As Nuances Do Contexto Trabalhista No Brasil No Centenário Da Greve Geral De 1917

Resumo

O presente artigo tem por objetivo articular a atual configuração do contexto atual dos direitos trabalhistas no Brasil, sob a perspectiva histórica da Greve Geral ocorrida no país em 1917. Mais do que nunca, as consequências políticas e culturais oriundas da referida Greve Geral retornam à memória, no ano de seu centenário, como instrumento simbólico de reivindicação trabalhista. Essa perspectiva ganha ainda mais importância para ajudar na compreensão e modificação do cenário político e socioeconômico configurado atualmente no Brasil, que afeta diretamente diversos direitos trabalhistas logrados ao longo dos anos.

Abstract

This article aims to articulate the current conformation of the context of labor rights in Brazil, under the historical perspective of the General Strike that occurred over the country in 1917. More than never, the political and cultural consequences originated from that General Strike come back to people’s memory, in the year of its centennial, as a symbolic instrument of labor claims. This perspective becomes even more important to help to understand and modify the political and economical context conformed nowadays in Brazil, which affects directly several labor rights conquered over the years.

Artigo

AS NUANCES DO CONTEXTO TRABALHISTA NO BRASIL NO CENTENÁRIO DA GREVE GERAL DE 1917

Carla Maria de Barros Garcia Nunes[1]

 

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo articular a atual configuração do contexto dos direitos trabalhistas no Brasil, sob a perspectiva histórica da Greve Geral ocorrida no país em 1917. Mais do que nunca, as consequências políticas e culturais oriundas da referida Greve Geral retornam à memória, no ano de seu centenário, como instrumento simbólico de reivindicação trabalhista. Essa perspectiva ganha ainda mais importância para ajudar na compreensão e modificação do cenário político e socioeconômico configurado atualmente no Brasil, que afeta diretamente diversos direitos trabalhistas logrados ao longo dos anos.

Abstract:

This article aims to articulate the current conformation of the context of labor rights in Brazil, under the historical perspective of the General Strike that occurred in the country in 1917. More than never, the political and cultural consequences originated from that General Strike come back to people’s memory, in the year of its centennial, as a symbolic instrument of labor claims. This perspective becomes even more important to help to understand and modify the political and economical context conformed nowadays in Brazil, which affects directly several labor rights conquered over the years.

Palavras-chave:

Direitos trabalhistas. Reivindicação. Greve Geral.

 


[1] Graduanda do 6º período do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense – Niterói – RJ.

INTRODUÇÃO

            Se houve um ano, na história trabalhista brasileira, que se pode considerar como um marco para o movimento sindical, esse ano com certeza foi o de 1917. Este ano, não fosse a combinação do contexto socioeconômico da época e de suas condições trabalhistas peculiares, devidamente abordadas mais adiante neste artigo, poderia vir a ser apenas mais um ano comum para o operário brasileiro. Este, tão cruelmente inserido nos moldes de exploração urbano-industrial da época e, assim, tão vulnerável e entregue à própria sorte, viria a ser protagonista de um grande movimento sem precedentes no Brasil, que colocaria o ano de 1917 sob holofotes no que diz respeito à história do movimento trabalhista no país, através da Primeira Greve Geral brasileira.

            Absortos em um ambiente de péssimas condições trabalhistas, tanto em relação às circunstâncias do ambiente de trabalho propriamente ditas, quanto à jornada de trabalho predominante na época, os operários do início do século XX concentrados em São Paulo (majoritariamente estrangeiros imigrantes) eram trabalhadores que até tinham, em certa medida, consciência da precariedade das condições em que exerciam suas atividades. Assim, quanto a esse certo grau de consciência, não há dúvidas de que era presente. Contudo, o que teria motivado esses operários, que, diga-se de passagem, já se movimentavam em torno da construção de um movimento operário mais consistente, a desencadear uma greve geral em 1917, do tamanho de suas proporções? A possível resposta pode ser encontrada no próprio contexto do cenário político da época, que será trabalhado mais adiante.

            Ao longo desses cem anos que se seguiram após a Greve Geral de 1917, os direitos trabalhistas no Brasil, e mais especificamente o direito de greve, foram constantemente reivindicados, discutidos e modificados, até atingirem o formato em que se apresentam atualmente na legislação brasileira. Em meio a uma tumultuada reforma trabalhista e previdenciária proposta pelo atual governo, necessita-se mais do que nunca refletir sobre o posicionamento dos trabalhadores a respeito dessas mudanças tão significativas. Para tanto, cabe recordar o ano de 1917, palco de uma manifestação tão emblemática que, para os dias atuais, se traduz em uma esperança simbólica, em um contexto em que o centenário da Greve Geral é comemorado em meio a uma série de reformas políticas que reacendem a discussão sobre os direitos trabalhistas.

