Contratos de crédito e superendividamento: a luta pela informação na sociedade da (des) informação.

Resumo

O presente artigo objetiva analisar o importante papel desempenhado pela informação contratual e pré-contratual enquanto mecanismo que visa a assegurar a proteção da legítima vontade do consumidor de crédito, e assim defendê-lo contra as agruras do fenômeno sócio-jurídico do superendividamento. Notou-se, nesse sentido, que o consumidor de crédito muito embora esteja imerso no excesso informativo característico desta sociedade pós-moderna, ainda carece de seu direito básico à informação na seara contratual, aqui entendido em sua forma mais ampliada. Para tanto, faz-se uma apreciação das disposições atinentes aos contratos de crédito no atual Código de Defesa do Consumidor, bem como sua interpretação/aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça, além dos mecanismos incorporados pelo Projeto de Lei 3.515/2015, e também por legislações estrangeiras, para a promoção de uma prevenção global contra o superendividamento.

Abstract

This article aims to examine the important role of contractual and pre-contractual information as a mechanism that aims to ensure the protection of legitimate consumer credit will, and then defend him against the hardships of social and legal phenomenon of overindebtedness. It was noticed that although the consumer credit be immersed in a typical informative excess of this postmodern society, he still lacks his basic right to information on contractual field, here understood in its broader sense. For this purpose, it was made an assessment of devices related to credit agreements in Consumer Protection Code and its interpretation/application by the Superior Court of Justice, in addition to mechanisms built into the Bill 3.515/2015, and also foreign legislations, to promote a global prevention of overindebtedness.

Artigo

Contratos de crédito e superendividamento: a luta pela informação na sociedade da (des) informação

Credit agreements and overindebtedness: the struggle for information in misinformation society

 

Matheus Baia de Andrade[1]

Resumo:

O presente artigo objetiva analisar o importante papel desempenhado pela informação contratual e pré-contratual enquanto mecanismo que visa a assegurar a proteção da legítima vontade do consumidor de crédito, e assim defendê-lo contra as agruras do fenômeno sócio-jurídico do superendividamento. Notou-se, nesse sentido, que o consumidor de crédito muito embora esteja imerso no excesso informativo característico desta sociedade pós-moderna, ainda carece de seu direito básico à informação na seara contratual, aqui entendido em sua forma mais ampliada. Para tanto, faz-se uma apreciação das disposições atinentes aos contratos de crédito no atual Código de Defesa do Consumidor, bem como sua interpretação/aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça, além dos mecanismos incorporados pelo Projeto de Lei 3.515/2015, e também por legislações estrangeiras, para a promoção de uma prevenção global contra o superendividamento.

Palavras-chave: Informação. Crédito. Superendividamento.

Abstract:

This article aims to examine the important role of contractual and pre-contractual information as a mechanism that aims to ensure the protection of legitimate consumer credit will, and then defend him against the hardships of social and legal phenomenon of overindebtedness. It was noticed that although the consumer credit be immersed in a typical informative excess of this postmodern society, he still lacks his basic right to information on contractual field, here understood in its broader sense. For this purpose, it was made an assessment of devices related to credit agreements in Consumer Protection Code and its interpretation/application by the Superior Court of Justice, in addition to mechanisms built into the Bill 3.515/2015, and also foreign legislations, to promote a global prevention of overindebtedness.

Keywords: Information. Credit. Overindebtedness.

Sumário:

  1. Introdução

1.1. O atual panorama da concessão de crédito no Brasil.

1.2. Crédito e superendividamento

  1. Crédito e informação

2.1. Os contratos de crédito e o Código de Defesa do Consumidor

2.1.1.  Da informação contratual: o Art. 52 do CDC

2.1.1.1. O formalismo informativo na jurisprudência do STJ

2.2. O dever de aconselhamento

2.3. A publicidade

  1. Considerações finais

3.1. A vitória do consumidor informado: breve panorama do PL 3.515/2015

  1. Referências bibliográficas.

 

  1. Introdução

            1.1. O atual panorama da concessão de crédito no Brasil

            O início do processo de democratização do crédito no Brasil ocorreu de forma tardia que na maior parte das nações desenvolvidas. De fato, somente a partir da edição do Plano Real, e sobremaneira nesta última década, foi que a população brasileira menos favorecida viu-se finalmente inserida em um sistema formal de crédito que passou a permitir-lhe acesso a uma variedade de produtos e serviços qua até então lhe era negada. Quando muito, tal democratização concedeu-lhe acesso a determinados gêneros fundamentais a garantir-lhe condições dignas de vida.

            Não tão somente o consumidor em sua individualidade beneficia-se da aquisição de crédito. Ao propiciar o consumo de forma ampla, pode-se dizer que o crédito é grande mola propulsora da Economia, tendo em vista que induz o aumento da produtividade, eleva as taxas de emprego, bem como amplia o poder de compra da população.[2]

            Com efeito, tal facilidade de acesso ao crédito se fez sentir nos dados divulgados pelo Banco Central do Brasil, que apontaram um montante de crédito disponível para pessoas físicas na ordem de R$ 1,7 trilhão somente para o mês de agosto de 2018.  Quanto ao crédito disponível para pessoas jurídicas, o montante atingiu a cifra de R$ 1,4 trilhão, com estimativa de queda em 2% para os próximos meses.[3] Estes dados permitem concluir que há de fato uma “migração” cada vez maior de recursos pelas instituições financeiras das pessoas jurídicas para pessoas físicas, o que corresponde a um maior financiamento do consumo a despeito da atividade produtiva. Não obstante as benesses que o crédito destinado ao consumo pode trazer, tal realidade é deveras preocupante, uma vez que o foco neste tipo de investimento pode revelar uma perspectiva inflacionária em longo prazo (CARPENA, 2007, p.77). De todo modo, reconhece-se que a expressiva concessão de crédito à pessoa física não traz como consequência única o progressivo aumento das taxas inflacionárias. Por trás dessa simples concessão, à princípio benéfica para o país, pode esconder-se uma problemática sócio-jurídica a despertar cada vez mais as atenções da doutrina consumerista: o fenômeno do superendividamento.”

            1.2. Crédito e superendividamento

            Definições variadas existem para contemplar o fenômeno do superendividamento. Seria inoportuno, assim, apresentar uma única visão com pretensões de verdade absoluta. Entretanto, para que se possa situar o leitor e nos permitir desenvolver a presente exposição, faz-se necessário a apresentação de pelos menos algumas definições que reflitam o pensamento preponderante da doutrina atual:


            Muito embora as definições apresentadas não coincidam de todo, é inegável que as mesmas apresentam muitos traços em comum. Assim, falar em superendividamento é falar na impossibilidade do devedor pessoa-física em pagar todas as suas dívidas, atuais e futuras, com a força de seu patrimônio e rendimentos.

