Exceção de incompetência territorial, geografia e acesso à justiça: a natureza não preclusiva do prazo do art. 800, caput, da CLT

Resumo

O presente estudo pretende realizar uma breve análise quanto à natureza do prazo de 5 (cinco) dias úteis estabelecido pelo art. 800 da CLT para arguição da incompetência territorial no Processo do Trabalho, consoante nova redação determinada pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Busca-se interpretar o dispositivo de forma teleológica, literal e lógico-sistemática (art. 847, parágrafo único, da CLT, e artigos 64, 65, 336 e 337, inciso II, do CPC), em especial à luz dos princípios constitucionais do acesso à Justiça, ampla defesa e contraditório (art. 5º, XXXV e LV, CRFB).

Artigo

Exceção de incompetência territorial, geografia e acesso à justiça: a natureza não preclusiva do prazo do art. 800, caput, da CLT

 João Renda Leal Fernandes1

 RESUMO

 O presente estudo pretende realizar uma breve análise quanto à natureza do prazo de 5 (cinco) dias úteis estabelecido pelo art. 800 da CLT para arguição da incompetência territorial no Processo do Trabalho, consoante nova redação determinada pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Busca-se interpretar o dispositivo de forma teleológica, literal e lógico-sistemática (art. 847, parágrafo único, da CLT, e artigos 64, 65, 336 e 337, inciso II, do CPC), em especial à luz dos princípios constitucionais do acesso à Justiça, ampla defesa e contraditório (art. 5º, XXXV e LV, CRFB).

Palavras-Chave: Reforma Trabalhista; Exceção de incompetência; Competência Territorial; art. 800 da CLT; Acesso à Justiça.

1 Juiz do Trabalho no TRT/RJ. Pós-graduado em Direito Público, Mestrando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário na UERJ, Visiting Researcher na Harvard Law School (2019-2020), ex-bolsista da Japan Student Services Organization na Tokyo University of Foreign Studies (TUFS).

1.      Geografia do Brasil

A distância entre o Oiapoque/AP e o Chuí/RS, em linha reta, é estimada em 4.175,72km. Em transporte terrestre rodoviário, a distância entre os dois Municípios é de 5.626km.2 A expressão do “Oiapoque ao Chuí” ficou conhecida pelo fato de esses dois Municípios possuírem longitudes não muito diferentes. Isto significa ser possível traçar uma linha quase que vertical, a cortar o país de norte a sul, para interligar os dois pontos. Esses locais constituem, ainda, os marcos de início e término do belíssimo litoral brasileiro, cuja extensão é estimada em 7.367km (fronteira marítima). O país possui, ainda, 15.735km de fronteiras terrestres, o que perfaz um incrível total de 23.102 km de fronteiras.3

No entanto, embora seja um fato desconhecido por muitos, o ponto terrestre mais ao norte do Brasil não está no Oiapoque/AP. Trata-se, na verdade, do Monte Caburaí, nascente do rio Ailã, estado de Roraima. Esse monte fica localizado na região da tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. A parte brasileira está localizada no Município de Uiramutã/RR, que fica ao lado de Paracaima/RR, região que vinha recebendo um intenso fluxo migratório de venezuelanos nos últimos anos. Segundo a Polícia Federal, entre 2017 e o início de setembro de 2018, 154.920 venezuelanos já haviam ingressado no território nacional pela fronteira em Pacaraima.4

A distância entre o Arroio Chuí (no Município de Chuí/RS) e o Monte Caburaí (no Município de Uiramutã/RR), em linha reta, é estimada em 4.394km. Trata-se da maior distância existente entre dois pontos do território nacional.5 Em transporte terrestre rodoviário, a distância entre os Municípios de Chuí e Uiramutã é de quase 6 mil quilômetros.6

2 Informações obtidas em <http://br.distanciacidades.net>. Acesso em 29.09.2018.

3 BRASIL ESCOLA, GEOGRAFIA DO BRASIL. Território Brasileiro: localização, extensão e fronteiras. Disponível em               <https://brasilescola.uol.com.br/brasil/territorio-brasileiro-localizacao-extensao-fronteiras.htm>. Acesso em 29.09.2018.

