ASPECTOS JURÍDICOS DO TERRORISMO NO BRASIL

Resumo

O terrorismo alastrou-se para todo mundo, assim inexoralvelmente colocando o Brasil nesse radar, sobretudo por ser sede de grandes eventos no Brasil mundiais (Jornada Mundial da Juventude; Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, para citar alguns). Assim, vamos analisar apenas alguns aspectos jurídicos destes atos terroristas no Brasil. Os atos de terrorismo podem acontecer com finalidades das mais diversas, mas desde que provoquem situações de medo, de insegurança e que alterem a ordem pública. Estes fatores levaram a produção em caráter de urgência de uma lei antiterror (lei 13.260/2016), sem que houvesse muita discussão com a sociedade, em especial com a comunidade jurídica e acadêmica, surgindo assim outro problema político-jurídico de igual gravidade, qual seja, do risco e do perigo da criminalização do terrorismo voltado para os movimentos sociais. O sistema jurídico autoriza a condenação criminal e a reparação civil, mas a quem se imputa a responsabilidade por atos terroristas? Esse dano de terror psicológico como o ato presencial dependerá da fundamentação dos fatos e da análise jurídica e do direito comparado. Desta complexidade temática, é importante manter a discussão sobre a responsabilidade objetiva do Estado de Terror, através da teoria do risco social (art. 37, parágrafo 6º), além do risco integral para atos terroristas contra aeronaves.

Artigo

Sumário: Introdução; 1. Crimes constitucionais, resistência e terrorismo; 2. O que qualifica ato terrorista; 3. O que não qualifica ato terrorista; 4. Responsabilidade do Estado; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O terrorismo efetivamente é um fenômeno globalizado, que alastrou-se para todo mundo, desde centros urbanos mais desenvolvidos até regiões mais remotas. Os atos de terrorismo se caracterizam basicamente como atos contra a vida, a integridade física das pessoas, destruição ou interrupção dos serviços públicos, ou apropriação de bens ou pessoas. Combatem organismos de poder político, de natureza sociocultural, inclusive grupos religiosos. Os atos terroristas podem acontecer com finalidades das mais diversas, desde que provoquem situações de medo, de insegurança e que alterem a ordem pública.

Nos interessa analisar apenas alguns aspectos jurídicos dos atos terroristas no Brasil, conforme a Constituição Federal e a novíssima Lei 13.260, de 16 de março de 2016, que regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5o, da Constituição Federal. Esta lei surge dentro do processo de organização de grandes eventos no Brasil, como Jornada da Juventude com a presença do Papa; Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, entre vários exemplos, que podem atrair atos que se identificam com o fenômeno do terrorismo. Isto tudo levou a produção urgente de uma lei anti-terror (lei 13.260/2016) sem que houvesse muita discussão com a sociedade e até na comunidade jurídica e acadêmica, surgindo assim um outro problema político-jurídico de igual gravidade, do risco e do perigo da criminalização do terrorismo voltado para os movimentos sociais.

Embora o Brasil não esteja no radar do terrorismo, tornou-se tema urgente em face da constância dos ataques de atividades terroristas, especialmente em países europeus como a França, Itália, Alemanha, Espanha nada impedindo que algum ou outro venham sofrer futuramente novo ataque terrorista. Inclusive, esta nova lei já foi aplicada recentemente, quando a Polícia Federal prendeu suspeitos de planejar ações terroristas, em atos preparatórios, durante a Olimpíada do Rio de Janeiro (agosto de 2016), com supostas relações com grupos terroristas.

O combate ao terrorismo se mani­fes­ta para a pre­ser­va­ção dos valo­res democráticos ins­cri­tos na ordem constitucional e havendo comprovadamente danos pessoais ou materiais, sistema legal autoriza a reparação civil e criminal. A quem se imputa a responsabilidade por atos terrorista realizados pela internet por grupos estrangeiros, por exemplo? Esse dano de terror psicológico como o ato presencial dependerá da fundamentação dos fatos e da análise histórica dos institutos jurídicos e do direito comparado. Desta complexidade temática, é importante manter a discussão sobre a responsabilidade objetiva do Estado de Terror, através da teoria do risco social (art. 37, parágrafo 6º), ou do risco integral para atos terroristas contra aeronaves. Na legislação específica do terrorismo, não há responsabilização do Poder Público pelos danos decorrentes destes atos, exceto nos ataques à aeronaves.

 

1.CRIMES CONSTITUCIONAIS, RESISTÊNCIA E TERRORISMO

A Constituição Federal no art. 4º expressa: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo. A Constituição mencionou a expressão atentados terroristas no art. 5º, XLVII, para os fins de considerá-los inafiançáveis e, inclusive, para responsabilizar seus executores, mandantes e os que, podendo evitá-los, se omitirem. A Lei n. 13.260, de 16 de março de 2016, inovou no ordenamento jurídico penal ao tipificar a conduta de terrorismo. Contudo, foi omissa quanto às hipóteses de indenização por atos de terrorismo. Assim, o crime de terrorismo já se encontrava tipificado no ordenamento jurídico pátrio por força do artigo 20, da Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional).

