A Organização Social Dos Caixeiros Pela Educação Profissional Em São Luís

Resumo

Este artigo tem por objetivo reconstruir o processo de fundação da Escola Técnica do Comércio do Centro Caixeiral (ETCCC), produto da ação organizativa dos caixeiros (Denominação atribuída aos auxiliares do comércio, aos comerciários ou empregados de balcão comercial e armazéns da época. Não confundir com a figura do caixeiro-viajante, cujo termo era atribuído ao vendedor ambulante, que batia de porta em porta comercializando sua mercadoria.) de São Luís (MA), na passagem do século XIX para o século XX, materializada na “Sociedade Centro Caixeiral” (SCC). Para tanto, fizemos uso da pesquisa documental que integrou o acervo da Escola, constituído de atas, relatórios, estatutos, resoluções, decretos e correspondências. Também realizamos um levantamento de dados na Biblioteca e Arquivo Públicos do Estado do Maranhão, nos jornais da época como “Pacotilha” e no Diário Oficial do Estado, bem como através de microfilmes, já que muitos exemplares de determinados meses daquele período estavam faltando no Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado do Maranhão, órgão este encarregado, entre outros, pela impressão gráfica do Diário Oficial.

Artigo

A Organização Social Dos Caixeiros Pela Educação Profissional Em São Luís

 Alderico José Santos Almeida [1]

 

RESUMO

 Este artigo tem por objetivo reconstruir o processo de fundação da Escola Técnica do Comércio do Centro Caixeiral (ETCCC), produto da ação organizativa dos caixeiros (Denominação atribuída aos auxiliares do comércio, aos comerciários ou empregados de balcão comercial e armazéns da época. Não confundir com a figura do caixeiro-viajante, cujo termo era atribuído ao vendedor ambulante, que batia de porta em porta comercializando sua mercadoria.) de São Luís (MA), na passagem do século XIX para o século XX, materializada na “Sociedade Centro Caixeiral” (SCC). Para tanto, fizemos uso da pesquisa documental que integrou o acervo da Escola, constituído de atas, relatórios, estatutos, resoluções, decretos e correspondências. Também realizamos um levantamento de dados na Biblioteca e Arquivo Públicos do Estado do Maranhão, nos jornais da época como “Pacotilha” e no Diário Oficial do Estado, bem como através de microfilmes, já que muitos exemplares de determinados meses daquele período estavam faltando no Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado do Maranhão, órgão este encarregado, entre outros, pela impressão gráfica do Diário Oficial.

Palavras-chave: caixeiro. educação. luta social.


  1)O autor é Sociólogo e mestre em Ciência Política.

 METODOLOGIA

            Com relação ao material encontrado na “Sociedade Centro Caixeiral” (SCC)., trabalhamos com Atas referentes aos períodos de 1890 a 1894 e de 1923 a 1926, as quais encontravam-se disponíveis nos arquivos da Escola Técnica do Comércio do Centro Caixeiral (ETCCC). Notamos ainda a ausência de várias atas de alguns meses desses anos, além das referentes aos outros anos não mencionados.

            Com respeito aos Estatutos da SCC, esclarecemos que analisamos o que foi promulgado em dezembro de 1930 e publicado no Diário Oficial do Estado, em janeiro de 1931, tendo em vista que não foi possível localizar outros anteriores a esta data.

Realizamos, ainda, pesquisa bibliográfica em livros que tratam da temática comercial desse período como as obras de Jerônimo Viveiros, “História do Comércio do Maranhão” e “Sobrados e Mucambos” de Gilberto Freyre que dedica um capítulo aos caixeiros da cidade de Recife (PE), além do estudo, entre outros, da historiadora Socorro Cabral, o qual trata das questões educacionais daquele período.

           Constatamos a existência de uma bibliografia muito escassa sobre essa temática. Ao que nos parece, este é o primeiro trabalho científico que trata das relações sociais dos caixeiros em São Luís (MA).

Dessa forma, este artigo procura ainda resgatar o contexto sociocultural desse período, com ênfase nos aspectos econômico, político e educacional, tendo como objeto central do estudo a figura dos caixeiros e seus embates diante dos problemas que enfrentavam com os comerciantes e a elite local.

Nessa perspectiva, buscamos obter uma melhor compreensão das relações que se estabeleciam entre empregado e patrão e entre este e o poder político local. Pretendemos também conhecer algumas profissões e ofícios exigidos pelo mercado de trabalho desse período.

