A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA DE DESJUDICIALIZAÇÃO

Resumo

Com a ineficácia do sistema tradicional de justiça surgiu a necessidade de valer- se de institutos para garantir a tutela dos direitos dos cidadãos, notadamente no sentido de oportunizar um maior protagonismo e uma maior satisfação das partes. O artigo que ora se apresenta visa a explanar o instituto da recuperação extrajudicial como um meio adequado de resolução de conflitos, o qual permite a negociação direta, sem intervenção estatal, dos devedores com seus credores, sendo facultada a homologação judicial. A escolha do tema justifica-se pela necessidade de discutir meios de enfrentar a crise econômica financeira que assola o país de forma célere, menos custosa, que leve em consideração as peculiaridades das partes. Para tanto, o presente artigo lançou mão do método indutivo e pesquisa bibliográfica, aplicada e de abordagem qualitativa, abordando o instituto da recuperação extrajudicial, a sua efetividade, vantagens e sua aplicação como forma de desjudicialização dos conflitos na seara empresarial.

Artigo

A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA DE DESJUDICIALIZAÇÃO

 

Leonardo Ranieri Lima Melo1

Macela Nunes Leal2

RESUMO: Com a ineficácia do sistema tradicional de justiça surgiu a necessidade de valer- se de institutos para garantir a tutela dos direitos dos cidadãos, notadamente no sentido de oportunizar um maior protagonismo e uma maior satisfação das partes. O artigo que ora se apresenta visa a explanar o instituto da recuperação extrajudicial como um meio adequado de resolução de conflitos, o qual permite a negociação direta, sem intervenção estatal, dos devedores com seus credores, sendo facultada a homologação judicial. A escolha do tema justifica-se pela necessidade de discutir meios de enfrentar a crise econômica financeira que assola o país de forma célere, menos custosa, que leve em consideração as peculiaridades das partes. Para tanto, o presente artigo lançou mão do método indutivo e pesquisa bibliográfica, aplicada e de abordagem qualitativa, abordando o instituto da recuperação extrajudicial, a sua efetividade, vantagens e sua aplicação como forma de desjudicialização dos conflitos na seara empresarial.

Palavras-chaves: Recuperação Extrajudicial; Resolução de conflitos; Desjudicialização

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA E OS MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS. 2. A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA ADEQUADA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 INTRODUÇÃO

 O presente trabalho tem como título “A recuperação extrajudicial como forma de desjudicialização”, destacando tal instituto como meio adequado de solução de conflitos.

Inicialmente, faremos uma análise do atual cenário de resolução de conflitos, ainda bastante atrelado à solução adjudicada, ou seja, centrado do protagonismo exclusivo do Poder Judiciário como via primária de resolução de conflitos.

Nesse diapasão, o estudo analisará o papel do Poder Judiciário brasileiro que passa por uma grave crise e dá sinais de esgotamento, não dando mais conta do contingente de demandas a ele submetidas, razão pela qual propõe-se um olhar mais atento para a utilização de outros métodos de solução de conflitos tais como a negociação, a conciliação, mediação, dentre outras soluções extrajudiciais.

Trataremos, ainda, da aplicação da recuperação extrajudicial e sua efetividade, notadamente considerando a legislação atinente à matéria e as vantagens em relação à recuperação judicial.

Cumpre destacar que a utilização da recuperação extrajudicial, conforme preceitua o art. 47 da Lei n°.11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falência), tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Compromete-se, ainda, a demonstrar as vantagens da recuperação extrajudicial em face da recuperação judicial, mormente pela celeridade, baixo custo e a possibilidade de criação de soluções criativas, considerando as particularidades dos atores envolvidos, sempre tendo em mira a manutenção da atividade empresarial, ou seja, todos saem ganhando.

1.      CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA E OS MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

 Não há dúvidas de que o Judiciário brasileiro vive um verdadeiro colapso. Isso porque durante muito tempo vigorou, sob a perspectiva da resolução de conflitos, a lógica  adversarial, assentada na dualidade ganhar e perder. Segundo tal lógica, as partes são adversárias e a única forma de resolver os conflitos é submeter a lide ao crivo do Poder Judiciário.