Constituição Federal de 1988, em seu artigo , inciso XLIII, ao dispor acerca dos crimes hediondos inseriu um mandado mínimo de criminalização, para ser definida em lei os qualificadores da conduta do terrorismo, criminalizando e definindo sanções penais pertinentes. Somente agora depois de quase trinta anos da promulgação da Constituição, adveio a lei e a tipificação penal do crime de terrorismo, por certo, motivado pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016, assim como por decorrência dos constantes e crescentes  ataques terroristas, que vêm ocorrendo em diversos países.

Os valo­res cons­ti­tu­cio­nais ins­cri­tos na ordem demo­crá­ti­ca e a defesa dos direi­tos funda­men­tais, expressamente repugnam os atos terroristas, inclusive, conforme o caso, podem ser tipi­fi­ca­dos como cri­mes cons­ti­tu­cio­nais (art. 5o, XLIV, CF), se esta ação for resultado de gru­pos arma­dos, civis ou mili­ta­res, con­tra a ordem cons­ti­tu­cio­nal e o Estado demo­crá­ti­co. Os cri­mes cons­ti­tu­cio­nais foram cria­dos na Constituição de 1988, ver­bis: “art. 5o, XLIV – cons­ti­tui crime ina­fian­çá­vel e impres­cri­tí­vel a ação de gru­pos arma­dos, civis ou mili­ta­res, con­tra a ordem cons­ti­tu­cio­nal e o Estado demo­crá­ti­co”.  Desconsiderar esse pre­cei­to do Estado de Direito, seja qual for o ataque, terrorismo alcan­ça a con­di­ção de crime cons­ti­tu­cio­nal polí­ti­co. A Constituição fixa a com­pe­tên­cia da Justiça Federal para pro­ces­sar e jul­gar os cri­mes polí­ti­cos (art. 109, IV, CF), com recur­so para o STF (art. 102, II, b, CF).

A Constituição esta­be­le­ce as res­tri­ções para con­fi­gu­rar o crime cons­ti­tu­cio­nal: a) sujei­to ativo: ação arma­da de gru­pos civis ou mili­ta­res; b) obje­to: con­tra a ordem cons­ti­tu­cio­nal e o Estado demo­crá­ti­co; c) sujei­to pas­si­vo:  o Estado demo­crá­ti­co. Os cri­mes cons­ti­tu­cio­nais (art. 5o, XLIV, CF) ainda não foram regu­la­men­ta­dos, mas a pró­pria Constituição já esta­be­le­ce os ele­men­tos nor­ma­ti­vos de valo­ra­ção jurí­di­ca penal a lei 7.170/83 (lei de segu­ran­ça nacio­nal)[1] como: a) veda­ção de ação arma­da con­tra a ordem cons­ti­tu­cio­nal e o Estado demo­crá­ti­co; b) veda­ção de reu­nião com armas (art. 5o, XVI, CF); c) veda­ção de asso­cia­ção de cará­ter para­mi­li­tar (art. 5o, XVII, CF); d) veda­ção de uti­li­za­ção pelos par­ti­dos polí­ti­cos de orga­ni­za­ção para­mi­li­tar (art. 17, §, 4o, CF). Então, pela exe­ge­se desse pre­cei­to, con­fi­gu­ra-se, de forma nega­ti­va, que não há crime cons­ti­tu­cio­nal, quan­do: a) a ação arma­da for indi­vi­dual; b) o Estado não for demo­crá­ti­co.

Para alcan­çar certa estra­té­gia política, os grupos terroristas usam basicamente a sabo­ta­gem, o seqües­tro, a auto-imo­la­ção, o con­fron­to de rua e a guer­ri­lha. Estes instrumentos podem ser considerados atos de resis­tên­cia, não-ins­ti­tu­cio­nal. Esta moda­li­da­de de resis­tên­cia, fora da ação constitucional, usa expe­dien­tes gra­vo­sos con­tra os agentes políticos do Estado, principalmente nos movi­men­tos polí­ti­cos orga­ni­za­dos que lutam pela auto­de­ter­mi­na­ção dos povos (BUZANELLO, 2014). O direito de resistência também pode ser ilícito ou lícito com guarida constitucional (art. 5o, § 2º, CF), pois depende das circunstâncias políticas e jurídicas. Tanto que neste caso de atos terrorista, o direito de resis­tên­cia se apre­sen­ta de forma ambí­gua, pois enquan­to uma pode ser res­guar­da­da pela ordem jurí­di­ca, outra pode ser repro­va­da. Não se pode, por isto, com­par­ti­lhar a priori que os meios empre­ga­dos nas ati­vi­da­des polí­ti­cas ­tenham sido atos de legí­ti­ma defe­sa. Os abu­sos de direito são sem­pre repro­vados.