            Convém destacar que a luta do movimento social dos caixeiros por uma melhor qualificação profissional foi ensejada da não permissão ao descanso aos domingos e ao tempo livre à noite para se dedicarem aos estudos, o que culminou com a instalação de uma Escola Técnica do Comércio, cujos propósitos eram o de ocupar espaços de trabalhos mais dignos e serem reconhecidos e valorizados através da educação.

 PANORAMA POLÍTICO, ECONÔMICO E EDUCACIONAL DE SÃO LUÍS (SÉC.XIX)

            Quando, em 21 de janeiro de 1890, os empregados do comércio varejista do Centro Histórico de São Luís, então denominados “caixeiros” (hoje comerciários), resolveram fundar a “Sociedade Centro Caixeiral” (SCC), a grande preocupação e inquietação deles residia na resistência dos donos de estabelecimentos comerciais (então “comerciantes”, hoje empresários) em lhes conceder momentos livres a uma melhor qualificação profissional, através da educação formal.

            Diante do contexto sociopolítico daquela época – exploração da mão de obra, expansão de fábricas têxteis, o êxodo rural, a concentração de mercado no meio urbano, a supressão da relação senhor X escravo – os caixeiros já acreditavam que a “instrução”³ era a única via possível de proporcionar mobilidade social, o que ensejaria na melhoria da qualidade de suas vidas.

            Nessa época, a educação era privilégio de poucos. Os mais aquinhoados mandavam seus filhos estudar na Europa, tendo como referência a cidade de Coimbra, em Portugal. Também as cidades de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e Minas Gerais tinham a tradição de abrigar esses jovens nessa missão educacional.

            Quando os filhos desses grandes comerciantes retornavam à São Luís passavam a fazer parte de uma elite cultural da cidade e muito próspera financeiramente. Logo, a idéia que foi difundida nas últimas décadas do Império, era de que “a educação contribuía para o progresso material e de que a educação, impulsionando o homem ao trabalho, favorecia a promoção da riqueza das nações”, conforme descreve a historiadora Socorro Cabral. (CABRAL, 1984 p. 64).

³ O termo “instrução”, muito usado naquela época, correspondia à tarefa de ensinar e do aprender, com os fins voltados à obtenção de um ofício ou profissão, hoje análogo ao termo educação.

            Foi justamente baseado nessa retórica, muito disseminada na cultura local, que a categoria social dos caixeiros se apegou. Sob a influência dessas classes dominantes, os caixeiros internalizaram essa ideologia da prosperidade e poder, gerado no interior do processo educacional da época e aliaram a luta pelo descanso dominical com o projeto político de serem reconhecidos e valorizados por meio da educação e, através disso, terem mobilidade social e conquistarem uma qualidade de vida melhor.

            Ressalte-se que à época da fundação da SCC (1890), a educação por aqui estava de mal a pior. No jornal “Pacotilha”, de 23 de fevereiro de 1890 constava uma “Nota da Instrução Pública”, esclarecendo que havia sido constituída uma Comissão encarregada de elaborar um Plano de Reforma do Ensino e propor modificações necessárias à “Instrução”.

            Essa ação, ou intervenção, era consequência do quadro em que a “Instrução” se encontrava: descaso das autoridades, desmotivação de professores e métodos de ensino fora de sintonia com a realidade socioeconômica daquele período que, por sua vez, sentia os impactos das mudanças significativas, entre outras, geradas pela passagem do modelo rural agrícola para o urbano comercial.

            Os estabelecimentos de ensino mais expressivos em 1890, eram a Casa dos Educandos Artífices e os Conventos, além do Liceu; encontrando-se este com suas instalações em adiantado estado de precariedade, causando inclusive “náusea horripilante no governador”, conforme afirmou aquela “Nota”.

            Mesmo antes de sua criação oficial em 1838, o Liceu já havia passado por algumas experiências frustrantes por meio da “Instrução Pública do Maranhão”, quando foram incluídos dois cursos profissionalizantes (Marinha e Comércio), porém foram retirados do currículo no ano seguinte.

