COMPLIANCE E A LEI ESTADUAL Nº 7.753/2017

Artigo

COMPLIANCE E A LEI ESTADUAL Nº 7.753/2017

 

Caio de Souza Loureiro[1]

Maria Magalhães Avelar[2]

 

 Introdução

O presente artigo objetiva analisar as principais questões advindas do dever de implementação de Programas de Integridade para empresas que contratem com a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro, nos termos da Lei Estadual nº 7.753/2017[3].

A legislação em questão conceitua o programa de integridade como o conjunto de mecanismos e procedimentos internos aplicáveis no âmbito de determinada pessoa jurídica e que se relacionam a “integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública do Estado do Rio de Janeiro[4]”.

A norma aplica-se aos contratos administrativos, observado o valor mínimo contratual de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia, e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico; também é aplicável quando o prazo do contrato for igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência[5]. Em todos esses casos, obriga-se que os contratados implementem ou comprovem a existência programas de integridade sob pena de multa diária no valor de 0,02% do valor do Contrato, limitada a 10% do valor contratual (art.6º).

Nos casos em que a empresa já possua Programa de Integridade implantado, esta deverá apresentar declaração de existência (art. 10). Nos demais casos, a implementação do programa deverá ocorrer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias corridos, a partir da data de celebração do contrato (art. 5º).

Por força do art. 11 da referida legislação, caberá ao Gestor de Contrato fiscalizar a implantação do Programa de Integridade, garantindo a aplicabilidade da Lei e na ausência deste, o Fiscal do Contrato assumirá tais obrigações.

A legislação em tela será analisada no contexto do avanço das medidas de combate à corrupção no direito brasileiro com enfoque na expansão das medidas de compliance na realidade organizacional.

Serão igualmente analisadas as principais questões levantadas a respeito da Lei nº 7753/2017, em especial, quanto a avaliação da proporcionalidade das suas exigências e os desafios para sua efetividade.

I – Surgimento e expansão do compliance no sistema jurídico brasileiro

A expansão dos programas de compliance e, mais especificamente, em sua modalidade voltada à promoção da integridade no direito brasileiro, é fenômeno diretamente influenciado por normas e práticas estrangeiras e de organizações internacionais no sentido de combate à corrupção[6].

Hui Chen e Eugene Sotes apontam que relevante expansão do incentivo institucional para adoção dos programas de compliance nos Estados Unidos ocorreu especialmente após o ano de 1991, em que “a Comissão de Condenação dos Estados Unidos (USSPC, na sigla em inglês) alterou suas normas gerais e ofereceu às empresas uma redução substancial de multas se elas conseguissem apresentar um programa eficaz de compliance[7], sendo tal incentivo reproduzido em outras agências e entidades governamentais como o Departament of Justice (DOJ) e a Securities and Exchange Commission (SEC).

Conforme já destacamos em outra oportunidade[8], a adoção de mecanismos de compliance e integridade está relacionada ao combate aos ilícitos econômicos e empresariais e passa por crescente processo de padronização internacional, sobretudo no contexto de crises financeiras de escala global[9] e da necessidade de recuperação da confiança de investidores e agentes econômicos.

Destaca-se, em especial, a tendência de outorgar-se responsabilidade de controle da obediência ao ordenamento jurídico e às normas internas de cada organização aos próprios agentes econômicos mediante a adoção de instrumentos de governança corporativa, tais como o compliance.

A expressão compliance não encontra tradução precisa para língua portuguesa. De forma sintética, o compliance designa “medidas pelas quais as empresas pretendem assegurar-se que as regras vigentes para elas e para seus funcionários sejam cumpridas, que as infrações sejam descobertas e eventualmente sejam punidas[10]”.

Ainda, de acordo com o Código de Compliance Corporativo, do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), o compliance, como função indispensável nas empresas, independentemente do seu porte e do seu segmento, tem como objetivo “assegurar que o exercício das suas atividades se dê de forma sustentável, em estrita conformidade com o ordenamento jurídico e as normas aplicáveis, bem como em consonância com elevados padrões éticos e responsabilidade social” (art. 2º).

 O compliance não se restringe, portanto, ao cumprimento das normas jurídicas e tampouco está restrito a medidas de prevenção e combate à corrupção[11].

Nos termos das definições contidas na norma ISO 19.600 – 3.17[12], o compliance trata do atendimento dos mais variados tipos de obrigações da organização. A nota explicativa da norma em questão aponta que o entendimento comumente disseminado para o termo compliance refere-se ao conjunto de mecanismos tendentes ao cumprimento de normas legais e regulamentares, políticas e diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da organização. O compliance visa, portanto, prevenir, detectar e sanar todo e qualquer desvio ou descumprimento de normas legais ou internas da organização.

Diante disso, os principais objetivos relacionados ao compliance são “evitar más condutas, detectar más condutas e alinhar as políticas corporativas com a legislação, regras e regulamentações[13]”.

Para os fins do presente trabalho cumpre tratar dos mecanismos de regulação estatal que interferem na criação e fiscalização dos programas de compliance. Mais especificamente, destaca-se o fenômeno de autorregulação estimulada, intimamente relacionado não apenas à adoção de programas de Compliance, mas também ao de incentivo à autodenúncia (tais como os acordos de leniência e a previsão de colaboração premiada).

 As legislações que buscam regular ou induzir os programas de compliance inserem-se no contexto do desenvolvimento de novos mecanismos regulatórios da atividade empresarial, de incentivo à prevenção e à redução dos danos decorrentes das atividades delitivas no cenário de insuficiência da regulação estatal clássica[14] e da ineficácia dos mecanismos repressivos tradicionais. Ganha força o discurso de que “se o Estado é incapaz de regular as empresas externamente, a única solução possível é valer-se delas para alcançar aos seus objetivos[15]”.

A indução à adoção de mecanismos e programas de compliance, no contexto da autorregulação regulada[16], ocorre principalmente pelo reforço das sanções aplicáveis em caso de descumprimento desses deveres de integridade, pela imposição de padrões mínimos de governança e conformidade, tal como no caso da Lei Estadual nº 7.753/2017, ou ainda, pelo desenvolvimento de incentivos à sua implementação, como nos casos em que a adoção de um programa de compliance efetivo configura causa de exclusão da responsabilidade ou de redução para aplicação de eventuais penalidades[17].

Em relação a este último aspecto Renato de Mello Jorge Silveira e Fernando Facury Scaff afirmam que, “como se pretende uma autorregulação regulada, verifica-se que o não-cumprimento dos controles internos por parte das empresas acaba por gerar sanções por parte do Estado, em termos do que se convencionou chamar de criminal compliance[18].

