AS BOAS PRÁTICAS ADOTADAS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES NA COMARCA DE TRÊS RIOS/RJ MEDIAÇÃO E GRUPO REFLEXIVO – EM BUSCA DA PACIFICAÇÃO SOCIAL

Resumo

O presente artigo aborda os meios de resolução de conflitos familiares do Direito de Família, bem como os conflitos envolvendo violência doméstica, que embora esteja no campo do Direito Penal, por se tratar de crime, não deixa de ser um problema familiar. Analisa o instituto da Mediação e a prática do Grupo Reflexivo, na busca de uma justiça restaurativa para autores de violência doméstica, a fim de analisar os impactos dessas ações no contexto social da Cidade em busca da pacificação nos ambientes familiares. O estudo trata, inicialmente, do Instituto da Mediação aplicado no Município de Três Rios, sua evolução, questões relevantes, seus princípios e sua prática no âmbito da Cidade. Em seguida o trabalho dispõe sobre a questão da violência contra a mulher em Três Rios, com análise dos dados estatísticos, apresentação dos Projetos Guardiões da Vida, desempenhado pela Polícia Militar local, e do Grupo Reflexivo, voltado para autores de violência doméstica, aplicado como medida restaurativa pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Três Rios. O estudo leva a conclusão de que a pacificação dos casos específicos de conflitos de famílias, bem como de violência contra as mulheres é possível a partir da reprodução das boas práticas do município de Três Rios para outras cidades brasileiras, no que tange a aplicação de projetos por diferentes Poderes, interligados entre si, na busca da pacificação social para conflitos familiares.

Artigo

AS BOAS PRÁTICAS ADOTADAS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES NA COMARCA DE TRÊS RIOS/RJ
MEDIAÇÃO E GRUPO REFLEXIVO – EM BUSCA DA PACIFICAÇÃO SOCIAL

Aline Goudard de Freitas Guimarães

Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ nº 137.471). Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes/RJ.  Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. e-mail: [email protected]

Márcio dos Santos Guimarães

Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho e Professor e Coordenador do Curso de Administração da Faculdade UNIVÉRTIX – Três Rios.

RESUMO

 O presente artigo aborda os meios de resolução de conflitos familiares do Direito de Família, bem como os conflitos envolvendo violência doméstica, que embora esteja no campo do Direito Penal, por se tratar de crime, não deixa de ser um problema familiar. Analisa o instituto da Mediação e a prática do Grupo Reflexivo, na busca de uma justiça restaurativa para autores de violência doméstica, a fim de analisar os impactos dessas ações no contexto social da Cidade em busca da pacificação nos ambientes familiares. O estudo trata, inicialmente, do Instituto da Mediação aplicado no Município de Três Rios, sua evolução, questões relevantes, seus princípios e sua prática no âmbito da Cidade. Em seguida o trabalho dispõe sobre a questão da violência contra a mulher em Três Rios, com análise dos dados estatísticos, apresentação dos Projetos Guardiões da Vida, desempenhado pela Polícia Militar local, e do Grupo Reflexivo, voltado para autores de violência doméstica, aplicado como medida restaurativa pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Três Rios. O estudo leva a conclusão de que a pacificação dos casos específicos de conflitos de famílias, bem como de violência contra as mulheres é possível a partir da reprodução das boas práticas do município de Três Rios para outras cidades brasileiras, no que tange a aplicação de projetos por diferentes Poderes, interligados entre si, na busca da pacificação social para conflitos familiares.

Palavras-chave: mediação, família, meios de solução de conflitos, violência doméstica, pacificação social, projetos sociais.

 1.    INTRODUÇÃO

      O novo Código de Processo Civil, em todo o seu texto legal, incentiva a conciliação e a mediação entre as partes. O artigo terceiro frisa o dever do Poder Público, sendo os três poderes, e dos sujeitos processuais (juízes, advogados públicos e privados, defensores e promotores públicos) a estimular as partes a resolver consensualmente o conflito. Desse modo, deixa claro que a busca pela resolução consensual e amigável, é um dever de todos, e não apenas do Estado.

     No procedimento comum do novo Código de Processo Civil, o primeiro ato do processo após a petição inicial é a designação de audiência de conciliação ou mediação, que ocorre antes da apresentação de resposta pelo réu. (art. 334, NCPC).

     A mediação é uma das formas alternativas de autocomposição na qual as partes em litígio são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um conjunto de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição.

     Trata‑se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as pessoas em conflito, habilitando‑as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades. (CNJ, 2015, p.20).

     Mediação é uma negociação intermediada por alguém imparcial que favorece e organiza a comunicação entre os envolvidos no conflito. De acordo com o Código de Processo Civil, o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará os interessados na compreensão das questões e dos interesses em conflito, de modo que possam, por si próprios, mediante o restabelecimento da comunicação, identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (art. 165, § 3º NCPC).

     A mediação familiar vem como uma via alternativa para a resolução de conflitos, os quais com o auxílio de um terceiro imparcial, o mediador, são resolvidos com mais rapidez e satisfação para as partes envolvidas, uma vez que os interesses individuais e privados cederam espaço a uma regulamentação marcada pelo interesse público. O coletivo, no campo da ordenação jurídica do Direito de Família, suplantou o individual. (FILHO, 2011, documento eletrônico)

     Dentro desta visão do Direito de Família se voltar para os interesses de ordem pública, encontram-se as bases da cidadania, ou seja, os cidadãos do núcleo familiar exercem seus direitos de forma a não lesar a coletividade, visando, assim, a verdadeira pacificação social.