4 CASA CIVIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Polícia Federal atualiza dados sobre migração de Venezuelanos (05.09.2018).         Disponível                                    em                            <http://www.casacivil.gov.br/central-de- conteudos/noticias/2018/setembro/policia-federal-atualiza-dados-sobre-migracao-de-venezuelanos>. Acesso em 29.09.2018.

5 BRASIL ESCOLA, GEOGRAFIA DO BRASIL. (…) Acesso em 29.09.2018.

6 Cerca de 5.973km, de acordo com dados obtidos em <http://br.distanciacidades.net>. Acesso em 29.09.2018.

Podemos dizer, então, que o litoral brasileiro vai “do Oiapoque ao Chuí”, enquanto nossa extensão terrestre vai do “do Caburaí ao Chuí”.

O território nacional se estende, em sua totalidade, por mais de 8,5 milhões de km², o que definitivamente classifica o Brasil como um país de dimensões continentais, com área próxima à da Oceania. Nosso território é tão extenso que, a título de comparação, é pouco menor do que o da totalidade da Europa (que possui cerca de 10,2 milhões de km²).

2.      Geografia e Processo do Trabalho

Como veremos, nosso Direito Processual do Trabalho possui questões relevantes que se relacionam diretamente com aspectos territoriais e geográficos.

Não é incomum que um mesmo trabalhador, ao longo de sua vida profissional, se ative e se estabeleça nas mais diversas localidades deste vasto e extenso território brasileiro, tendo que recorrer ao Judiciário, não raras as vezes, para a defesa de direitos trabalhistas.

A chamada competência territorial, também referida como competência de foro ou competência em razão do lugar (ratione loci) é aquela cuja análise considera os limites geográficos e territoriais do exercício da jurisdição por cada órgão judiciário. Num país de dimensões continentais, como o Brasil, o estudo dessa matéria ganha especial relevância, sobretudo frente aos princípios constitucionais do acesso à Justiça, contraditório e ampla defesa (art. 5º, XXXV e LV, CRFB).

Exemplificativamente, a jurisdição das Varas do Trabalho sediadas em Boa Vista (capital de Roraima) é exercida sobre os territórios de todos os Municípios daquele estado, o que inclui, obviamente, os Municípios de Uiramutã e Paracaima (extremo norte do Brasil).7   Por sua vez, a jurisdição da Vara do Trabalho de Santa Vitória do Palmar é

7       TRT   11ª    REGIÃO    (AMAZONAS     E    RORAIMA).    Institucional:     VT    Roraima.    Disponível    em

<https://portal.trt11.jus.br/index.php/home/composicao/vtroraima>. Acesso em 29.09.2018.

exercida sobre os territórios dos Municípios de Chuí e Santa Vitória do Palmar (ambos no extremo sul do Brasil, em região de fronteira com o Uruguai).8

3.      A fixação da competência territorial no Processo do Trabalho

Como se sabe, a competência territorial é relativa, pois prevista no interesse da parte. Portanto, o juiz não pode conhecê-la de ofício e a declaração de incompetência territorial depende de prévia provocação da parte interessada (Súmula nº 33, STJ).9 Ou  seja, caso não impugnada, a competência territorial estará prorrogada.

Mas, então, qual seria o critério para fixação da competência territorial no Processo do Trabalho?

A CLT tem regra própria, cujo teor prevê que a competência territorial é determinada pelo local onde o empregado (seja ele autor ou réu da ação) preste serviços ao empregador, in verbis:

Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

A redação do caput do art. 651 jamais foi alterada e encontra-se em vigor há mais de 75 anos, desde o advento da CLT, em 1943. As Juntas de Conciliação e Julgamento foram extintas (EC nº 24/1999) e deram lugar às Varas do Trabalho. Além disso, a competência material do Judiciário Trabalhista (art. 114, CRFB) passou a abranger também outras relações de trabalho, e não apenas as relações de emprego (EC nº 45/2004). No entanto, a regra geral permaneceu inalterada e a competência territorial, no Processo do Trabalho, se estabelece, em regra, de acordo com o local da prestação de serviços.10   A

8 TRT 4ª REGIÃO (RIO GRANDE DO SUL). Varas do Trabalho e Postos Avançados. Disponível em

<https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/jurisdicoes>. Acesso em 29.09.2018.