              Embora esses cursos fossem importantes para a geografia e a economia da cidade, tendo em vista a sua privilegiada posição portuária mais próxima da Europa em relação aos demais portos brasileiros, o que implicava no fluxo de transportes aquaviários e, consequentemente, de mercadorias, não encontramos nenhuma justificativa para a exclusão desses cursos profissionalizantes, o que nos leva a crer que essa decisão foi produto da gestão educacional daquele ano. Outra hipótese seria a falta de alunos para esses cursos em face das mudanças sociais ocorridas naquele período.

            Contudo, para quem trabalhava naquela época, a exemplo da categoria dos caixeiros, estudar, mesmo em São Luís, era um sonho quase impossível, haja vista o fato de trabalhar diuturnamente no balcão dos comércios, na tarefa de atender a clientela de negociantes e comerciantes procedentes principalmente do interior do estado e que não tinham hora para chegar nos comércios instalados no Centro Histórico de São Luís. Assim, as relações sociais que se estabeleciam entre empregado e patrão eram de subordinação, dominação, exploração e coerção.

           É certo que, mesmo com a promulgação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, a exploração da força de trabalho continuava no meio urbano, principalmente no comércio, onde o trabalhador não estava livre ainda das amarras do seu opressor: o negociante ou comerciante. Aliás, a idéia de “trabalhador livre” nos remete quase sempre aos escravos da época (os negros), mas as pessoas que trabalhavam no comércio (os caixeiros, de maioria branca) eram tão exploradas quanto aquele.

           O jornal “O País”, de 29 de maio de 1885, já descrevia o seu entendimento preconceituoso sobre o “trabalhador livre”:

O nosso homem livre é uma entidade que não existe economicamente falando; ou por que seja má a educação do nosso povo, ou porque sejam ineficazes nesta parte as nossas leis, o certo é que a nossa população livre vive ociosa e arredada do trabalho, causando danos e prejuízos aos proprietários. Analfabeta e sem a menor educação, sem hábito de trabalho, viciosa e malfeitosa, pode ser considerada verdadeiramente selvagem. (VIVEIROS, 1992, p. 555)

            Observa-se que as classes dominantes da época já dispunham de um aparelho ideológico para expressar seus adjetivos preconceituosos contra os trabalhadores, visando à construção de estigmas e estereótipos negativos, pois eram muito visíveis as dificuldades criadas para não possibilitar condições de oportunidades para o desenvolvimento intelectual dos comerciários, talvez por isso representar uma ameaça aos privilégios daquelas classes dominantes e ao processo de dominação.

               Por essa época, as condições de trabalho tanto nas fábricas como nos estabelecimentos comerciais varejistas eram extremamente precárias. Nestes, sequer havia descanso aos caixeiros, fossem domingos ou feriados.

            A exploração do comerciante com os caixeiros era tanta que sequer sobravam-lhes tempo para se relacionar com outras pessoas que não fosse para fins voltados às atividades comerciais.

            Na obra “Sobrados e Mucambos”, Gilberto Freyre reproduz do jornal “O Defensor do Commércio”, do Rio de Janeiro, alguns desses momentos vividos pelos caixeiros: “O miserável caixeiro preso ao balcão não tem licença para d’ali sahir, muitas vezes nem para ouvir missa, porque seu amo não quer perder o ganho que pode ter”.  Ao caixeiro não restava senão dizer à namorada (Freyre, 1977 p. 276):

Não posso, meu bem, não posso,

He impossível lá ir

Que o diabo do balcão

 Não me consente sahir.

            Dessa forma, não era simples coincidência o fato de os caixeiros, muitos deles procedentes de Portugal, trazidos pelos comerciantes portugueses, morarem nos altos das firmas comerciais e por lá acabar encontrando suas futuras esposas, cujas mulheres eram filhas, crias, sobrinhas ou afilhadas de seus patrões, o que acarretava no aumento da exploração da mão de obra por parte dos donos dos comércios e armazéns.

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS CAIXEIROS

            Apesar do advento da abolição do trabalho escravo, em maio de 1988, a burguesia maranhense insistia em continuar fazendo uso desse mecanismo para assegurar os seus privilégios. Vide o fato de os caixeiros terem se organizado para conquistar o repouso dominical e conseguido esse direito, em 14 de dezembro de 1889, por meio de Decreto assinado pela então Junta Provisória que governava o Maranhão.