     Segundo a Magistrada Exma. Elen Barbosa (2019), a mediação em conflitos familiares começou a ser aplicada antes mesmo do advento da Lei de Mediação nº 13.140/2015 no Município de Três Rios. A experiência prática desta atividade na Comarca, iniciada em 26 de abril de 2010, colaborou com a redação da Instrução Normativa nº125 do CNJ que criou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.

     No intuito de atenuar os conflitos familiares, seja de cunho patrimonial, social ou de violência na Cidade de Três Rios, e tendo em vista a nova concepção de ajuda mútua, alguns entes públicos implementaram projetos, visando a redução de conflitos e a busca da segurança social para toda a comunidade, além do instituto da Mediação no âmbito do direito de família já aplicados na Comarca.

     Historicamente os casos de violência contra a mulher permeiam noticiários de forma corriqueira, este abuso se arrasta por longo período de tempo, em várias etnias e posições sociais (Dossiê Mulher, 2019). As desigualdades sociais, econômicas e políticas estruturais entre homens e mulheres, a diferenciação de papéis impostos pela cultura machista, as noções fictícias de domínio e à honra masculina estão enraizados, infelizmente, por toda sociedade. Seu impacto não se observa apenas no âmbito individual, mas implica perdas para a segurança pública, bem como para o bem-estar de toda a comunidade, revelando-se verdadeira afronta aos direitos humanos. (CANEZIN, et al., 2017).

     No Estado do Rio de Janeiro os números relativos à violência doméstica se mostram alarmantes, com uma média de uma mulher violentada a cada 50 (cinqüenta) minutos. Na cidade de Três Rios a história não é diferente, também apresentando números alarmantes de violência doméstica, na medida em que a sociedade e o poder público passaram a incentivar as denúncias e alguns mecanismos de apoio à mulher vítima de violência foram implementados. (Dossiê Mulher, 2019, documento eletrônico).

     Avanços consideráveis no estudo do Direito de Família, nos últimos anos, trouxeram a possibilidade de ampliação de aliados às disciplinas não-jurídicas, mas que integram as Ciências Humanas e/ou Sociais Aplicadas. Assim, os profissionais do direito têm-se conscientizado de que precisam de assistência de outros profissionais para auxiliarem na resolução de conflitos entre os familiares. Portanto, passou-se de uma visão estritamente jurídica deste campo do direito, que se preocupava exclusivamente com o processo legal; para uma visão mais ampla que engloba, além da área legal, a psicológica e a sociológica (GRIGOLETO, 2011, documento eletrônico).

     Neste sentido o estudo é divido em duas partes. Inicialmente, analisa-se o Instituto da Mediação, sua evolução, questões relevantes, seus princípios e sua prática no âmbito da Cidade de Três Rios. Em seguida pondera-se sobre a violência contra a mulher no município, com análise dos dados estatísticos, apresentação dos Projetos Guardiões da Vida, desempenhado pela Polícia Militar local, e do Grupo Reflexivo, voltado para autores de violência doméstica, aplicado como medida restaurativa pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Três Rios.

     O presente estudo torna-se relevante na medida em que se verifica a possibilidade da reprodução das boas práticas do município de Três Rios para outras cidades brasileiras no que tange a aplicação projetos por diferentes Poderes, interligados entre si, na busca da pacificação social para conflitos familiares.

     Cabe ressaltar que pelo meio tradicional de solução de litígios, via Poder Judiciário, há apenas a solução da divergência, não havendo a resolução da questão afetiva, sentimental, psicológica entre as partes, sendo que, com a mediação e com o grupo reflexivo, o objetivo é o entendimento entre os envolvidos, em todos os sentidos.

     Neste sentido, é importante analisarmos os projetos implementados no âmbito municipal como fonte de inspiração para outros municípios do Estado do Rio de Janeiro que tenham características semelhantes à cidade de Três Rios. Portanto, O presente estudo buscou levantar os principais projetos e seus dados relacionados à solução de conflitos familiares aplicados na Comarca de Três Rios.

     O estudo teve como objetivo identificar as boas práticas realizadas na cidade de Três Rios que tenham impactado positivamente na pacificação de conflitos familiares, analisar a prática e os dados da aplicabilidade do instituto da mediação em casos de conflitos familiares e a prática do Grupo Reflexivo, na busca de uma justiça restaurativa para autores de violência doméstica, e identificar os impactos dessas ações no contexto social da Cidade em busca da resolução pacífica de conflitos familiares.

     Foram realizadas pesquisas bibliográficas, entrevistas e aplicados questionários visando o esclarecimento de questões sobre dois assuntos relacionados, primeiramente o Instituto da Mediação, sua evolução, questões relevantes, seus princípios e sua prática no âmbito da Comarca de Três Rios e, em seguida, a questão da violência contra a mulher no município.

     No dia 14 de abril de 2019 foram entrevistadas a Excelentíssima Juíza Doutora Elen de Freitas Barbosa, diretora do Fórum da Comarca de Três Rios, a Doutora Márcia Cunha Miranda, Coordenadora do Grupo Reflexivo e a Doutora Luiza Helena Correa, Coordenadora do Núcleo Jurídico de Mediação. No dia 15 de abril de 2019 foi entrevistado o Tenente Coronel Márcio dos Santos Guimarães da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela implantação do Projeto Guardiões da Vida enquanto esteve no como Comandante do 38º Batalhão da Polícia Militar em Três Rios.