Dito isso, nota-se que a lei fluminense ora estudada se insere em contexto mais amplo de incentivo e reconhecimento da importância de práticas de prevenção à corrupção, que ganhou força sobretudo após a edição da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e da sua regulamentação[19], considerando-se em especial o Decreto nº 8.420/2015, cujo art. 41 contribuiu para a construção do conceito normativo de programa de integridade:

Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Após a consagração dos mecanismos de integridade como instrumento para redução de penalidades previstas na Lei Anticorrupção, diversas legislações estaduais e municipais passaram a regular tais programas no contexto das licitações e contratos, seja pela definição do seu conteúdo básico, da forma de comprovação da sua efetividade, ou ainda, pela regulação dos efeitos advindos da sua implementação na eventual detecção de comportamentos ilícitos.

Além da lei fluminense, objeto do presente trabalho, outras legislações e projetos de lei merecem destaque.

O substitutivo do Projeto de Lei nº 1.292 de 1.995, é dizer, o projeto de nova lei geral de licitações, apresentou em seu art. 24, §4º a possibilidade de que “nas contrações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital poderá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses contatos da celebração do contrato, conforme orientações dos órgãos de controle”.

A solução proposta deixa margem de discricionariedade para que o administrador possa avaliar a conveniência e oportunidade da imposição de deveres de integridade, diversamente da Lei Estadual nº 7.753/2017 que apresenta hipóteses vinculadas para exigência dos programas de compliance.

De outro lado, os mecanismos de governança corporativa, gestão de risco e compliance das empresas estatais exigidos pela Lei 13.303/2016 tem grande importância, seja por sua abrangência como por seu impacto no mercado das licitações e contratos.

A Lei Estadual nº 10.793/2017 do Espírito Santo estabelece Código de Conduta e Integridade que vincula todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços ao Estado do Espírito Santo, sejam sociedades empresariais ou sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como pessoas físicas e ainda, as fundações, as associações de entidades ou de pessoas, as sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, que recebam algum repasse de recurso do Estado do Espírito Santo. A legislação estipula, de forma principiológica, os principais deveres éticos que vinculam tais pessoas.

A Lei nº 6.112/2018 do Distrito Federal, por outro lado, estabelece a “obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as empresas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública do Distrito Federal, em todas as esferas de Poder, cujos limites de valor sejam iguais ou superiores aos da licitação na modalidade tomada de preço, estimados entre R$ 80.000,00 e R$ 650.000,00, ainda que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 dias”, valores e prazos inferiores àqueles previstos na lei fluminense.

Ainda, observa-se que esta legislação se diferencia da Lei nº 7.753/2017, na medida em que optou por padronizar os critérios de avaliação de acordo com as disposições da legislação federal. No caso da lei distrital, para que o Programa de Integridade seja avaliado, a pessoa jurídica deverá apresentar relatório de perfil e relatório de conformidade do Programa, nos moldes daqueles regulados pela Lei Federal nº 12.846, de 2013, pelo Decreto Federal nº 8.420, de 18 de março de 2015, e pelo Decreto nº 37.296, de 29 de abril de 2016, ou pela legislação correlata superveniente, no que for aplicável.  A Lei nº 6.112 prevê, ainda, que “o Programa de Integridade que seja meramente formal e que se mostre absolutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos previstos na Lei federal nº 12.846, de 2013, não é considerado para fins de cumprimento desta Lei”.

Em solução diversa, a Lei nº 10.744 de 20 de agosto de 2019 do Estado do Mato Grosso, por outro lado, instituiu a obrigatoriedade de assinatura de Termo Anticorrupção por qualquer beneficiário direto ou indireto de recursos públicos estaduais, a abranger “ todo e qualquer financiamento de projetos e para a celebração de convênios e parcerias, abrangendo também a aquisição de bens e serviços que envolvam contratos com a Administração Pública direta e indireta(art.1º)”.

Ao contrário das legislações acima sintetizadas, que enfocam no dever de implementação de programas de integridade, a lei mato-grossense estipula dever de comunicação em caso de irregularidade:

Art. 2º Além de se comprometerem a seguir as regras de conformidade estipuladas no Termo Anticorrupção, as empresas que receberem qualquer sorte de recursos públicos estaduais, sob qualquer título, deverão comunicar a ocorrência de problema ou indício de irregularidade que identifiquem no curso da execução do instrumento firmado com o órgão, entidade ou Poder.

  • 1º Em caso de inobservância da regra estabelecida nocaputdeste artigo, os repasses de valores públicos estaduais em benefício das empresas envolvidas em procedimentos investigativos de corrupção cessarão de imediato, caso comprovado que os administradores destas sabiam das irregularidades, só podendo ser retomados em caso de isenção de responsabilidade declarada pelo Poder Judiciário. (Parte vetada pelo Governador – mantida pela Assembleia Legislativa – publicada no DOE de 30.01.2019, p. 39)
  • 2º Comprovada a participação da pessoa jurídica de direito privado em atos de corrupção em desfavor do Erário Estadual, será decretado o vencimento antecipado da obrigação contratual assumida pela empresa, estando esta sujeita ao pagamento de multa proporcional ao dano causado. (Parte vetada pelo Governador – mantida pela Assembleia Legislativa – publicada no DOE de 30.01.2019, p. 39)

O dever de reportar é um estímulo relevante para adoção dos mecanismos de integridade, uma vez que estes se destinam justamente a prevenir e detectar descumprimentos normativos. Sem sua existência restaria difícil cumprir o dever de reportar, de forma fidedigna, a ocorrência de violações.

Tal medida encontra precedente na prática estadunidense, sobretudo após alterações do Federal Acquisition Regulation (FAR) em 2008. A norma federal de licitações passou a exigir além da implementação de programas de compliance por parte dos contratantes[20], a regra do reporte obrigatório de ilicitudes[21].

Yukins[22] afirma que, sobretudo em parte do mercado de licitações, impõe-se o reporte obrigatório (mandatory disclosure), de modo que “se os diretores ou responsáveis por determinar a vontade da empresa determinam que, após a devida conferência, há evidência confiável de que a empresa incorreu em certos crimes (fraude, suborno ou gratificações irregulares), fraude civil ou sobrepreço. A falha em cumprir com o dever de reporte obrigatório estipulado por contrato e pela regulação, poderá gerar o impedimento de contratar com a Administração contratante[23]”.

