MEDIAÇÃO E ADVOCACIA: OS DESAFIOS DE ASSIMILAR FORMAS CONSENSUAIS DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS

Resumo

Este texto pretende problematizar a introdução recente da mediação como um novo método de administração de conflitos regulamentado, no Brasil, sua recepção pelos advogados e alguns dilemas e perplexidades, de cunho empírico, inerentes a esse processo de assimilação de uma nova cultura jurídica. O artigo é resultado de pesquisa em andamento, contando com recursos do CNPq-Brasil4. No aspecto metodológico, este trabalho combina revisão bibliográfica de textos legais, doutrinários, técnicos e acadêmicos, que serão oportunamente referidos.

Artigo

MEDIAÇÃO E ADVOCACIA: OS DESAFIOS DE ASSIMILAR FORMAS CONSENSUAIS DE ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS

 

Klever Paulo Leal Filpo1

Bárbara Gomes Lupetti Baptista2

Julia Nery Tavares3

RESUMO: Este texto pretende problematizar a introdução recente da mediação como um novo método de administração de conflitos regulamentado, no Brasil, sua recepção pelos advogados e alguns dilemas e perplexidades, de cunho empírico, inerentes a esse processo de assimilação de uma nova cultura jurídica. O artigo é resultado de pesquisa em andamento, contando com recursos do CNPq-Brasil4. No aspecto metodológico, este trabalho combina revisão bibliográfica de textos legais, doutrinários, técnicos e acadêmicos, que serão oportunamente referidos.

PALAVRAS-CHAVES: Acesso à Justiça. Mediação de Conflitos. Justiça Consensual. Brasil.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Processo Judicial e Mediação como Formas de Administração de Conflitos. 2. As Promessas da Mediação. 3. Mediação Judicial no Direito Brasileiro. 4. O papel dos advogados e os desafios da Mediação de Conflitos. Considerações Finais. Referências.

 

Introdução

A utilização de métodos consensuais de administração de conflitos5 (conciliação, mediação, negociação, dentre outros) tem sido um dos temas mais explorados no meio jurídico, no Brasil, nas duas últimas décadas. Sobretudo a mediação, apontada como uma forma de ampliar o acesso à justiça, no sentido de que pode proporcionar soluções mais céleres, econômicas e adequadas (FILPO, 2016) para diversos tipos de conflitos, a depender da natureza e das peculiaridades do caso concreto.

A busca pelo aperfeiçoamento dos meios de acesso à justiça vem ao encontro de uma demanda nacional, quando se verifica uma quase obstrução do Judiciário, no Brasil, com o crescimento expressivo de ações judiciais, que vem preocupando especialmente os Tribunais  e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Problema este evidenciado, particularmente, pelo Relatório Justiça em Números, produzido anualmente pelo CNJ6.

Se, por um lado, estamos diante de um sistema cada vez mais congestionado, por outro, os custos, o formalismo e a morosidade processual – causa frequente de reclamação dos advogados e das partes – são fatores que acentuam a insatisfação dos cidadãos ao Poder Judiciário enquanto instituição7. A construção de respostas para esse problema tem envolvido diferentes medidas, dentre elas modificações legislativas.

Como cediço, desde o ano de 2010, através da Resolução nº 125, o Conselho Nacional de Justiça vem incentivando a conciliação e a mediação, tratando-as como “instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios”, com a esperança de que sejam implementadas no país para garantir a redução de litígios e “a excessiva judicialização dos conflitos” sociais.
No campo processual, o Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) inovou quando trouxe, dentre outras mudanças, dispositivos específicos destinados a dividir o trabalho dos órgãos judiciais com outros atores, como os mediadores e os conciliadores8. E não apenas em sede judicial: além do processo convencional, vem sendo oferecido aos brasileiros o chamado “processo de mediação”, como uma alternativa para ser percorrida, seja nos Tribunais, seja em espaços extrajudiciais.

Nessa linha, a própria exposição de motivos do CPC de 2015 ressalta o espírito de paz que se pretende implementar no sistema de justiça, ao asseverar, textualmente: “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação”.