     Também foram realizados o levantamento e a análise dos dados estatísticos do projeto Guardiões da Vida, desempenhado pela Polícia Militar local, e do Grupo Reflexivo, voltado para autores de violência doméstica, aplicado como medida restaurativa pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Três Rios.

     Dessa forma, são apresentados a seguir o desenvolvimento do estudo, as dificuldades enfrentadas e os resultados alcançados que visam contribuir com a publicidade das boas práticas no âmbito do sistema judiciário por vias acadêmicas.

2.        A MEDIAÇÃO COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES NO MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS/RJ

 2.1 UM BREVE HISTÓRICO

     O Direito de Família é considerado, ao longo dos anos, um dos ramos do Direito onde há maior intervenção do Estado, a julgar pelo interesse público na tutela da família. Tal intervenção, historicamente, sempre se deu a partir da aplicação de normas de públicas que regulavam, e, ainda regulam o instituto, de forma diversa e muito lenta (ALVES[1], 2010, p. 154 apud LIMA, 2017. p. 9).

     Quando aparecem conflitos dentro do núcleo familiar, e o diálogo entre seus membros já não é mais capaz de resolvê-los, surge à necessidade de se buscar uma alternativa para a solução destes problemas visando solucionar o conflito e manter o vínculo familiar saudável. A mediação apresenta-se como uma alternativa à resolução de litígios, por intermédio de uma terceira pessoa neutra que tem a função de organizar a conversa entre as partes envolvidas. (LIMA, 2017, documento eletrônico).

     A aplicação do instituto da mediação em conflitos familiares começou a ser aplicada, no município de Três Rios, antes mesmo do advento da Lei de Mediação nº 13.140/2015. A experiência prática desta atividade na Comarca, iniciada em 26 de abril de 2010, colaborou com a redação da Instrução Normativa nº125 do CNJ que criou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário brasileiro (BARBOSA, 2019, entrevista).

2.2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO

     A mediação é um processo de livre autonomia e consensual que oferece àqueles que estão em conflito familiar, a oportunidade e o espaço adequados para solucionar questões relativas a sustento e guarda de crianças, separação, pagamento de pensões, visitação, divisão de bens e outras matérias, especialmente as de interesse familiar. As partes poderão conversar, expor suas opiniões e desejos, e terão uma oportunidade de solucionar as questões importantes de um modo cooperativo e construtivo. O objetivo da mediação é prestar auxílio na obtenção de acordos, num ambiente colaborativo em que as partes possam dialogar produtivamente sobre suas necessidades e de seus filhos (LIMA, 2017, documento eletrônico).

     O objetivo da mediação não é simplesmente obter um acordo, mas provocar o diálogo entre as partes, com o intuito de aproximá-las, para que elas cheguem à solução do conflito de modo satisfatório para ambas. Assim, “o acordo passa a ser a consequência lógica, resultante de um bom trabalho de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento, e não sua premissa básica”. (SAMPAIO, 2007, p. 20)

     Francisco José Cahali (2012, p. 57) diz que:

 “a mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito”.

     O jurista José Cretella Neto nos ensina que a  mediação busca,  em um primeiro momento, colocar as partes diante uma da outra, e, em  um segundo momento “o mediador propõe as bases para o desenvolvimento das negociações e intervém durante todo o processo, com o objetivo de concitar as partes a aproximar seus pontos de vista sem, contudo, impor uma solução”. (NETO, 2004, p.3)

     Desta forma, o mediador poderá atuar de forma ativa, propondo soluções ao conflito, e de forma passiva, limitando-se a observar, orientar e auxiliar as partes na busca do fim da controvérsia.

      Cabe ao mediador, portanto, detectar o que originou a controvérsia, bem como verificar a personalidade dos envolvidos, a fim de encontrar a melhor maneira de auxiliá-los a resolver o conflito, de modo a atender os interesses e as necessidades de ambos. (CAHALI, p. 59).

2.3. PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO

     A mediação, como meio de solução de controvérsias, submete-se não só aos princípios gerais do direito, como também a princípios próprios. Vejamos o que diz o Código de Processo Civil no seu artigo 166 e a Lei nº 13.140/2015 em seu artigo 2º, respectivamente:

Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:

I – imparcialidade do mediador;

II – isonomia entre as partes;

III – oralidade;

IV – informalidade;

V – autonomia da vontade das partes;

VI – busca do consenso;

VII – confidencialidade;

VIII – boa-fé.

2.3.1. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA

     O princípio está ligado ao pressuposto de que o mediador deve permanecer neutro, imparcial e equidistante das partes durante todo o procedimento.

     O mediador é obrigado a revelar às partes qualquer fato que gerar dúvida acerca de sua independência. Deve procurar ser o mais claro possível com as partes, prestando esclarecimentos de circunstâncias que possam causar desconfiança, no decurso de todo o processo.

     Porém, tendo em vista que nesse instituto a autonomia da vontade é uma das premissas, uma vez cientes das situações que dizem respeito ao mediador, nada impede que as partes o aceitem.

2.3.2.   PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

     Importante princípio na atividade jurídica, também é um dos pilares da atividade do mediador.