A GREVE GERAL DE 1917

            Para se entender o movimento que culminou com a deflagração da greve de 1917 deve-se, antes de tudo, fazer uma regressão ao contexto socioeconômico da época. O panorama político e social do Brasil em 1917 – para além de muitas mazelas próprias de um país com histórico típico das colônias de exploração – era marcado, sobretudo, por uma crise econômica, desencadeada principalmente pela participação do país, como exportador, na Primeira Guerra Mundial.

            Em 1917, com a Guerra se desenvolvendo a todo o vapor, a escassez de alimentos começa a assolar o cenário comercial brasileiro. A fome generalizada era uma das consequências trágicas dos horrores da guerra, já que alguns países, e aqui se pode incluir o Brasil, exportavam abundantes quantidades de alimentos para os países aliados em condição de combate na guerra. O resultado era uma grande quantidade de alimentos exportada para fora do país, enquanto o mercado interno sofria com a penúria, a inflação implacável e o fenômeno das prateleiras vazias e da produção de alimentos de má qualidade.

            Não é necessário raciocinar muito além para deduzir que a parcela da população que mais sofria com o caos comercial generalizado instalado no país era justamente a da classe operária, composta pelos trabalhadores pertencentes às classes menos privilegiadas, que trabalhavam cada vez mais, e recebiam cada vez menos pelo suor de seu trabalho.  Neste sentido, esclarece Christina Lopreato (1996, p. 67):

No ano de 1917, os jornais paulistanos registraram, dia após dia, o aumento do clamor público contra a elevação dos preços […] A Principal causa da alta verificada nos preços dos alimentos foi atribuída pelo jornal A Gazeta à ação dos açambarcadores, cujos agentes percorriam o interior do estado comprando toda a produção e armazenando-a para exportação. Para o jornal “O Combate”, a culpabilidade sobre a alta dos preços dos alimentos não deveria recair sobre os açambarcadores que estão fazendo o seu negócio, mas sobre o governo que se fez seu instrumento por omissão.

            Como se não bastasse a situação lamentável da ação de açambarcadores, o governo era constantemente acusado de ser omisso diante de suas obrigações para com o controle do mercado interno.

            A crise foi, aos poucos, ganhando corpo no imaginário popular e, assim, ganhando espaço nas discussões gerais, principalmente entre os trabalhadores.

A repercussão foi imediata, Apesar do estoque de farinha de trigo ser o suficiente para suprir as necessidades da população durante pelo menos quatro meses, o preço do produto disparou no mercado interno, e o pão, considerado alimento indispensável ao trabalhador, tornou-se artigo de luxo. A farinha de trigo também não escapou à ação dos açambarcadores e a “falta” do produto fomentou a ira popular”. (LOPREATO, 1996, p. 66).

            Como se vê, a fome e a inflação eram uma realidade cruel e constante no cotidiano do trabalhador brasileiro, e, como se não bastasse, as condições de trabalho eram precárias, com ambientes insalubres e jornadas de trabalho desgastantes, as quais, muitas vezes, o trabalhador nem tinha energia para enfrentar, devido à falta de alimentação adequada. Além disso, as condições eram ainda piores para mulheres e crianças, visto que essas eram figuras de extrema vulnerabilidade no meio trabalhista da época, enfrentando longas e duras jornadas de trabalho, e desenvolvendo atividades muitas vezes não recomendáveis para sua faixa etária ou condição física.

            Destarte, com o contexto das condições de trabalho bem definidas, resta analisar quem eram esses homens e mulheres que fizeram história com a greve geral de 1917, a partir da coragem em não apenas expor suas insatisfações com a forma de trabalho a que eram expostos, como também em reivindicar mudanças que pudessem garantir direitos que assegurassem uma melhor qualidade de vida no ambiente de trabalho.

            Com o fim da escravidão, acompanhado da importação de mão-de-obra estrangeira assalariada, bem como o crescente movimento de industrialização no Brasil – impulsionada principalmente no início do século XX – podem ser apontados como importantes elementos que levaram ao despertar de um movimento operário no Brasil.