9 Súmula 33, STJ. A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

10 Os parágrafos do art. 651 da CLT trazem regras especiais para fixação da competência territorial, cuja análise detalhada, contudo, foge aos objetivos do presente estudo.

escolha desse critério, pelo legislador, deve-se especialmente à tentativa de viabilizar acesso à Justiça e possibilitar às partes maior facilidade para a produção de provas.

A título de exemplo, suponhamos que o trabalhador venezuelano Juan Carlos Sanchez tenha ingressado no Brasil através da fronteira em Paracaima. No território nacional, este trabalhador estabeleceu-se inicialmente em Uiramutã (Municipalidade vizinha a Paracaima), onde prestou serviços em benefício de uma pequena venda que atuava no comércio de peixes a varejo (constituída sob a razão social Peixaria Irmãos Roraimenses Ltda ME). A competência para dirimir eventual conflito trabalhista entre as partes seria, a princípio, com base na regra estabelecida pelo acima transcrito art. 651, caput, CLT, de uma das Varas do Trabalho de Boa Vista/RR, cuja jurisdição abrange o Município de Uiramutã.

Contudo, suponhamos também que Juan Carlos Sanchez, juntamente com outras dezenas de compatriotas venezuelanos, tenha sido posteriormente – após a extinção de seu contrato de trabalho – levado pelo Governo brasileiro até o Rio Grande do Sul, tendo passado a residir e trabalhar no Município de Chuí.11 Juan Carlos, então, decide ajuizar reclamação trabalhista perante a Vara de Santa Vitória do Palmar/RS em face de seu ex- empregador Peixaria Irmãos Roraimenses Ltda ME, que terá a possibilidade de apresentar exceção de incompetência territorial (arts. 799 e 800, CLT), modalidade de defesa que permite a arguição da incompetência de foro.

4.      Exceção de incompetência territorial (art. 800 da CLT): antes e depois da Reforma Trabalhista

 Antes do advento da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a exceção de incompetência territorial era apresentada em audiência, logo após a primeira proposta conciliatória. Isso gerava custos e dificuldades sobretudo para empresas de pequeno porte,

11 Como amplamente divulgado pela imprensa, o Governo brasileiro tem transportado milhares de imigrantes venezuelanos para diferentes pontos do território nacional. A título exemplificativo, ver: PORTAL DE NOTÍCIAS G1. Voo da FAB leva 230 venezuelanos de Roraima ao Paraná e Rio Grande do Sul (25.09.2018). Disponível em <https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2018/09/25/voo-da-fab-leva-230- venezuelanos-de-roraima-ao-parana-e-rio-grande-do-sul.ghtml>. Acesso em 30.09.2018.

que precisavam enviar representantes e contratar advogados em locais distantes daquele onde efetivamente ocorreu a prestação de serviços.

No exemplo acima citado, de acordo com a regência anterior à Lei nº 13.467, seria necessário que a Peixaria Irmãos Roraimenses Ltda ME comparecesse à audiência designada na Vara de Santa Vitória do Palmar, extremo sul do Brasil, para que pudesse apresentar exceção de incompetência territorial na reclamação trabalhista ajuizada por seu ex-empregado. Por via terrestre, como já visto, o deslocamento entre esses dois pontos do território nacional demanda viagem de quase 6 mil quilômetros.

A Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) introduziu mudanças significativas na regência da exceção de incompetência territorial (art. 800 da CLT) e passou a prever a possibilidade de oferecimento dessa modalidade de defesa antes da audiência, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação, com suspensão do feito até que se decida a exceção, in verbis:

Art. 800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

  • 1º Protocolada a petição, será suspenso o processo e não se realizará a audiência a que se refere o art. 843 desta Consolidação até que se decida a exceção. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

  • 2º Os autos serão imediatamente conclusos ao juiz, que intimará o reclamante e, se existentes, os litisconsortes, para manifestação no prazo comum de cinco dias. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

  • 3º Se entender necessária a produção de prova oral, o juízo designará audiência, garantindo o direito de o excipiente e de suas testemunhas serem ouvidos, por carta precatória, no juízo que este

houver indicado como competente. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

  • 4º Decidida a exceção de incompetência territorial, o processo retomará seu curso, com a designação de audiência, a apresentação de defesa e a instrução processual perante o juízo competente. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Num país de dimensões continentais, como o Brasil, as inovações introduzidas ao artigo 800 da CLT claramente buscaram propiciar maior acesso à Justiça à parte reclamada e excipiente, a fim de que se evitem gastos com a contratação de advogado e desnecessário deslocamento ao lugar do ajuizamento da ação (muitas vezes somente para indicar que a prestação de serviços ocorreu em outro ponto do território nacional).