A análise do sistema estadunidense faz surgir relevante provocação: as exigências daquele sistema jurídico surgiram após longo processo de amadurecimento dos sistemas voluntários de governança bem como no contexto de desenvolvimento de relevantes instrumentos consensuais de prevenção e combate à corrupção. Poderiam os mesmos instrumentos ser implementados no Brasil, cuja cultura de integridade ainda parece estar em seus primeiros passos?

II – Compliance compulsório e efetividade: um desafio em curso

A literatura estrangeira, sobretudo aquela dedicada ao estudo da realidade anglo-saxã, tem apontado que apesar do discurso dos benefícios que se esperam a partir da implementação dos programas de compliance, há grande risco de que os recursos investidos em tais programas não apresentem os efeitos desejados. Teme-se que, em detrimento das finalidades precípuas deste mecanismo de governança, ocorra a mera construção de programas “de fachada”, com único intuito de eximir dirigentes da responsabilização legal, ou ainda, de diminuir eventuais danos patrimoniais às organizações envolvidas em ilícitos graves[24].

Hui Chen e Eugene Sotes[25] apontam que a direção das empresas pode encarar o compliance como espécie de “seguro” de faceta política, um valor investigo para minorar prejuízos sem real envolvimento dos envolvidos na implementação das medidas. Os autores relatam curioso caso em que um funcionário que recebeu sete sessões de treinamento de compliance e 35 avisos de prevenção de suborno e, ainda assim, envolveu-se em esquema de corrupção:

Quando o DOJ fez acusações criminais contra o funcionário da Morgan Stanley, Garth Peterson, em 2012, os documentos da acusação mostraram que Peterson tinha participado de sete sessões de treinamento de compliance e recebido 35 avisos relacionados a evitar subornar funcionários do governo — crime no qual ele próprio se envolveu. Mas essas iniciativas de compliance pouco influíram na conduta de Peterson, pois elas eram pro forma. “Existem os programas e e-mails”, disse ele, “mas não funcionam porque as pessoas simplesmente podem deletar ou, se têm de fazer teleconferências, mas… em vez de realmente ouvir, tudo o que têm de fazer é dizer ‘Garth Peterson está presente’, e discretamente desligar, ou simplesmente colocar o telefone de lado e fazer outro trabalho e depois marcam no quadradinho que diz: concluído[26].

O caso ilustra os efeitos deletérios do compliance “de gaveta”, que podem ser especialmente graves em países com baixo nível de maturidade em compliance.

Em pesquisa conduzida pela Protiviti [27], apenas 4% das empresas brasileiras possuíam alto nível de maturidade de compliance; 23% das empresas, por outro lado, possuíam baixo nível de desenvolvimento dos programas de compliance, cenário caracterizado por “poucos esforços ou nenhuma ação estão sendo direcionados pela organização para assegurar um ambiente ético” e, portanto, trata-se de empresa altamente exposta a riscos de corrupção.

Nesse cenário, deve-se refletir sobre a aplicação da legislação de compliance no contexto das licitações de modo a extrair a melhor efetividade possível de suas normas, sob pena de desperdício injustificado de recursos públicos. Ora, o compliance compulsório será objeto de precificação por parte dos licitantes e poderá, por consequência, afetar suas propostas econômicas.

Uma primeira linha de contribuição para melhor aplicação da legislação consiste em avaliar os principais erros e falhas de compliance das organizações com o objetivo de não os repetir.

Hui Chen e Soltes apontam que um dos grandes problemas relacionados aos programas de compliance refere-se a falta de aferição ou na falha das métricas de aferição comumente utilizadas avaliar a efetividade dos programas de compliance.

Os autores afirmam que “de acordo com a Deloitte e a Compliance Week, 70% das empresas sequer tentaram medir a efetividade de seus programas de compliance. E das que medem, só um terço está confiante ou muito confiante de que está utilizando as métricas certas[28]”. E ainda que haja tal aferição é comum que ela ocorra com base em critérios inadequados, tais como métricas incompletas ou inválidas, considerando-se que uma “medida significativa da efetividade precisa estar diretamente associada a resultados claramente articulados[29]”. Muitas empresas estão focadas, por exemplo, em mensurar quantos funcionários receberam treinamento enquanto a métrica realmente importante, neste ponto, relaciona-se à avaliação da compreensão dos funcionários em relação ao programa. Antes de se questionar a quantidade de colaboradores treinados, deve-se avaliar se “as habilidades adquiridas foram úteis para confrontar cenários antecipadamente, ou houve uma mudança de conduta[30]”.

Dentre outras questões problemáticas listadas por Hui Chen e Sotes estão o foco em medidas formais ou exigências legais sem a preocupação em seu verdadeiro impacto (como a exigência de anuência e ciência formal dos colaboradores em relação ao conteúdo dos programas de compliance), ou ainda, as medidas são escolhidas e avaliadas de forma enviesada a partir de pesquisas e autoavaliações. Os autores afirmam que “o problema com as pesquisas é que a autoavaliação e a autosseleção pelos respondentes pode distorcer os resultados e induzir os gestores a conclusões incorretas[31]”.

Como exemplo de boa construção de métricas de avaliação, Chen e Sotes citam o exemplo da avaliação da efetividade da criação de um canal de denúncias com proteção dos denunciantes (hotline), criado com objeto de viabilizar a detecção rápida de ilícitos:

Para entender melhor, os gestores podem aplicar uma análise de regressão multivariada. Modelos de regressão permitem que o investigador examine o impacto de uma variável enquanto mantém as demais constantes. Nesse caso, para afirmar se um aumento de chamadas indica um aumento nas violações de compliance, procuramos manter constantes os seguintes fatores: a disponibilidade da linha direta, o conforto das pessoas em usá-la, seu desempenho operacional e o número de potenciais usuários (pessoas com acesso a ela). Projetar modelos adequados de regressão exige tempo e experiência, mas é a forma mais confiável de saber se há tranquilidade ou preocupação com as mudanças no volume de chamadas[32].

Nota-se a avaliação adequada dos programas de compliance depende da criação customizada e individualizada de métricas capazes de medir o alcance de cada um dos seus objetivos, o que nos parece um desafio no contexto em que o programa de compliance sujeita-se a método de fiscalização imposto por lei a ser conduzido por agentes públicos que não necessariamente deterão a expertise para tanto.