     A imparcialidade impõe ao mediador a atuação de maneira neutra, isonômica, sem aplicar a qualquer uma das partes, preferências, favorecimentos ou tratamento diferenciado. O mediador não pode se deixar sucumbir por seus valores pessoais, deve garantir o equilíbrio de poder entre as partes. (SAMPAIO; NETO; 2017, p. 35)

    Entretanto, se a imparcialidade estiver comprometida, o processo de mediação restará inválido. Sendo assim, o mediador não deve ter nenhum tipo interesse próprio em relação ao conflito, não pode aconselhar, defender ou representar nenhuma das partes, sob pena de violação desse princípio.[2]

2.3.3. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

     O referido princípio deve ser observado durante todo o procedimento na mediação de forma prioritária. Isso porque são as partes que consensualmente e voluntariamente, escolhem esse instituto para solucionar seus conflitos, escolhem os mediadores, escolhem os assuntos a serem tratados, definem as regras processuais e decidem quando se dá por encerrada a mediação. Ou seja, a mediação é inteiramente conduzida pelas partes, ao mediador cabe a postura de auxiliador dos mediados (DALE, 2017, documento eletrônico).

2.3.4. PRINCÍPIO DA CONFIDENCIALIDADE

          Sobre o princípio da confidencialidade reza o artigo 30 e o parágrafo 1º da Lei 13.140/2015:

Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.

  • 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação…

     Esse princípio tão importante além de estar presente na Lei de Mediação, também encontra abrigo no parágrafo 1º do artigo 166 do Código de Processo Civil: “A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes”. Ele busca garantir que as partes tenham total confiança no mediador, de tal maneira que se sentirão à vontade para revelar o que precisarem, sem a preocupação do que foi discutido seja divulgado.

     Porém, esse princípio não é absoluto, visto que as próprias partes podem divulgá-lo se desejarem e se o que for discutido na mediação violar a ordem pública, como descrito no parágrafo 3º do artigo 30 da Lei de Mediação: “Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.”

2.3.5. PRINCÍPIO DA ORALIDADE

      Levando em consideração que a mediação é uma conversa intermediada por um terceiro imparcial que conduzirá o procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito, o princípio da oralidade é um dos pilares deste instituto, pois as partes devem expressar de forma inequívoca a autonomia de vontade para o início do processo, é imprescindível na instrução processual (GONÇALVES, 2017, documento eletrônico).

     O princípio da oralidade está previsto tanto Código de Processo Civil, como na da Lei de Mediação (Lei 13.140):

Art. 166, CPC. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

Art. 2o,, Lei 13.140. A mediação será orientada pelos seguintes princípios: […] III – oralidade; […]

     Apenas ao final do procedimento de mediação teremos a lavratura do seu termo final, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos esforços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse sentido ou por manifestação de qualquer das partes (art. 20, caput, Lei 13.140).

     O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial (art. 20, parágrafo único, Lei 13.140).

2.3.6. PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

     Na mediação as partes decidem o procedimento que será seguido. A informalidade sugere que não existe uma forma pré-estabelecida de conduzir a mediação, salvo algumas orientações gerais colocadas pela lei.

 Art. 166, CPC. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

Art. 2º, Lei 13.140/2015. A mediação será orientada pelos seguintes princípios: […] IV – informalidade; […]

     Nos aspectos procedimentais, a Lei de Mediação, nas disposições comuns aos diversos tipos de mediação, e o CPC reafirmam o princípio da informalidade como um dos pilares da mediação. O princípio da informalidade significa que, dentro da lei, pode haver dispensa de algum requisito formal sempre que a ausência não prejudicar terceiros.

2.3.7. PRINCÍPIO DA DECISÃO INFORMADA

 Art. 1º, anexo III, da Resolução Nº 125, CNJ- São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. […]

II – Decisão informada – dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido;[…]

Art. 166 do CPC. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.

     De acordo com princípio da decisão informada, as partes devem estar totalmente informadas sobre os direitos que lhe são reconhecidos pela lei e sobre como funciona o instituto da mediação.

     O princípio da decisão informada é fundamental para legitimidade do procedimento que se dá pela livre adesão das partes a uma solução, e o conhecimento sobre a situação jurídica é imprescindível à escolha consciente.

     Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2010) destaca que a atuação do advogado tem insubstituível relevância, pois muito embora o mediador esteja vinculado ao princípio da decisão informada, não necessariamente ele terá formação jurídica. O CPC exige a presença de advogado ás audiências de mediação:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. […] § 9o As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.

     Assim, para suprir a necessidade de saber jurídico, o advogado das partes deverá orientá-las sobre as questões de direito. Desse modo, as partes terão todas as informações necessárias para fixar um acordo benéfico a todos.

2.4. O PAPEL DO MEDIADOR

    O papel do mediador é exercer a função de facilitador do entendimento entre pessoas que não conseguem sozinhas chegar a uma solução. O mediador deve estimular a conversação entre as partes para que tenham comportamentos de cooperação e não de competitividade. O mediador não deve acirrar o conflito, tornando-o pior, sua função é fazer com que a contenda se apresente como menos grave do que as partes a consideram.

     O Código de Processo Civil diz em seu parágrafo terceiro do artigo 165:

O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

     Ou seja, o papel do mediador é atuar com imparcialidade e transparência junto às partes, e auxiliar na busca de um ambiente tranqüilo para a resolução do conflito, além de conduzir todos os procedimentos respeitando a privacidade das partes (manutenção do sigilo).

     Lília Maia de Morais Sales entende que o mediador é aquele que conduz o procedimento de mediação, sendo alguém neutro e imparcial, auxiliando no diálogo entre as partes, sempre objetivando que as mesmas consigam chegar a um denominador comum. Complementa, ainda, dizendo que o mediador é pessoa preparada para lidar com situações adversas e incomuns, trazendo a reflexão acerca do assunto debatido pelas partes opostas, ajudando na comunicação e entendendo os pontos controversos do impasse e identificando interesses comuns dos envolvidos. (SALES[3], 2003, apud LIMA, 2017. p. 42).