Como bem ressalta BRUNO FREIRE E SILVA, “empresas de pequeno porte muitas vezes têm um enorme custo com passagens e hospedagens de prepostos e advogados para conseguir se defender. A novidade, pois, certamente enseja acesso à justiça”.12

Foi nessa linha de prestigiar o acesso à Justiça, o direito de defesa e o contraditório que se passou a prever a possibilidade de apresentação da exceção de incompetência territorial antes da audiência, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação.13

Embora sejamos críticos a outras mudanças empreendidas pela Lei nº 13.467/2017, entendemos que a alteração do art. 800 da CLT foi não apenas oportuna e acertada, mas veio também em boa hora, uma vez que – numa realidade de processo eletrônico – não havia sentido exigir-se o comparecimento pessoal de reclamados apenas para a arguição da incompetência de foro.

No entanto, a nova redação do dispositivo deixa em aberto outros questionamentos e algumas dúvidas relevantes: esse prazo do art. 800, caput, da CLT, seria preclusivo? Em que momento se opera a prorrogação da competência territorial no Processo do Trabalho?

12 E SILVA, Bruno Freire. A reforma processual trabalhista e o acesso à Justiça. Rio de Janeiro, 2018. No prelo.

13 De acordo com a nova redação do art. 775 da CLT, determinada pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a contagem de prazos no Processo do Trabalho é feita em dias úteis, com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento.

Para empresas de grande porte, assistidas por advogados e escritórios aparelhados e qualificados, a apresentação da exceção será tarefa que não demandará maiores esforços. Contudo, para pequenas empresas, empresários individuais, empregadores pessoas físicas, empresas de pequeno porte, ou tomadores de serviços em situação de hipossuficiência econômica, haverá possíveis dificuldades na apresentação – através de sistema de processo eletrônico – da exceção de incompetência em 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação.

5.      A natureza do prazo de 5 (cinco) dias úteis estabelecido pelo art. 800 da CLT

 Resta-nos, portanto, analisar a natureza desse prazo de 5 (cinco) dias úteis estabelecido pelo art. 800, caput, da CLT.

VÓLIA BOMFIM CASSAR entende que “ultrapassado o prazo, preclusa estará a  arguição, e não poderá o réu fazê-lo em audiência”.14 Na mesma linha de raciocínio, sustenta CLAUDIO DIAS LIMA FILHO:

“Pela nova disciplina a respeito do tema, o excipiente fica, sob pena de preclusão e consequente prorrogação da competência do juízo, impedido de apresentar a exceção oralmente em audiência, devendo fazê-lo no prazo de cinco dias, a contar da notificação, exclusivamente pelo ambiente PJe.”15

ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JUNIOR, FABIANO COELHO, NEY MARANHÃO e PLATON NETO

também entendem que o prazo em questão teria natureza preclusiva:

“Ao impor o ônus de oferta da exceção de incompetência territorial mediante petição escrita, o legislador estabeleceu uma nova situação geradora de preclusão temporal no processo do trabalho: decorridos cinco dias úteis (CLT, art. 775) desde a notificação sem reação, não poderá mais o reclamado, sequer na audiência

14 CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 103.

15 LIMA FILHO, Claudio Dias. O novo processamento trabalhista da exceção de incompetência. In: MIESSA, Élisson. A reforma trabalhista e seus impactos. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1152.

designada, apresentar a exceção de incompetência, prorrogando tacitamente (e irreversivelmente) a competência territorial do juízo onde a reclamação tenha sido ajuizada.”16

Em sentido oposto, MARCELO MOURA defende que “a regra não exige que a arguição da exceção ocorra antes da audiência, mas prevê essa possibilidade”. Aduz, ainda, o seguinte:

“no procedimento da audiência, a tentativa de conciliação vem antes da apreciação de resposta do réu (art. 846, da CLT). Não sem razão a ‘defesa’, que inclui todas as modalidades de resposta, inclusive a exceção (defesa indireta processual), só é mencionada na CLT, no art. 847, logo depois da tentativa de conciliação frustrada.”17