A efetividade dos programas de compliance a serem implementados por aqueles que celebram contratos administrativos depende de especial arranjo entre a estrutura organizacional das empresas e do conjunto de incentivos e medidas regulatórias capazes de moldar o comportamento destas organizações. Como aponta pesquisa empírica conduzida por Jodi L Short e Michael W Toffel:

Our findings demonstrate that effective self-regulation is a product not only of structural conditions in organizations and environments but of what regulators do. This has important practical and theoretical implications. As a practical matter, our fi ndings provide tools that regulators can use to implement enforcement schemes that seek to leverage the self-regulating capacities of regulated organizations. As a theoretical matter, this approach helps to bridge organizational literatures on internal compliance structures, social control of individuals, and social control of organizations that have much to learn from one another. As regulators increasingly turn to voluntary and cooperative strategies to achieve regulatory goals, these bodies of scholarship can provide key insights into the mix of incentives and normative motivations that will most effectively shape organizational behavior[33].

No caso da legislação fluminense, tal efetividade dependerá de ajustes e de aprimoramentos regulatórios. Uma breve análise da aplicação da Lei nº 7.753/2017 evidencia o possível quadro de sobrecarga das autoridades responsáveis por sua fiscalização, o que poderá alterar o quadro de incentivos para implementação de programas de compliance efetivos por parte dos contratados.

Para ilustrar tal quadro, realizou-se análise de processos licitatórios recentemente conduzidos pelo Estado do Rio de Janeiro. Entre 01 de fevereiro de 2019 e 21 de abril de 2019, foram registrados 25 certames no portal de compras do Estado do Rio de Janeiro (QUADRO 1), em sua maioria, licitações na modalidade de pregão eletrônico.

Em análise dos respectivos contratos, nota-se que 12 deles (48% do total) exigiam a implementação de programas de integridade nos termos da Lei Estadual n.º 7.753/2017.

Todos os contratos com exigência de implementação de programas de integridade possuíam vigência de 12 meses e muitos deles instrumentalizam fornecimentos de bens com caráter imediato, a partir da realização de ata de registro de preços.  Nesse caso, se a empresa vencedora não possuir programa de integridade implementado nos moldes exigidos pela lei, esta deverá comprovar sua implementação em até 180 dias contatos da celebração da avença. Este prazo corresponde a quase metade da vigência contratual de modo que ao fim do Contrato, o programa de integridade sequer terá tempo de maturação suficiente para que seja avaliada sua eficácia.

Por outro lado, o Poder Público terá pouco mais que seis meses para avaliar a “implementação” desde programa. Seria tal prazo exequível em cenário de crescente assoberbamento da máquina administrativa?

Reconhece-se que o crescimento das boas práticas de governança e compliance tem potencial para incrementar a qualidade e a integridade das contratações públicas. Contudo, caso a legislação analisada seja aplicada irrefletidamente, o “incentivo” ao compliance poderá se converter em fardo inútil, o que não se pode admitir sob pena de violação do princípio constitucional da eficiência administrativa.

 ANEXO- QUADRO 1

Edital de licitações RJ – 1º de março a 21 de abril de 2019
1 Licitação:

PE 003/19-FAETEC-AQ.GÊNEROS ALIMENTÍCIOS-METRO III[34]

Objeto  Contratação de Empresa especializada, devidamente regularizada, para o fornecimento de gêneros alimentícios junto à Fundação de Apoio à Escola

Técnica do Estado do Rio de Janeiro – FAETEC, para as Unidades de ensino de educação básica, que compreende a Região Metropolitana III

Modalidade Pregão
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato R$5.508.752,40 (cinco milhões, quinhentos e oito mil, setecentos e cinquenta e dois reais e quarenta centavos)
Publicação: 01/04/2019
Referência ao Programa de Integridade: 16.7 No momento da assinatura do contrato, a licitante vencedora deverá comprovar que mantém programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública. 16.7.1 Caso a futura contratada ainda não tenha o Programa de Integridade instituído, a Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017 faculta o prazo de até 180 (cento e oitenta) dias para a implantação do referido programa, a contar da data de celebração contrato
2 Licitação:

PE 003/19-FAETEC-AQ.GÊNEROS ALIMENTÍCIOS-METRO II[35]

Objeto:  Contratação de Empresa especializada, devidamente regularizada, para o fornecimento de gêneros alimentícios junto à Fundação de Apoio à Escola

Técnica do Estado do Rio de Janeiro – FAETEC, para as Unidades de ensino de educação básica, que compreende a Região Metropolitana II

Modalidade Pregão
Tipo: Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato R$4.556.867,22 (quatro milhões, quinhentos e cinquenta e seis mil,

oitocentos e sessenta e sete reais e vinte e dois centavos

Publicação: 01/04/2019
Referência ao Programa de Integridade: 16.7 No momento da assinatura do contrato, a licitante vencedora deverá comprovar que mantém programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública. 16.7.1 Caso a futura contratada ainda não tenha o Programa de Integridade instituído, a Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017 faculta o prazo de até 180 (cento e oitenta) dias para a implantação do referido programa, a contar da data de celebração contrato
3 Licitação:

PE 003/19-FAETEC-AQ.GÊNEROS ALIMENTÍCIOS-METRO I

Objeto:  Contratação de Empresa especializada, devidamente regularizada, para o fornecimento de gêneros alimentícios junto à Fundação de Apoio à Escola

Técnica do Estado do Rio de Janeiro – FAETEC, para as Unidades de ensino de educação básica, que compreende a Região Metropolitana I, baixada litorânea e Norte

Modalidade Pregão
Tipo: Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato R$3.442.506,54 (três milhões, quatrocentos e quarenta e dois mil, quinhentos e seis reais e cinquenta e quatro centavos)
Publicação: 01/04/2019
Referência ao Programa de Integridade: 16.7 No momento da assinatura do contrato, a licitante vencedora deverá comprovar que mantém programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública. 16.7.1 Caso a futura contratada ainda não tenha o Programa de Integridade instituído, a Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017 faculta o prazo de até 180 (cento e oitenta) dias para a implantação do referido programa, a contar da data de celebração contrato
4 PREGÃO ELETRÔNICO PARA REGISTRO DE PREÇOS nº 004/2019

PARA A AQUISIÇÃO INSUMOS ODONTOLÓGICOS[36]