     A mediação leva os envolvidos a construírem suas próprias decisões, que devem ser mutuamente aceitas, possibilitando a continuidade da relação, prevenindo qualquer tipo de inimizade. Nos conflitos familiares as questões a serem resolvidas são complexas, e a família consegue restabelecer a comunicação com a mediação, sendo que essa técnica ajuda na resolução de questões emocionais, sendo a vingança deixada de lado para dar lugar ao bom senso. (DA ROSA[4], 2012, p. 163-164, apud LIMA, 2017, p. 44)

     Sendo assim, o mediador deve ser alguém com capacidade para lidar com os conflitos ter boa comunicação, habilidade em escutar e entender critérios e juízos de valor de outras pessoas, além de incorporar o real interesse no bem estar delas, evitando fazer seu próprio e pessoal juízo de valor acerca das questões em discussão.

     Quando o assunto versa sobre conflitos familiares, os cuidados precisam ser redobrados, pois nesses casos as questões são mais delicadas, assim o mediador precisa entender algumas causas que fazem do conflito de família algo único, pois envolve emoção, relações entre pessoas com afinidade, consangüinidade, além de patrimônio, custódia, violência e outros. Por isso é preciso ficar alerta desde o primeiro encontro, observar o comportamento das partes e seus sentimentos, estabelecendo, com cuidado, os padrões e as regras, sendo sensível durante os impasses, sem interferir com opiniões ou sem fazer julgamentos e nunca permitir que opiniões pessoais contaminem o processo. Entretanto, deve usar táticas para encorajar as partes a trazerem informações à mesa. Precisará, também, ser muito criativo quando trouxer crianças para participarem da mediação. (GRIGOLETO, 2011, documento eletrônico)

     Nesse sentido, no direito de família, pode ser a mediação eficaz, pois incentiva a procura por um ambiente digno para o diálogo entre familiares, proporcionado, principalmente, pela figura do mediador.

2.5. A MEDIAÇÃO EM CONFLITOS FAMILIARES EM TRÊS RIOS

     Nos tempos atuais, cada vez mais as crises conjugais são corriqueiras, principalmente devido à vida agitada das pessoas, as transformações constantes da sociedade e a dinamicidade dos indivíduos têm propiciado um clima favorável para seguidos desentendimentos[5]. Para Cézar Ferreira e Verônica Motta, “esse é um momento em que os membros da família necessitarão de todo o auxílio possível da rede social, desde a família extensa até os profissionais que, em função do ofício, entrem em contato com eles, nessa situação”. (FERREIRA[6]; MOTTA; 2007, p. 199. apud LIMA, 2017, p. 46)

     O artigo 165 do Código de Processo Civil dispõe que: “Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.” (CPC)

     Verifica-se que o surgimento desses centros não é uma inovação, mas a implementação de uma proposta expressa na Resolução n. 125 do CNJ que já vem sendo executada por Tribunais de Justiça Estaduais e Tribunais Regionais Federais.

     O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Três Rios, como já exposto, começou a exercer a mediação como forma de solução amigável de conflitos em 16 de abril de 2010, antes da publicação da Resolução n. 125 do CNJ.

     Nota-se, ainda assim, um grande desafio para todas as justiças e seus respectivos tribunais no âmbito de todos os entes políticos, tendo em vista a ampla necessidade de recursos monetários, físicos e pessoais para a implementação desses centros judiciários de solução consensual de conflitos. Reforça-se, nesse sentido, a necessidade de pessoas capacitadas para solucionar conflitos através da prática consensual, seja pela conciliação, ou pela mediação, bem como um amplo incentivo ao desenvolvimento de cursos de especialização nessa área. (FERNANDES, 2017, documento eletrônico).

     Segundo a Dra. Luiza Helena Corrêa[7] (2019) Coordenadora do Núcleo de Mediação, o Centro Judiciário da Comarca de Três Rios, já contava com 03 (três) Mediadores formados desde o início de suas atividades, e em agosto do ano de 2017, com o curso de formação de mediadores oferecido através da referida Comarca participaram 30 (trinta) alunos, dos quais 04 (quatro) já se tornaram Mediadores deste Centro  e 06 (seis)  estão em processo de formação no primeiro semestre de 2019.

    Ainda, segundo a Coordenadora, quanto aos conflitos familiares na Comarca de Três Rios, as ações que mais se destacam é a de Regulamentação de Visitas e Guarda, conforme dados extraídos dos arquivos do Centro Jurídico.

     Na mediação, a questão da guarda pode ser decidida pelos pais de acordo com a melhor conveniência para o contato entre os familiares, e sempre pensando no bem estar dos filhos. John M. Haynes e Marilene Marodin explicam que em detrimento das mudanças sociais, um aspecto muito importante que mudou para melhor foi a maior participação que os pais têm em desempenhar seu papel ativo depois da separação. Segundo estes autores, “estas mudanças vêm despertando um interesse maior pela parentalidade compartilhada (custódia conjunta) […]” (HAYNES; MARODIN; 1996).

3.        A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES NO ESTADO DO RJ

3.1 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOS DIAS ATUAIS

     Todos os dias os jornais noticiam sobre casos de violência contra a mulher, este abuso se arrasta por longo período de tempo, em várias etnias e posições sociais.