            No que tange ao impulso de industrialização, o Brasil já havia assumido, nos últimos anos, a característica de um país que já tendia, também, para um movimento de urbanização. Apesar da população rural ainda ser considerável, principalmente no tocante às elites agrárias, a população urbana sofrera um aumento nas últimas décadas, devido, principalmente, à Proclamação da República, ao fim da escravidão (com muitos negros indo para as cidades), e ao próprio movimento de urbanização desencadeado pela industrialização, a política capitalista e o próprio espírito cultural da época.

            Boris Fausto, em seu Livro “Trabalho Urbano e Conflito Social”, expõe as perspectivas ideológicas que movia o movimento operário do início do século XX no Brasil, e traça um perfil dos trabalhadores por ela inspirados. A população urbana operária, que era, em sua grande maioria na cidade de São Paulo, formada por imigrantes estrangeiros que haviam chegado ao Brasil para servir como mão-de-obra assalariada, compôs um novo perfil de trabalhador que diz muito a respeito da forma como o movimento operário ganhou força a partir do início do século XX. Apesar de no Rio de Janeiro a mão-de-obra ser predominantemente interna, em São Paulo, esta era composta majoritariamente por estrangeiros, principalmente italianos e espanhóis (FAUSTO, 1976).

            Esses estrangeiros, em sua maior parte, já vieram da Europa para o Brasil comportando todo um histórico de reivindicação trabalhista comum em seus países de origem, além do fato de serem inspirados também por ideais políticos e filosóficos de pensadores europeus. Os trabalhadores que seguiam a ideologia anarquista, concentrados em São Paulo, eram conhecidos pela maneira peculiar como pensavam a estratégia de seu movimento reivindicatório, justamente porque preferiam a abordagem mais radical, exteriorizando suas necessidades e insatisfações através de greves e outras manifestações de natureza mais enérgica.

            Assim, se diferenciavam do perfil dos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro, já que estes manifestavam preferência por uma abordagem de cunho mais politizado para conquistar seus direitos, sem a estratégia de abordagem mais fervorosa dos anarquistas. Havia, portanto, evidente discrepância entre os ideais que moviam os trabalhadores de São Paulo, onde o movimento operário recebeu forte influência dos ideais anarquistas, e do Rio de Janeiro, com mão-de-obra majoritariamente nacional:

Do ângulo da classe operária, a existência no Rio de Janeiro dos germes de uma corrente limitada à defesa de reivindicações mínimas, pela via da colaboração de classes e da proteção do Estado, explica-se em grande medida por duas circunstâncias: pela maior presença de nacionais na composição da classe, mais receptivos a um tipo de política que se coadunava com as velhas relações tradicionais e paternalistas; (FAUSTO, 1976, p. 52).

            O jogo de defesa de interesses da elite dificultava ainda mais a concretização das reivindicações dos operários. A omissão do Estado e a falta de abertura deste no que tangia ao diálogo com a classe operária, ao invés de enfraquecer e sufocar o movimento, só o fazia se agigantar. Ao passo que o cerco se fechava para os trabalhadores, mais os ânimos se exaltavam e o clamor das reivindicações se acirrava, dando o impulso necessário para que os operários sentissem cada vez mais necessidade de se organizar em um movimento comum.

             Assim, a greve geral, que inicialmente teve ponto de partida no seio do movimento operário da indústria têxtil, logo ganhou a força e o apoio necessário para se generalizar e atingir não apenas os trabalhadores do ramo de tecidos, como também os da indústria, do comércio e dos transportes em geral. Logo se viu que o movimento poderia ir além, o que fez com que os operários levantassem uma pauta concreta de diversas demandas, entre as quais constava o aumento de salário, bem como a pontualidade do pagamento, a abolição da exploração de mão-de-obra infantil e dos trabalhos noturnos para crianças e mulheres, além da garantia da jornada de oito horas.

            A greve teve um índice de adesão para além das expectativas, e como consequência a cidade de São Paulo ficou paralisada durante cerca de trinta dias, com a interrupção de serviços como comércio e transportes (LINHARES, 1977). Acuado pela força desproporcional que tomara o movimento, o governo se viu sem outra alternativa senão se atentar às demandas trabalhistas.

            O resultado imediato foi o aumento de salário, bem como a promessa por parte do governo em analisar os demais pontos da pauta de reivindicações. Como era de se esperar, os trabalhadores não obtiveram todas as suas demandas devidamente atendidas, e a luta por melhores condições de trabalho ainda avançaria nas décadas, permanecendo até os dias atuais como uma constante batalha, onde cada conquista é comemorada. No entanto, a greve geral de 1917 permanece sendo um marco simbólico, enquanto prova histórica e social da força do movimento trabalhista e da capacidade de seu poder reivindicatório.