            O superendividamento é fenômeno, pois, que pode se manifestar em qualquer consumidor, independentemente de gênero, profissão que exerce ou da classe social da qual faz parte. Basta que o devedor se veja impossibilitado subjetivamente em pagar o conjunto de suas dívidas, seja porque contribuiu efetivamente para isso, ou porque se viu diante de circunstâncias imprevistas da vida, como desemprego, divórcio e doença.[4]

            O fato é que as consequências da problemática do superendividamento não se restringem meramente à figura do consumidor, porquanto apresentam sérios reflexos sociais, econômicos e famliares. É inegável, assim, que o núcleo familiar do superendividado não sofra suas nefastas consequências, uma vez é muito comum que lhe seja imposto grandes sacrifícios para pagar as dívidas.  Outrossim, o superendividado se vê pouco motivado a agir de forma empreendedora, pois sabe que todo seu ganho se reverterá em benefício dos credores, o que leva o mais da vezes a abrigar-se na economia informal ou a passar a depender dos benefícios sociais custeados pelo Estado (DE LIMA, 2014, p.40).

            Como se vê, os efeitos do superendividamento são variados e afetam os mais diversos setores da sociedade. Assim, o superendividamento não é só fonte de estresse pessoal e familiar,[5] o que por si só é preocupante, mas também induz a baixa arrecadação de impostos e o aumento da criminalidade e estigmatização, trazendo um custo social que extrapola o viés jurídico e econômico, a necessitar de uma solução imediata.

            Os anúncios de crédito tornam-se, ainda, um grande fator de agravamento do superendividamento. A publicidade predatória de crédito, tal como praticada na atualidade, tem favorecido a contratação impulsiva do crédito, tendo em vista que explora elementos visuais, sobremaneira aqueles não escritos, que levam o consumidor a um estado de grande expectativa em relação à contratação, levando-o a agir precipitadamente a despeito de toda a reflexão que qualquer tipo de pactuação exige.

            Esta indústria da publicidade agressiva de crédito faz dos idosos, crianças e endividados suas vítimas preferenciais. Quanto às crianças, faz estimular hábitos de consumo cada vez mais diversificados, criando a todo instante novos objetos de desejo, que no mais das vezes não correspodem às suas necessidades factuais de consumo. Já os idosos são fisgados mormente pelo chamado crédito consignado, modalidade creditícia que sob o pretexto de oferecer taxas de juros mais reduzidas, autoriza o desconto correspondente ao pagamento da dívida diretamente de suas aposentadorias ou pensões.[6]  No que toca os endividados, percebe-se que estes são facilmente levados a contrair novos empréstimos, podendo-os levar a um estado de superendividamento e sua ulterior exclusão social.[7]

            Dessa forma, percebe-se que, cada vez mais, as contratações de crédito têm sido estimuladas pelas instituições financeiras, que exploram o irracional, o irrefletido, enfim, o aspecto emocional de seus consumidores.  Aproveitam-se, pois, de uma sociedade de consumo massificada, que se pauta pelo imediatismo, pela realização de prazeres momentâneos e por uma eterna busca de satisfação. Na esteira desse raciocínio, Bauman (2008, p.65) leciona que a atual sociedade de consumo aposta antes na irracionalidade dos consumidores do que em suas estimativas sóbrias e bem informadas, estimulando emoções consumistas a despeito da razão.[8]

            A abordagem do presente artigo concentrar-se-á na informação contratual e pré-contratual como forma de prevenção contra o endividamento excessivo dos lares e proteção da legítima vontade, posto que “racional” e refletida, do consumidor de crédito. Neste diapasão, muito embora esteja a atual sociedade pós-moderna vivenciando um excesso informativo, conforme nos ensina Lourenço (1996, p.104), observa-se que na seara do crédito o consumidor ainda padece de seu direito básico à informação, aqui entendido em sua forma mais ampliada. Para tanto, será analisado o que dispõe o diploma consumerista brasileiro acerca de tais contratos, bem como os mecanismos incorporados pelo Projeto de Lei 3.515/2015[9], ora em tramitação na Câmara dos Deputados, a fim de possibilitar ao consumidor um adequado exercício de seu direito de contratar, e fazer evitar, portanto, a nefasta incidência do superendividamento. Será também explorada, concomitantemente, a partir de uma perspectiva de Direito Comparado, os artifícios já adotados por legislações alienígenas, assim como a responsabilidade dos fornecedores de crédito uma vez violado o adequado dever de informar o consumidor.

  1. Crédito e informação

            2.1. Os contratos de crédito e o Código de Defesa do Consumidor

            É certo que a Lei 8.078/90, entre nós conhecida por Código de Defesa do Consumidor, consagrou a concessão de crédito como típica atividade praticada por um fornecedor no mercado de consumo. Assim dispõe, portanto, o referido diploma consumerista:

 “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou  estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,  importação, exportação,distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

(…)

 “§2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e  securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” [Grifo nosso].

            Este fato, no entanto, sempre foi motivo de muita preocupação por parte das instituições financeiras.[10]

Por óbvio, submeter-se às regras do CDC significaria abrir mão de anos de lucros exorbitantes conseguidos facilmente dada a inexistência de uma Política Nacional das Relações de Consumo[11].

No que toca a seara do crédito, isto significa que tais instituições deveriam “continuar” a exercer suas atividades observando, sobretudo, o dever de informar aquele vulnerável nas relações de consumo, o consumidor.

            O dever de informar, e portanto, o direito do consumidor em ser informado, assume papel de extrema relevância no momento pré-contratual, muito embora não se duvide de sua importância nos momentos de desenvolvimento da relação contratual e também pós-contratual. É justamente no momento anterior à contratação, entretanto, que o dever de informar possibilitará ao consumidor fazer uma escolha consciente, consagrando sua liberdade disposta no inc. II do Art. 6º do CDC, seja no tocante ao fornecedor com o qual irá desenvolver a relação, seja em relação ao bem ou serviço, ou ainda quanto às características do negócio. (BARBOSA, 2008, p.98)

            Sabe-se que tal direito encontra respaldo principal no Art. 6º, III, do supracitado diploma consumerista. Com efeito, o referido dispositivo consagra a informação clara e adequada como direito básico do consumidor, muito embora reconheçamos que a informação é a tônica de um variado número de dispositivos espalhados por todo o Código.[12] Pode-se dizer, antes disso, que o direito à informação encontra amparo constitucional, pelo o que dispõe o Art. 5º, XIV, da Constituição da República.[13]

            O direito à informação clara e adequada pode ser encarado, de toda a maneira, como irradiação do clássico princípio da boa-fé objetiva, disperso por todo o Código de Defesa do Consumidor, explícita e implicitamente. Neste aspecto, a boa-fé objetiva atua como regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais, impondo-lhes comportamentos baseados na lealdade, na correção, na probidade, na cooperação, na ausência de intenção lesiva ou prejudicial, eis que a conduta do fornecedor impacta diretamente o consumidor, e vice-versa. (LÔBO, 2001, p.7)

            Vale registrar, ainda, ser o direito à informação reflexo direto do princípio da transparência, que constitui, segundo Marques (2006, p.731), derivação do princípio maior da boa-fé objetiva. Segundo a autora, o princípio da transparência pode ser entendido como uma maior troca de informações entre consumidor e fornecedor, de modo possibilitar uma relação entre as partes pautada pela clareza, lealdade e respeito. Assim leciona a renomada doutrinadora:

   “Na formação dos contratos entre consumidor e fornecedor, o novo principio básico norteador é aquele instituído pelo Art. 4º, caput, do CDC, o da transparência. A ideia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e  consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.”  (MARQUES, 2006, p. 286)

            Além disso, não se pode olvidar de outra derivação igualmente importante do princípio da boa-fé objetiva e que também constitui fundamento do dever de informar: a proteção da confiança e dos interesses legítimos das partes[14]. Nesse aspecto, o dever de informação atua, sobretudo, como um meio de proteção do consumidor, que ingressa na relação de consumo imbuído pelo espírito de confiança criado pelo fornecedor para fomentar suas contratações. O consumidor, neste cenário, poupa-se de realizar investigações mais aprofundadas, inquirições mais detalhadas, tanto sobre o objeto daquela contratação, bem como sobre o modo pelo o qual esta se dará, uma vez que tende a confiar em seu futuro parceiro contratual.

