não informaram a renda familiar em primeiro momento, seis adolescentes alegaram não possuírem, oito possuem renda familiar de um salário mínimo, nove possuem renda familiar de até dois salários mínimos e três possuem renda familiar de mais de três salários mínimos. Essa constatação nos permite afirmar que o fato da ausência de renda é uma característica marcante das adolescentes que cumprem medida socioeducativa. Não muito diferente da população carcerária, que vive os processos da criminalização da pobreza das mais diversas formas, como a ausência da educação de qualidade, do desemprego e da fragilização das políticas sociais que, em determinado momento, foi criada sob a justificativa de suprir as necessidades básicas da população.

O impacto em relação à distância da unidade para o local de residência da família da adolescente, que cumpre a medida socioeducativa, interfere diretamente no cumprimento da medida. Por conta do aspecto financeiro e o desgaste com o deslocamento, algumas famílias não conseguem comparecer todos os finais de semana na unidade para viabilizar a saída da adolescente. Tal fato se apresenta como um desafio no que se refere à garantia de direitos, uma vez que o direito à convivência familiar e comunitária é respaldado por lei, bem como menciona o ECA no Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária. Desta forma, o acompanhamento da família é a principal ferramenta de trabalho do Assistente Social. No entanto, o fortalecimento dos vínculos familiares, bem como a reinserção à convivência comunitária, fica comprometido mediante a esse entrave.

Sobre os aspectos que norteiam a escolaridade dos adolescentes, segundo o INEP, é indicado ao adolescente na idade de 13 anos ter cursado, ao menos, cinco anos de escolaridade. Sendo assim, aos 14, o mesmo teria seis anos; com 15 anos teria sete anos de escolaridade; com 16 teria oito anos e, finalmente, aos 17, teria nove anos de escolaridade completando o Ensino Fundamental, conforme mostra o quadro a seguir:

Escolaridade Idade segundo o INEP
2ª Ano do Ensino Fundamental 8 anos
3º Ano do Ensino Fundamental 9 anos
4º Ano do Ensino Fundamental 10 anos
5º Ano do Ensino Fundamental 11 anos
6º Ano do Ensino Fundamental 12 anos
7º Ano do Ensino Fundamental 13 anos
8º Ano do Ensino Fundamental 14 anos
9º Ano do Ensino Fundamental 15 anos
1º Ano do Ensino Médio 16 anos

Quadro 1 – Escolaridade segundo o INEP

A partir deste trabalho, identificamos que há uma disparidade do ano escolar recorrente entre as adolescentes que cumprem medida socioeducativa. Como podemos verificar, há adolescentes com 13 anos de idade que poderiam estar cursando o 7º ano do Ensino Fundamental, mas que ainda cursam o 4º ano. As adolescentes que se encontram com 14 anos de idade poderiam cursar o 8º ano, mas, na verdade, a maioria está cursando o 6º ano do Ensino Fundamental. Com 15 anos de idade, elas poderiam cursar o 9º ano do Ensino Fundamental, porém, identificamos um total de oito meninas cursando o 3º ano do Ensino Fundamental, duas no 6º ano do Ensino Fundamental, três no 7º ano do Ensino Fundamental, uma no 8º ano do Ensino Fundamental e apenas uma no 9º ano do Ensino Fundamental.

As adolescentes com 16 anos totalizaram oito socioeducandas, sendo distribuídas pelos 5º, 6º e 7º anos do Ensino Fundamental. Com 17 anos, verificamos três cursando o 6º ano, duas no 7º ano do Ensino Fundamental, duas no 8º ano do Ensino Fundamental e duas no 9º ano do Ensino Fundamental. Identificamos sete adolescentes com 18 anos, uma ainda cursando o 2º ano do Ensino Fundamental, uma no 3º ano do Ensino Fundamental, uma no 4º ano do Ensino Fundamental, duas no 5º ano do Ensino Fundamental e duas no 7º ano do Ensino Fundamental. Registramos cinco adolescentes com 19 anos, duas cursando o 1º ano do Ensino médio, uma cursando o 3º ano do Ensino Fundamental, uma no 8º e outra no 9º.

Tabela: Idade x Escolaridade

Escolaridade 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos 19 anos
2ª Ano do Ensino Fundamental 1 1 1
3º Ano do Ensino Fundamental 1 1 1
4º Ano do Ensino Fundamental 1 1 1
5º Ano do Ensino Fundamental 2 4 2 2
6º Ano do Ensino Fundamental 1 6 2 4 3
7º Ano do Ensino Fundamental 1 3 2 2 2 1
8º Ano do Ensino Fundamental 1 2 1
9º Ano do Ensino Fundamental 1 2
1º Ano do Ensino Médio 2

Quadro 2 – Defasagem escolar

A defasagem escolar é um problema antigo na realidade brasileira e, também, se manifesta no adolescente em cumprimento de medida socioeducativa. Esta análise é importante para a reflexão em torno dos desafios que permeiam a educação no âmbito socioeducativo, principalmente porque as adolescentes encontram-se em situação de vulnerabilidade e risco social, com capacidade de defesa reduzida em consequência de um processo contínuo de exclusão social. Esses sujeitos, inúmeras vezes, só puderam ter acesso aos seus direitos após cometimento do ato infracional e inserção em medida socioeducativa. Estamos falando de direitos fundamentais tais como: saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura. Os fatores sociais que perpassam a realidade dos adolescentes comprometem a absorção do conhecimento e, infelizmente, essa é a realidade que esse público conhece.