No mesmo sentido, FELIPE BERNARDES defende a facultatividade da arguição de incompetência territorial antes da audiência:

“Importante notar que a arguição de incompetência antes da audiência é faculdade do réu, que pode optar, caso prefira, por suscitar o tema – oralmente ou por escrito – na primeira audiência. Tal conclusão se impõe, já que inexiste qualquer caráter de obrigatoriedade na redação do art. 800 da CLT, sendo certo, ademais, que o CPC prevê que a incompetência deve ser alegada na contestação.”18

Numa posição intermediária, RAFAEL LARA MARTINS sustenta que o prazo seria preclusivo, porém a ausência de advertência expressa na notificação (a respeito do prazo para apresentação de exceção de incompetência territorial) afastaria a preclusão. Neste sentido, assim sustenta:

16 SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de (et al). Reforma Trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017 e da Med. Prov. nº 808/2017, 2. ed. São Paulo: Rideel, 2018, p. 478.

17 MOURA, Marcelo. Reforma trabalhista: comentários à Lei nº 13.467/2017. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 277.

18 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 473-474.

“Passado esse prazo sem apresentação da exceção estaria prorrogada a competência? Parece-nos que a resposta é afirmativa, ocorrendo preclusão temporal em caso de não apresentação.

(…) Agora, que a exceção exige apresentação em momento diverso da resposta, tal condição deveria ser inserida – obrigatoriamente – pela secretaria da Vara do Trabalho na notificação.

Parece-nos que caso não haja advertência expressa na notificação inicial a respeito da oportunidade de se apresentar a Exceção de Incompetência, esta oportunidade não estaria preclusa.”19

Note-se, contudo, que a maioria das notificações não vem sendo expedida pelas Varas do Trabalho com qualquer advertência acerca do novo prazo para apresentar exceção de incompetência em razão do lugar, muito menos quanto à natureza de tal prazo.

Observe-se também que a redação do caput do artigo 800 da CLT dispõe que apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir- se-á o procedimento estabelecido neste artigo, sem qualquer alusão ou indicação de que se trate de um prazo preclusivo, cujo decurso in albis ensejaria prorrogação de competência territorial. Diferentemente do CPC, a CLT nada dispões acerca do momento em que se opera a prorrogação da competência relativa.

Além disso, o próprio artigo 847, parágrafo único, da CLT, expressamente prevê a possibilidade de apresentação de defesa até a audiência, in verbis:

Art. 847 – Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.

Parágrafo único. A parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência.

19 MARTINS, Rafael Lara. (Comentários ao art. 800 da CLT). In: RODRIGUES, Deusmar José (Coord.). Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo. Leme/SP: JH Mizuno, 2017, p. 274.

Como assevera CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, “o termo ‘defesa’ abrange as exceções” e “em suma, a palavra ‘exceção’, à luz da ciência do direito, significa, em sentido lato, defesa”.20

FELIPE BERNARDES leciona que, em sentido amplo, o vocábulo exceção é utilizado como sinônimo de qualquer matéria de defesa arguida pelo réu, incluindo questões processuais (exceções processuais) ou de direito material (exceções substanciais). Em sentido estrito, considera-se exceção a espécie de defesa que pressupõe requerimento do réu, ou seja, que não se sujeita à cognoscibilidade de ofício.21

Logo, não há dúvidas de que a exceção de incompetência territorial consiste numa modalidade de defesa do réu e a arguição da incompetência territorial igualmente constitui uma matéria de defesa. Ao mesmo tempo, como já visto, o texto da CLT é claro ao estabelecer que a parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência (art. 847, parágrafo único, CLT).

Por sua vez, a literalidade do caput do art. 800 da CLT não indica tratar-se de prazo peremptório ou preclusivo, cuja inobservância ensejaria a prorrogação da competência territorial, mas apenas institui a possibilidade de arguição da incompetência territorial por aquele novo meio. Dessa forma, torna-se relevante uma análise em cotejo com os dispositivos do CPC a respeito do tema.