            Dessa forma, assegurar o direito à informação não constitui um fim em si mesmo, senão um meio para garantir outros direitos das partes contratuais, tais como uma contratação equilibrada, em que a verdadeira vontade das partes seja respeitada; a utilização de produtos e serviços de forma responsável e segura, dentre os quais o crédito merece o nosso destaque; e ainda a prevenção e reparação de danos, dentre os quais menciona-se aqui a problemática do superendividamento.

            2.1.1.  Da informação contratual: o Art. 52 do CDC

            Além do dever geral de informação constante no Código de Consumidor, estabelece o Art. 52 do referido diploma um rol de informações obrigatórias a serem fornecidas prévia e adequadamente em qualquer contrato de crédito. São elas: o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; o montante de juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; acréscimos legalmente previstos; número e peridiocidade das prestações; e soma total a pagar, com e sem financiamento.[15]

            Da brevidade do dispositivo, percebe-se que a contribuição dada pelo CDC à proteção dos consumidores de crédito, principalmente se comparada a outras legislações de defesa do consumidor ao redor do mundo, é deveras modesta.[16] Outrossim, o Código não desenvolve outras técnicas de proteção eficazes ao consumidor de crédito, eis que restringe sua normativa à informação dada em contrato, e parece, assim, encarar o direito geral de informação como mera formalidade exercida pelo fornecedor ao consumidor.

            Se por um lado entendemos não ser suficiente a atual abordagem do Código de Defesa do Consumidor no que toca os contratos de crédito, não poderíamos, por outro, deixar de mencionar e analisar, no presente estudo, seu único dispositivo a consagrar o fornecimento de informações em tais contratos, bem como seus desdobramentos na atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

            De início, insta observar que o rol de informações contidas no Art. 52 do CDC deve ser transmitido ao consumidor de maneira prévia.  Entretanto, é evidente que a prática do mercado em muito se afasta do mandamento legal. Não é raro, assim, que o consumidor receba tais informações somente após a contratação, muitas vezes de forma incompleta, ou ainda que nem receba o instrumento contratual.[17] Uma vez que inexiste em nosso ordenamento jurídico a obrigatoriedade de uma oferta-prévia, o que oportunizaria ao consumidor uma avaliação mais completa da contratação, resta claro que, em raríssimas ocasiões, o consumidor de fato toma uma decisão refletida.

            Não basta, entretanto, que o fornecedor dê a conhecer tais informações de forma prévia. A adequação da mensagem é igualmente fundamental, tendo o legislador consagrado também esta característica no dispositivo em questão. De nada adianta, pois, que o consumidor tenha acesso à informação que fora disponibilizada pelo fornecedor, em contrato, se não é capaz de compreendê-la. E para que uma informação seja cognoscível pelo consumidor, mister que o emissor apreenda a realidade do emissor, analisando também o contexto em que este encontra-se inserido.

            Dessa forma, não se pode querer tratar todas as contratações de créditos de forma homogênea, como se sempre fossem celebrados com uma mesma categoria de consumidores, e de uma mesma maneira.  Com efeito, sabe-se que crédito pode ser consumido por jovens[18], adultos e também por idosos, utilizando-se dos mais diversos meios disponíveis para contratação, quais sejam, caixas eletrônicos, centrais de atendimento telefônico, Internet, e ainda a contratação direta com o fornecedor.

            Isto posto, tomemos como exemplo primeiro os idosos. Sabe-se os idosos constituem um grupo especial de indivíduos, posto que apresentam fragilidades de toda ordem, sobremaneira na seara contratual.[19] Daí porque a melhor doutrina consumerista encara o idoso como um verdadeiro “hipervulnerável” nas relações de consumo, uma vez que suas vulnerabilidades transcendem aquelas típicas de um consumidor padrão.[20] Nesse sentido, afirma Marques (2003, p.104), ser o consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele       cuja idade está acima dos 60 anos[21]) um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, porquanto é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, um leigo que necessita de forma premente de serviços e produtos, tendo em vista sua idade avançada e seus baixos rendimentos oriundos de aposentadorias, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos de adesão.

            Tratando-se, assim, de consumidores idosos de crédito, faz-se patente um cuidado ainda maior pelo fornecedor na difusão de informações acerca da contratação. O próprio instrumento contratual, nesse sentido, deve ser redigido de forma a não dificultar sua leitura pelo idoso contraente, uma vez que, ainda que não se queira generalizar, grande parte da população idosa sofre com problemas de visão. DE BEAUVOIR (1990, p. 35), em seu grande ensaio sobre a velhice, já destacava, nessa perspectiva, as características da senescência: “Os órgãos do sentido são atingidos. O poder de acomodação diminui. A presbiopia é um fenômeno quase universal entre os velhos, e a ‘vista cansada’ faz com que a capacidade de discriminação decline”.

            Diante disso, muito embora tenha a Lei 11.785/2008 modificado o Código de Defesa do Consumidor para fazer incluir previsão acerca do tamanho mínimo da fonte dos contratos de adesão[22], ainda assim perdeu o legislador grande oportunidade em regular a matéria de modo ainda mais favorável aos consumidores idosos. De fato, ao dispor que o tamanho mínimo da fonte de um contrato de adesão não poderá ser inferior ao corpo 12 (doze), parece o legislador ter aberto margem para que as instituições financeiras desconsiderem eventuais diferenças entre seus consumidores, de modo a praticar apenas o mínimo previsto em lei. Ressalta-se que nem mesmo o tão oportuno PL 3.515/2015 parece ter encarado a questão com a sua devida importância, o que poderia evitar, em alguma medida, o fenômeno do superendividamento.

            No que toca as contratações realizadas em caixas eletrônicos e pela Internet, cada vez mais comuns, sua enorme praticidade parece ter sido o grande motor das contratações impulsivas a estimular o superendividamento em tempos recentes. Isso porque tais contratações à distância de serviços financeiros, na maioria dos casos, oferece pouquíssima ou nenhuma informação contratual ao consumidor, impossibilitando, na prática, a genuína reflexão do consumidor.[23] Parece-nos, aqui, que uma maior cautela quanto ao dever de informar e, ainda, o fornecimento de um prazo de reflexão ao consumidor como requisito de validade e eficácia contratual, mostram-se ainda mais pertinentes para evitar as contratações impulsivas ou irrefletidas.[24]

            2.1.1.1. O formalismo informativo na jurisprudência do STJ

            Como dito alhures, a escassez no fornecimento de informações prévia e adequadamente ao consumidor, sobretudo com a recente onda das contratações online, tem sido uma das principais causas a estimular contratações temerárias, tendo em vista que a ausência de informação representa para o mutuário, na realidade, a assunção de uma obrigação futura e incerta, em que não lhe foi oportunizada a capacidade de avaliação daquilo pactuado.