     A realidade das desigualdades sociais, econômicas e políticas estruturais entre homens e mulheres, a diferenciação rígida de papéis impostos pela cultura machista, as noções de virilidade ligadas ao domínio e à honra masculina estão enraizados, infelizmente, por toda sociedade. Seu impacto não se observa apenas no âmbito individual, mas implica perdas para a segurança, bem como para o bem-estar de toda a comunidade, revelando-se verdadeira afronta aos direitos humanos. (CANEZIN, et al., 2017).

     A prática da violência contra o gênero feminino ao longo da história não é fruto da natureza humana, mas do processo de socialização das pessoas.

     Neste sentido o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro realiza todo ano uma análise das ocorrências prestadas nas Delegacias de Polícias quanto ao crime de violência doméstica. O número de casos de agressão contra a mulher no Estado do Rio de Janeiro, segundo análise desses dados, vinha diminuindo gradativamente, porém no ano de 2018 houve um aumento, como demonstra o gráfico abaixo, retirado do Dossiê Mulher 2019:

     Seguindo o aumento do ano de 2018, já nos primeiros meses do ano de 2019, 134.933 (cento e trinca e quatro mil, novecentas e trinta e três) ações foram distribuídas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, em cinco meses o número de casos notificados de violência contra a mulher já é maior que em todo o ano de 2018.

     Somente em maio foram registrados 35 (trinta e cinco) casos de feminicídios e a Justiça decretou mais de 11.939 (onze mil, novecentas e trinta e nove) medidas protetivas de urgência, além de 296 (duzentos e noventa e seis) prisões, conforme demonstram os gráficos abaixo:

3.2.            DADOS ESTATÍSTICOS DO MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS

     Três Rios é um município brasileiro do estado do Rio de Janeiro. Pertence à Região Geográfica Intermediária de Petrópolis e à Região Geográfica Imediata de Três Rios -Paraíba do Sul. Localiza-se cerca de 125 km ao norte da capital do estado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população estimada para 1.º de julho de 2018 era de 81 453 habitantes[8].

     Assim como várias cidades do Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Três Rios também conta com conflitos familiares envolvendo violência contra a mulher. Em 2014 o número de registros realizados na delegacia de polícia foi de 1.354, aumentando para 1.366 em 2015, depois para 1.476 em 2016 e diminuindo em 2017 para 780. Fechando em 2018 com 796 casos registrados, conforme se verifica na estatística do Dossiê Mulher 2019, abaixo:

     Pode-se notar com bases nestes dados que os casos de conflitos familiares envolvendo violência contra as mulheres no município é um total de 0,15% de casos registrados no Estado do Rio de Janeiro.

     Argumenta a Juíza de Direito responsável pelo Grupo Reflexivo e o Programa Flor de Lótus, Dra. Elen Barbosa[9], que:

[…]a redução visível no número de registros de violência doméstica se deve aos projetos implementados na cidade visando a conscientização da população, a educação sobre o tema difundido nas escolas, a vigilância para o cumprimento das medidas protetivas e a responsabilização dos autores.

     Existem hoje no município de Três Rios, três principais projetos voltados para a redução da violência contra a mulher e a pacificação social. São eles: Projeto Guardiões da Vida, Grupo Reflexivo de Gênero e o Programa Flor de Lótus.

     O primeiro programa que surgiu na cidade de Três Rios, com a finalidade de diminuição dos casos de conflitos familiares envolvendo violência doméstica foi o Guardiões da Vida, projeto desenvolvido e implementado pelo Tenente Coronel Márcio Guimarães, Comandante, à época, do Trigésimo Oitavo Batalhão de Polícia Militar, em janeiro do ano de 2016.

    O segundo Projeto foi o Grupo Reflexivo, iniciado em 2015, pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Três Rios. E o terceiro Programa foi o Flor de Lótus, iniciado em 2018, que reúne vários projetos dentro do programa, inclusive o Grupo Reflexivo.

3.3. PROGRAMA GUARDIÕES DA VIDA DO TRIGÉSIMO BATALHÃO DE POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

     Segundo o Tenente Coronel Márcio Guimarães[10] da Polícia Militar, no início de 2016 durante seu comando no Trigésimo Oitavo Batalhão de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro implementou no município de Três Rios o Programa Guardiões da Vida, que por meio de uma nova modalidade de policiamento tem como foco principal salvar vidas, atendendo e acompanhando as ocorrências de violência doméstica, a fim de que não haja reincidência nos casos denunciados, prevenindo novos crimes de ameaças, tentativas de homicídios e lesões corporais, impactando de forma a reduzir significativamente as ocorrências de crimes passionais, além de promover a conscientização da sociedade, por meio de palestras em eventos e escolas, distribuição de panfletos e folders informativos, estimulando novas denúncias.

     Na época constatou-se que na área de atuação do policiamento, de todas as ocorrências registradas na Delegacia de Polícia, cerca de 40% das ocorrências seriam de violência doméstica. Muitas dessas agressões eram protagonizadas por reincidentes e alguns casos acabavam por desencadear lesões corporais cada vez mais graves e até homicídios passionais[11].

     Diante desse quadro é que o Comando do Batalhão de Polícia Militar decidiu desenvolver um projeto de prevenção à violência doméstica que fosse capaz de reduzir o número de violência doméstica na região que atua, em especial na cidade de Três Rios onde se verificou o maior índice de violência dessa natureza.