              Eis o teor do Decreto:

Considerando que é legítima a pretensão das classes trabalhadoras de repousar aos domingos;

Considerando que tais dias são consagrados ao culto ou ao descanso em todos os países civilizados;

Considerando, enfim, que antigas posturas municipais, e em especial nesta capital, condenam e punem o trabalho que os patrões impõem a seus prepostos e operários, Decreta:

1º – É proibido expressamente o trabalho aos domingos em todo o Estado do Maranhão.

2º – Todos os armazéns de comércio em grosso e a retalho, lojas, oficinas industriais, quitandas e outros, conservar-se-ão fechados aos domingos sob pena de multa de 200$000 réis, aos donos dos estabelecimentos e mais prisão de 15 dias em caso de reincidência. Excetuam-se de tal regra os hotéis, restaurantes, farmácias, padarias e açougues, estas duas últimas até o meio dia.

                     Mas a alegria dos caixeiros durou só três dias, pois o tal Decreto foi anulado quando da nomeação do governador Pedro Augusto Tavares Júnior.

                    Diante desse fato, os caixeiros mudam de estratégia visando valer os seus legítimos direitos e passam a se organizar melhor para obter grande representatividade em sua luta.

                   Assim, iniciam um trabalho de mobilização junto aos seus pares  através de convocações em jornais para sucessivas reuniões com a categoria, cuja principal finalidade era a constituição de uma associação a qual representasse jurídica e socialmente os seus associados. Dessa forma, no dia 22 de dezembro de 1889 é publicada a seguinte nota no jornal “Pacotilha”:

 A classe dos empregados do comércio, a mais laboriosa de todas as outras, tem pleno direito de reclamar que se lhe conceda um dia de descanso em cada semana, já para esquecer por momentos as fatigas a que se submete durante seis dias consecutivos, como para dedicar-se mais a sua educação comercial, de modo a tornarem-se no futuro os membros – inteligentes –sustentáculos do comércio, essa parte ativa da sociedade a quem o país tanto deve (…)

                      Embalados por essa luta – o repouso dominical e a consequente diminuição da jornada de trabalho e da exploração do patrão, visando a obtenção de tempo para dedicarem-se aos estudos – os caixeiros organizaram-se em torno de uma “Sociedade Beneficente”, já difundida naquela época através de outras categorias profissionais como os estivadores, marítimos, músicos, tipógrafos; e fundam a “Sociedade Centro Caixeiral”, tendo como um de seus propósitos a criação de uma escola noturna.

                      Após várias convocações, os empregados do comércio, enfim, materializam a sua associação, conforme nota publicada em 22 de janeiro de 1890, no jornal “Pacotilha”:

Reunidos hontem diversos empregados do commércio resolveram fundar a creação d’uma associação de benefícios mútuos, sob a denominação de Centro Caixeiral. Foi aclamada a mesa provisória que ficou assim composta:

                                                 Mariano Pompílio Alves – Presidente

                                                  Raymundo Tribuzi – 1º Secretário

                                                  Leoncio J. Medeiros – 2º Secretário

                       Os supracitados membros da Associação receberam a incumbência de elaborar os estatutos do “Centro Caixeiral”, para depois submeterem à apreciação dos demais associados, cujo prazo ficou estabelecido para 09 de fevereiro daquele ano.

                     Após intensas discussões, finalmente, no dia 12 de fevereiro de 1890 são aprovados os seus estatutos e marcada a data da instalação do “Centro Caixeiral”, conforme descrito em nota publicada no dia seguinte no jornal “Pacotilha”:

 Centro Caixeiral

 Em sessão da sociedade – Centro Caixeiral – foram hontem à noite aprovados em redação definitiva os seus estatutos, deliberando-se que a sessão solene da sua instalação seja no dia 02 de março vindouro.

            Estava, assim, criado oficialmente em 02 de março de 1890 o “Centro Caixeiral”, cujo número de associados relacionados no Jornal “Pacotilha” de 1º de maço, era de 150 sócios, aparecendo como primeiro da lista o nome de Mariano Pompílio Alves e o último de Leoncio Ferreira Chaves.

             Destacamos de seus estatutos (título l – “Da sociedade e seus fins” – capítulo único, artigo primeiro) a seguinte redação:

A Sociedade Centro Caixeiral, fundada em 21 de janeiro de 1890 e instalada a 02 de março do mesmo anno, com sede na cidade de São Luiz, é uma instituição de previdência, beneficente, instructiva e protetora da classe caixeiral.