Objeto: Fornecimento de insumos odontológicos (Anestésicos e materiais em aço inox)
Modalidade: Pregão
Tipo: Menor preço
Prazo Ata de registro de preços terá validade de um ano, prorrogável por igual período. A entrega dos bens deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar da retirada da Nota de Empenho, que deverá ocorrer no prazo máximo de 3 (três) dias úteis após a sua emissão
Valor máximo do contrato R$ 193.522,31 (cento e noventa e três mil quinhentos e vinte e dois reais e trinta e um centavos
Publicação 02/04/2019
Referência ao Programa de Integridade Cláusula 4 ª g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública
5 PE 044/19-SES – AQUISIÇÃO DE MATERIAL
Objeto: O presente contrato tem por objeto a AQUISIÇÃO DE MATERIAIS (SERINGAS E AGULHAS), PARA A COORDENAÇÃO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, nas quantidades e condições indicadas no Termo de Referência (ANEXO I).
Modalidade Pregão eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato Não informado
Publicação 27/03/2019
Referência ao Programa de Integridade: Cláusula 4 ª g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública
6 PE 116/19-UERJ – Reformas ACESSIBILIDADE CAP
Objeto Execução de obras de reforma para ACESSIBILIDADE AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS nos prédios do Instituto de Aplicação da UERJ – CAP-UERJ
Modalidade Pregão Eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato “Média obtida na estimativa prévia de mercado”. As obras objeto deste Projeto Básico foram orçadas em R$ 820.758,01 (oitocentos e vinte mil setecentos e cinquenta e oito reais e um centavo), tendo como base os preços do catálogo EMOP, TCPO, SCO e preços de mercado (ref. JAN/2018).
Publicação: 27/03/2019
Referência ao Programa de Integridade: Cláusula 9ª XXVIII.  Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública.
7 PE 114/19-UERJ Contrata Fornec./Instal. AR CONDICI
Objeto Contratação de empresa especializada no FORNECIMENTO E INSTALAÇÃO DE SISTEMA EXPANSÃO DIRETA DE AR CONDICIONADO DO TIPO SPLITÃO INVERT no total de 60 (3 x 20) TR´s, atendendo Prefeitura dos Campi – PREFEI, conforme especificação detalhada no Projeto Básico
Modalidade Pregão eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.

 

Publicação 22/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA NONA – XXXV.        Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública.

XXXVI.         Caso a contratada ainda não tenha programa de integridade instituído, a contratada compromete-se a implantar o Programa de Integridade no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias corridos, a partir da data de celebração do presente contrato, na forma da Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017.

8 PE0106/19-UERJ-AQUIS TORNEIRA, ETC
Objeto  Aquisição de material hospitalar (torneira, extensor e adaptador) para o hospital universitário Pedro Ernesto.
Modalidade Pregão Eletrônico
Tipo Menor Preço
Prazo 12 meses.
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.
Publicação 14/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA QUARTA – g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética

 

9 PE0105/19-UERJ-AQUIS SONDAS
Objeto: Aquisição de material hospitalar (sondas) para o hospital universitário Pedro Ernesto.
Modalidade Pregão Eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.
Publicação 14/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA QUARTA – g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética
10 PE0103/19-UERJ-AQUIS ALÇAS DE POLIPECTIMIA
Objeto Aquisição de material de OPMES para o serviço de gastroenterologia do HUPE
Modalidade Pregão Eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.
Publicação 13/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA QUARTA – g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética
11 PE0102/19-UERJ-AQUIS SONDAS
Objeto AQUISIÇÃO DE MATERIAL HOSPITALAR (SONDA DE ASPIRAÇÃO TRAQUEAL) PARA O HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO
Modalidade Pregão Eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.
Publicação 13/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA QUARTA – g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética
12 PE0101/19-UERJ-AQUIS CASSETE PLÁSTICO, ETC
Objeto Aquisição de material hospitalar (cassete plástico, etc.) para o hospital universitário Pedro Ernesto.
Modalidade Pregão eletrônico
Tipo Menor preço
Prazo 12 meses
Valor máximo do contrato O preço máximo admitido pelo ÓRGÃO LICITANTE é a média obtida na estimativa prévia de mercado.
Publicação 13/03/2019
Referência ao Programa de Integridade CLÁUSULA QUARTA – g) Manter programa de integridade nos termos da disciplina conferida pela Lei Estadual n.º 7.753/2017 e eventuais modificações e regulamentos subsequentes, consistindo tal programa no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética

A análise acima, restrita a um universo limitado de contratos, é suficiente à evidência de um dos principais problemas com a determinação compulsória da lei fluminense. Ao determinar que todos os agentes públicos encarregados de gerir e fiscalizar os contratos da Administração estadual, a lei parte de uma pressuposição falha na origem: a de que todos esses agentes, que jamais foram treinados para essa função, tenham a capacidade de avaliar e aferir a qualidade dos programas de integridade de todos os contratados sob a sua supervisão.

Supor essa competência é algo até perverso com os agentes da Administração fluminense, não porque não sejam servidores empenhados nas suas funções, mas porque a tarefa de avaliar um programa de integridade é algo bastante complexo e específico, alheio ao plexo de atribuições do dia-a-dia desses agentes.

Tome-se, por exemplo da dificuldade dessa tarefa, procedimentos já existentes para a avaliação desses programas.

A avaliação conduzida com base nas normas ISO (19600 e 37001, a primeira de conformidade do programa, a segunda de certificação dos mecanismos anti-suborno) deve ser feita por entidade acreditada, segundo essas normas, que, por sua vez, seguem um amplo rol de procedimentos de verificação, muitos deles in loco, e, para tanto, contam com prazos razoáveis e com um efetivo de pessoas dedicadas a essa tarefa. O Pró-Ética, por sua vez, demanda de técnicos da CGU quase seis meses de avaliação dos programas de integridade enviados por organizações que desejem obter o reconhecimento da qualidade dos seus programas. Diga-se, ademais, que são analistas treinados especificamente para a avaliação desses programas.

Daí porque é utópica a presunção de que todos os agentes públicos encarregados da gestão e fiscalização dos contratos celebrados pela Administração fluminense têm qualquer condição de atender à exigência de avaliar (com efetividade) todos os programas de integridades daqueles que são contratados pelo Estado. Essa assunção ignora (i) a complexidade envolvida nessa tarefa, (ii) as limitações naturais de agentes que, não apenas possuem uma série de outras atribuições, como também jamais foram suficientemente treinados para essa tarefa específica e, por fim (iii) que a avaliação de um programa de integridade é uma atividade que demanda um tempo incompatível com os prazos contratuais, sobretudo quando a implantação desse programa pela empresa contratada ocorre nos 180 dias previstos pela lei.