Como se não bastassem todos esses desafios, durante o cumprimento da medida e no seio do espaço escolar, o aluno está sujeito a enfrentar o preconceito e os estereótipos que o norteiam perante o senso comum de julgá-lo como “infrator”. Durante esse trabalho, foi possível observar como a educação, ou a ausência dela, dificulta na inserção profissional desses jovens no mercado de trabalho.

Atualmente, o Brasil debate o tema da redução da maioridade penal sob a alegação que o adolescente é impune aos seus atos infracionais; como se as cidades brasileiras fossem, de fato, tornarem-se menos violentas a partir da redução. Além do perfil socioeconômico dos adolescentes, achamos pertinente ponderar os tipos de atos infracionais e suas reincidências, na finalidade de subsidiar o leitor para uma análise mais ampla do público em estudo.

Em nossa pesquisa, identificamos que entre as 55 adolescentes predomina o ato infracional análogo ao Art. 157 do código penal (caracterizado por grave ameaça, violência ou redução da impossibilidade de resistência da vítima, tendo agravantes e atenuantes) cometido por 25 adolescentes. Em segundo lugar, segue o tráfico de drogas, cometido por 14 adolescentes; em seguida, aparece o Art. 147, que se refere à ameaça, em que contabilizamos três adolescentes respondendo; após isso, o furto, cometido por três adolescentes; depois, tentativa de homicídio, cometido por uma adolescente e outros, tais como maus tratos, abandono de incapaz, lesão corporal, injúria. Registramos, também, o cometimento de novo ato após o acautelamento. Assim, obtendo o resultado de que não há informações no livro em relação a cinco adolescentes, duas delas cometeram novo ato dentro do Sistema Degase e 48 não cometeram atos infracionais estando no sistema.

Visto a tipologia dos atos infracionais cometidos pelas adolescentes, consideramos que o encarceramento precoce não reduziria a incidência de delitos. Portanto, a redução da maioridade penal não teria muita eficiência no que se refere à diminuição da violência e, sim, um maior investimento nas políticas sociais e uma maior e melhor atuação do Estado no atendimento de famílias que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social.

Na realização do trabalho, foram sugeridas aos juízes da infância e da juventude 14 progressões de medidas através da equipe técnica da unidade. Estas adolescentes foram encaminhadas para a medida de liberdade assistida, que consiste em permitir que a adolescente cumpra a sanção em sua residência de origem, local onde estão suas referências familiares e seus vínculos afetivos e de convivência. Essa medida é executada pelo CREAS desde a sua municipalização em 2007.

Um grupo de adolescentes chamou a atenção devido a constante entrada e saída no sistema e, através dessa vivência, realizamos algumas reflexões. A maioria delas não possui família, seja por abandono, orfandade ou até mesmo por estarem institucionalizadas há muito tempo em abrigos e, por consequência, destituídas do poder familiar ou em situação de rua. O grupo formado por 13 adolescentes possui peculiaridades bem definidas, como evadir da unidade e retornar constantemente para o sistema por apresentação espontânea, principalmente as que vivem em situação de rua. Isso acontece porque, quando evadem, é comunicado ao judiciário e o mesmo emite um documento denominado “mandado de busca”, destinado para todas as delegacias do Estado na finalidade de apreensão para que elas cumpram a medida designada. Ou, então, cometem novos atos.

Na oportunidade houve 18 evasões, sendo 13 adolescentes protagonistas de mais de uma evasão em um ano para ilustrar essa realidade. Temos uma adolescente que passou pela medida socioeducativa de semiliberdade oito vezes durante o período em que a pesquisa foi realizada. O fato é que mesmo essas compactuando do mesmo perfil das outras, que possuem casa e família, eslas apresentam uma escala de vulnerabilidade bem maior que as outras, já que entendemos que não se trata somente da fragilização dos vínculos familiares, mas da ausência do mesmo. Identificamos nessas adolescentes o descaso com a vida, a dificuldade no cumprimento de regras e a rejeição na imposição de limites e a violência como instrumento de linguagem. Em contrapartida, observamos total fragilidade, carência e angústia por sentir-se só, o que são características preponderantes do adolescente que vive em situação de rua.

Entrar na rua significa desenvolver um processo compensatório em relação às perdas e começar a usar outros recursos de sobrevivência, até então ignorados, e assimilar novas formas de organização que permitem a satisfação das necessidades e a superação dos obstáculos que a cidade apresenta. Entretanto, o que as tornam visíveis é justamente a situação de carência e deficiência, que caracterizam um novo modo de se vincularem ao contexto urbano. (VARANDA e ADORNO, 2004, p. 10).

