GRATUIDADE DA JUSTIÇA: UM IMPORTANTE INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA

Resumo

Pretende-se com o presente artigo analisar a gratuidade da justiça como importante instrumento garantidor de acesso à justiça, tendo em vista a falta de recursos financeiros por parte dos mais necessitados para arcar com os custos de um processo judicial. Neste sentido, realiza-se um resgate das legislações constitucionais e infraconstitucionais que dispuseram sobre referido instituto, desde tempos mais remotos até o modelo atual, previsto no Código de Processo Civil em vigor. Por fim consubstancia-se algumas conclusões a respeito do instituto abordado.

Artigo

GRATUIDADE DA JUSTIÇA: UM IMPORTANTE INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA

Julio Cezar da Silveira Couceiro

 Mestrando em Direito e Evolução Social – UNESA, Pós-Graduado em Processo Civil. Advogado.

RESUMO

Pretende-se com o presente artigo analisar a gratuidade da justiça como importante instrumento garantidor de acesso à justiça, tendo em vista a falta de recursos financeiros por parte dos mais necessitados para arcar com os custos de um processo judicial. Neste sentido, realiza-se um resgate das legislações constitucionais e infraconstitucionais que dispuseram sobre referido instituto, desde tempos mais remotos até o modelo atual, previsto no Código de Processo Civil em vigor. Por fim consubstancia-se algumas conclusões a respeito do instituto abordado.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Código Processo Civil. Gratuidade da Justiça.

  • INTRODUÇÃO

O direito fundamental de acesso à justiça, entre nós amplamente consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 19881, é tema de grande e fundamental importância no cenário jurídico e social do Brasil e do mundo, sendo, portanto, objeto de estudos ao longo da história por renomados pesquisadores das ciências jurídicas e sociais, tendo em vista a sua natureza garantidora da titularidade dos demais direitos previstos nos textos legislativos.

É somente através de uma efetiva reinvindicação, pelos jurisdicionados, por meio do exercício do direito de ação, assegurado na sua forma mais ampla, que se torna possível alcançar os demais direitos e garantias legalmente previstos em nosso ordenamento jurídico. Sobre isso afirmou Mauro Cappelletti (1988, p.9), que: “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.1 O princípio da inafastabilidade da jurisdição, como garantia de acesso à justiça, está consubstanciado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Acesso à justiça, assim, consiste numa enorme gama de garantias, que podem ser expressas pelo direito de a parte poder ir até o Poder Judiciário e pleitear suas razões, recebendo tratamento adequado dos auxiliares da justiça, juízes, obtendo assistência jurídica e gratuidade da justiça, se for o caso, mesmo em momento anterior à instauração de processo judicial, bem como, ter este resolvido por uma decisão efetiva e justa.

Carmem Lúcia Antunes (1993, p. 33), discorre sobre os pilares que completam a prestação dos serviços jurisdicionais, sendo o primeiro destes, o acesso ao poder estatal, nos seguintes termos:

A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado. O direito à jurisdição apresenta-se em três fases que se encadeiam e se completam, a saber, a) o acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; b) a eficiência e prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; e c) a eficácia da decisão jurisdita. A dicção, mesmo que constitucional, do direito à jurisdição não basta para que o cidadão tenha a segurança de ver assumido e solucionado pelo Estado o conflito que, eventualmente, surja na aplicação do direito. […] Por isso, é insuficiente que o Estado positive a jurisdição como direito, enunciando-o na fórmula principiológica da inafastabilidade do controle judicial, mas não viabilize as condições para que este direito seja exercido pelos seus titulares de modo eficiente e eficaz.

O direito à jurisdição assim, como um princípio fundamental a ser resguardado, pressupõe ao Estado o dever de garantir e possibilitar o acesso ao Poder Judiciário, por representar este princípio, como dito, uma garantia indispensável na efetivação dos demais direitos.