A previsão, posta como está, portanto, não parece alcançar os objetivos propagados. A falta de capacitação dos agentes encarregados da avaliação dos programas de integridade torna inócua a exigências desses programas. É até mesmo questionável a viabilidade de capacitar todos aqueles encarregados de gerir e fiscalizar contratos da Administração, tanto o mais porque continuarão incumbidos de outras funções altamente demandantes – não é irrisório o esforço empreendido na gestão e fiscalização de um contrato – e, ainda, porque não é essa a sua função.

a.      Os efeitos reversos da medida

A par da inocuidade da exigência legislativa pelo programa de integridade, a construção feita pela Lei fluminense desperta, ainda, preocupação legítima com os riscos de compliance na sua adoção. É dizer: sob a justa razão de estimular a integridade corporativa, a exigência pode, de fato, suscitar atos ímprobos, daqueles que enxerguem na sua aplicação uma vantagem competitiva indevida.

Imagine-se, nesse aspecto, um agente público inescrupuloso que, munido da competência para aferir a qualidade dos programas de integridades de concorrentes num certame, entenda, em conluio com um concorrente, que os programas dos demais competidores não passam ao crivo da lei e, portanto, teriam um encargo adicional na hipótese de virem a ser contratados, aumentando os custos de transação; ou, ainda, suponha-se que, uma vez contratado, o particular tenha a avaliação do seu programa de integridade prejudicada por conta de acerto entre o gestor do contrato e um particular que tenha interesse na contratação, mas que não logrou vencer o certame que a antecedeu.

Por outro lado, a medida contempla, também, aquele particular que, malgrado não possuir um programa de integridade minimamente eficaz, oferta vantagem indevida ao agente encarregado de avaliar esse programa, e, assim, logra atender à exigência legal por meios ilícitos.

Essas situações todas decorrem, por certo, do alto grau de subjetividade na análise do programa de integridade, tal qual exigido na dicção da Lei fluminense. Ora, os incisos do art. 4º, que arrolam os parâmetros de análise, encerram elementos demasiadamente abertos, que demandam hermenêutica restritiva por parte do aplicador. Nesse ponto, o risco de o agente público manejar a avaliação de modo escuso é muito grande, pois, afinal, não se tem parâmetros objetivos de análise. Em realidade, é até questionável a possibilidade de se empreender avaliação objetiva – e, portanto, menos suscetível à ação indevida do avaliador – de um programa de integridade sem um mínimo de critérios objetivos, algo que falta na Lei nº 7.753/2017.

Como, afinal, apurar o comprometimento da alta direção (inc.I) sem quaisquer critérios ou parâmetros para tanto; ou, então, o que quer dizer “diligências apropriadas para contratação” (inc. XIII)?, o que seria apropriado?  Mais: em outros casos, no silêncio da lei, bastará que o programa apresente “medidas disciplinares”, “treinamentos”, ou é preciso verificar a eficácia dessas medidas e dos treinamentos realizados. Se um determinado programa prever apenas advertência dentre as medidas disciplinares, atenderá ou não ao exigido pela lei, afinal, formalmente, tem-se uma medida disciplinar; e se a empresa realizou apenas um treinamento básico, uniforme para os diversos colaboradores, é possível atender ao inciso próprio que trata dos treinamentos? Em situações como essa, será forçoso reconhecer que a única saída será adotar uma pauta check-list, na qual o gestor responsável pela avaliação do programa apenas poderá empreender uma análise “sim/não” de cada um dos itens demandados pelo art. 4º.

Fato é que, ao condicionar à discricionariedade do agente público mais um item relevante à participação e contratação de particulares pela Administração, a Lei nº 7.753/2017 confere mais um instrumento de coação ou de obtenção de vantagem indevida. Para tanto, basta que os agentes públicos ou particulares mal-intencionados se valham do abstracionismo do texto legal para direcionar a avaliação que será feita dos programas de integridade.

III – Conclusão

É inquestionável o mérito de iniciativas legislativas que fomentem a cultura de integridade corporativa. Soluções de diversas ordens (sanções, sanções premiais, incentivos, etc.) podem ser pensadas para mais bem introjetar nas organizações a preocupação com a adoção de regras e procedimentos que assegurem o exercício lícito e lídimo da atividade empresarial.

No entanto, pretender contemplar essa (relevante) pauta de modo açodado pode ter efeitos nulos, ou mesmo contrários a essa intenção. A promoção de medidas legislativas de afogadilho, sem a devida discussão e compreensão dos efeitos que podem provocar, notadamente em tema já tão sensível como a contratação administrativa, não traduz benefício real. Ao contrário, pode, sim, fomentar a corrupção ou, quando menos, impor obrigações adjacentes ao agente público e ao particular, que venham a onerar ainda mais a contratação.

O exemplo da Lei fluminense – louvável em seu intuito – é elucidativo dessa preocupação. Sob a justificada intenção de incentivar a integridade naqueles que contratam com a Administração estadual, a Lei nº 7.753/2017 acabou, no entanto, prevendo obrigações que, de um lado, dificultam sobremaneira a atuação dos agentes públicos encarregados da gestão dos contratos, impondo-lhes obrigações para cujo cumprimento não estão devidamente capacitados; do outro lado, as medidas previstas podem acabar promovendo apenas uma integridade meramente formal, desprovida de eficácia. Tanto pior, a abstração da norma em um ponto sensível da relação público-privada pode, ainda, acabar fomentando a corrupção, ao invés de combatê-la.

Daí porque é preciso cautela na adoção de medidas dessa ordem e, da mesma forma, é necessário corrigir a rota de iniciativas que já foram tomadas, não apenas pelo Estado do Rio de Janeiro, nesse sentido. O mais relevante, repise-se, é que a barreira da preocupação com o compliance parece já ter sido superada, o que indica uma mudança cultural de relevo. Agora, é amoldar esse ímpeto para que ele possa atingir da melhor forma os seus objetivos.

Referências Bibliográficas

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Nota de Rodapé:

[1] Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Doutorando em Direito do Estado pela USP.

[2] Advogada. Mestre em Direito e Administração Pública pela UFMG. Especialista em gestão e finanças pela Fundação Dom Cabral.

[3] BRASIL. Lei n.º 7.753 de 17 de outubro de 2017 do Rio de Janeiro. Dispõe sobre a instituição do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.

[4] Art. 3º da Lei n.º 7.753 de 17 de outubro de 2017

[5] Nos termos do art. 1º da  legislação em questão, que, ademais, determina que “Em 1º de janeiro de cada exercício posterior a 2018, o valor estabelecido no art. 1º, caput e §3º, será atualizado pela UFIR-RJ -Unidade Fiscal de Referência”,

[6] Conforme aponta a literatura identifica-se o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) como legislação pioneira do contexto global de combate à corrupção. Para melhor compreensão da aplicação desta legislação e da sua influência em normas posteriores, ver: RESENDE, Mariana Barbosa Araújo. Compliance como essência da governança corporativa a partir da experiência do Foreign Corrupt Practices Act. In FÉRES, Marcelo Andrade. CHAVES, Natália Cristina (orgs.). Sistema Anticorrupção e Empresa. Belo Horizonte: Editora D’Plácido,2018.