            Não obstante o Código de Defesa do Consumidor, como já visto, ter estabelecido em seu Art. 52 o formalismo informativo nos contratos de crédito, parece o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça em muito se afastar deste mandamento legal. À título de exemplo, citemos a atual orientação jurisprudencial  no sentido de fixar a taxa de juros remuneratórios ao percentual médio praticado pelo mercado na eventualidade de não ter sido previamente informada ao consumidor:

  “Agravo regimental no recurso especial. Ação revisional. Contrato bancário. Juros remuneratórios. Taxa média de mercado. 1. Não juntado o contrato ou ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado. 2. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg no REsp: 1394127 SC 2013/0228569-0, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Data de Julgamento: 19/05/2015, T3 – Terceira turma, Data de Publicação: DJe 25/05/2015).

            Como se pode observar pela jurisprudência supra, há um entendimento predominante no sentido de considerar os empréstimos bancários contratos essencialmente onerosos, de modo a aplicá-lo juros ainda que na ausência de contrato escrito ou de estipulação expressa. Com a devida vênia, entendemos que tal posicionamento em verdade enfraquece os deveres especiais de informação estabelecidos no Art. 52 do CDC, além de desequilibrar ainda mais as partes contratantes ao presumir o consentimento do consumidor quanto a encargos contratuais que sequer conheceu.

            Outrossim, defende ainda De Lima (2009, p.24) que a solução defendida pelo STJ parece ignorar a sanção prevista no Art. 46 do CDC[25]. Decerto, ao dispor que informações não prestadas ou, ainda, insuficientemente claras, não poderão obrigar o consumidor, apregoa tal dispositivo que cláusulas não aceitas pelo consumidor não poderão ser oponíveis a este. Assim, anota-se que quando o Judiciário impõe ao consumidor juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano[26], ou ainda quando os ajusta à taxa média de mercado, viola manifestamente o referido mandamento legal.

            Neste sentido, não se pode olvidar do grande exemplo dado pelo legislador francês, que reforça o formalismo informativo dos contratos de crédito previsto em seu próprio Código do Consumo. Ao preceituar em seu Artigo L.311-10 a obrigatoriedade da entrega de uma oferta de crédito prévia e por escrito ao consumidor, na qual deve constar rol específico de informações[27], também prevê a lei rígidas sanções para o caso de descumprimento. Destaca-se, por exemplo, a sanção administrativa de multa de 1.500 euros, além da sanção civil de perda dos juros.[28] Em tais casos, basta que apenas uma informação seja omitida para que o fornecedor incorra nas penalidades, de forma que, por tratar-se de norma de ordem pública, o consumidor jamais pode renunciar sua aplicação.

            Por ora, muito já foi dito sobre o dever de informação enquanto o fornecimento de informações contratuais neutras e objetivas para que o consumidor possa avaliar, privativamente, as conveniências de uma contratação de crédito. Todavia, isto pode não ser suficiente para que o profissional auxilie o consumidor em sua tomada de decisão, e se exima, assim, de seu dever de informar. Dada a enorme complexidade das informações contratuais, por vezes indecifráveis até mesmo para o consumidor mais experiente, impõe-se um novo complementar àquele: o de conselho.

            2.2. O dever de aconselhamento

            O dever de conselho, ao contrário do que já foi analisado até aqui, tem caráter subjetivo, porquanto consiste na emissão de um parecer ou opinião a fim de orientar outrem numa tomada de decisão. Para tanto, deve o profissional incumbido de aconselhar tomar conhecimento da situação de seu parceiro contratual e orientá-lo de modo a melhor satisfazer suas necessidades. Faz-se mister, ainda, que o profissional certifique-se de que sua advertência de fato alcançará o consumidor, sendo de suma importância que esclareça  seu ponto de vista de modo a ser perfeitamente compreendido por este.

            Cabe, portanto, ao profissional, informar cada consumidor com quem contrata, independentemente de sua maior ou menor vulnerabilidade. Parte-se do principio de que o consumidor é um leigo na seara contratual, um verdadeiro inexperiente nos negócios, e, portanto, incapaz de compreender todas as facetas da atividade financeira. O fornecedor é, em contrapartida, um expert, que se encontra em posição de maior conhecimento, e por isso pode alertar seu cliente sobre pontos cuja intensidade de oneração e risco não se consegue aperceber com sua própria capacidade de avaliação. (SÁ, 1998, p. 70)

            Percebe-se que, na seara da concessão de crédito, tal dever encontra-se intimamente relacionado à adequação entre o crédito (montante e tipo) e a situação financeira do mutuário, isto é, sua capacidade de reembolso do quantum contraído acrescido dos juros remuneratórios praticados pela instituição financeira. É imprescindível, nesse sentido, que o profissional não só verifique a aptidão do consumidor em honrar as obrigações contraídas, mas que também se assegure de que os rendimentos deste permitirão o adimplemento de eventuais créditos anteriormente assumidos, e que ainda não o prejudique no pagamento das despesas correntes do lar, tais como água, luz, alimentação, aluguel, ou quaisquer outras essenciais a garantir o sustento e o bem-estar do núcleo familiar. [29]

            A questão é polêmica, e mesmo no evoluído cenário europeu do Direito do Consumo, ainda é objeto de inúmeros debates, uma vez que tradicionalmente ficaria a cargo do consumidor avaliar os riscos da contratação e sua capacidade de reembolso, isentando o profissional por eventuais equívocos em tal avaliação. Não se pode olvidar, entretanto, que nas relações de consumo o dogma da autonomia da vontade deve ser relativizado, não só porque o consumidor não tem acesso às informações de que dispõe o profissional, mas também porque sofre pressões de toda ordem, seja pela própria sociedade de consumo, ou ainda pela publicidade abundante que estimula a venda de bens a crédito.

            Nesse sentido, assim dispõe o Art. 8º da Diretiva comunitária europeia 2008/48/CE acerca da obrigação que tem o fornecedor de crédito em avaliar a solvabilidade do consumidor:

 “1. Os Estados-Membros devem assegurar que, antes da celebração do contrato de crédito, o mutuante avalie a solvabilidade do consumidor com base em informações suficientes, se for o caso obtidas do consumidor e, se necessário, com base na consulta da base de dados relevante. Os Estados-Membros cuja legislação exija que os mutuantes avaliem a solvabilidade dos consumidores com base numa consulta da base de dados relevante podem reter esta disposição.

  1. Os Estados-Membros devem assegurar que, se as partes decidirem alterar o montante total do crédito após a celebração do contrato, o mutuante atualize a informação financeira de que dispõe relativamente ao consumidor e avalie a solvabilidade deste antes de qualquer aumento significativo do montante total do crédito”. [Traduziu-se livremente do inglês].

            Como se pode constatar, o legislador europeu criou, de forma ampla, uma obrigação de conselho para o profissional do crédito. Sendo assim, deve ele indicar ao consumidor somente as modalidades de crédito que se enquadrem em seu perfil, bem como os montantes proporcionais a sua capacidade de reembolso.  O referido dispositivo estabelece também os modos pelos quais o fornecedor pode verificar tal capacidade[30], muito embora não tenha determinado os critérios utilizados para sua aferição.