O DIREITO DE GREVE NO BRASIL

            É sabido que o instituto da greve nem sempre esteve dentro dos moldes da forma como se conhece hoje, na legislação brasileira. Ele foi constantemente modificado, reinterpretado e reeditado a partir de cada contexto social presente em cada época do desenvolvimento da história da sociedade brasileira. Ao longo dessa trajetória, o direito de greve já foi proibido, permitido, subtraído, restringido e permitido novamente, até se configurar na forma como se apresenta hoje, no texto constitucional.

            Assim como vários outros direitos, o direito de greve foi fruto de uma mudança sociopolítica oriunda de constantes interferências sociais no plano político brasileiro, impulsionadas, principalmente, pelos trabalhadores brasileiros.

            As primeiras constituições brasileiras, de 1824, 1891 e 1934 não chegaram a tratar diretamente da questão da greve. Ao mesmo tempo em que foram elaboradas para atender aos ideais liberais, como a liberdade trabalhista, pouco dispunham sobre os direitos trabalhistas em essência. Tanto é que o Código Penal de 1890 decidiu ir além e proibir a greve, sendo esta mais tarde conceituada como delito pela Lei 38/32 (CASSAR, 2014).

            A Constituição de 1937, no entanto, já proibiu expressamente a greve, em seu art 109: “[…]A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.”. A paralisação temporária do trabalho seguida de perturbação da ordem pública também era proibida pelo Código Penal de 1940 (CASSAR, 2014).

            A explicação para esse fato pode estar justamente no boom dos movimentos sindicais e organizações trabalhistas empreendidos no ínterim da promulgação das constituições. O período empreendido entre as constituições de 1891 e 1937 foi de intensa efervescência dos movimentos sindicais no que tange à sua organização enquanto movimento de luta, e também período em que eclodiram diversas manifestações trabalhistas e greves, inclusive a já abordada Greve Geral de 1917.

            Talvez justamente em resposta à capacidade de organização cada vez maior dos sindicatos, a Constituição de 1937 tenha proibido a greve, como tentativa de podar os movimentos sindicais que cada vez mais ganhavam força pelo país.

            A própria CLT previa, para os trabalhadores que abandonassem suas atividades coletivamente e sem previa autorização por parte do Tribunal, diversas sanções. Com a Constituição de 1946, e através do Decreto-Lei nº 9.070/46, a greve foi autorizada, em atividades acessórias, mas ainda com várias restrições com relação às atividades fundamentais. Devido a esse decreto, a o direito de greve continuava significativamente reduzido, mesmo após a Constituição reconhecer o direito de seu exercício. (CASSAR, 2014)

            Já a Constituição de 1967 vedava a greve nos casos que envolvessem atividades essenciais, ou seja, atividades tidas como fundamentais, permitindo seu exercício nas demais situações. A Lei nº 6.670/78 definiu como crime contra a Segurança Nacional a paralisação ou diminuição do ritmo de trabalho no serviço público ou atividade essencial, bem como do servidor publico.

            O direito de greve como conhecemos hoje só pode ser assegurado com a promulgação da Carta Magna de 1988:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

  • 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
  • 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

            Também, seguindo o texto constitucional, a Lei 7.783/1989 regula o exercício do direito de greve, bem como seus desdobramentos.

             Destarte, deve-se ressaltar que todas as mudanças constitucionais e infraconstitucionais no tocante à legislação trabalhista ocorreram não por uma mera discricionariedade por parte dos governantes ou como fruto de um movimento natural da sociedade. Todos os direitos trabalhistas logrados ao longo dos anos foram conquistados através de lutas e pressões por parte dos trabalhadores, principalmente os organizados em movimentos sindicais.

            Somente através de diálogos, protestos, negociações, greves e demais mecanismos de reivindicação é que a legislação trabalhista no Brasil pode ser modificada, aprimorada e transformada para que o direito de greve fosse elencado como um direito. Basta lembrar, mais uma vez, da importância simbólica da greve de 1917 para ter a certeza de que os movimentos reivindicatórios não apenas não são inúteis mas, pelo contrário, são poderosos instrumentos de transformação da estrutura e conjuntura do país.