Dessa forma que exsurge, por imperativo legal ao Estado, exatamente por ser o detentor do monopólio da jurisdição (DIDIER Jr.; OLIVEIRA, 2016, p.20), o desafio de garantir o acesso à justiça a todos as pessoas, independentemente de suas condições financeiras, de forma a causar menos entraves ao exercício da cidadania e prover meios, para que este acesso dê de uma forma efetiva e justa.

Uma das principais formas de se garantir o acesso à justiça é possibilitar às partes que não possuem condições de arcar com os custos inerentes ao processo, o deferimento da gratuidade da justiça.

  • ANTECEDENTES DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA NO BRASIL

Um dos grandes referenciais legislativos sobre gratuidade da justiça, no Brasil, foi a Lei nº 1.060/502. E o “foi” aqui está colocado de forma proposital, já que, o Código de Processo Civil atual3 avocou para si as disposições até então reguladas por esta Lei que, não obstante o grau de importância, já vinha se tornando inócua, tendo em vista a evolução dos conceitos relativos a assistência judiciária, assistência jurídica integral e gratuita e gratuidade da justiça, bem como, as diversas alterações legislativas que a cometeram.

Se é certo que a Lei 1.060/50, representou um grande marco legislativo entre nós, não menos certo que muito antes dela, já se aplicava, mesmo que ainda de forma muito tímida, a gratuidade da justiça no Brasil.

  • GRATUIDADE DA JUSTIÇA ANTES DA LEI 060/50

Um dos registros mais antigos da gratuidade da justiça, entre nós, remete à época do Brasil -Colônia, onde é possível encontrar, no livro III, título LXXXIV, item 1, das Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor no Brasil até 1917, quase um século após a independência do Brasil em 1822 (VIEIRA, 2015), a estipulação de pagamento de custas recursais, bem como, no item 10, os requisitos e as condições para a obtenção da isenção destas custas, respectivamente, nos seguintes termos:

  1. E em todo caso, que for agravado da sentença dos ditos Desembargadores, pagará a parte aggravante novecentos réis para a Chancellaria da dita Casa do Porto, antes de lhe o aggravo ser

[…]

3 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, de 5 de fevereiro de 1950 (Código de Processo Civil)2 A Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados.

  1. E sendo o aggravante tão pobre, que jure que não tem bens móveis, nem de raiz; nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência huma vez o Pater noster pola alma delRey Dom Diniz, se-lhe-ha havido, como que pagasse os novecentos reis, com tanto que tire de tudo certidão dentro no tempo, em que havia de pagar o agravo”. Ordenações Filipinas on-line.                        Disponível  em

<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm>. Acesso em: 23 de out. de 2019.

Conforme se extrai do texto citado, para que fosse possível obter gratuidade em determinado ato do processo, por mais pitoresco que hoje nos pareça, o requerente deveria, em audiência, jurar pela alma de um Rei.

A primeira menção constitucional, no entanto, à gratuidade de justiça foi feita na constituição de 1934, dentro do Capítulo que trata dos direitos e das garantias individuais, onde no artigo 113, 32, prelecionava o seguinte: “art. 113 […] 32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”.

Esta garantia, no entanto, não foi replicada na Constituição de 1937, com o advento do Estado Novo, sendo a disciplina do tema somente retomada com o advento do Código de Processo Civil de 19394, elencando a gratuidade da justiça como um benefício, entre os artigos 68 a 79.

Importa destacar que o Diploma Processual de 1939 descrevia as hipóteses e o alcance da gratuidade. No entanto, no art. 72, previa um procedimento inicial que consistia em mencionar na petição o rendimento e os encargos da família anexando ainda, de acordo com o art. 74, um atestado de pobreza expedido pelo serviço de assistência social ou pela autoridade policial de circunscrição de residência do solicitante. Frise-se que se tratava de um requisito essencial extrínseco e intrínseco, sem o qual o postulante não poderia ter sequer avaliado o seu pedido.