            Quanto aos efeitos da inobservância do dever de aconselhamento, a legislação também muito pouco avançou, e mais parece ter deixado à critério dos Estados-Membros a faculdade de sancionar assim como estabelecer o tipo de sanção julgado mais conveniente. Nesse sentido, merece aplausos o Art. 92 da lei belga de crédito ao consumo (the Belgian CCA) que confere ao juiz a possibilidade de sancionar o fornecedor com a perda parcial dos juros de mora, ou até mesmo com a perda total dos juros remuneratórios, uma vez que não se tenha realizado a concessão de crédito de forma responsável, tal como preceituam os Arts. 10, 11 e 15 do referido diploma. Na prática, observa-se que os Tribunais belgas vêm aplicando largamente a segunda sanção, o que faz inibir, ainda mais, as situações de superendividamento.[31]

            Outrossim, não se pode deixar de mencionar a oportuna iniciativa dinamarquesa em dispor na Ordem Executiva nº 769, de 27 de junho de 2011, um amplo rol de boas práticas negociais para empresas financeiras, associações de investimento, e outros. Dentre estas, merece destaque o dever de conselho, acertadamente abordado em seus Arts. 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º. [32]

            2.3. A publicidade

            De início, insta observar que a publicidade de crédito, assim como qualquer outra, carrega em seu âmago característica que lhe é bem peculiar – a da persuasão.  Por certo, é através da publicidade que fornecedores de crédito exploram a lógica desta sociedade consumerista por excelência, exaltando e incentivado a realização de pequenos prazeres momentâneos e imediatos, e fazendo postergar o penoso ato de ter que pagar por aquilo que se adquiriu.[33]

            Se por um lado é reconhecido tal caráter típico suasório das publicidades de crédito, que na maior parte das vezes utilizam-se de elementos textuais e ainda não-textuais para que se possa induzir o consumidor à contratação,  por outro reconhece-se que esta não pode estar apartada dos ditames da boa-fé objetiva que permeiam a legislação consumerista. Destarte, seu próprio Art. 36 oportunamente estabelece dois princípios norteadores a que devem estar submetidas toda e qualquer publicidade: o princípio da identificação e o da veracidade. O primeiro é no sentido de que consiga o público identificar a publicidade como tal, bem como identificar o seu caráter próprio em incitar ao consumo. O segundo, de modo diverso, garante ao consumidor uma mensagem publicitária correta, verídica, na qual correspondam à realidade o bem ou serviço objeto do anúncio, assim como suas condições de contratação.

            Não se pode olvidar, nesse viés, as tão perigosas publicidades que oferecem ao consumidor “crédito gratuito”, “crédito sem juros”, “crédito rápido e fácil”, induzindo-o em erro na maioria das vezes.[34] Ao contrário do que se poderia pensar, ainda que tais publicidades não sejam capazes de persuadir determinado consumidor, ainda assim devem ser tidas por enganosas, eis que o engano encontra-se na própria mensagem, sendo, portanto, um dado de aferição objetiva.[35] Forçoso é, portanto, que a publicidade se faça clara e correta para uma coletividade de consumidores, e não apenas para um grupo seleto de consumidores capazes de identificar o emprego de técnicas publicitárias pelo fornecedor como um chamariz à contratação. Não há que se falar, em igual sentido, no conceito de “consumidor médio”, ferrenhamente defendido por alguns, mas que na prática revela-se equivocado, promovendo desigualdades inúmeras no mundo do consumo.[36]

            Observa-se, pois, um dever de informação de cunho negativo por parte do fornecedor, no sentido de que este deve abster-se de divulgar em publicidade informações errôneas ou abusivas, evitando a contratação de crédito de modo imprudente. Por outro lado, entendemos existir, em igual sentido, um dever positivo de informar na publicidade, que se manifesta através da obrigatoriedade de informações a auxiliar a reflexão do consumidor desde o momento de seu primeiro contato com a peça publicitária.

            Nesse sentido, outra não foi a preocupação do legislador comunitário europeu quando da edição do Art. 4º da Diretiva 2008/48/CE, determinando a inclusão de informações específicas em publicidades relativas a contratos de crédito que indiquem uma taxa de juros ou valores referentes ao custo do crédito.[37] Outras disposições, entretanto, até mesmo mais austeras, já se faziam sentir no cenário europeu do direito do consumo, como a que dispõe sobre a publicidade de crédito no Código do Consumo francês.[38]

  1. Considerações finais

            3.1. A vitória do consumidor informado: breve panorama do PL 3.515/2015

            Da análise do Projeto de Lei 3.515 de 2015, oriundo do antigo PL 283/2012, percebe-se que o legislador parece ter elegido a informação como arma principal no combate ao superendividamento. Muito embora não tenha o referido Projeto se limitado aos aspectos preventivos da problemática, eis que inaugura um procedimento inovador no tocante ao seu tratamento, variados foram os instrumentos adotados para promover a prevenção do consumidor de crédito contra os infortúnios deste fenômeno social e também jurídico, que há algum tempo vem despertando as atenções da doutrina consumerista.

            Assim sendo, munir o consumidor de crédito de informação em todos os níveis parece ter sido a grande aposta da Comissão de Juristas encarregada de promover uma atualização do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista seus 28 anos de vigência, como mecanismo de prevenção e proteção do consumidor pessoa física, garantindo seu mínimo existencial e a dignidade de sua pessoa.

            Sob tal ótica, garante o PL 3.515/2015 a inclusão de um dispositivo no atual Código de Defesa do Consumidor de modo a ampliar o insuficiente rol de informações contratuais presentes em seu atual artigo 52, que há muito não se mostra capaz de regular com sucesso as contratações de crédito desta era pós-moderna. O legislador preocupa-se sobremaneira com o modo pelo qual a informação alcançará o consumidor, prevendo a organização de tais informações em um quadro resumido no início do próprio instrumento contratual, além de assegurar seu consentimento refletido por meio da previsão de uma oferta, que deverá ser mantida sob sua posse num prazo mínimo de dois dias.

            Também a publicidade de crédito foi regulada, a qual deverá indicar minimamente o custo efetivo total do crédito, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento. O uso de expressões tais como “crédito sem juros”, “gratuito”, com “taxa zero” foram absolutamente vedadas, tamanho seu potencial lesivo ao consumidor, sobretudo aqueles mais vulneráveis.

            Tem-se defendido, entretanto, que o mero fornecimento de informações neutras e objetivas ao consumidor não é capaz, por si só, de ajudá-lo em uma tomada de decisão consciente na esfera contratual. Justamente por isso houve ainda a previsão de um dever geral de aconselhamento das instituições financeiras, que deverão oferecer ao consumidor a modalidade de crédito que melhor se adéqua a seu perfil, bem como avaliar adequadamente suas condições em reembolsar o crédito a ser eventualmente contraído.

            As sanções previstas para em caso de descumprimento merecem aplausos, e aproximam-se até mesmo dos mais avançados diplomas consumeristas europeus, prevendo a inexigibilidade ou redução dos juros, a depender do comportamento adotado pelo fornecedor quando da contratação. Quanto a isto, entendemos que o legislador perdeu grande oportunidade em promover ainda mais a proteção dos hipervulneráveis, muito embora nos posicionemos no sentido de que tal proteção encontra-se implícita no dispositivo em questão.