Na pesquisa de que trata este texto, temos nos ocupado de buscar compreender e descrever essas iniciativas, que fazem parte de um movimento nacional de introdução das soluções consensuais para os conflitos na tradição jurídica brasileira. Inicialmente realizamos uma revisão bibliográfica, sobretudo textos escritos por mediadores e juristas, que procuram qualificar a mediação como uma forma eficaz de solução de conflitos, por alguns considerada “complementar” ao processo judicial. Essa leitura tem revelado todas as expectativas criadas em torno da recepção da mediação no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se, na verdade, de promessas: as promessas da mediação.

Por outro lado, e como um contraponto, esse levantamento bibliográfico também tem revelado a existência de trabalhos que, em sentido contrário, têm se ocupado de problematizar esse movimento. São trabalhos produzidos, sobretudo, com perspectiva empírica que vêm demonstrando que trilhar o caminho da mediação não é uma tarefa fácil, porque há muitos obstáculos, inclusive culturais, nesse processo.

Dentre outros fatores, na mediação entram em cena os mediadores, para empregar ferramentas que nada têm a ver com as ferramentas do processo judicial convencional. Isso pode causar surpresa e estranhamentos, pois são novos “atores” dentro do cenário forense, desempenhando tarefas específicas, ainda não tão bem compreendidas pelos protagonistas tradicionais do processo – sobretudo, no caso deste artigo, os advogados.

Desse modo o presente artigo pretende, sobretudo, problematizar e refletir sobre os desafios que parecem existir, especialmente para os advogados, quando se deparam com a necessidade de absorver formas consensuais de solução de conflitos, em geral, e da mediação, em particular, em suas atividades cotidianas.

O debate parece ser particularmente relevante neste momento específico em que a utilização de tais mecanismos, em juízo ou fora dele, foi recentemente regulamentada, cabendo aos advogados o papel empregá-los mais amplamente na vida forense e no assessoramento e orientação aos clientes, dentre outros.

1.  Processo Judicial e Mediação como Formas de Administração de Conflitos

 A ordem constitucional adotada a partir da Constituição de 1988, no Brasil, redefiniu o papel exercido pelo Poder Judiciário, conferindo grande visibilidade, autonomia e independência a este poder. Essa mudança substancial se deu, sobretudo, pela inserção de direitos e garantias fundamentais no ordenamento jurídico, direcionando a atuação do Judiciário à proteção e concretização de direitos. Daí porque alguns autores identificam um movimento de ascensão do Poder Judiciário – em parte ilustrada, atualmente, pela presença maciça de notícias envolvendo a atuação de magistrados, em todos os níveis, nos mais variados meios de comunicação, de imprensa escrita e falada.

Tal movimento estaria evidente não apenas pela prestação jurisdicional em moldes convencionais – atuação regular do Judiciário na tutela de direitos – quanto pelo caráter eminentemente político assumido quando da incapacidade dos poderes Executivo e Legislativo absorverem as demandas sociais do chamado “Estado de Bem-Estar” (AQUINO, 2016). Para Streck (1999), a inércia do Executivo e a falta de atuação do Legislativo, no desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, propiciaram um sensível deslocamento do centro de decisões destes poderes ao Judiciário.

No inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição9, está contemplado o chamado princípio da inafastabilidade da jurisdição, que assegura o direito fundamental de ação como instrumento de proteção ao direito material. Isso significa que o magistrado não pode dispensar a apreciação de uma demanda e que, também nesses termos, não se pode criar barreiras a que alguém ajuíze uma determinada ação. O texto constitucional não posicionou, ao lado da via judiciária, formas alternativas para resolver disputas de interesse – mesmo porque essa não parece ser uma tradição no Brasil. Essa distribuição de justiça através do processo judicial vem sendo reconhecida como “forma tradicional de resolução de conflitos”,

que acabou, segundo Silva e Leite (2008, p. 20) por potencializar uma tendência adversarial da sociedade brasileira, no tocante aos mecanismos acionados para a resolução de conflitos.

Para Farias (2016), como consequência da constitucionalização de direitos, aliada ao crescente desenvolvimento da sociedade e ao dinamismo das relações humanas, instalou-se um cenário de litigiosidade excessiva no país. A ordem jurídica dogmática e ritualizada, por sua vez, organizada no convencionalismo de sua racionalidade formal, não conseguiu acompanhar o ritmo crescente de transformações aceleradas por que passa a sociedade (Farias, 2016).