A constituição de 1946, no entanto, voltou a fazer referência a patrocínio jurídico gratuito, dentro do capítulo que trata dos direitos e garantias fundamentais, no § 35 do art. 1415, embora não se refira explicitamente à gratuidade da justiça.


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Art. 141. […] § 35. O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.4 Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939.

O procedimento previsto no CPC/1939, para a obtenção da gratuidade da justiça, perdurou mesmo após a normatização expressa da gratuidade que ocorreu através da Lei nº 1.060/506. Como dito, esta Lei representou um grande marco na história da gratuidade da justiça, muito embora, juntamente com esta, disciplinando ainda conjuntamente sobre assistência judiciária gratuita7, já que, o Código de Processo Civil de 19738 nada dispunha sobre o tema.

  • A GRATUIDADE DA JUSTIÇA APÓS A LEI 060/50

Importa destacar que os textos constitucionais, assim como, as legislações infraconstitucionais, até então, tratavam ora da assistência judiciária, ora da gratuidade da justiça, individual ou paralelamente. Ocorre que a Emenda Constitucional de 1/69, que edita o novo texto constitucional de 1967, no art. 153, §32, dispõe sobre uma nova nomenclatura, qual seja, assistência jurídica aos necessitados.

Conforme dito alhures, o CPC/73 não disciplinava sobre gratuidade da justiça, vigorando a Lei nº 1.050/50 e suas inúmeras alterações, como uma legislação base, tanto no que diz respeito à assistência judiciária, quanto sobre a gratuidade da justiça aos necessitados, durante longa data até, mais especificamente, conforme se verá adiante, a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, que trouxe deveras uma grande alteração nesta, na medida em que revogou toda parte pertinente a gratuidade de justiça, passando então a disciplinar sobre a matéria.

O Constituinte de 1988, no entanto, inova ao ampliar a abrangência da assistência jurídica, trazido inicialmente pela Emenda Constitucional de 1/69, estabelecendo que ela deverá ser prestada de forma integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos9.


7
Embora muitas vezes tratado como sinônimos com ele não se confunde.6 O art. 4º da Lei 1.060/50 inicialmente previa procedimento parecido com o do CPC/39, sendo somente alterado pela Lei 7.510/86, que afastou a necessidade de juntar à petição inicial o atestado de pobreza expedido por autoridade pública, através de uma simples declaração juntada aos autos, presumindo-se verdadeira a declaração, até prova em contrário (§1º).

8 Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973

9 Artigo 5º, inciso LXXIV, da CF/88, estabelece que : “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita ao que comprovarem insuficiência de recursos”.

  1. IDENTIFICANDO OS INSTITUTOS: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA, ASSISTÊNCIA JURÍDICA (INTEGRAL E GRATUITA) E GRATUIDADE DA JUSTIÇA

Importa destacar que até aqui, tanto os textos constitucionais quanto as legislações infraconstitucionais utilizam diversas nomenclaturas que, não obstante muito parecidas, não são sinônimas.

Assim que a assistência judiciária, utilizada na constituição brasileira de 1934, pressupõe o direito de a parte ser patrocinada gratuitamente em juízo por advogados ou entidades conveniadas ou não com o Poder Público, normalmente membros da defensoria. Tal benefício não depende de deferimento do juiz, tampouco da existência de um determinado processo em tramitação.

Já a gratuidade da justiça, utilizado inicialmente no Código de Processo Civil de 1939 é aquele benefício que dispensa o beneficiário de adiantamento de despesas processuais, este sim, dependendo de requerimento da parte e deferimento do juiz, mediante os requisitos estabelecidos em Lei.

A assistência jurídica, utilizado pela emenda constitucional nº 1/69, que teve seu conceito ampliado a partir da constituição brasileira de 1988 para uma assistência jurídica integral e gratuita, abrange tanto a gratuidade da justiça, quanto a assistência judiciária, podendo ir muito além destes institutos, na medida em que engloba ainda, informações e consultas, prática de atos jurídicos e/ou extrajudiciais, tais como, processos administrativos perante órgãos públicos e atos notariais por exemplo.