Nesta senda, o Judiciário ganhou papel de destaque sendo considerado a via primária de resolução de conflitos, de forma que diante de uma situação conflitiva cristalizou-se a ideia de que somente esse Poder era o detentor de aplicar o direito no caso concreto, dando azo à famigerada “cultura de sentença”.

Dessa forma, a regra passou a ser a solução adjudicada da resolução de conflitos, em detrimento de outras possibilidades de gestão de conflitos, tais como a negociação, conciliação e mediação.

Importante destacar, igualmente, que a Constituição Federal de 1988, inseriu em seu texto várias normas de conteúdo programático, funcionando, dessa forma, como comandos normativos na implementação de novos direitos.

A incorporação de direitos sociais é um traço marcante do Estado Social, como o Brasil, em que a ideia de justiça social é “materializada a partir de prestações positivas do Poder Público, que se obriga a extirpar as desigualdades sociais (e regionais), assim implementando direitos que atendam às necessidades mais candentes do povo”, destaca Oliveira Neto (2016, p.35) .[1] 1] Oliveira Neto, E. S. (2016). Fundamentos do acesso à Justiça: conteúdo e alcance da garantia fundamental. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

No Estado Social, o Estado assume a função de garantidor de tais direitos. Ocorre que a não implementação ou efetivação desses direitos gera uma frustação por partes dos usuários do sistema de justiça, de forma que em caso de negativa ou insatisfação socorrem-se do Poder Judiciário, invocando, para tanto, o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A judicialização excessiva, por sua vez, provocou um verdadeiro colapso no Poder Judiciário, o qual encontra-se congestionado e inoperante, incapaz de satisfazer a todos que o procuram.

Nesse sentir, a nossa proposta é um olhar mais atento ao chamado Multi-door Dispute Resolution Division. Trata-se de nomenclatura importada dos Estados Unidos, criada por Frank Sander, onde propõe-se a criação de centros de resolução de conflitos com o intuito de se fazer uma triagem para fazer o encaminhamento do procedimento mais adequado ao caso concreto.

Tal modelo ganhou força no Brasil a partir da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça a qual instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos evocando a ampliação do conceito de acesso à justiça, levando em consideração o tratamento adequado dos conflitos e a operacionalidade da justiça, sobretudo ao estimular a solução consensual através dos meios compositivos tais como a negociação, a conciliação e a mediação.

Destaque-se, ainda, a edição da Lei nº 13.140/2015, a qual dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública e a Lei nº 13.140/2015, Código de Processo Civil, o qual inovou ao reconhecer os negócios jurídicos processuais atípicos através da cláusula geral de negociação, além de estimular a adoção dos meios autocompositivos.

Não se deve olvidar das inúmeras alterações que representaram um verdadeiro estímulo às soluções extrajudiciais, tais como: Retificação extrajudicial de registro imobiliário (Lei nº 10.931/2004); Divórcio e Inventário extrajudiciais (Lei 11.441/2007); Usucapião extrajudicial (art.216-A, Lei nº 6.015/1973); Mediação e Conciliação nos cartórios (Provimento nº 67, CNJ).

Registramos, outrossim, o instituto da recuperação extrajudicial como meio adequado de solução de conflitos e, consequentemente, importante aliado no movimento da desjudicialização.

Ao optar pela recuperação extrajudicial, credores e devedores tem a oportunidade de fazer uso da negociação direta no propósito de ajustarem seus interesses e necessidades de forma célere, menos desgastante e com redução de custos.

A negociação é uma forma das partes resolverem seus conflitos de forma direta, isto é, sem a intervenção de um terceiro. Tal método destina-se a solucionar conflitos das mais diversas naturezas. Uma das formas de obter êxito em uma negociação é descobrir interesses comuns e fixar critérios objetivos para em momento posterior criar opções de ganhos mútuos.

2.      A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA ADEQUADA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

 A recuperação extrajudicial se apresenta como um mecanismo alternativo e prévio à recuperação judicial, o qual permite a negociação direta entre devedores e credores, sem a intervenção estatal, sendo facultado a estes a homologação judicial. Através da negociação, as partes têm a oportunidade de ajustar novas condições de pagamento, segundo a autonomia de vontade destas, customizando, dessa forma, uma solução para a controvérsia.