            Outro desafio para atuação profissional é a presença do uso abusivo das drogas na realidade das adolescentes. Isso ocorre, pois além do histórico do uso de substâncias psicoativas antes da inserção na instituição, o confinamento semanal acaba por gerar ansiedade e angústias que, na maioria das vezes, são solucionadas pelo uso de tais substâncias, na finalidade de busca pelas sensações de prazer e de fuga da realidade que vivem. Com isso, as saídas da unidade nos finais de semana e as atividades externas tornam-se momentos oportunos para o consumo. Esses instantes também significam o contato e o acesso a drogas lícitas e ilícitas desencadeando em uso abusivo gradual podendo levar o adolescente a desenvolver a dependência.

A ingestão abusiva de álcool e drogas é um problema de saúde pública, pois permeia toda a sociedade. Apesar de mais intensivo entre as classes mais empobrecidas, tais elementos são passíveis de manifestação independentes de etnia, renda ou local de residência. Geralmente, o uso das drogas lícitas ou ilícitas se dá na adolescência e, portanto, buscam-se alternativas para o combate à dependência química nesta população.

Diante do exposto, podemos identificar que diversos são os fatores que urge a necessidade da intervenção profissional no contexto institucional. O assistente social é desafiado cotidianamente a lidar com as adversidades impostas pela estrutura social que vivemos.

É na tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados em um terreno movido por interesses sociais distintos e contraditórios, dos quais não é possível abstrair ou deles fugir, porque tecem a vida em sociedade (IAMAMOTO, 2010: P. 268).

Uma vez estabelecida sua função mediadora, o profissional desta área estará sujeito a lidar com as correlações de forças que se perpetuam das mais diversas formas nos espaços de atuação. Sendo assim, um dos princípios fundamentais do código de ética do assistente social é o posicionamento a favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática (Código de ética do Assistente Social, 2012, p. 127).

Considerações finais

As consequências do sistema capitalista se perpetuam de forma avassaladora em nossa sociedade. Assim, podemos identificá-las por meio da competitividade motivada pelo consumo desenfreado, pelo julgamento de valor não pelo que somos, mas pelo que possuímos, pelo individualismo e culto ao corpo exacerbado etc. Como aprendemos neste estudo, o sistema capitalista também corrobora para o desemprego, agudização da pobreza e da desigualdade social e, consequentemente, para o acirramento da questão social.

Na instituição que trabalhamos, identificamos como tais efeitos se apresentam na vida do adolescente que cumpre medida socioeducativa, através da ausência de oportunidade profissional, de acesso à educação de qualidade, da precariedade da rede pública de saúde e da violência como forma de linguagem, entre outras. Constatamos, a partir deste trabalho, que elas possuem pontos em comum: a fragilização dos direitos e a precariedade das políticas sociais.

As políticas sociais na forma como hoje se estruturam, no Brasil, não dão conta de solucionar, ou simplesmente amenizar, as mazelas postas no cotidiano da população, pelo contrário, com seu caráter seletivo, focalista e excludente alimentam e contribuem para que as desigualdades sociais continuem se perpetuando na sociedade. Isso pode ser constatado na realidade dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa, através da ausência de escolarização, do uso abusivo das drogas, do pertencimento a famílias tachadas de “desestruturadas”. Tais conceitos, reproduzidos pelo senso comum, fomentam a cada dia a criminalização da pobreza, em que as condições de vulnerabilidade social determinam a forma como tais sujeitos são vistos perante a sociedade. Assim, ainda que o sistema de medidas socioeducativas desenvolvesse um trabalho com padrão de excelência, o adolescente retorna para uma sociedade que continua a reproduzir seu ciclo perverso de desigualdades.

Identificamos, portanto, que o maior desafio do assistente social, neste contexto, está para além das condições materiais e físicas de trabalho, mas se insere no âmbito ideológico, através do desafio de viabilizar o acesso aos direitos que foram violados ao longo da história das adolescentes que passam pela Instituição aqui estudada.

Observamos que urge a necessidade da elaboração de estratégias que rompam com os processos de burocratização do trabalho, impostos pelo Poder Judiciário. Dessa forma, também, que as correlações de forças se manifestem através dos limites institucionais e que, enquanto perdurar o exercício da exploração de uma classe pela outra, não haverá transformação social significativa para a classe trabalhadora. Apesar da busca pelo ideário de nação civilizada se perpetuar ao longo da história brasileira, não atingimos sequer a supressão das necessidades básicas da população empobrecida. Ao contrário, ainda hoje compactuamos para a reprodução dos estereótipos que perpassam a marginalização dos mais empobrecidos.

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Notas de Rodapé:

[1] Assistente Social, Pós-graduanda do Curso de Serviço Social no Sistema Sociojurídico na Universidade Augusto Motta, email: [email protected]

Palavras Chaves

questão social; Adolescentes; Medida Socioeducativa; Políticas Sociais; Criminalização da Pobreza.