     O Programa se desenvolve a partir do registro do conflito na delegacia, onde a equipe de policiais militares fazem a visitação à vitima e acompanha a audiência no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher na Comarca. Após a expedição da medida protetiva, quando há, os policiais militares do programa acompanham a vítima para garantir o cumprimento da medida.

3.4 A EXPERIÊNCIA DO GRUPO REFLEXIVO DE GÊNERO

     “O Grupo Reflexivo de Gênero tem como principais objetivos coibir, prevenir e reduzir o número de reincidência em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Através da abordagem de temas pertinentes a questão da violência à mulher, busca-se a reflexão e o aprendizado acerca do comportamento agressivo, sua origem e as consequências.”[12]

     O primeiro grupo teve início em julho de 2017 e foram atendidos até o momento 108 autores, considerando que cada grupo comporta, no máximo, 15 participantes, conforme previsão no Projeto.

     O Projeto Grupo Reflexivo de Gênero foi desenvolvido pela MMª Juíza Dra. Elen de Freitas Barbosa, juíza titular e diretora do Fórum da Comarca de Três Rios e a psicóloga Márcia Cunha Miranda, servidora do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. A realização dos grupos fica sob a responsabilidade e coordenação da psicóloga Márcia com apoio da equipe do referido Juizado, além dos policiais militares responsáveis pelo Programa Guardiões da vida do 38º BPM.

     Os encontros dos autores no Grupo Reflexivo acontecem a partir da determinação da MMª Juíza, aos autores que cumprem medida protetiva de urgência e aqueles que continuaram mantendo o relacionamento afetivo com a vítima, tem ainda aqueles indicados que recebem a determinação como cumprimento da pena, após sentença condenatória.  (CUNHA, 2019)

3.5 A REDUÇÃO DOS ÍNDICES DE REINCIDÊNCIA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

          No município de Três Rios das 823 (oitocentas e vinte e três) mulheres vítimas de violência que ingressaram no projeto Guardiões da Vida no ano de 2017, 647 (seiscentas e quarenta e sete) já haviam sofrido agressões anteriores. Após o acompanhamento dos policiais que integram o Projeto Guardiões da Vida, a reincidência reduziu de 78,61% para 3,4% dos casos. Em 2018, do total de mulheres acompanhadas, 28 voltaram a sofrer alguma agressão por parte do companheiro[13].

     Em entrevista concedida ao Jornal O Globo em 11 de março de 2019, a Juíza de Direito Dra. Elen de Freitas Barbosa, do Juizado da Violência Doméstica da Comarca de Três Rios, disse o seguinte:

— Nós temos um alto índice de violência doméstica em Três Rios, e os casos de reincidência eram muitos. As medidas protetivas eram descumpridas com muita frequência, e as ameaças vinham a se concretizar. Isso começou a me angustiar e fui buscar parcerias para tentar fazer alguma coisa diferente. O programa logo fechou parceria com a Prefeitura, o Ministério Público e entidades que trabalham com programas de prevenção ao álcool e drogas e instituições de ensino. A gente começou a trabalhar nesta parceria. Os policiais começaram a acompanhar os casos de medida protetiva, o que contribuiu para a redução drástica dos casos de reincidência, trazendo efetiva segurança para as vítimas — defendeu a juíza.”

     Neste sentido a criação do Programa Flor de Lótus veio para abraçar todos esses projetos, em parceria, e ampliar o alcance dos projetos para que ele chegue à todas as famílias trirrienses. (BARBOSA, 2019)

     “O nome da prática foi escolhida devido ao simbolismo cultural da Flor de Lótus que representa o renascimento porque a flor emerge das águas sujas, turvas e estagnadas do pântano para, à luz do dia florescer. Assim como a flor, as mulheres atendidas pelo programa em momentos de angustia e desacreditada, à luz do programa renascem”, diz a Dra Elen Barbosa, Juíza de Direito, responsável pelo Programa (2019).

     São objetivos do programa a prevenção e a diminuição da reincidência dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a garantia da efetividade do cumprimento das medidas protetivas de urgência. O Programa é composto por 06 (seis) projetos, quais sejam: 1) Grupo Reflexivo de Gênero com Autor; 2) Resenha Juvenil – Escolas; 3) Encontro Multidisciplinar / Qualificação de Equipes; 4) Chá de Mulheres – Vítimas; 5) Sala Humanizada – Atendimento Vítima; 6) Formação de Multiplicadores.

    A prática possibilita à mulher vítima sentir-se atendida em seus interesses e necessidades, possibilitando seu empoderamento e garantindo sua efetiva proteção. Além disso, o Programa inova trazendo a parceira com o 38º Batalhão de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, através dos Guardiões da Vida – policiais destinados ao acompanhamento das medidas protetivas e da realização dos projetos desenvolvidos junto com a equipe do Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Três Rios. (BARBOSA, 2019).

     Cabe ressaltar que a partir do desenvolvimento da parceria do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com o Programa Guardiões da Vida, ocorrido no ano de 2016, houve a diminuição da reincidência dos casos de violência contra a mulher atingindo o patamar de 4% no ano de 2018, estando bem abaixo do índice nacional.

     Realizadores do Programa: Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Três Rios; Juíza de Direito Elen de Freitas Barbosa; Psicóloga TJRJ Márcia Miranda Cunha; Guardiões da Vida do 38º BPM da PMERJ (2º SGT PM – Paulo César Luciano; 3º SGT PM – Hortência Barreto da Costa Barros e CB PM – Cristiane Macedo Camilo Barbosa).