Essa ressalva é necessária porque durante longa data, estes institutos foram tratados de forma conjunta, gerando uma grande confusão sobre o alcance e a magnitude do tema que abrange os conceitos sobre gratuidade de justiça, assistência judiciária e assistência jurídica integral e gratuita.

Por exemplo, a Lei n° 1.060/50 utilizou-se, por diversas vezes, da expressão assistência judiciária quando estava a referir-se, na verdade, à justiça gratuita. Assim temos o art. 3° […] o art. 4° […]. O §2° do mesmo artigo […]. O art. 6° […]. Igualmente equivocado, o art. 7° […]. E ainda o art. 9º […]. Em todos estes dispositivos legais, a assistência judiciária aparece no sentido de justiça gratuita. De outro lado encontramos a expressão assistência judiciária em seu sentido correto apenas no art. 1°, nos §§1° e 2° do art. 5°, e no art. 16, parágrafo único. (MARCACINI, 1996, p. 30).

Esta separação entre os institutos é importante, para que se possa trabalhar melhor os textos legislativos atinentes a cada matéria e solidificar o entendimento sobre estes com o intuito de contribuir para uma melhoria do acesso à justiça aos que realmente dela necessitam, na medida exata de suas necessidades.

Uma assistência judiciária gratuita prestada pelo Estado a quem claramente possui condições de contratar um advogado particular, tende a gerar um fracionamento maior na prestação de serviços, por parte dos defensores ou mesmo advogados conveniados, bem como, à imensa gama de servidores que atuam no sentido de melhor prestar o serviço, ocasionando assim um maior desdobramento das ações e procedimentos internos, que impactam certamente no resultado final e elevam os custos à sociedade. Da mesma forma, gratuidade da justiça deferida a quem notadamente possui condições de arcar com os custos do processo, tende a gerar uma elevação desproporcional das despesas do processo aos demais jurisdicionados que não fazem usos de tal benefício ou melhor, garantia.

Assim, para preservar o alcance e a aplicação correta dos institutos é preciso, antes de tudo, trabalhá-los de maneira específica.

  1. A INDIVIDUALIZAÇÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA NO CPC/15

Esta individualização dos institutos ficou muito mais clara com o advento do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que, foi muito vantajoso o resgate do tema especificamente no que tange à gratuidade da justiça, derrogando o tema da lei 1.060/5010, deixando para esta apenas a disciplina da assistência judiciária.

O CPC/15 inova, no particular, ao fazer referenda exclusiva e acertadamente a “gratuidade da justiça”, entre os artigos 98 a 102, não permitindo, assim, que o benefício seja confundido com a assistência judiciária ou com a assistência jurídica integral e gratuita.

Como dito, a exemplo dos demais institutos, a gratuidade da justiça está intimamente ligada a democratização de acesso à justiça, na medida em que possibilita aquela parte mais fraca, acesso ao Poder Judiciário, através da isenção de todas as despesas inerentes a um processo judicial, sem a qual, dificultaria ou aniquilaria toda e qualquer possibilidade de ter a sua pretensão sequer ser analisada em juízo.10 O CPC/15 faz referência ao tema da Gratuidade da justiça, entre os artigos 98 e 102, derrogando expressamente, no art. 1.072, III, diversos dispositivos da Lei nº. 1060/50.

  • ALGUMAS DISPOSIÇÕES ACERCA DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA NO CPC/15 Embora não se pretenda aqui, tendo em vista os contornos do presente artigo, traçar um

manual de procedimentos acerca da gratuita da justiça, importa destacar alguns destes dispositivos no sentido de assentar algumas premissas gerais importantes adotadas sobre o tema pelo Novel Diploma Processual.