Exemplificando, os dados estatísticos divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça no último Relatório “Justiça em Números 2019”10, relativo ao ano-base de 2018, aponta que “o estoque de processos pendentes ao final de 2018, em todos os órgãos do Poder Judiciário, foi de 78.691.031 ações”, sendo certo que “o total de casos novos ingressados foi de 28.052.965 processos”. Ou seja, trata-se de um congestionamento significativo, que propicia e legitima a implementação de uma nova cultura, que vem sendo chamada de cultura do consenso.

Fundamentalmente, entende-se que a centralização da jurisdição na figura do magistrado, bem como a burocratização dos procedimentos e formalidade inerentes à atuação do Poder Judiciário, foram fatores que auxiliaram a deflagrar esse quadro alarmante. Nesse sentido Grinover (2008) considera que:

 […] a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lança mão de seus poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante consequência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais.

Há anos, quando tal cenário de instabilidade já estava delineado, a Reforma do Judiciário surgiu com o intuito de dar maior eficiência ao sistema. A promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 representou, à época, um importante passo no caminho da modernização e da efetividade judicial. Dentre as medidas adotadas, foi assegurada a assistência jurídica gratuita, a simplificação de procedimentos por meio de Juizados especializados e da criação de novos instrumentos de representação em juízo para os interesses difusos, bem como a promoção da celeridade processual como direito e garantia fundamental11.

Embora tenha sido uma importante iniciativa para as modificações constitucionais em matéria processual, a EC 45/04 não se mostrou suficiente para resolver o problema do volume exacerbado de demandas e a falta de estrutura enfrentada. O que se observa é que, na atual conjuntura, o Poder Judiciário não está mais conseguindo corresponder aos anseios da população. Nesse cenário, uma das propostas veiculadas tem sido, como dito, o estímulo à utilização de formas diversificadas de tratamento dos litígios.

Foi a partir desse estado de coisas que passou-se a edificar, no Brasil, a ideia de que o ente estatal, na pessoa do juiz, não pode ser o único responsável pela solução dos conflitos. A decisão de mérito nem sempre se mostra eficaz a extinguir de forma definitiva o conflito, o que, de certa forma, acaba por fomentar ainda mais a desigualdade e o litígio ao estabelecer as posições de “vencedor” e “vencido”.

Sobretudo setores do Judiciário perceberam ser necessário ampliar o conceito de acesso à Justiça vinculando-o às finalidades básicas12 de que trataram Cappelletti e Garth (1988) e aproximando-o de uma “ordem jurídica justa” (WATANABE, 2011), com procedimentos destinados a conferir ao jurisdicionado o direito à tutela adequada, tempestiva e efetiva (MARINONI; ARENHAR; MITIDIERO, 2015). Foi nessa linha que desenhou-se a já mencionada Resolução nº. 125, de 29 de Novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, a qual institucionalizou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, tendo como justificativa a busca pela ampliação do acesso à justiça por diversificados meios.

A esse movimento e às ferramentas que lhe são próprias vem sendo atribuído o nome de soluções alternativas, que é criticada por alguns. Por exemplo Wust (2014), com experiência em mediação de conflitos, segundo a qual não há que se falar em supressão da atividade jurisdicional clássica pela alternativa, mas em meios voltados a interação e a complementaridade desta tutela. Seriam métodos complementares, e não alternativos. Já Calmon (2007) anota que a expressão “Resolução Alternativa de Disputas foi por muito

tempo criticada por “não guardar precisão técnica e histórica considerável”. Originalmente, este conceito servia como denominação conjunta dos métodos alternativos ao julgamento pelo Judiciário. Atualmente, tem se adotado a expressão Resolução ‘Adequada’ (ou mesmo ‘Amigável’) de Disputas (AZEVEDO, 2016).

De todo modo, a adoção de mecanismos complementares, ou alternativos, vem servindo como uma resposta à crise da prestação jurisdicional, permitindo dividir a atividade do juiz com outros atores, como os conciliadores e os mediadores. Por outro lado, o discurso de justificação passa também pelo enaltecimento das vantagens das formas consensuais em relação às soluções adjudicadas. Para Spengler (2010), essas práticas passam a observar a singularidade de cada participante no conflito, conferindo maior compreensão e reconhecimento, haja vista a opção de “ganhar conjuntamente”, construindo em comum as bases de um tratamento efetivo.