O ATUAL CENÁRIO TRABALHISTA NO BRASIL

            Já no corrente ano de 2017, cem anos depois da primeira greve geral ocorrida no Brasil, o discurso e o clamor por uma nova greve geral parecem ter ganhado novamente espaço entre os trabalhadores brasileiros. Desde o ano passado, quando chegou à Presidência da República, através do impeachment de Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer parece vir adotando uma política econômica mais liberal e atrelada ao capitalismo do que a adotada pela ex-presidente impedida. O resultado dessa mudança política se exterioriza através da adoção de uma série de diligências que aparentemente visam ao corte de gastos públicos.

            Como reflexo disso, o que se vê na conjuntura trabalhista brasileira atualmente é justamente a adoção de medidas polêmicas a respeito de diversos direitos trabalhistas. Alguns desses projetos almejados já foram sinalizados pelo governo, como a reforma da previdência e trabalhista, com a proposta de ampliação de hipóteses de terceirização de atividades para além das que eram previstas em lei, até então.

            Sobre a reforma trabalhista, destaca-se a promulgação, recentemente, da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que dispõe, entre outras medidas, sobre trabalho temporário e prestação de serviços a terceiros. A lei em questão gerou polêmica e debate intenso não apenas no seio dos movimentos sindicais, bem como no cotidiano de todos os trabalhadores do Brasil.

            Entre os pontos mais polêmicos, está a previsão da possibilidade de ampliação da terceirização. Esta, que antes era permitida apenas para atividades-meio, com o novo texto legal passa a ser permitida também para atividades-fim. Os detratores da terceirização argumentam que, a princípio, um terceirizado tende a trabalhar mais, e receber menos. Por si só, esse dado já mostraria os malefícios da prática.

            Para além disso, a questão psicossocial também desponta como fator de preocupação. Um trabalhador terceirizado tende a permanecer distante do movimento sindical, podendo ter comprometido o seu poder de participação nas mudanças trabalhistas. Sua relação com a empresa tomadora de serviços também é distante, o que pode fazer com que o terceirizado não desenvolva plena consciência da importância de seu papel no ambiente de trabalho.  Assim, a terceirização é vista como uma prática que só faz tornar as condições de trabalho ainda mais precárias, e a abertura de sua prática também para as atividades-fim potencializará ainda mais esses efeitos.

            Como se pode perceber, o governo alega que o novo contexto socioeconômico em que o país está envolvido requer uma reforma, uma reformulação, dentre outras áreas, das condições de trabalho, sob o argumento de que é necessária uma “política de contenção de gastos”. O que acontece, no entanto, é que muitas dessas mudanças abrem precedentes perigosos que podem vir a afetar diretamente a questão da qualidade de vida do trabalhador, arriscando por em xeque vários dos direitos conquistados pelo movimento trabalhista ao longo dos últimos anos.

                        Enquanto o contexto do ano de 1917 era marcado pelas cicatrizes de uma guerra internacional, seguida de descaso governamental com relação às reivindicações trabalhistas, o que se vive hoje no Brasil é uma crise interna, institucionalizada, sem precedentes. Uma crise política e econômica.  Assim, o país vive, antes de tudo, uma verdadeira crise de identidade, tendo em vista que grande parte de suas instituições estão totalmente desacreditadas pela maior parte da população.

            Neste novo cenário, o perfil do operário brasileiro, obviamente, mudou. A massa trabalhista não é mais composta em sua maioria por imigrantes assalariados, mas sim de trabalhadores brasileiros dos mais diversos setores; trabalhadores esses que mais do que nunca sabem a importância de se estar em vigilância constante, no contínuo zelo pela manutenção dos direitos conquistados ao longo das décadas, muitas vezes logrados em cima do suor e do sangue das antigas gerações, como os trabalhadores de 1917, e como muitos outros que vieram antes e depois.

            Destarte, não é por acaso que já se desenrolaram duas greves gerais no país no presente ano, já que, assim como em 1917, os ânimos trabalhistas, em cada sindicato, bem como em cada esquina, parecem exaltados. Diversos movimentos sindicais já se organizaram em uma greve geral ocorrida no dia 15 de março do corrente ano, na tentativa de barrar as reformas de trabalho e da previdência propostas pelo governo. O movimento do dia 15 de março, principalmente no estado de São Paulo, contou com uma aderência significativa por parte de sindicalistas metroviários, rodoviários, instituições de ensino, demais pessoas ligadas ao movimento contra a Reforma e apoiadores em geral.