             Já no artigo terceiro, alínea “a”, descrevia que:

A Sociedade terá por fins:

Promover a união dos elementos individuaes que formam a classe dos auxiliares do commércio no Estado do Maranhão de modo a torná-la digna, respeitada e forte, pela instrucção, solidariedade, fraternidade e disciplina.

              Essa finalidade da criação oficial do movimento dos caixeiros nos remete ao lema da Revolução Francesa e nos dá a dimensão de sua funcionalidade e de seus embates.

               Naquele importante momento de fortalecimento da categoria, os caixeiros retomam a luta pelo descanso dominical e fazem gestão junto ao Intendente, Justo Chermont, para obtenção de seu pleito.

              Após várias articulações, o desejo da categoria é atendido. Porem, parte dos comerciantes se recusou a cumprir a determinação daquela autoridade municipal. Daí os caixeiros resolveram divulgar os nomes das firmas que descumpriram tal ordem.

                Apesar da pressão dos comerciantes/negociantes, a Intendência Municipal não cedeu e, tampouco, receberam apoio da diretoria da Associação Comercial do Maranhão.

                 O caso só foi encerrado em meados de 1890 quando, depois de sucessivas consultas feitas às autoridades do Estado, os caixeiros receberam um parecer favorável do governador.

                  Entretanto, como as necessidades sociais e previdenciárias dos caixeiros eram muitas e o Estado estava ausente no cumprimento do seu papel republicano, eles resolveram, então, fortalecer prioritariamente a “Sociedade” a partir de uma política previdenciária, em que consistia na assistência logística a eles (caixeiros) e às suas famílias, em caso de doença ou morte. Dessa forma, a “Sociedade” representava uma organização de caráter “beneficente, previdenciária, instrutiva e protetora dos caixeiros”, conforme descrevia seus estatutos.

            Para tanto, os caixeiros contribuíam com uma cota mensal, denominada de “joia”, para satisfazer seus interesses imediatos humanitários e, em médio prazo, a consolidação de seus propósitos educacionais.

            Além das cotas de seus sócios, a SCC sobrevivia das festas esporádicas que promovia, visando angariar fundos para a aquisição definitiva de sua sede. Sendo que mais tarde passou a receber, também, subvenções governamentais, o que possibilitou a aquisição definitiva de sua sede, em 28 de maio de 1910, localizada à Praça Benedito Leite, onde a escola instalou-se na área nobre do Centro Histórico de São Luís.

 O SURGIMENTO DA ESCOLA TÉCNICA DE COMÉRCIO DO CENTRO CAIXEIRAL

            Decorrido um ano de sua fundação e desfrutando de credibilidade junto à população, a Sociedade Centro Caixeiral parte para viabilizar a sua sede, até então funcionando na residência do seu presidente Raymundo Alves Tribuzi.

           Até conseguir chegar a sua sede própria e definitiva à Praça Benedicto Leite (sobrado de nº 02), a SCC se instalou em diversos locais de São Luís, a começar pelo prédio de nº 08 da rua da Palma, onde inicia, em 02 de março de 1891, as aulas noturnas para os caixeiros.

          No ano seguinte, em 1892, aluga um espaço maior à Rua do Sol, canto com São João, conforme relatos contidos na Ata de nº 40, de 30 de setembro de 1891. Ressalte-se que todas essas instalações da SCC ocorreram nas imediações do Centro Histórico de São Luís, local onde estava instalado o principal centro comercial da cidade, o que facilitava o deslocamento dos caixeiros do seu trabalho.

          Com o contrato encerrado desse prédio, após cinco anos, a SCC se instalou à Rua de Santana, dando continuidade às aulas ofertadas aos caixeiros e promovendo festas com o intuito de angariar recursos para aquisição de sua sede própria e definitiva, o que só foi ocorrer no ano de 1910, vinte anos após a sua fundação. Para tanto, o saldo de caixa à época era de 14.407$000 réis, mas teve de contar com as ajudas do seu presidente José Fernandes da Silva Malta e do sócio José da Cunha Santos Guimarães, os quais emprestaram, sem juros, 2.000$000 e 3.000$000 réis, respectivamente (VIVEIROS, pp. 128 e 129 v. 3).