A deter­mi­na­ção do sis­te­ma cons­ti­tu­cio­nal deve pre­ver as ten­ta­ti­vas de modi­fi­ca­ção anti­ju­rí­di­ca da cons­ti­tui­ção, os deno­mi­na­dos cri­mes cons­ti­tu­cio­nais. Todas essas ten­ta­ti­vas têm como meta final a mudan­ça do poder polí­ti­co-jurí­di­co. Estas modi­fi­ca­ções, com ou sem recur­so à força arma­da, podem ser pro­ve­nien­tes dos ­órgãos cons­ti­tu­cio­nais de cúpu­la, geral­men­te do Executivo (cha­ma­do de golpe de Estado) ou da socie­da­de civil (cha­ma­da de ação revo­lu­cio­nária). Nestas duas hipó­te­ses, a defe­sa da ordem jurí­di­ca fica por conta da parte adver­sa, que geral­men­te foi der­ro­ta­da poli­ti­ca­men­te.

O pro­ble­ma surge com maior gra­vi­da­de quan­do a pró­pria estru­tu­ra gover­na­ti­va do Estado é que rompe o con­tra­to cons­ti­tu­cio­nal, entes estes cria­dos exa­ta­men­te para a guar­da cons­ti­tu­cio­nal. Nesse caso de ação anticonstitucional da cúpu­la do poder, duas ações podem inter­vir com o pro­pó­si­to de resis­tên­cia: uma, inter­na­men­te de ­alguns dos ­órgãos cons­ti­tu­cio­nais que se ante­põe à ação anticons­ti­tu­cio­nal e, outra, parte da socie­da­de civil que quei­ra res­ta­be­le­cer a ordem cons­ti­tu­cio­nal. Esta é a alegação da defesa da presidente Dilma Roussef no processo de impeachment como uma ação anticons­ti­tu­cio­nal que parte da cúpu­la do Poder Legislativo, tanto que denominam de “golpe parlamentar”, que neutraliza os meios san­cio­na­tó­rios constitucionais na aferição dos cri­mes de res­pon­sa­bi­li­da­de (art. 85, CF; Lei 1.079/50).

 

2. O QUE QUALIFICA ATO TERRORISTA

Na conceituação de Joaquim Ebile Nsefum, são “atos contra a vida, integridade corporal, saúde ou liberdade das pessoas; de destruição ou interrupção dos serviços públicos ou de destruição ou apropriação do patrimônio que, verificados sistematicamente, tendem a provocar uma situação de terror que altera a segurança e a ordem pública com fins políticos” (NSEFUN, 1985, p. 54).

Os atos de terrorismo se apresentam movidos pela ação violenta, com alta intensidade com ou sem reivindicações. Com reivindicações, giram entorno do governo/Estado (a favor ou contra), determinada pessoa/cultura/religião/nacionalidade ou objeto e sem reivindicações, apenas o ato pelo ato, para demonstrar poder e medo.

Há demonstrações de confusão entre valores defendidos pelos grupos terroristas, entre os mais conhecidos[2]. Uns reivindicam mudanças na política, morte de políticos, extermínio de credos religiosos, símbolos culturais passando por símbolos islâmicos, comunistas, anarquistas, hitleristas entre outros. A internet vira a praça pública de propaganda dos grupos terroristas, com manifestações em textos, fotos e vídeos em variadas mídias, que são confundidas como democratização da cultura. A polícia se mantém identificada apenas como repressão às liberdades públicas.

Esses atos terrorista podem ser praticados por uma só pessoa, ou por grupo social. Nos atos individuais, também chamados de “lobos solitários”, em regra, são espontâneos e não se conhecendo a priori a dinâmica do evento, sua pauta de reivindicações. Já no atos de grupos, possuem organização e liderança com pauta de reivindicações, em regra, não se sabendo onde começa e termina o próprio evento. Os atos produzidos por grupos de terroristas são atos decorrentes de grupos políticos com fins determinados e dolo especifico de aterrorizar, pois o terror é uma tendência de conduta e representa um perigo continuado, não sendo necessária uma pluralidade de atos, se um não for pela continuidade dos demais.

A isto que a lei brasileira chama de “terror social”. A Lei 13.260, de 16 de março de 2016 inovou no ordenamento jurídico penal ao tipificar a conduta de terrorismo, tendo definido quais são os atos que qualificam ou desqualificam a conduta. Define no art. 2º., terrorismo para fins de tipificação penal: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. São atos de terrorismo: I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento; V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.

Primeira indagação doutrinária, o que significa “terror social”? Não há clareza necessária junto ao princípio da legalidade na utilização de referido termo jurídico. Também inovou o legislador na criação de novo tipo penal “atos preparatórios das condutas”, considerado como crime a prática de atos preparatórios, quando demonstrada a sua intenção de consumação do delito.

A criminalização de atos preparatórios antecipou-se na configuração do delito, punindo o ato preparatório ao terrorismo, mesmo antes do início de qualquer ato executório, desde que demonstrada a finalidade. Diferentemente, no artigo 5º o agente não inicia a efetiva execução do delito, pelo que não há que se falar em tentativa do cometimento das condutas da lei.