  • DESTINATÁRIO E ABRANGÊNCIA

Assim que, logo no primeiro artigo da Seção IV do Código, fica estabelecida a quem se destina o direito, bem como, os requisitos para o deferimento da gratuidade da justiça, nos seguintes termos:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, tem direito à gratuidade de justiça, na forma da lei.

Portanto, não obstante ser destinado à pessoa natural, também pode ser deferida à pessoa jurídica, tendo como principal diferença entre ambas o fato de a primeira gozar de presunção de veracidade, nos termos do art. art. 99, §3ª, enquanto que a segunda precisa demonstrar de maneira cabal a fragilidade econômica para ter o benefício deferido.

Pelo artigo 98, também é possível extrair que não se exige aos estrangeiros a necessidade de comprovação de residência no país para fazer jus ao benefício.

Outra importante disposição diz respeito à insuficiência de recursos que, diferentemente das legislações anteriores acerca do tema, não exige comprovação de miserabilidade, nem estado de necessidade ou mesmo renda familiar ou faturamento máximos.

No artigo 98, §1º, o Código estabelece a abrangência da gratuidade, assim compreendidos no inciso I, a dispensa de adiantamento das taxas e custas judiciais, ou seja, do valor que se deve pagar ao Estado para pleitear perante o Poder Judiciário. Importa destacar, neste ponto, que tendo em vista a natureza jurídico-tributária de tais custas, estas ficam temporariamente dispensadas de adiantamento o que não impede a sua cobrança em momento posterior, após e se evidentemente cessados os requisitos autorizadores da gratuidade. Tal benefício não pode ser caracterizado jamais como isenção tributária.11

Outra condição suspensiva diz respeito ao ressarcimento das despesas com honorários de sucumbência, disposta no art. 98, §§2º e 3º, não havendo que se falar em isenção de pagamento destas despesas, ou seja, durante a condição suspensiva que pode perdurar até cinco anos após o trânsito em julgado, e havendo a demonstração de que o beneficiário não é mais carente de recursos, fica o crédito passível de execução.

A gratuidade da justiça também não abrange eventuais multas processuais a despeito do art. 98, §4º, entre as quais se pode citar a litigância de má fé, prevista no art. 81 do CPC/15, bem como, pela não devolução dos autos físicos, prevista no art. 234, §2º do CPC/15, após devidamente intimado o advogado a fazê-lo.

Há ainda previsão legal art. 98, §§5º e 6º acerca de redução e parcelamento das custas processuais.

  • REQUERIMENTO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

O procedimento para obtenção da gratuidade está delineado no art. 99 do CPC/15, prevendo que o requerimento deve ser realizado no primeiro momento que o postulante ingressar nos autos, seja na petição inicial, na contestação ou na peça de ingresso de terceiro. Trata-se o momento do requerimento de uma questão de peculiar importância, já que é através deste que se pode mensurar o alcance da gratuidade concedida, isto porque o Novel Diploma Processual pressupõe apenas efeito ex nunc, não alcançando os atos retroativos à concessão do direito à gratuidade12.

Nesse sentido e segundo o art. 99 §1º, tal requerimento pode ser realizado ainda em momento posterior, através de simples petição, não interrompendo o trâmite normal do processo.

Como dito, diferentemente da assistência judiciária gratuita, a gratuidade da justiça sempre dependeu de deferimento do juiz. No CPC/15 esta assertiva fica ainda clara em diversos momentos do texto legislativo, tais como, no art. 98, §§2º, 3º,4º, 5º, 6º,8º e ainda nitidamente a


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A despeito do entendimento firmado pelo STJ no AgRg no AREsp 442.474/MG.11 O art. 151, III, da CRFB/88 veda a possibilidade de a União “instituir isenções de tributos da competência dos demais entes federativos”.

contrário sensu, no art. 99 §2º, que legitima ao juiz indeferir a gratuidade apenas quando houver elementos que evidenciem a falta de pressupostos ensejadores da concessão, não sem antes oportunizar à parte comprovar possuir os referidos pressupostos que o qualifiquem a pleitear a gratuidade da justiça.