            Outrossim, mister que se acompanhe na prática a mudança de postura das instituições financeiras promovidas pela atualização do CDC, e que estas sejam capazes de adaptar o fornecimento da informação adequada às mais variadas formas de contratação atualmente existentes, tais como por caixas eletrônicos e Internet. Quanto ao Judiciário, igualmente importante que se acompanhe os primeiros entendimentos a serem produzidos pelos tribunais pátrios, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça, afinal é na prática diária da atividade judicante que as mudanças tão aguardadas serão de fato postas à prova. Por fim, registremos nossos votos pela imediata aprovação do aqui debatido e brevemente analisado Projeto de Lei 3.515/2015, a trazer alento, assim esperamos, para o consumidor de crédito desta sociedade financeirizada de massa.

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Notas de Rodapé:

[1] Pós-graduando em Direito do Consumidor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Advogado. [email protected]

[2] Neste sentido, só entre 2004 e 2010, em virtude da política de estímulo ao crédito popular, 32 milhões de pessoas ascenderam à categoria de classes médias (A, B, C) e outros 19,3 milhões saíram da pobreza. Cf. ROCKMANN, Roberto. Como a ascensão da classe C causou uma revolução social. Disponível em: [http://www.cartacapital.com.br/mais-admiradas/como-a-ascensao-da-classe-c-causou-uma-revolucao-social-2482.html.] Acesso em 15.09.2018.

[3] Para maiores detalhes, seja consentido remeter o leitor aos indicadores econômicos consolidados divulgados mensalmente pelo Banco Central do Brasil. Disponível em: [<http://www.bcb.gov.br/?INDECO> ] Acesso em 26.09.2018. Portal G1. Crédito bancário sobre 1% em agosto, para R$ 3,15 trilhões, revela Banco Central. Disponível em: [http://g1.globo.com/economia/noticia/2018/09/26/credito-bancario-sobe-1-em-agosto-para-r-315-trilhoes-revela-banco-central.ghtml] Acesso em 26.09.2018.

[4] A doutrina europeia, representada por Maria Manuel Leitão Marques, distingue o superendividamento passivo do ativo. A primeira categoria corresponde aos consumidores que não contribuíram ativamente para sua crise de solvência, porquanto sofreram as consequências de vicissitudes da vida, tais como desemprego, divórcio, doença, ou quaisquer outras despesas inesperadas. Já o segundo grupo compreende aqueles que abusaram do crédito e o consumiram para além das possibilidades de seus rendimentos. Ainda nesta categoria, os superendividados podem ser conscientes ou inconscientes. Os superendividados ativos inconscientes são aqueles que contrataram o crédito fornecido de forma irresponsável pela instituição financeira, ou que não foram previamente informados e aconselhados dos encargos daquela contratação. Já os superendividados ativos conscientes contrataram o crédito de má-fé, uma vez que já sabiam de antemão não serem capazes de reembolsar a dívida quando esta se tornasse exigível.

[5] Não é de se espantar, neste sentido, a veiculação pela grande mídia de casos de suicídio motivado pelo excesso de dívidas. Cf. Portal Pragmatismo Político. Desempregado e endividado, homem de 29 anos comete suicídio. [http://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/08/desempregado-e-endividado-homem-de-29-anos-comete-suicidio.html] Acesso em 27.09.2018.

[6] Leia mais sobre o tema em: CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli; COUTINHO, Sayonara Grillo; LIMA, Clarissa Costa de. Tradições inventadas na sociedade de consumo: crédito consignado e a flexibilização da proteção ao salário. In: Revista de Direito do Consumidor, vol.76, São Paulo: Ed. RT, out.-dez, 2010.

[7] Neste sentido, publicidade que se faz muito comum nos dias atuais é a que afirma ser possível a oferta de crédito sem a prévia averiguação da situação do mutuário junto aos bancos de dados negativos.

[8] Assim também se posiciona Nicole Chardin, para quem os contratos de crédito são verdadeiros “contratos afetivos”, justamente porque exploram as necessidades e desejos dos consumidores, podendo transformar sua vontade em um automatismo, um ato resultante simplesmente de um desejo, cujo comando se dá mais pelo prazer do que pela razão.Cf. CHARDIN, Nicole. Le contrat de consommation de crédit et l’autonomie de la volonté. Paris: LGDJ, 1988.

[9] Trata-se de projeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor que de forma inovadora trará para o ordenamento jurídico brasileiro a previsão do fenômeno do superendividamento, adotando mecanismos para sua prevenção, bem como garantindo a falência da pessoa física endividada excessivamente. O Projeto, após passar por aprovação no Senado Federal, foi encaminhado à Câmara dos Deputados para ser discutida em Plenário. Seja consentido citar as palavras do desembargador Voltarei de Lima Moraes: “O Código de Defesa do Consumidor, elaborado de forma visionária em 1989 e promulgado em 1990, é lei básica e importante da cidadania brasileira e recebe o aprimoramento que necessita para rejuvenescer e continuar a regular de forma efetiva as relações de consumo da sociedade brasileira atual, revigorada, mais tecnológica e com maior acesso ao crédito.” Disponível em: [http://brasilcon.org.br/cdc]. Acesso em 28.09.2018.

[10] Como bem aponta Neto (2011, p.196-197), bancos e instituições de crédito e seguro adotaram primeiramente a estratégia de ignorar princípios e regras do CDC, tendo o Banco Central elaborado uma simples resolução intitulada “Código de Defesa do Consumidor Bancário”, a reger as relações jurídicas entre as instituições financeiras e seus usuários. Uma vez que tal empreitada não logrou êxito, nova tentativa ocorreu em 2001, quando a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) ingressou com ação direta junto ao STF, questionando a constitucionalidade do dispositivo supracitado (ADIN 2.591/DF). Felizmente, em decisão proferida pelo STF no ano de 2006, venceu o entendimento de que os serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários são fundamentais à sociedade contemporânea, e vêm marcados pela nota de absoluta vulnerabilidade de seus consumidores. Assim, não haveria qualquer razão para que a relação estabelecida não fosse classificada como de consumo, afastando, pois, a incidência do CDC. Cf. STF, Pleno, ADIN 2591, rel. Min. Carlos Mário Velloso; rel.para o acórdão Min. Eros Roberto Grau, DJU 29.09.2006, p.31: “Os agentes econômicos não têm, nos princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, instrumentos de proteção incondicional. Esses postulados inconstitucionais – que não ostentam valor absoluto – não criam, em torno dos organismos empresariais, inclusive das instituições financeiras, qualquer círculo de imunidade que os exonere dos gravíssimos encargos cuja imposição, fundada na supremacia do bem comum e do interesse social, deriva do texto da própria Carta da República”.

[11] Cf. Art.4º da Lei 8.078/90.

[12] Referem-se, pois, à informação, os seguintes dispositivos do CDC: Art. 4º, IV; Art. 8º; Art. 9º; Art. 10; Art. 12; Art.14; Art. 18; Art. 19; Art.20; Art. 30; Art. 31; Art.33; Art. 35; Art. 36; Art. 37; Art. 38; Art.39, VII; Art. 40; Art. 43; Art. 44; Art. 46; Art.47; Art. 48; Art. 50; Art. 52; Art. 54, §§ 3º e 4º; Art. 55, §§1º e 4º; Art. 60; Art. 63; Art. 63; Art. 64; Art. 66; Art. 67; Art.68; Art.69; Art. 72; Art. 73 e Art. 74.