A prevenção delitiva de condutas terroristas, antecipando-se à consumação do delito e, inclusive, ao início de sua execução (em termos penais), punindo-o mesmo não tendo transcorrido todo o iter criminis, isto é, todo caminho que o agente perfaz para a prática do delito. Traduz-se em diversas etapas, as quais podem ser citadas atos preparatórios, atos executórios e a consumação. Na tipificação penal clássica, a ação típica inicia-se a partir dos atos de execução, na qual pode ser configurada a tentativa, agora valorando-se os atos preparatórios.

A fase dos atos preparatórios, na qual o agente inicia a preparação da execução da conduta ilícita, não se trata de fase punível no sistema pena brasileiro. “Os atos preparatórios, em regra, são impuníveis. Excepcionalmente, todavia, merecem punição, configurando delito autônomo. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de associação criminosa. Aquele que se reúne com três ou mais pessoas para planejar a prática de crimes está em plena fase de preparação (dos crimes futuros), mas já executando a formação de um grupo criminoso, comportamento este que o legislador entendeu grave o suficiente para justificar tipificação autônoma e independente dos delitos visados pela associação” (CUNHA, 2015, p. 323).

Agora a conduta preparatória tem natureza de crime autônomo, conforme a lei 13.260/2016, nos casos de “integração na Organização Terrorista e Criminalização de atos preparatórios. Pune-se o fato do agente integrar a organização que tenha como finalidade a prática de crimes, correspondentes à associação criminosa do Código Penal (art. 288)  assim como organização criminosa  (Lei 12.850/2013). Um exemplo recente foi a prisão de brasileiros que tinham ligação com a organização terrorista do Estado Islâmico, apenas pelo simples fato de estar integrado a ela, já ensejando sua punição na forma da lei.

 

3. O QUE NÃO QUALIFICA ATO TERRORISTA

Eis que surge o problema político-jurídico do perigo da criminalização do terrorismo dos movimentos sociais. Confome art. 2º, § 2o , da Lei 13.260/2016, não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas, participação em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.

Os atos danosos praticados por massas revoltosas de movimentos sociais são diferentes dos atos praticados por grupos terroristas. Os movimentos sociais decorrem de movimentos de massa, premida por circunstâncias econômicas, sociais e políticas, de caráter genérico e apresentando um cunho social imediatista. Os protestos são reações espontâneas de multidões de pessoas, contra ou a favor de determinado fato para que suas reivindicações sejam ouvidas, ou uma tentativa de influenciar a política do governo ou opinião pública. Muitas destas manifestações se apresentam por meio de muita violência física.

Nem toda forma violenta de protesto pode ser considerado ato terrorista, como quebra-quebra, uso de bombas, greve de fome, ocupação de prédios. Os movimentos sociais, em regra, possuem certa organização de comando, como os eventos chamados por sindicatos e outros que se autodenominam anarquistas anônimos, grupos de mascarados, com os Black Blocks sendo os mais conhecidos[3].

Como saber previamente se o dano a ser aferido terá natureza de ato terrorista ou de movimento social. Somente poderá diferenciar-se após a identificação do fato concreto, do nexo causal, a intencionalidade e o responsável pelo dano. Por sua vez, a jurisprudência excluiu a responsabilidade do Estado em virtude dos crimes de atos de terrorismo, pois não se confundem com a hipótese de responsabilidade do Estado pelos fatos multitudinários de movimentos sociais.

 

  1. RESPONSABILIDADE DO ESTADO

A doutrina e a jurisprudência são escassas quanto ao tema “terrorismo” no Brasil[4]. A jurisprudência de nossos Tribunais não tem admitido a responsabilidade do Estado por atos terroristas, sob o fundamento de serem os atos um fato prática de terceiros e porque não demonstrada omissão do Estado na prestação da segurança pública.

Quanto ao objeto jurídico, os atos terroristas são ilícitos, descritos no art. 4º, VIII, CF, “repúdio ao terrorismo”, como também a ação de gru­pos arma­dos, civis ou mili­ta­res con­tra a ordem cons­ti­tu­cio­nal e o Estado demo­crá­ti­co. Na esteira deste raciocínio, não é de responsabilidade pública a ação terrorista, apenas de quem os praticou, seja individuo ou grupo, exceto no caso de atentados em aeronaves.

A doutrina do risco integral não indaga da culpabilidade do agente, nem da natureza do ato praticado, e muito menos das condicionantes do serviço público. Para Hely Lopes Meirelles, a “teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Para essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima.” (MEIRELLES, 2004, p. 586).

No entanto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro salienta que diante de normas que foram sendo introduzidas no direito brasileiro, surgiram hipóteses em que se aplica a teoria do risco integral, no sentido que lhe atribui Hely Lopes Meirelles, tendo em vista que a responsabilidade do Estado incide independentemente da ocorrência das circunstâncias, que normalmente seriam consideradas excludentes de responsabilidade. É o que ocorre nos casos de danos causados por acidentes nucleares (art. 21, XXIII, d, da Constituição Federal), e também na hipótese de danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, conforme previsto nas Leis nº 10.309, de 22 de novembro de 2001, e 10.744, de 9 de outubro de 2003 (DI PIETRO, 2014, p. 647/648).