           De acordo com a escritura de compra e venda lavrada em 28 de maio de 1910, às fls. 42 do Livro de Notas de nº 216, pelo tabelião Joaquim Pedro Machado, do Cartório de Imóveis do Dr. Adelman Corrêa, o valor da venda foi  Rs18:000$000 (dezoito contos de réis), do imóvel adquirido do Sr. Raimundo Gabriel Viana pela SCC, representada na ocasião pelo presidente José Fernandes da Silva Malta e pelo tesoureiro da entidade Júlio David Jacobsen.

          Estava assim estruturada a SCC e em condições de levar adiante as suas propostas e os seus propósitos. Dessa forma, cumprindo os dispositivos de seus estatutos, é criada oficialmente a escola dos caixeiros, sob a denominação de “Escola Técnica de Comércio do Centro Caixeiral” (ETCCC), em 02 de março de 1922, intensificando seus cursos profissionalizantes na área comercial, embora, por esse tempo, tenha havido extraoficialmente ocorrência de aulas, mesmo que de forma precária, voltadas para a área comercial.

            Convém esclarecer que o termo “aulas” era empregado para denominar o local onde era desenvolvido um saber, na maioria das vezes não estava estritamente relacionado a escola ou curso, sendo ministrado de forma avulsa. Não obedecia ao regime modular ou seriado.

            Com a criação oficial da escola, a instrução propedêutica passa a fazer parte de sua concepção pedagógica, cujo projeto educacional idealizado pela categoria dos caixeiros não visava apenas à busca por uma melhor qualificação profissional, mas, sobretudo, a de obter reconhecimento da sociedade por meio da instrução, o que pode, ao que parece, levar a um entendimento de ocorrência de disputa de classes sociais.

          Assim, com a proposta de ensino voltada para a área comercial, a ETCCC chegou a atingir o status de Escola Superior de Comércio, com o curso de Perito-Contador, sendo que esta denominação foi alterada para Contador, por meio de Decreto Lei Nº 1.535, de 23 de agosto de 1938. Tal curso foi equiparado ao curso superior de Ciências Contábeis, por meio do Decreto Lei Nº 7.988, de 22 de setembro de 1945, beneficiando, desse modo, todos os perito-contadores egressos dessa escola.

            Da primeira turma de Perito-Contador formada em dezembro de 1938, verificamos o nome, entre outros, de Waldemar da Silva Carvalho, o qual dedicou mais de meio século ao ensino comercial em São Luís, sendo uma das figuras mais respeitadas na área da educação, tendo dirigido por mais de duas décadas a “Academia do Comércio”, fundada em 23 de agosto de 1926, escola esta que surgiu como produto da dissidência que ocorreu na ETCCC, em razão de frequentes conflitos internos nesta, motivados, entre outras, por disputa de poder.

            Essa primeira turma de Perito-Contador iniciou com sessenta alunos. Mas, diante das dificuldades que a maioria dos alunos se defrontou, face ao elevado grau de complexidade e de dedicação que o curso exigia, somente nove alunos concluíram o curso.

            A grande preocupação demonstrada pela SCC (entidade mantenedora da ETCCC), desde a sua fundação, era com a formação profissional voltada para o “exercício de atividades específicas no comércio e, bem assim, de funções auxiliares de caráter administrativo nos negócios públicos e privados”, conforme atestam seus estatutos.

            O corpo docente da ETCCC era composto por professores mais bem qualificados e respeitados daquela época. Eram pessoas de notório saber nas suas respectivas áreas de conhecimento e que desfrutavam de excelente reputação por parte da sociedade de São Luís.

            Quanto ao corpo discente, este era formado por alunos que possuíam uma visão clara daquilo que almejavam. Pois verificamos que em vários momentos tomavam posições, no decorrer do processo educacional, diante de situações as quais não aceitavam, como: ausência de professores, a não contemplação do que estava disposto na matriz curricular e descumprimento de normas disciplinares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

             O grande diferencial da SCC de outras Sociedades Mutualistas de então residiu no fato de ter a educação como uma de suas prioridades. Para a SCC, a “instrução” representava um dos elementos fundamentais à formação moral e intelectual de seus associados. Acreditava que a base de todo o crescimento e valorização do homem estava na educação, de tal sorte que a categoria vislumbrava ser “respeitada e forte, pela instrução” e apostava na sua mobilidade social por essa via.