[7] CHEN, Hui. SOTES, Eugene. Por que os programas de compliance fracassam e como corrigi-los. Havard Business Review. Disponível em: https://hbrbr.uol.com.br/compliance-como-corrigir/ Acesso em 02 de fevereiro de 2019.

[8] Parte das reflexões aqui propostas foram melhor desenvolvidas em: AVELAR, Mariana Magalhães Avelar. Contratualização da atividade sancionadora: Acordo de Leniência no contexto das licitações e contratos. Dissertação de mestrado ao programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Belo Horizonte: UFMG, 2018.

[9] Destaca-se em especial a crise mundial de 2007, originada a partir da eclosão de bolha especulativa relacionada aos empréstimos hipotecários de alto risco no setor imobiliário estadunidense, também denominada de crise do sub-prime.

[10] VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivos à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva Jur, 2017, p. 91.

[11] Em outra oportunidade, destacamos que “a despeito dessas conceituações amplas, observam-se discursos que reduzem a aplicação do compliance pela leitura não sistemática de disposições da legislação anticorrupção. Dito de outro modo, o compliance tem sido compreendido de forma limitada ao “programa de integridade” trazido pelo Decreto nº 8.420, de 18/03/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção, definido como “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”Em vista destas confusões conceituais, reitera-se que o compliance, inclusive o adotado no âmbito do terceiro setor, é mais amplo que este programa (embora também o englobe) e tem funções que vão além do combate à corrupção, podendo ser caracterizado como todo o conjunto de diretrizes que tem por finalidade o cumprimento de normas legais e de políticas institucionais”. SANTOS, Marcela de Oliveira. AVELAR, Mariana Magalhães. ALVIM, Thiago. Compliance e o Terceiro Setor.in  CARVALHO, André Castro. BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. ALVIM, Tiago Cripa.VENTURINI, Otávio Manual de Compliance. São Paulo: Forense, 2019.

[12] 3.17. Compliance. Atendimento a todas as obrigações de compliance (3.16) da organização

NOTA. O compliance torna-se sustentado quando incorporado na cultura de uma organização (3.1), bem como no comportamento e na atitude de pessoas que trabalham para ela.

NOTA BRASILEIRA: O entendimento comumente disseminado para o termo compliance é de que se trata do conjunto de mecanismos tendentes ao cumprimento de normas legais e regulamentares, a prevenir, detectar e sanar todo e qualquer desvio ou não cumprimento que ocorra.

[13] CHEN, Hui. SOTES, Eugene. Por que os programas de compliance fracassam e como corrigi-los. Havard Business Review. Disponível em: https://hbrbr.uol.com.br/compliance-como-corrigir/ Acesso em 02 de fevereiro de 2019.

[14] COCA VILA, Ivó ¿Programas de cumplimiento como forma de autorregulación regulada? In: SILVA-SANCHEZ, Jesus Maria; Fernandez, Raquel Montaner. Criminalidad de empresa y Compliance: Prevención y reacciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013.

[15] “Si el Estado es incapaz de regular desde fuera las empresas, la única solución posible sería valerse de ellas para conseguir sus objetivos”. Tradução livre. (Ibidem, p. 46).

[16] Sobre a autorregulação regulada, já escrevemos: A autorregulação regulada tem ampla aplicação nos diversos ordenamentos jurídicos ocidentais. Manuel Catalayud adverte que a autorregulação não represente fenômeno estritamente novo. Conforme destaca o autor, alguns organismos autorreguladores (tais como as bolsas de valores, sindicatos e organizações profissionais de setores financeiros, desportivos, publicitários, dentre outros) representam relevantes fontes do direito em diversos âmbitos sociais (CATALAYUD, Manuel Maroto. Liberalismo vs. neocorporativismo: los discursos de la autorregulación como discursos legitimantes. In: JIMÉNEZ, Luis Arroyo; MARTÍN, Adán Nieto. Autorregulación y Sanciones. Thomson Reuters Proview, 2015, p. 93). Contudo, a intensificação de sua teorização é comumente atribuída à doutrina alemã, a que seguiram a doutrina espanhola e italiana. De forma paralela, a teorização desse fenômeno pela doutrina anglo-saxã ocorreu com foco na interação entre a regulação pública e a autorregulação ou autogestão social DARNACULLETA I GARDELLLA, Maria Mercè. La autorregulación regulada em la doctrina anglo-sajona y continental-europea. In: JIMÉNEZ, Luis Arroyo. MARTÍN, Adán Nieto. Autorregulación y Sanciones. Thomson Reuters Proview, 2015, p. 72 e ss.)

Ainda, nos termos defendidos por Maria Mercé Darnaculleta i Gardela, a autorregulação, na atualidade, não é um fenômeno estritamente privado, alheio ao desenvolvimento do direito público. Ao contrário, ela influencia diretamente o exercício dos poderes públicos. Para a autora, a autorregulação privada e a pública não são categorias excludentes, mas, antes, complementam-se, tendo inúmeros pontos de interseção(Idem, p.120-144.).

Essas teorizações são de grande proveito para o estudo dos meios alternativos ao exercício da função sancionatória administrativa. Isso porque a implementação de instrumentos de colaboração entre o ente privado e o Estado, tais como o acordo de leniência, depende essencialmente de dois fatores: de um lado, o privado deve ter capacidade de autorregular suas atividades para que possa cooperar com o Estado e, de outro, é preciso que o Estado reconheça efeitos jurídicos a esses esforços de colaboração, sob pena de não incentivar a colaboração dos privados.