Como de fato, o art. 21, XXXII, d, da Constituição Federal prevê como competência da União a exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza, informando ainda que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa. Da mesma forma, a Lei n.º 10.309/2001 autoriza à União assumir as responsabilidades civis perante terceiros no caso de danos a bens e pessoas no solo, provocados por atentados terroristas contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras no Brasil ou no exterior. Caberá ao Ministro de Defesa atestar que o sinistro ocorreu em virtude de ataques decorrentes de guerra ou de atos terroristas. Já a Lei n.º 10.744/2003, autorizou a União, no que estabelecido pelo Poder Executivo, a assumir despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, no montante global de um bilhão de dólares. Estão limitadas exclusivamente à reparação de danos corporais, doenças, morte ou invalidez, excetuados, dentre outros, os danos morais, ofensa à honra, ao afeto, à liberdade, à profissão, psique, à saúde e ao bem-estar. Entende-se por atos de guerra qualquer guerra, invasão, atos inimigos estrangeiros, hostilidades com ou sem guerra declarada, guerra civil, rebelião, revolução, insurreição, lei marcial, poder militar ou usurpado ou tentativas para usurpação do poder. No mesmo sentido, entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional. Os eventos correlatos incluem greves, tumultos, comoções civis, distúrbios trabalhistas, ato malicioso, ato de sabotagem, confisco, nacionalização, apreensão, sujeição, detenção, apropriação, sequestro ou qualquer apreensão ilegal ou exercício indevido de controle da aeronave ou da tripulação em vôo por parte de qualquer pessoa ou pessoas a bordo da aeronave sem consentimento do explorador.

Os atos de terrorismo são qualificados como atos de guerra civil e seus prejuízos não são indenizáveis (CANOTILHO, 1974). A esse respeito, o autor português mencionou a conexidade existente entre a guerra civil e a da responsabilidade do Estado pelos danos patrimoniais que para os agentes resultaram durante os atos de terrorismo.

Na análise jurídica dos fatos, o nexo de causalidade deve circunscrever-se entre a ação lesiva praticada pelo atos terroristas e os danos que estes atos causaram, bastando apenas comprovar a ocorrência de três elementos,  para ver-se atestada a responsabilidade do Estado, quais sejam: a)  fato administrativo: qualquer forma de conduta atribuída ao Poder Público (culpa in eligendo: pela má escolha do agente; ou culpa in vigilando: pela má fiscalização da conduta do agente); b) dano: elemento inafastável à responsabilização, uma vez que não há porque se falar em responsabilidade sem a presença do dano; c) nexo causal: entre o fato administrativo e o dano sofrido haverá de ter uma relação causal, bastando  ao lesado, assim,  a demonstração de que o dano sofrido adveio de uma  conduta administrativa (comissiva ou omissiva; legítima ou ilegítima) (CARVALHO FILHO, 2015, p. 430). Se, diante dos fatos, o Estado deixar de empregar todos os meios necessários para prevenir danos e à integridade física dos cidadãos, quando isto era possível, responderá civilmente por meio do erário público.

O Brasil consagrou a imputação da responsabilidade do Estado, embasada na teoria objetiva na Constituição Federal de 1988 (art. 37, § 6) e no Código Civil de 2002, asseverando que a Administração Pública, em decorrência de comportamentos comissivos e omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos (DI PIETRO, 2014, p. 501).

Como de fato, o art. 21, XXXII, d, da Constituição Federal prevê como competência da União a exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza informando ainda que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa. A aplicação do dispositivo constitucional no que tange à responsabilidade estatal decorrente de ato terrorista contra aeronaves, somente é devida em casos de condutas omissivas do Estado, com aplicação, para estas, do Código Civil Brasileiro.

Dentro da classificação de responsabilidade do Estado, quase assente na doutrina, além dos decorrentes de ato lícito ou ilícito, temos também os atos decorrentes de condutas comissivas ou omissivas dos agentes públicos. A primeira tem por base o princípio da igualdade de todos os administrados perante os encargos públicos; a segunda, o princípio da legalidade, segundo o qual aquele que age de maneira contrária à lei e, ao fazê-lo, causa dano a alguém, está obrigado a reparar o dano. “Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito, no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maiores do que o imposto aos demais membros da coletividade” (DI PIETRO, 2014, p. 208).

Esta polêmica em torno da natureza jurídica da responsabilidade estatal por conduta omissiva é pertinente, quando se estuda os atos terroristas. Se o Poder Público, quando lhe sendo possível, deixa de evitar danos causados por atitudes ilícitas praticadas por terrorismo, será obrigado a indenizar, uma vez que falhou no cumprimento de seu dever de proteção da segurança, da vida e da propriedade de particulares.