Ocorre que, de acordo com o art. 99 §3º do CPC/15, há uma importante previsão legal de presunção de veracidade da alegação de insuficiência, por parte da pessoa natural o que, em tese, somente justificaria eventual indeferimento juntamente com a aplicação da multa por má fé prevista no parágrafo único do art. 105 do CPC/15, em favor da fazenda pública federal ou estadual conforme o caso. A não observância desta previsão legal têm gerado uma grande banalização da presunção de veracidade da alegação de insuficiência, já que este, tende a ter um “valor menor” em detrimento do princípio da boa-fé processual, tão caro ao novo Código de Processo Civil em vigor. Importa notar que a nova redação do art. 4º da Lei 1.060/50 já falava em simples afirmação nos autos para deferimento da gratuidade da justiça.

  • IMPUGNAÇÃO E RECURSO

Quanto à impugnação da concessão da gratuidade da justiça à parte contrária, tem-se que, de acordo com art. 100, caput, este deverá ser realizado nos próprios autos sem notadamente a necessidade da instauração de incidente processual o que tende a gerar uma maior celeridade no processo. Assim, em sendo deferido o direito à gratuidade na inicial, tem- se que a impugnação deve ser feita na contestação. Se, por outro lado, deferida ao réu na contestação, na réplica deverá ser feita a impugnação. Caso seja deferida a gratuidade, nos recursos, nas contrarrazões é que deverá ser realizada a sua impugnação.

No tocante aos recursos, nos termos do art. 101 do CPC/15, caberá agravo de instrumento contra a decisão que indeferir o requerimento, exceto se esta for decidida na sentença quando então caberá recurso de apelação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso à justiça é um dos direitos mais básicos do cidadão, exatamente por ser ele um instrumento garantidor dos demais direitos postos à disposição do jurisdicionado. Portanto, preservá-lo e garanti-lo é tarefa de fundamental importância que deve, assim, portanto, ser levado às instâncias máximas pelo Estado.

Variados são os meios que o Estado pode se utilizar para a garantia do acesso à justiça, sendo a diminuição das barreiras econômicas para as partes mais necessitadas, apenas um deles.

A concessão da gratuidade da justiça, assim, se apresenta como um dos mecanismos tendentes a diminuir essas barreiras, onde, por intermédio da dispensa de custas iniciais para distribuição de determinada demanda judicial, abre a possibilidade para as partes mais necessitadas pleitearem suas razões perante o Poder Judiciário.

Embora, durante muito tempo a gratuidade da justiça tenha sido tratada pelas legislações constitucionais e infraconstitucionais, indistintamente, juntamente com os demais institutos facilitadores de acesso à justiça, tem-se que esta tomou rumo próprio, sendo inserida atualmente em seção própria no Código de Processo Civil de 2015 que muito acertadamente avocou para si as disposições da Lei 1.060/50.

Isso foi muito positivo, já que possibilitou a identificação e separação dos institutos, tendendo a um aperfeiçoamento deles, inclusive no que tange à aplicação prática, no sentido de se alcançarem melhores resultados, direcionando os recursos do Estado a quem realmente necessita, seja porque não possuem condições temporárias ou mesmo definitivas para arcar com todos ou parte dos custos de um processo judicial.

Ao optar o legislador do Código de Processo Civil atual em dispor sobre gratuidade da justiça, prestou um grande serviço à comunidade jurídica e ao cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Carmem Lúcia. O Direito Constitucional à jurisdição. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva. 1993.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.

DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. 6 ed. rev. e atual. Benefício da Justiça Gratuita: de acordo com o novo CPC. Salvador: JusPodvm, 2016.

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

Ordenações                    Filipinas                     on-line.                     Disponível                     em

<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm>. Acesso em: 23 out. 2019.

VIEIRA, H. O. T. As Ordenações Filipinas: o DNA do Brasil, Revista dos Tribunais, vol. 958, ago. 2015. Disponível em: < http://

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