4.      CONCLUSÃO

          Com o presente estudo pode-se concluir que a busca de uma solução pacífica para os conflitos familiares é suma importância para a segurança social de uma comunidade, a medida que através da Mediação ou da participação de atores nas sessões do Grupo Reflexivo, o diálogo, a reflexão e a paz passam a ser possíveis em uma relação desgastada e conflituosa.

      É importante pensar que entre um casal, seja no seu lar ou em qualquer outro ambiente, os conflitos nunca desaparecem, eles apenas se transformam. Isso acontece em consequência de diferenças culturais, sociais ou ideológicas. Por esta razão, e em especial nos conflitos pessoais, é recomendável intervir sobre si mesmo, repensar os conceitos e atitudes, a fim de melhorar as relações.

      A família é o bem mais precioso de uma sociedade, e é por isso que o Estado volta sua atenção de forma especial à ela, pois uma família adoecida, conflituosa, pode produzir reflexos gravíssimos em toda a sociedade.

     As vantagens da mediação, especialmente da familiar, tema deste trabalho, é que há uma maior satisfação pessoal das partes envolvidas porque são elas que chegam a um consenso quanto à melhor forma de solucionar o conflito. O que resulta na diminuição do sentimento ganhador/perdedor próprio dos processos judiciais.

     Infelizmente, não foi possível uma melhor análise dos dados locais sobre a Mediação no âmbito do Direito de Família, tendo em vista a falta de dados disponibilizados. O Núcleo de Mediação do Centro Jurídico de Três Rios, não disponibilizou as estatísticas das mediações realizadas no município. Após buscas pelo site do Tribunal de Justiça também não foi possível coletar essas dados, diferentemente dos dados sobre violência doméstica no Estado, que está disponibilizado no Observatório Judicial da Violência Contra a Mulher no site do Tribunal de Justiça.

     Finalmente podemos afirmar que as práticas implementadas, que vão muito além da obrigação legal dos agentes públicos, podem fazer uma enorme diferença na sociedade. Que a construção de uma sociedade pacificada e justa, passa por inserir o cidadão neste contexto.

 5.      REFERÊNCIAS

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Temas Atuais de Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BOTTARI, Elenilce. Coluna Celina. Programa da Polícia Militar reduz de 78,61% para 3,4% a reincidência de violência contra a mulher. Jornal O Globo. 2019.  Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/celina/programa-da-policia-militar-reduz-de-7861-para-34-reincidencia-da-violencia-contra-mulher-23508115. Acessado em: 15.04.2019.

BRASIL. Lei 13.105, 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 17.3.2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acessada em 20.01.2019.

BRASIL. Lei nº 13.140/2015. Lei da Mediação. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 29.06.2015. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acessada em: 20.01.2019.

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 57-59.

CANEZIN, Thays Cristina Carvalho. CANEZIN, Claudete Carvalho. CACHAPUZ, Rosane da Rosa. Mediação nos casos de violência contra a mulher. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 1, p. 287-310, abr. 2017. DOI: 10.5433/1980-511x.2017v12n1p287. ISSN: 1980-511X. Disponível em: file:///C:/Documents%20and%20Settings/Administrador/Meus%20documentos/Downloads/28649-135959-3-PB%20(1).pdf. Acessado em: 10.04.2019.

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NOTAS DE RODAPÉ:

[1]  ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Temas Atuais de Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 145

[2] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O Que É Mediação de Conflitos. São Paulo: Brasiliense, 2007

[3] SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

[4] DA ROSA, Conrado Paulino. Desatando nós e crianças laços: os novos desafios da mediação familiar. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 157-158

[5] LIMA, Lara da Rocha Martins. A mediação no Direito de Família. Rio de Janeiro. 2017. Disponível em: http://www.unirio.br/unirio/ccjp/arquivos/tcc/2017-1-artigo-lara-da-rocha-martins-de-lima

[6] FERREIRA, Cezar; MOTTA, Verônica A. da. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. 2. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 199

[7] CORRÊA, Luiza Helena. Mediação. Três Rios. 2019.Entrevistadora: Aline Goudard de Freitas Guimarães em 14 de abril de 2019

[8] Wikipédia, a enciclopédia livre. Três Rios. 2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%AAs_Rios. Acessado em: 10.06.2019.

[9] BARBOSA, Elen Freitas. Programa Flor de Lótus. Três Rios. 2019.Entrevistadora: Aline Goudard de Freitas Guimarães em 14 de abril de 2019.

[10] GUIMARÃES, Márcio dos Santos. Projeto Guardiões da Vida. Três Rios. 2019.Entrevistadora: Aline Goudard de Freitas Guimarães em 15 de abril de 2019.

[11] GUIMARÃES, Márcio dos Santos. BARROS, Hortência Barreto da Costa. Cadernos de Segurança Pública. Disponível em: <http://www.isprevista.rj.gov.br/Edicao2017_2.html>

[12] CUNHA, Márcia Miranda. Projeto Grupo Reflexivo. Três Rios. 2019.Entrevistadora: Aline Goudard de Freitas Guimarães em 14 de abril de 2019

[13] BOTTARI, Elenilce. Coluna Celina. Programa da Polícia Militar reduz de 78,61% para 3,4% a reincidência de violência contra a mulher. Jornal O Globo. 2019.  https://oglobo.globo.com/rio/celina/programa-da-policia-militar-reduz-de-7861-para-34-reincidencia-da-violencia-contra-mulher-23508115

Palavras Chaves

mediação, família, meios de solução de conflitos, violência doméstica, pacificação social, projetos sociais