[13] Assim dispõe o aludido dispositivo: Art.5º. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (…) “XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

[14] Para um estudo mais aprofundado, seja consentido remeter o leitor a MARQUES, Cláudia Lima. Os contratos de crédito na legislação brasileira. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.18, p.53-76, abr.-jun. 1996.

[15] Assim dispõe o caput do supracitado dispositivo: Art. 52. “No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III – acréscimos legalmente previstos; IV – número e periodicidade das prestações; V – soma total a pagar, com e sem financiamento.”

[16] O Código do Consumo francês estabelece, por exemplo, a obrigatoriedade de uma oferta-prévia a ser entregue ao consumidor, e da indispensabilidade da apresentação das informações preconizadas em seu Art. L311-10. Assim dispõe o dispositivo: “Na oferta prévia: §1º. Se estabelecerá a identidade das partes e, se for o caso, a dos fiadores. §2º. Se indicará o montante do crédito e, se for o caso, das frações disponíveis periodicamente; o objeto; a natureza e as formalidades do contrato, incluídos, se for o caso, os términos e as condições de eventual seguro, assim como o custo total do crédito e, se for o caso, o tipo global efetivo do mesmo, assim como o montante fixo total sobre o contrato, e também os gastos de expediente correspondente e os relativos a vencimento. §3º. Far-se-á menção das disposições dos artigos L.311-15 a L.311-17 e L.311-32 e, se for o caso, dos artigos L.311-20 a L.311-31, L.313-13, e se reproduzirão as disposições do artigo L.311-37. §4º. Se indicará. se for o caso, o bem ou o serviço financiado.” [Traduziu-se livremente do francês].

[17] Apelação Cível. Medida cautelar de exibição de documentos. Direito do Consumidor. Banco. Contrato de Empréstimo. CCB. Cédula de crédito bancário. Autor que requereu, administrativamente, a exibição do contrato de empréstimo celebrado junto ao réu, porém, não apresentado pelo mesmo. Sentença que julgou extinto o feito na forma do inciso IV, do artigo 267, do CPC. Apelação do Autor. Reforma da R. sentença, no sentido de que deve o réu apresentar a documentação solicitada na forma do artigo 844, III, do CPC. Cumpre ressaltar que a jurisprudência do STJ é no sentido de que, pelo Princípio da Causalidade, a parte                que der causa ao ajuizamento da presente demanda judicial deve arcar com seu ônus, vez que o consumidor não tem que solicitar a documentação extrajudicialmente e/ou judicialmente, porquanto nenhuma escusa pode prosperar, em se tratando de documento por natureza comum as partes (artigo 358, III, do CPC) e, cujo teor deve ser franqueado livre acesso ao consumidor, por força de norma legal que lhe assegura o básico direito à informação e à proteção contratual (artigo 6º, III, do CDC e artigo 5º, § único, da MP nº. 2.170-36/2001 e artigo 844 do CPC). Apelado quem deu causa ao ajuizamento da presente demanda, vez que não entregou o contrato quando de sua celebração. Recurso provido. (TJ-RJ, Relator: Des. Andrea Fortuna Teixeira, Data de julgamento: 17/06/2015, Vigésima Quarta Câmara Cível/ consumidor).

[18] O público jovem tem despertado, há muito, as atenções das instituições financeiras. Por serem agentes econômicos ativos da sociedade, seja pelo gasto de suas mesadas, ou até mesmo pelo recebimento de pequenas remunerações advindas de serviços prestados, são eles encarados como potenciais consumidores dos serviços bancários, dentre eles o crédito. Nesse sentido, anota-se que 24% dos jovens brasileiros entre 14 e 24 anos possuem cartão de crédito. Cf. Portal G1. Jovens entre 14 e 24 anos usam cada vez mais o cartão de crédito. Disponível em: [http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/11/jovens-entre-14-e-24-anos-usam-cada-vez-mais-o-cartao-de-credito.html]. Acesso em 02.10.2018.

[19] Nesse sentido, confira BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva, 2010.

[20] Tal condição específica do consumidor, que ocasiona em sua vulnerabilidade, é observável, ao menos, sob três aspectos principais: a vulnerabilidade a partir da publicidade, a vulnerabilidade técnico-profissional e a vulnerabilidade jurídica. Para uma abordagem mais aprofundada, seja consentido remeter o leitor a SCHMITT, Cristiano Heineck. A “hipervulnerabilidade” do consumidor idoso. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.70, p.464-493, abr.-jun. 2009. Assim também leciona BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op.cit., p.189: “Se idoso, o consumidor é, juridicamente, um hipervulnerável, pois somadas às suas vulnerabilidades de consumidor, possui também as de caráter psicofísico e social em virtude da idade avançada”.

[21] É o que se depreende da leitura do Art. 1º da Lei n. 10.741, de 2003, o Estatuto do Idoso: “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”.

[22] Art. 54. “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (…) § 3o  Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor (…)” [Grifo nosso].

[23] Cf. MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.237.

[24]Tem-se defendido, com acerto, que a imposição de um prazo de reflexão demasiadamente longo poderia resultar inconveniente, haja vista o consumidor latino-americano consumir crédito, em sua maioria, para satisfazer algumas de suas necessidades básicas. Ao invés disso, sugere-se que tal prazo deveria ser observado tão somente acima de certos valores.  Nesse sentido: PEREIRA, Wellerson Miranda. Sugestões para a harmonização das soluções jurídicas sobre crédito ao consumidor no Mercosul. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.66, p.226, abr.-jun. 2008.    .

[25] Art. 46. “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

[26] No tocante às taxas de juros remuneratórios não estabelecidas em contrato, um primeiro entendimento adotado pelo STJ foi no sentido de impor a limitação de 12% ao ano, considerando potestativa a cláusula que prevê que o contratante deve arcar com os juros praticados no mercado financeiro. Nesse sentido: “PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO BANCÁRIO – ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE – JUROS REMUNERATÓRIOS – TAXA NÃO ESTABELECIDA NO CONTRATO – LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO – DESPROVIMENTO. 1-Este Tribunal já proclamou o entendimento no sentido de que, quanto aos juros remuneratórios, uma vez não estabelecida no contrato a taxa de juros a ser aplicada, conforme explicitado no v. acórdão recorrido, deve ser imposta a limitação de 12% ao ano, vez que a previsão de que o contratante deve arcar com os juros praticados no mercado financeiro é cláusula potestativa, que sujeita o devedor ao arbítrio do credor ao assumir obrigação futura e incerta. Precedentes (AgRg REsp 689.819/RS, AgRg no Ag 585.754/RS e REsp 551.932/RS). 2 – Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg nos EDcl no REsp: 810553 RS 2006/0008755-3, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI, Data de Julgamento: 04/05/2006, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 29.05.2006 p. 264) . Mais recentemente, entretanto, o STJ passou a defender a orientação de que as taxas de juros deveriam ser fixadas com base na média de mercado em operações da mesma espécie.

[27] Ver nota 17.