A responsabilidade civil toma uma feição mais moderna e justa na medida em que a Constituição adota a teoria da responsabilidade objetiva para os casos de conduta comissiva, pois retirou a parte mais frágil da relação jurídica que é lesada, os ônus de provar a culpa estatal. O sistema jurídico está autorizado a criminalizar os atos terrorista, mas não autoriza criminalizar os movimentos sociais por ser da essência do Estado democrático. Autoriza a condenação por atos ilícitos, seja pessoa física ou jurídica, mediante a individualização da culpa e da pena (art. 5º, XLVI, CF), e pelos atos omissos dos agentes públicos (art. 37, § 6º. CF).

Assim, quando temos a responsabilidade do Estado por conduta omissiva, mister se faz a demonstração da culpa do agente público para que haja aplicação dessa  responsabilidade; para outros, no entanto, tal conduta está perfeitamente amparada pela Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, quando se refere à teoria do risco administrativo, sendo desnecessária a prova da culpa por parte do Estado.

O Estado, no contexto em que não agiu quando e como deveria agir para evitar os atos terroristas ou não obstou a sua ocorrência, foi omisso em seu dever de garantir a ordem pública, a integridade física dos cidadãos e de zelar pela propriedade particular de seus administrados, devendo, por conseguinte, reparar os danos suportados pelos particulares, os quais não concorreram para a eclosão de tais movimentos, não sendo justo que estes suportem sozinhos os prejuízos ante as garantias a eles conferidas pela Constituição.

A responsabilidade por conduta omissiva é a área em que o direito administrativo deve se socorrer do direito penal. O conceito de culpabilidade, distinto do conceito de culpa, mesmo em sentido largo, alberga o juízo de censura em face da reprovabilidade da conduta, e o da cognata exigibilidade de comportamento diverso. Também ao direito penal haverão de recorrer àqueles ramos jurídicos, no capítulo da responsabilidade pelo risco, tal qual  disciplinada pelo art. 927, parágrafo único, do Código Civil: responsabilidade independentemente de culpa por atividade que implique risco.

A responsabilidade estatal decorrente de falha na prestação do serviço público será elidida, no entanto, em determinadas situações, quando não houver nexo causal entre a conduta omissiva ou comissiva do agente do Estado e o dano suportado pelo particular.

A matéria da qualificação dos atos terrorista será resolvida dentro do sistema jurídico pela interpretação jurídica e as possíveis soluções do art. 4º, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LIDB), principalmente também pelo direito comparado. Não há substancial diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal, no sentido em que ambos representam violação de um dever jurídico, violação à lei, através de uma ação.

É possível, ainda, que a prática de um ilícito atinja as duas esferas, civil e penal. Nesses casos haverá dupla reação do ordenamento jurídico, impondo uma pena ao criminoso na esfera penal e possibilitando à vítima pleitear uma indenização na esfera civil. Num homicídio, o criminoso será condenado à pena imposta pelo art. 121 do CP, e na órbita civil, poderá ser condenado a reparar o prejuízo pela família da vítima. No primeiro, o agente infringe uma norma de direito privado e, causando dano, fica obrigado a repará-lo. A reação do direito pode ser representada pela indenização que seria exigida pela vítima do agente causador do dano, atingindo assim seu patrimônio. Todavia, como a matéria é de interesse apenas do prejudicado, se este se resignar a sofrer o prejuízo, nenhuma consequência advirá para o causador do dano. No ilícito penal, o agente infringe uma norma de direito público e seu comportamento perturba a ordem social, constituindo crime ou contravenção. A reação do ordenamento jurídico, é representada pela aplicação de uma pena que, em regra, atinge a liberdade do ofensor.

A responsabilidade civil, embora independente da criminal, sofre influência desta última. A sentença condenatória criminal faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente de crime (art. 91, I, do CP, art. 63 do CPP e art. 584, II, do CPC).  Assim, no direito civil dirige-se à vítima, à sua recomposição ao status quo ante, já o direito penal dirige-se ao infrator, cuida das condutas humanas que atingem bens sociais de maior relevância.

 

  1. DIREITO DE DEFESA DO ACUSADO DE TERRORISTA

É tarefa muito difícil para o advogado defender alguém acusado de crime de terrorismo, parecendo tudo conspirar contra, de modo que estas distorções acabam prejudicando a realização das ações do Poder Judiciário. As sentenças judiciais, muitas vezes, já vêm etiquetadas, com o argumento de que a violência favorece o endurecimento das penas, e este crime grave, não merece os eventuais benefícios previstos em lei. Não se pode agravar uma situação fática sem o devido amparo legal.

Parte da imprensa desconhece o assunto e faz um pré-julgamento usando o discurso da impunidade. Claro que um dos problemas graves do Brasil é a impunidade e a cobertura criminal desperta o interesse da sociedade, mas a mídia precisa informar sem aniquilar ou tornar irrecuperável a presunção de inocência. A pessoa inocente que aparecer na televisão como indiciado por crime de terrorismo corre sério risco de nunca mais será absolvido pela sociedade, permanecendo para sempre no imaginário social como culpado, independentemente de ser absolvido por falta de provas ou por questões processuais.