            Outra greve geral ocorreu no dia 28 de abril, e essa ainda pode contar com um índice de adesão superior à primeira paralisação. Milhares de pessoas decidiram por manifestar seu apoio ao movimento, tanto de forma ativa, participando dos atos de protestos que ocorreram por todo o país, quanto de forma passiva, através do simples ato de não desenvolver nenhuma atividade laboral ao longo do dia. Durante todo o dia, vários pontos de comércio permaneceram fechados, assim como agências bancárias. Em muitas cidades, metroviários paralisaram suas atividades, e várias empresas de transportes também funcionaram com parte da sua frota significativamente reduzida. Instituições de ensino suspenderam suas atividades, e vários pontos de acesso entre cidades limítrofes foram interditados. O resultado foram muitas ruas vazias, em um ato de protesto contra as reformas do Governo Temer.

            Para muitos que participaram dos atos de protesto nas ruas, a fortíssima repressão policial impetrada contra os manifestantes apenas confirma a falta de disposição do governo em dialogar com os trabalhadores, reprimidos de forma violenta. Para eles, o desejo de lutar pelos seus direitos permanece inabalável e, ainda na incerteza a respeito de qual será exatamente o legado deixado por todos os movimentos e protestos que vêm ocorrendo no Brasil, persiste o consolo histórico da certeza de que levantar as vozes em um momento como esse é, antes de tudo, um instrumento legítimo de luta por direitos.

CONCLUSÃO

            A greve geral de 1917 deixa seu legado enquanto marca histórica de uma greve por reivindicação de direitos, de uma classe de trabalhadores que decidiu lutar quando a sua própria condição de seres humanos parecia invisível. O que antes parecia improvável, após a Greve Geral de 1917, se mostrou eficiente, comprovando que uma determinada classe pode sim se fazer ouvir quando na busca por seus direitos, principalmente através de uma organização centrada, focada e, por que não, acalorada.

            E o centenário de sua deflagração, justamente no corrente ano, com o contexto da reforma trabalhista, só faz reforçar mais ainda o caráter simbólico da greve e sua confirmação enquanto movimento que permitiu um legado em direção às reivindicações. A greve geral, sob uma perspectiva histórica, terminou logrando certo diálogo com o governo e um atendimento, mesmo que ainda incipiente, de suas demandas.

            O que haveria, então, de comum, entre os trabalhadores de 1917 e os de 2017? Bem, no Brasil, a classe trabalhadora, infelizmente, ainda serve aos interesses da elite. Então talvez o que haja de comum a ambas as gerações seja a consciência de dois pontos primordiais: o primeiro é o de que algo precisa melhorar. Mesmo que haja um evidente avanço nas condições trabalhistas atuais em comparação com as do início do século XX, existe um consenso que permite que os trabalhadores tenham consciência de que não apenas ainda não atingiram as condições ideais de trabalho, mas que, longe disso, ainda têm um longo caminho a percorrer no sentido da manutenção de seus direitos já conquistados e da conquista de novos direitos.

            O segundo ponto é o espírito de luta comum que, inevitavelmente, toma todos os trabalhadores em uma mesma situação de precariedade. Os brasileiros vivem hoje o mesmo sentimento de insegurança coletiva que os grevistas de 1917 sentiam. Isso faz com que o movimento operário sinta o verdadeiro desejo de lutar por seus direitos e não deixar que o espírito de resignação se sobressaia ao espírito de resistência.

            O fato é de que enquanto houver esperança em se barrar as reformas trabalhistas, os movimentos sindicais continuarão lutando, nas ruas ou nas casas, e enquanto houver ameaça aos direitos já conquistados, haverá resistência para a sua conservação. Tal qual na Greve Geral de 1917, os trabalhadores seguirão resistindo.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil: promulgada em 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 31 março 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 março 2017.

CASSAR, VB. Direito do Trabalho. 9. Ed. São Paulo. GEN/Método, 2014.

FAUSTO, B. Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920. 1. Ed. São Paulo – Rio de Janeiro. Difel, 1976.

LINHARES, H. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. 2 Ed. São Paulo. Alfa-Omega. 1977.

LOPREATO, CSR. O espírito da revolta: A greve geral anarquista de 1917. 1996. 273 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, São Paulo. 1996. Disponível em: <https://we.riseup.net/assets/188046/O%20esp%C3%ADrito%20da%20revolta%20A%20greve%20geral%20anarquista%20de%201917%20(Christina%20Lopreato).pdf>.  Acesso em:  28 março 2017.

Palavras Chaves

Direitos trabalhistas. Reivindicação. Greve Geral.