[28] Assim estabelece o Code de la consommation: Art. L311-48. “(…) Quando o credor não tiver cumprido as obrigações previstas nos artigos L. 311-8 e L. 311-9, perde o direito a juros, na íntegra ou na proporção determinada pelo juiz. A mesma pena é aplicável para o credor que não tenha cumprido as obrigações estabelecidas no artigo L. 311-21 e segundo e terceiro parágrafos do artigo L. 311-44, ou quando as condições de uso de crédito não foram cumpridas no primeiro parágrafo do artigo L. 311-17 e o primeiro parágrafo do artigo L. 311-17-1 (…)” Art. L311-49. “O credor que não cumprir as formalidades prescritas no artigo L. 311-6, no último parágrafo do artigo L. 311-7, nos artigos L. 311-11 e L. 311-16, no último parágrafo do artigo L. 311-17, nos artigos L. 311-18, L. 311-19, L. 311-25-1, L. 311-26, L. 311-29, I e III do artigo L. 311-43, no primeiro parágrafo do artigo L. 311-44 e no primeiro parágrafo do artigo L. 311-46 e deixar de fornecer em forma destacável uma oferta de contrato de crédito, de acordo com o artigo L. 311-12, será punido com uma multa de 1.500 euros. (…)”. [Traduziu-se livremente do francês]

[29] Esse mínimo existencial, ou ainda “restre a vivre”, tal como é conhecido pelos franceses, foi incorporado ao Code de la consommation no ano de 1998 em virtude de algumas modificações introduzidas pelo legislador no tocante ao tratamento do superenvidamento. Percebeu-se, nesse sentido, que o sucesso das medidas de reestruturação do passivo estava umbilicalmente ligado à preservação do mínimo existencial do superendividado, de modo que sua recuperação financeira e a possibilidade de honrar suas dívidas eram muito improváveis uma vez que não se garantisse tal mínimo necessário a manutenção da dignidade familiar. Nesse sentido: Art. L.331-2. “A missão da comissão é tratar, conforme previsto no presente capítulo, a situação de superendividamento dos particulares definidos no primeiro parágrafo do artigo L. 330-1. O valor das restituições decorrentes da aplicação dos artigos L. 331-6 , L. 331-7 e L. 331-7-1, serão fixadas em condições especificadas por decreto por referência à proporção penhorável de salário, tal como dispõe os artigos L. 3252-2 e L. 3252-3 e seguintes do Código do Trabalho, de modo que a parte dos recursos necessários para as despesas domésticas comuns devem ser reservados prioritariamente. (…) Ela integra o montante das despesas com a habitação, eletricidade, gás, aquecimento, água, alimentos e educação, custódia e viagens de negócios e despesas médicas.” [Traduziu-se livremente do francês]

[30] Quanto à possibilidade que têm as instituições financeiras de verificar a solvabilidade do consumidor através de consulta a bancos de dados, assim estabelece o Art.9º da Diretiva comunitária europeia 2008/48/CE: “1. Cada Estado-Membro deve assegurar o acesso de mutuantes de outros Estados-Membros às bases de dados utilizadas no seu território para avaliar a solvabilidade dos consumidores. As condições de acesso devem ser não discriminatórias. 2 Se o pedido de crédito for rejeitado com base na consulta de uma base de dados, o mutuante deve informar o consumidor imediata e gratuitamente do resultado dessa consulta e dos elementos da base de dados consultada. 3. A informação referida nos números anteriores deve ser fornecida, salvo se a prestação destas informações for proibida por outras disposições da legislação comunitária ou for contrária a objetivos de ordem pública ou de segurança pública. 4. Este artigo aplica-se sem prejuízo da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”. [Traduziu-se livremente do inglês]

[31] Seja consentido remeter o leitor a STEENOT, Reinhard. Protecting borrowers through information and advice: the Belgian Consumer Credit Act. Financial Law Institute, Universiteit Gent, 2011.

[32] Acentuam-se, dentre outros dispositivos, os seguintes: Art. 7º, § 1º. “Conselhos significam recomendações, orientações, incluindo informações sobre o risco associado a uma transação, e informações sobre as consequências imediatas das opções do cliente. §2º. Uma instituição financeira deve fornecer conselhos, se o cliente assim o solicitar, além de fornecer pareceres por sua própria iniciativa, quando as circunstâncias indicam que esta é necessária. Alternativamente, a empresa financeira pode submeter o cliente a procurar aconselhamento em outros lugares. §3º. O conselho tomará em consideração os interesses do cliente e fornecerá uma boa base para sua tomada de decisões. Conselhos devem ser pertinentes, corretos, e completos. A instituição financeira deve fornecer informações sobre riscos relevantes para o cliente”.

[33] Numa feliz confrontação entre a sociedade de produtores e a atual sociedade pós-moderna de consumidores, Bauman destaca que naquela a satisfação parecia relacionar-se muito mais a promessa de segurança a longo prazo, enquanto nesta ao desfrute imediato dos prazeres. Cf. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p.43.

[34] Vale mencionar o enorme retrocesso sofrido pelo Code de la Consommation, que proibia em seu artigo L. 311-6 a publicidade de “crédito gratuito” ou outras expressões equivalentes até o advento das leis modificativas de janeiro de 2005 e janeiro de 2006. Com sua redação atual, já conferida pela lei modificativa nº 2010-737, de 1º de julho de 2010, tais expressões são permitidas, devendo o fornecedor indicar o valor do respectivo desconto para o caso de pagamento à vista, além de especificar quem suportará o custo do crédito concedido “gratuitamente”.

[35] Em igual opinião, ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.90.

[36] PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA. FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. NÃO CONFIGURADO. 1. Repele-se a tese de publicidade enganosa, se a questionada propaganda não possui a potencialidade de provocar a indução ao erro do consumidor, considerando o discernimento do homem médio, além do bom senso e a moderação como critérios de interpretação. 2. Apelação não provida. Sentença mantida.

(TJ-DF – APC: 20110110596840 DF 0017446-61.2011.8.07.0001, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 17/07/2014, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/07/2014 . Pág.: 79)

[37] Assim dispõe o §2º do referido regramento: “As informações normalizadas devem especificar, de modo claro, conciso e visível, por meio de um exemplo representativo: a) A taxa devedora, fixa ou variável ou ambas, juntamente com o detalhe de quaisquer encargos aplicáveis incluídos no custo total do crédito para o consumidor; b) O montante total do crédito; c) A taxa anual de encargos efetiva global. No caso dos contratos de crédito do tipo referido no nº 3 do artigo 2º, os Estados-Membros podem determinar que a taxa anual de encargos efetiva global não precisa ser especificada; d) Se for o caso, a duração do contrato de crédito; e) No caso de um crédito sob a forma de pagamento diferido para um bem ou serviço específico, o preço a pronto e o montante de um eventual pagamento de sinal, e f) Se for o caso, o montante total imputado ao consumidor e o montante das prestações”.

[38] Destaca-se, por exemplo, o artigo L 311-4 do diploma supracitado, que positiva a obrigatoriedade de a publicidade de crédito ao consumo ser leal e informativa, devendo conter, dentre outras informações, a identidade do fornecedor, a natureza, o objeto e a duração da operação proposta, bem como o custo total e a taxa efetiva global anual. Dispõe ainda que tais informações figurem no corpo principal do texto publicitário, se a publicidade escrita for, pelo menos no mesmo tamanho dos caracteres utilizados para indicar qualquer outra informação.

Palavras Chaves

Informação. Crédito. Superendividamento.