O CPC/2015 consagra expressamente o princípio da concentração da defesa, ao estabelecer que incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa (art. 336, CPC). Os artigos 64, caput,22 e 337, II, do CPC,23 expressamente preveem que a incompetência relativa é matéria a ser discutida como preliminar de mérito na contestação. O CPC é também expresso ao prever que a prorrogação da competência relativa somente se opera caso a incompetência não seja suscitada em preliminar de contestação. Neste sentido, seu art. 65 assim dispõe:

20 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, 8. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 504.

21 BERNARDES, Felipe. Op. cit., p. 450.

22 Art. 64, caput, CPC. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

23 Art. 337, CPC. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: (…) II – incompetência absoluta e relativa;

Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.

Fica claro, de acordo com a disciplina do CPC, que a incompetência relativa é matéria de defesa, a ser suscitada – diferentemente do que ocorria no CPC/73 – como preliminar de mérito na contestação. Resta igualmente explícito que a prorrogação da competência relativa somente se opera caso não haja alegação de incompetência em preliminar de contestação.

No Processo do Trabalho, a contestação (que constitui também modalidade de defesa do réu) é apresentada em audiência, após a frustração da primeira proposta conciliatória. A CLT não prevê o momento em que se opera a prorrogação da competência territorial.

Tudo isso nos leva a entender que a apresentação da exceção de incompetência territorial antes da audiência é apenas uma faculdade instituída pela Lei nº 13.467/2017. A inobservância do procedimento previsto no art. 800 da CLT não importará em preclusão, sendo novamente possível à reclamada arguir a incompetência territorial em audiência, como preliminar de contestação (art. 847, parágrafo único, da CLT c/c arts. 65 e 337, II, CPC).

Além disso, como já analisado, caso se interprete como preclusivo esse prazo (cujo decurso in albis implicaria prorrogação da competência), a norma possivelmente passaria a gerar efeitos contrários aos pretendidos. Veja-se: de acordo com esse raciocínio, por exemplo, se um reclamado em situação de hipossuficiência econômica não apresentasse eletronicamente exceção de incompetência no exíguo prazo de 5 (cinco) dias a contar de sua notificação, operar-se-ia a prorrogação da competência territorial, e o feito teria que seguir todo o seu trâmite perante o juízo originalmente incompetente, o que vai de encontro à finalidade (ampliação do acesso à Justiça e do direito de defesa) almejada pela norma. Ou seja, uma mudança legislativa com a finalidade de prestigiar o acesso à Justiça e a ampla defesa muitas vezes acabaria produzindo efeitos contrários aos pretendidos.

Portanto, com vênia respeitosa aos que entendem em sentido contrário, a interpretação teleológica corrobora a conclusão de que o exaurimento do prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação (artigo 800, caput, da CLT) não pode implicar imediata prorrogação da competência relativa ou preclusão temporal.

No exemplo citado ao longo deste estudo, é um tanto quanto improvável que a Peixaria Irmãos Roraimenses Ltda ME venha a conseguir, no exíguo prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar de sua notificação, constituir advogado e apresentar eletronicamente uma exceção de incompetência territorial perante a Vara de Santa Vitória do Palmar/RS. No entanto, caso se interprete como preclusivo o referido prazo, sua inobservância importará em prorrogação da competência territorial, fazendo com que o feito obrigatoriamente tramite perante a VT de Santa Vitória do Palmar/RS até o seu desfecho. A norma, que visava à ampliação do acesso à Justiça, acabaria por restringi-lo.

Assim, face à previsão expressa de que a parte poderá apresentar defesa escrita até a audiência (art. 847, parágrafo único, da CLT), bem como diante das previsões do CPC no sentido de que somente haverá prorrogação de competência se o réu não alegar a incompetência relativa em preliminar de contestação, entendemos que, uma vez exaurido o prazo de 5 (cinco) dias úteis do art. 800, caput, da CLT, haverá possibilidade de suscitar-se a incompetência territorial no momento próprio à apresentação de contestação em audiência, após frustração da primeira proposta conciliatória, pois se trata indiscutivelmente de uma modalidade de defesa do réu.

Entendemos, por consequência, que apenas no momento da apresentação da contestação em audiência poderá ocorrer eventual prorrogação da competência, no caso de a incompetência territorial não ter sido arguida pela parte ré (art. 65, CPC).