Sobra pouca força moral para alguém depois de atravessar uma condenação ou um linchamento social, sendo que a grande maioria destes acusados não consegue reabilitar sua honra, só conseguindo superar esta situação a pessoa que tenha meios, força, condição financeira para se organizar e fazer isto. Coibir condutas mais gravosas é a regra do direito penal, como o crime de terrorismo gera a privação da liberdade, a aplicação subsidiária do direito penal é que vem sendo desrespeitada, uma vez que não se tem a cultura de que o direito penal deveria ser reservado única e exclusivamente para as questões muito graves.

Quase todos do povo clamam por mais prisões, devido a insegurança do pais, porem deve ser ponderada a ideia de que o investigado deva ir para a cadeia, porque no cárcere ele  ficará tendente a confessar e confessando poderá ser solto, como nas delações premiadas da operação Lava Jato. Por outro lado, se não fosse assim, não teríamos o sucesso no combate à corrupção. Eis que colocada a necessidade do equilíbrio jurídico e da ponderação.

Em muitas operações da Polícia Federal há ilegalidades, começando pela dificuldade de acesso ao cliente, aos autos, seja preso ou investigado, sendo interceptações telefônicas que são feitas às margens da lei e cuja transcrição é pura interpretação de quem ouve, são  exemplos de atos ilegais comuns, como invasões de residências e até mesmo  colocação de escuta sem ordem judicial. A expedição de mandados de busca e apreensão genéricos são expedientes ilegais, de modo que quando a ilegalidade é mantida e o direito de defesa tão fortemente violado, não se pode falar em bom funcionamento das instituições. O Supremo vem se posicionando para corrigir esses abusos. Fez isso quando declarou inconstitucional o artigo da Leis de Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime, que cabe para atos terroristas. Também quando declara uma ação nula porque as provas foram colhidas de forma ilegal. Nulificou os áudios do Lula com a Presidente Dilma autorizados ilegalmente pelo Juiz Sergio Moro, na Lava Jato, como também na condução coercitiva, sem acusação formal.

Assustador é imaginar que em um Estado de Direito precisemos de intervenções do Supremo Tribunal Federal para que sejam assegurados ao cidadão seus direitos constitucionais. Os princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de inocência e do amplo direito de defesa são basilares, consubstanciando respeito à dignidade da pessoa humana.

O direito de defesa é sagrado e tem sido considerado como empecilho a persecução criminal. Na acusação criminal deve levar em conta a presunção de inocência. O papel do advogado é estar do lado de alguém que muitas vezes não tem mais ninguém em quem se amparar. Esse grupo de pessoas presas sob a acusação de atos preparatórios do terrorismo, independentemente do devido processo legal, já foram condenadas. Em caso de absolvição judicial, quem irá repará-los?

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os atos de terrorismo são revestidos de caráter criminal, ao mesmo tempo em que havendo provas de ação ou omissão administrativa poderão ser passíveis de reparação civil. Houve evolução constitucional para a categoria objetiva em sede de responsabilidade civil do Estado, especificamente para o ataque contra aeronaves.

O Estado é responsável objetivamente por ataque à aeronaves, ficando as demais alegações jurídicas para serem provadas no curso do processo e não apenas de uma teoria geral, também respondendo pelos atos de terrorismo o agente e o grupo causador de danos e violência. Quando do julgamento do processo judicial, entre provas será aferido o grau e a intensidade de culpa, no caso concreto. Inclina-se, assim, não por aplicar uma teoria de responsabilidade, mas pela ponderação de interesses e pela construção de uma solução jurídica dentro do devido processo legal.

Nesse conjunto de fundamentações teóricas sobre os atos de terroristas e atos de movimento social, discorda-se da doutrina que propõe soluções simples para questões complexas, embora com argumentos plausíveis. Esta simplificação é de elevado risco. A criminalização do movimento social sob a alegação de “prejuízo social” decorrentes das suas práticas, como fechamento de ruas, prédios atos de vandalismo estaria sendo violado o princípio da ofensividade, priorizando a punição do autor em face da não valoração dos fatos. Tudo isto está em aberto, para ser discutido com a devida emergência.

O liame da tipificação de atos preparatórios dos atos de execução dos atos de terrorismo é de difícil distinção, contudo, atende ao necessário combate repressivo, com maior velocidade do que as figuras clássicas do direito penal. Agora, a nova lei 13.260/2016, traz uma imputação genérica de atos preparatório, conforme o grau e a intensidade de culpa. A criminalização de atos preparatórios antecipa o momento de punição do agente não em relação à integração de organização terrorista, mas sim da preparação para a realização das condutas previstas no artigo § 1º da referida lei.