Não há, como leciona Coca Vila, uma linha única de implementação da autorregulamentação. O autor defende que o espectro de regulação possui, entre os polos extremos de total desregulação e de heterorregulação, matizes intermediários: são os chamados modelos de regulamentação mista, tais como a metarregulação, a autorregulação regulada ou coregulação e a autorregulação pura. Essa classificação tripartite não se restringe à determinação do responsável pela elaboração do corpo normativo, mas também considera a decisão de quem será encarregado pela aferição do cumprimento desses parâmetros, além de como e quem aplicará sanções nos casos de ocorrência de infrações dos deveres estipulados (enforcement).  (COCA VILA, Ivó ¿Programas de cumplimiento como forma de autorregulación regulada? In: SILVA-SANCHEZ, Jesus Maria; Fernandez, Raquel Montaner. Criminalidad de empresa y Compliance: Prevención y reacciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013, p. 47.). AVELAR, Mariana Magalhães Avelar. Contratualização da atividade sancionadora:Acordo de Leniência no contexto das licitações e contratos. Dissertação de mestrado ao programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Belo Horizonte: UFMG, 2018, p. 67-68

[17] Para estudo das funções do compliance como meio de prova e para individualização e afastamento de responsabilidade, ver: PINTO, Felipe Martins. BRENER, Paula Rocha Gouvêa. Responsabilidade corporativa e compliance: novas estratpegias de prevenção à criminidade econômica. In FORTINI, Cristiana. Corrupção e seus múltiplos enfoques jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

[18] SCAFF, Fernando Facury; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Lei Anticorrupção é substancialmente de caráter penal. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-fev-05/renato-silveira-fernando-scaff-lei-anticorrupcao-carater-penal>. Acesso em: 15 mai. 2018.

[19] Destaca-se antes da legislação de combate à corrupção, já havia indução de adoção de medidas de governança e compliance na legislação brasileira aplicável a certos setores regulados, em especial os setores financeiros no contexto da prevenção e combate à lavagem de dinheiro, sobretudo após a edição da Lei nº 9.613/1998.  Considera-se que esta legislação “produziu uma revolução nos controles das instituições sob o ponto de vista dos clientes e obrigou as grandes instituições sob o ponto de vista dos clientes e obrigou as grandes instituições a disporem de sistemas sofisticados que lhes permitissem olhar para as movimentações diretamente ou para um conjunto de movimentações em dias distintos para poder chegar a alguma conclusão sobre eventuais atipicidades”. SOUZA, José Leonélio de. Evolução dos Controles Cadastrais nas Instituições Financeiras.p. 138 in GONSALES, Alessandra (org). Compliance: a nova regra do jogo. São Paulo: LEC, 2016.

[20] 52.203-13 Contractor Code of Business Ethics and Conduct. FAR 3.1004(a). A cláusula de integridade é obrigatória em contratos com valor superior a US$5.500.000,00 (cinco milhões e quinhentos mil dólares) e vigência de pelo menos 120 dias.

[21] FAR 3.1003 Requirements.

(a)Contractor requirements.

(1) Although the policy at 3.1002 applies as guidance to all Government contractors, the contractual requirements set forth in the clauses at 52.203-13, Contractor Code of Business Ethics and Conduct, and 52.203-14, Display of Hotline Poster(s), are mandatory if the contracts meet the conditions specified in the clause prescriptions at 3.1004.

(2) Whether or not the clause at 52.203-13 is applicable, a contractor may be suspended and/or debarred for knowing failure by a principal to timely disclose to the Government, in connection with the award, performance, or closeout of a Government contract performed by the contractor or a subcontract awarded thereunder, credible evidence of a violation of Federal criminal law involving fraud, conflict of interest, bribery, or gratuity violations found in Title 18 of the United States Code or a violation of the civil False Claims Act. Knowing failure to timely disclose credible evidence of any of the above violations remains a cause for suspension and/or debarment until 3 years after final payment on a contract (see 9.406-2(b)(1)(vi) and 9.407-2(a)(8)).

(3) The Payment clauses at FAR 52.212-4(i)(5), 52.232-25(d), 52.232-26(c), and 52.232-27(l) require that, if the contractor becomes aware that the Government has overpaid on a contract financing or invoice payment, the contractor shall remit the overpayment amount to the Government. A contractor may be suspended and/or debarred for knowing failure by a principal to timely disclose credible evidence of a significant overpayment, other than overpayments resulting from contract financing payments as defined in 32.001 (see 9.406-2(b)(1)(vi) and 9.407-2(a)(8)).

(b)Notification of possible contractor violation. If the contracting officer is notified of possible contractor violation of Federal criminal law involving fraud, conflict of interest, bribery, or gratuity violations found in Title 18 U.S.C.; or a violation of the civil False Claims Act, the contracting officer shall –

(1) Coordinate the matter with the agency Office of the Inspector General; or

(2) Take action in accordance with agency procedures.

[22] YUKINS, Cristopher R. Mandatory Disclosure: A Case Study in How AntiCorruption Measures Can Affect Competition in Defense Markets. Center for Ethics and the Rule of Law, University of Pennsylvania Law School. April 16, 2015. Disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2600676#> Acesso em 28 de março de 2019.

[23] Idem. “In the U.S. defense procurement market, regulators require contractors to make “mandatory disclosures” if principals at those firms determine, after due review, that there is credible evidence that the firms engaged in certain crimes (fraud, bribery or gratuities), civil fraud, or significant overpayment by the government. Failure to make such a mandatory disclosure, required by clause and by regulation, can lead to (among other things) the debarment of the contractor — a potentially devastating result”.

[24] Para aprofundamento da crítica, ver:  LAUFER, William S. Illusions of compliance and governance. Corporate Governance: The international journal of business in society, Vol. 6 Issue: 3, pp.239-249, 2006. https://doi.org/10.1108/14720700610671846

[25] CHEN, Hui. SOTES, Eugene. Por que os programas de compliance fracassam e como corrigi-los. Havard Business Review. Disponível em: https://hbrbr.uol.com.br/compliance-como-corrigir/ Acesso em 02 de fevereiro de 2019.

[26] Idem.

[27] PROTIVITI. Pesquisa nível de Maturidade de Compliance das Organizações Brasileiras. Disponível em:<https://www.protiviti.com/sites/default/files/pesquisa_de_maturidade_de_compliance_2017_0.pdf>. Acesso em 5 de abril. de 2019

[28] CHEN, Hui. SOTES, Eugene. Por que os programas de compliance fracassam e como corrigi-los. Havard Business Review. Disponível em: https://hbrbr.uol.com.br/compliance-como-corrigir/ Acesso em 02 de fevereiro de 2019.

[29] Idem.

[30] Idem

[31] Idem.

[32] Idem.

[33] SHORT, Jodi L. TOFFEL,Michael W. Making Self-Regulation More Than Merely Symbolic: The Critical Role of the Legal Environment. Administrative Science Quarterly ,2010 55: 361.

[34] https://www.compras.rj.gov.br/Portal-Siga/EditaisLicitacoes/detalhar.action#

[35] Disponível em: http://arquivossiga.proderj.rj.gov.br/siga_imagens//documentos/termos/22976/0/2Edital%20PE002%2019%20Metro%20II.pdf

[36] https://www.compras.rj.gov.br/Portal-Siga/EditaisLicitacoes/retiradaDeEdital.action