           O movimento social dos caixeiros e a sua forma de organização foram fundamentais na conquista não só ao repouso dominical, como também na consolidação do projeto assistencialista, previdenciário e educacional idealizado pela sua categoria social.

          Conforme relatório do Conselho de Administração da SCC, referente ao ano de 1958, apresentado à Assembleia Geral de 30 de janeiro de 1959, existiam 1380 sócios, sendo que deste total 01 faleceu e 08 foram eliminados por falta de pagamento, totalizando, assim, em 31 de dezembro de 1958, 1.371 sócios.

           É interessante destacar o progresso econômico-financeiro de muitos desses caixeiros. Ao que apontou nosso estudo, as uniões matrimoniais com as filhas, afilhadas, criadas ou sobrinhas dos comerciantes, contribuíram de certa forma para a materialização do projeto político-educacional da categoria dos caixeiros, haja vista que a figura do caixeiro passou a ser percebida com um novo olhar.

            Ao sair da condição de simples empregado do balcão o caixeiro passou a ter outras atribuições de confiança no comércio, impulsionada por essa nova relação que se estabelecia socialmente, o que ajudou na organização da sua categoria e na estruturação do seu projeto previdenciário e técnico-profissional.

          Entretanto, não se pode afirmar aqui que a mobilidade social ocorrida com muitos caixeiros nesse período, passando de empregado a gerente, ou mesmo dono do próprio negócio, foi conquistada graças a essas uniões matrimoniais.

           O que se pode abstrair, é que a questão da formação educacional do caixeiro foi muito importante para sua ascensão social, o que pode levar a uma compreensão de que tal fato só foi possível em razão de ter “herdado” o estabelecimento comercial do sogro, embora possa até, diante de outra interpretação, uma coisa ter dependido da outra.

           Daquela lista de primeiros sócios do “Centro Caixeiral”, identificamos nomes de alguns caixeiros que, após algumas décadas, tornaram-se industriais ou comerciantes bem sucedidos financeiramente e até mesmo políticos influentes, tais como: José da Cunha Santos Guimarães, Manoel Rodrigues D’Oliveira, Américo de Souza Guimarães, M. A. Gomes de Castro, Joaquim Antonio Pereira dos Santos, Heráclito Pires Seabra, Álvaro Borges de Queiroz, Pedro Alexandrino Cardoso, Joaquim Maria  Serra Martins e Arthur F. Coêlho D’Aguiar.

            É relevante que se faça o registro dos 403 anos de fundação da cidade de São Luís, completados em 08 de setembro de 2015, diante do fato de que, até a presente data, não se ter conhecimento de conquista tão importante na área da educação, com os fins voltados para os conhecimentos e saberes teóricos, como a luta deflagrada pelos caixeiros, através de um movimento social.

             Ademais, se for levado em consideração o contexto social, político e cultural daquele período, constataremos de forma bem explícita a bravura da categoria profissional dos empregados do comércio e, dessa forma, verificar que a questão educacional sempre foi percebida como privilégio daqueles que estão mais bem posicionados na pirâmide social, o que acaba desencadeando um processo constante de disputa entre classes sociais. A própria questão das cotas sociais e raciais no ensino superior público é um exemplo atual disso.

           Enquanto o Estado tenta corrigir as desigualdades educacionais no que diz respeito ao acesso ao ensino superior, por exemplo, através da implantação de políticas de ações afirmativas, a elite dominante esbraveja. Essa elite reivindica mais privilégios para seus filhos, deslocando-os do ensino básico privado para o superior público gratuito e de boa qualidade, impedindo que os desiguais – aqueles que não tiveram oportunidade de estudar em escolas privadas no ensino básico – sejam tratados desigualmente visando corrigir tal distorção.

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__________________________. Livro de atas da diretoria do Centro Caixeiral. Sessões de nº 249 a 277. De 07 jan. de 1901 a 05 fev. de              1902.

__________________________. Livro de atas da diretoria do Centro Caixieiral. Sessões de 29 de out. de 1925 a 23 de mai. De 1927.

VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão. Edição Fac-Similar. São Luís: Associação comercial do Maranhão, 1992, v. 1, 2 e 3.

WEBER, Max. Conceito e categorias de cidade. IN: O fenômeno urbano. Org. Otávio Guilherme Velho, Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

 

Palavras Chaves

caixeiro. educação. luta social.