Contudo, parece que estamos diante do “direito penal do inimigo”[5], de Gunter Jakobs, no que tange à antecipação da punibilidade do agente, eis que não se espera a realização efetiva do fato material, sendo a sua preparação já considerada como ilícito penal. “Dito de outro modo, o lugar do dano atual à vigência da norma é ocupado pelo perigo de danos futuros: uma regulação própria do direito penal do inimigo. O que, no caso dos terroristas – em princípio, adversários – pode ser adequado, isto é, tomar como ponto de referência as dimensões do perigo, e não o dano à vigência da norma” (JAKOBS, 2007, p. 44).

Há determinadas condutas que merecem atenção especial e mecanismos para que sejam combatidas. Do mesmo modo que o sistema penal clássico mostra-se insuficiente para o combate à crimes de maior complexidade – como os crimes de terrorismo, drogas ou de corrupção – deve-se ter em consideração que o combate ao terrorismo deve escapar aos sistemas clássicos de punição, encontrando mecanismos efetivos de controle destes atos. Evidentemente, deve-se manter a dignidade humana e as garantias constitucionais, penais e processuais penais ao sujeito incriminado, conforme o ordenamento constitucional.

Tempos difíceis estes que estamos vivendo, que qualquer palavra vira palavrão onde adota-se a doutrina do direito penal do inimigo, sem maiores problemas, a antecipa-se a culpa antes da configuração do delito, devido a complexidade da matéria. A história nunca haverá de se repetir, mas os ventos que se anunciam sopram pelas correntes mais de “direita”. Tempos que vamos experimentar.

 

[1] A Lei de Segurança Nacional tem ori­gem no regi­me mili­tar e atri­bui cri­mes de ter­mi­no­lo­gia supe­ra­da como “inci­tar a sub­ver­são da ordem polí­ti­ca e ­social” e prevê a com­pe­tên­cia da Justiça Militar para pro­ces­sar e jul­gar os cri­mes pre­vis­tos por esta lei. Parece-nos uma apli­ca­ção inde­vi­da por­que a cons­ti­tui­ção de 1988, não recep­cio­na leis que ­tenham pro­pó­si­tos de defe­sa do regi­me polí­ti­co ante­rior, conhe­ci­do como “entu­lho auto­ri­tá­rio.

[2] Estado Islâmico no Iraque e na Síria (EIIS) é um grupo terrorista jihadista que age nos dois referidos países, tendo surgido em 2013 como uma dissidência da Al-Qaeda, inspirando-se nesse grupo. O seu líder é Abu Bakr al-Baghdadi, que liderou a Al-Qaeda no Iraque em 2010 e que havia participado da resistência à invasão dos Estados Unidos ao território iraquiano em 2003. O objetivo do grupo é a criação de um emirado islâmico abrangendo os territórios da Síria e do Iraque. Talibã: o grupo Talibã é um grupo político que atua no Paquistão e no Afeganistão, também preocupado com a aplicação das leis da sharia. O grupo comandou o Afeganistão, quando os EUA invadiram o país em 2001, após os atentados de 11 de setembro. Com a retirada das tropas estrangeiras, o grupo vem fortalecendo-se e retomando o controle de boa parte do território afegão.

[3] A Ação Global dos Povos (sigla AGP) é um movimento radical e social, em resistência ao capitalismo e para justiça ambiental e social. Os manifestações dos Black Bloc chamaram a atenção da mídia pela primeira vez pelo protesto na Organização Mundial do Comércio, em Seattle (EUA, 1999) e usam como símbolo o uso do capuz e roupas pretas, estratégia adotada para dificultar a identificação dos participantes.

[4] Julgado do STF: “O repúdio ao terrorismo: um compromisso ético-jurídico assumido pelo Brasil, quer em face de sua própria Constituição, quer perante a comunidade internacional. Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente CF, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). A CF, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembleia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política. (Ext 855, rel. min. Celso de Mello, j. 26-8-2004, P, DJ de 1º-7-2005).

[5] Direito penal do inimigo é um conceito do jurista alemão Günther Jakobs, segundo certas pessoas, por serem inimigas da sociedade (ou do Estado), não merecem ter a proteção do direito civil ou do direito penal. Assim, propõe a distinção entre um direito penal do cidadão, que se caracteriza pela manutenção da vigência da norma; e um direito penal para inimigos orientado para o combate a perigos e que permite que qualquer meio disponível seja utilizado para punir esses inimigos, com a suspensão de certas leis justificada pela necessidade de proteger a sociedade ou o Estado. Esse conceito recebe muitas críticas dos estudiosos do direito e da política.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2014.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos. Coimbra: Almedina, 1974.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Trad. Carlos Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 3ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.

JAKOBS, Gunter. Direito penal do inimigo: noções e críticas. 2ª ed. Trad. André Callegari. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: RT, 2001.

NSEFUM, Joaquim Ebile. El delito de terrorismo: su concepto. Madrid: Montecorvo, 1985.

STERMAN, Sonia. Responsabilidade do Estado. Movimentos multitudinários: saques, depredações, fatos de guerra, revolução, atos terroristas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

 

Palavras Chaves

Terrorismo no Brasil. Ato terrorista. Responsabilidade do Estado por ato terrorista. Direito de resistência