Esse cenário é incentivo a uma nova postura diante dos conflitos, inclusive por parte dos profissionais envolvidos – sobretudo os advogados a quem compete orientar as partes quanto aos caminhos mais adequados à solução de um determinado conflito – voltada à aplicação dos meios autocompositivos, em especial a mediação. Prestigia-se a solução consensual, através da participação e cooperação, bem como da retomada do diálogo entre as partes, possibilitando uma composição pacífica. Como proposto ao início, vamos enfocar a mediação e suas promessas enquanto método eficaz de tratamento dos litígios.

1.  As Promessas da Mediação

 Conceitualmente, a mediação é um processo autocompositivo de resolução de conflitos, através do qual duas ou mais pessoas, envolvidas em uma contenda real ou potencial, recorrem a um profissional imparcial, em busca de espaço para criação de uma solução consensual e amigável, de modo célere e custos razoáveis (FARIAS, 2016). Seu objetivo não se restringe a resolver as disputas: busca-se desarmar as partes envolvidas através do restabelecimento da comunicação interrompida, da criatividade e da intercompreensão, a fim de que encontrem a melhor maneira de solucionar a controvérsia sem que uma delas saia prejudicada ou insatisfeita com o resultado alcançado (WUST, 2014).

Este olhar interdisciplinar da comunicação das partes frente ao conflito judicial é descrito por Morais e Spengler (2012). O problema da comunicação é apontado por esses autores como uma dificuldade real, e também paradoxal. Em uma época em que as formas de comunicação (sobretudo eletrônicas e virtuais) conhecem um extremo desenvolvimento, a enorme dificuldade de se restabelecer um diálogo perdido é algo que chama da atenção. A mediação surgiria para suprir essa lacuna social. Trilhando raciocínio semelhante, Warat (2001) define a mediação como a forma ecológica de resolução de conflitos sociais e jurídicos, cujo intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. Exerce um caráter pedagógico, não no sentido de propor soluções, mas de auxiliar no processo de construção do consenso, por meio da comunicação.

Para essa finalidade, o mediador opera de forma bastante diferente de um juiz. Didier Jr. (2015) explica essa diferença, assim:

 […] o mediador exerce um papel um tanto diverso. Cabe a ele servir como veículo de comunicação entre os interessados, um facilitador do diálogo entre eles, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na técnica da mediação, o mediador não propõe soluções aos interessados. Ela é por isso mais indicada nos casos em que exista uma relação anterior e permanente entre os interessados, como nos casos de conflitos societários e familiares. A mediação será exitosa quando os envolvidos conseguirem construir a solução negociada do conflito.

Os entusiastas da mediação propõem que, ao pretender tratar do conflito por inteiro (explique-se, de forma que não está limitada à sua expressão jurídica: cível, criminal, família, separação, partilha, etc), a mediação tende a oferecer respostas mais humanas, plausíveis e eficazes, que talvez tenham mais chance de vir ao encontro das expectativas e desejos das partes do que o processo judicial. Talvez um procedimento mais próximo do cidadão, desprendido dos rituais e formas jurídicas em sentido estrito. Para Spengler (2010), dentro de uma tendência mundial de incentivo aos meios consensuais de resolução, a mediação permite observar a singularidade de cada participante do conflito, considerando a opção de “ganhar conjuntamente”, construindo em comum as bases de um tratamento efetivo e colaborativo.

Essas são, portanto, as promessas da mediação, incorporadas recentemente ao ordenamento jurídico brasileiro, da forma que será descrita a seguir.

1.  Mediação Judicial no Direito Brasileiro

 Vivenciamos há poucos anos no Brasil o estabelecimento de bases normativas da medição de conflitos. Estas objetivam regulamentar o processo de mediação, oferecendo maior segurança jurídica; estabelecer diretrizes capazes de estabilizar uma política pública de disseminação no Poder Judiciário; e fomentar sua utilização em diferentes espaços públicos (FARIAS, 2016).

No aspecto judicial, Ada Pellegrini Grinover (2017) falava em um minissistema brasileiro de métodos consensuais de solução judicial de conflitos13, formado pela Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, pelo Novo Código de Processo Civil de 2015 e pela Lei de Mediação (Lei 13.140/2015), os quais serão analisados brevemente nas linhas seguintes.