A interpretação sistemática, portanto, realizada em cotejo com o artigo 847, caput e parágrafo único, da CLT, e artigos 64, 65, 336 e 337, inciso II, do CPC/2015, leva-nos também à conclusão de que o exaurimento do prazo de 5 (cinco) dias a contar da notificação (artigo 800, caput, da CLT) não pode implicar imediata prorrogação da competência relativa ou preclusão temporal.

De igual sorte, como também já ressaltado, numa interpretação literal do art. 800, caput, da CLT, verifica-se que o dispositivo apenas prevê a possibilidade de apresentação da exceção de incompetência no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação, porém não exige que a incompetência territorial seja suscitada em tal prazo, sob pena de preclusão, o que corrobora todo o raciocínio ora desenvolvido.

6.      Conclusão

Por todo o exposto, face aos princípios constitucionais do acesso à Justiça, ampla defesa e contraditório (art. 5º, XXXV e LV, CRFB), bem como em decorrência de uma interpretação teleológica, literal e lógico-sistemática (art. 847, parágrafo único, da CLT, e artigos 64, 65, 336 e 337, inciso II, do CPC), entendemos que o exaurimento do prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da notificação (artigo 800, caput, da CLT) não implica imediata prorrogação da competência relativa ou preclusão temporal.

A norma não exige que a arguição de incompetência territorial ocorra em tal prazo, mas apenas prevê essa faculdade. Fica ressalvada, porém, a possibilidade de arguição (oral ou por escrito) em audiência, no momento da apresentação da contestação.

7.      Bibliografia

 

BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2018.

BRASIL ESCOLA, GEOGRAFIA DO BRASIL. Território Brasileiro: localização, extensão e fronteiras. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/brasil/territorio- brasileiro-localizacao-extensao-fronteiras.htm. Acesso em 29.09.2018.

BR.DISTANCIACIDADES.NET. Disponível em <http://br.distanciacidades.net>. Acesso em 29.09.2018.

CASA CIVIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Polícia Federal atualiza dados sobre migração     de                           Venezuelanos                             (05.09.2018).             Disponível             em

<http://www.casacivil.gov.br/central-de-conteudos/noticias/2018/setembro/policia-federal- atualiza-dados-sobre-migracao-de-venezuelanos>. Acesso em 29.09.2018.

CASSAR, Vólia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

DELGADO, Gabriela Neves; DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de (et al). Reforma Trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017 e da Med. Prov. nº 808/2017, 2. ed. São Paulo: Rideel, 2018.

E SILVA, Bruno Freire. A reforma processual trabalhista e o acesso à Justiça. Rio de Janeiro, 2018. No prelo.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista, 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, 8. Ed. São Paulo: LTr, 2010.

LIMA FILHO, Claudio Dias. O novo processamento trabalhista da exceção de incompetência. In: MIESSA, Élisson. A reforma trabalhista e seus impactos. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1147-1159.

MARTINS, Rafael Lara. (Comentários ao art. 800 da CLT). In: RODRIGUES, Deusmar José (Coord.). Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo. Leme/SP: JH Mizuno, 2017, p. 273-275.

MOURA, Marcelo. Reforma trabalhista: comentários à Lei nº 13.467/2017. Salvador: JusPodivm, 2018.

PORTAL DE NOTÍCIAS G1. Voo da FAB leva 230 venezuelanos de Roraima ao Paraná e Rio         Grande                  do                    Sul           (25.09.2018).                               Disponível             em

<https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2018/09/25/voo-da-fab-leva-230-venezuelanos- de-roraima-ao-parana-e-rio-grande-do-sul.ghtml>. Acesso em 30.09.2018.

SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17. São Paulo: LTr, 2017.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

TRT 4ª REGIÃO (RIO GRANDE DO SUL). Varas do Trabalho e Postos Avançados. Disponível em <https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/jurisdicoes>. Acesso em 29.09.2018.

TRT 11ª REGIÃO (AMAZONAS E RORAIMA). Institucional: VT Roraima. Disponível em <https://portal.trt11.jus.br/index.php/home/composicao/vtroraima>. Acesso em 29.09.2018.

Palavras Chaves

Reforma Trabalhista; Exceção de incompetência; Competência Territorial; art. 800 da CLT; Acesso à Justiça.