Com o advento da Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência é possível a renegociação global das dívidas favorecendo, assim, a continuidade das atividades empresarias em tempos de crise econômica financeira, vez que ao prever e disciplinar o procedimento da recuperação extrajudicial, ela cria as condições para a atuação da lógica do mercado na superação de crises nas empresas em crise”. (COSTA apud COELHO, 2017, p. 01).

Através da recuperação extrajudicial é possível uma reestruturação de dívidas, através da cooperação entre credores e devedores, com vista a equalizar os interesses de ambos, quais sejam, a satisfação do crédito e a manutenção da atividade empresarial. Assim sendo, não havendo nenhum impedimento legal e diante de um cenário de crise econômica financeira da empresa, convém analisar a possibilidade de encaminhamento à recuperação extrajudicial.

Não se submetem à Recuperação Extrajudicial os créditos de natureza tributária, bem como os derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho. Da mesma forma restam excluídos os créditos relativos à adiantamento de contrato de câmbio para exportação, bem como os chamados créditos extra concursais, previstos no §3º do artigo 491 da referida lei.

Como já relatado anteriormente, a realidade atual do Poder Judiciário é de lentidão na tramitação dos processos, além do custo elevado, somado a isso verifica-se que na solução adjudicada os interesses e necessidades das partes muitas vezes não são levados em consideração, razão pela qual a utilização de meios adequados de gestão de conflitos se revela bastante vantajosa.

Ao optar pela recuperação extrajudicial tem-se inúmeras vantagens, dentre as quais destacamos a customização do acordo, conforme as especificidades do tipo de atividade desenvolvida, do desenho passivo da empresa, além de tratar-se de um procedimento autônomo, sem qualquer vinculação ao Poder Judiciário, o que representa um avanço rumo à desjudicialização, empoderando os envolvidos para que eles próprios sejam os protagonistas na solução de seus conflitos.

Para requerer a homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial é necessária a observância de alguns requisitos, quais sejam: Exercer atividade empresária há no mínimo 2 anos; Se falido, ter obtido sentença declarando extintas as obrigações daí decorrentes; O administrador ou sócio controlador não pode ter sido condenado por crime falimentar; Não pode ter obtido o benefício da recuperação judicial nem homologação de plano de recuperação extrajudicial nos últimos 5 anos; Não pode ter obtido o benefício da recuperação judicial especial (para ME/ EPP) nos últimos 8 anos.

Ademais, faz-se necessário observar os princípios norteadores da recuperação, tais como o Princípio do Par Conditio Creditorum, o qual todos os credores devem ter igualdade de condições para receber seus créditos, o Princípio da Vinculação Patrimonial, segundo o qual todos os bens e direitos do devedor ficam afetados para que haja o efetivo pagamento dos credores; Da Maximização dos Ativos e Preservação da Empres, em que os ativos devem ser alienados de maneira ótima, a fim de que se atinja o maior montante para a satisfação dos créditos , como o máximo o aproveitamento dos fatores de produção para a produção de riqueza para a economia, preservando postos de trabalho, recolhimento de tributos.

CONCLUSÃO

 À luz do exposto chegamos à conclusão de que a recuperação extrajudicial se afigura uma forma de desjudicialização, na medida em que constitui um mecanismo de resolução de conflitos entre credores e devedores no âmbito empresarial, sem qualquer vinculação ao Poder Judiciário.

A recuperação extrajudicial faz uso da negociação direta, método de solução de conflito em que as partes negociam seus interesses diretamente, sem intervenção de qualquer terceiro, ajustando os seus interesses e necessidades de acordo com suas particularidades, customizando, assim a solução para seu conflito.

Através da recuperação extrajudicial é possível equalizar os interesses envolvidos, quais seja, a satisfação do crédito e a manutenção da atividade empresarial, tendo em mira a saúde financeira da empresa e observando as disposição legais atinentes à matéria.

Dentre os benefícios da utilização da recuperação extrajudicial podemos destacar a celeridade, o baixo custo, o maior empoderamento das partes e a regular manutenção da atividade empresarial, fatores tão caros notadamente em época de crise econômica financeira.

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Palavras Chaves

Recuperação Extrajudicial; Resolução de conflitos; Desjudicialização