Pode-se dizer que tal movimento iniciou-se com a Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça. É considerada um passo importante no reconhecimento e inserção dos métodos consensuais de resolução de demandas estabelecendo a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse. Tal resolução expressa uma preocupação com o que denomina acesso à ordem jurídica justa, através da adequação da solução do litígio de acordo com a natureza e peculiaridade do caso.

Como inovação normativa, o texto da resolução atualizou o conceito de acesso à justiça, não o restringindo ao mero acesso aos órgãos judiciários, mas ampliando seu sentido para abranger o acesso a uma ordem jurídica justa, preconizando o direito de todos os jurisdicionados à orientação e utilização desses meios cooperativos de solução, de forma qualitativa (WATANABE, 2011). Isto significa que se busca valorizar a satisfação do jurisdicionado em relação ao resultado final do processo, em vez do acesso ao Poder Judiciário puro e simples (AZEVEDO, 2016).

Sinteticamente, a Resolução dispõe sobre a obrigação dos Tribunais na criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, voltados ao planejamento e fomento de políticas internas e capacitação da equipe técnica, bem como da criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, responsáveis pelo funcionamento dos serviços de administração de conflitos. Estabelece, também, os princípios da mediação no âmbito judicial e um conteúdo detalhado do programa de formação de mediadores e conciliadores judiciais.

A Resolução significou um marco da proposta de reestruturação do Judiciário e de mudança na mentalidade dos operadores do Direito e das partes ao disciplinar institutos, a exemplo da mediação, como forma efetiva de garantir o acesso à justiça e alcançar a pacificação social, em complementaridade ao processo judicial. Contudo, por se tratar de uma resolução interna do Judiciário, e não uma lei federal, nem todos os Tribunais aplicaram suas disposições integralmente, apresentando forte resistência à tendência consensual idealizada.

Já a Lei de Mediação (Lei nº. 13.140/2015) veio suprir uma lacuna que causava alguma inquietação no meio jurídico, pois existia incentivo à mediação sem que esta estivesse adequadamente regulamentada. Segundo Tartuce (2016), por um lado entendia-se que a mediação caminharia melhor sem amarras legais, à luz da informalidade. Por outro, a falta de tratamento legislativo causava certa insegurança em relação ao uso do instrumento.

Essa lei trouxe para a sociedade brasileira normas capazes de garantir segurança jurídica às soluções dadas por meio da mediação, tornando-a, assim, mais atrativa, por via judicial ou extrajudicial – como meio simplificado e rápido de solução de conflitos. Regula, também, a possibilidade da Administração Pública resolver as suas próprias demandas através dos métodos autocompositivos – aspecto este que não desdobraremos neste artigo, mais interessado na solução de conflitos entre particulares.

A norma estabelece que “poderão ser solucionados por meio da mediação os conflitos que versem sobre direitos indisponíveis, que admitam transação. Aplica-se, especialmente, quando exista uma relação jurídica pré-existente ao conflito” (FARIAS, 2016). O mediador, enquanto terceiro imparcial e facilitador do diálogo, é o responsável por evidenciar os anseios das partes e permitir que entendam o pedido uma das outras, na tentativa de uma solução conjunta e benéfica para ambas.

Também confere relevância às figuras dos mediadores judiciais e extrajudiciais. Estabelece diretrizes sobre a capacitação, técnicas e os critérios utilizados para qualificação destes facilitadores. Nos mesmos moldes do disposto na Resolução já comentada, a Lei de Mediação delimita a realização das audiências de mediação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, quando realizada por entes públicos, ou em Câmaras Privadas, se realizadas por entes privados. Abrindo-se espaço, portanto, para uma disseminação da sua utilização nos mais diferentes espaços e contextos.

Por fim, o Código de Processo Civil em vigor (Lei 13.105/2015) institucionalizou a mediação judicial com o objetivo de garantir maior celeridade à tramitação dos processos, através da simplificação dos procedimentos processuais. Na perspectiva desse Código, as soluções consensuais contribuem para uma maior celeridade dos processos.

O CPC encampou os ideais da Resolução nº. 125/10 e dispôs sobre os métodos consensuais de solução de conflitos, dando grande estímulo ao seu uso, considerando que este seria o grande viés para a transformação de uma sociedade bastante litigiosa para outra mais afeita a uma “cultura de paz”, como disseminado pelo Conselho Nacional de Justiça e explicitado na própria exposição de motivos do novo código.

Desde o Capítulo I, que trata das normas fundamentais do processo civil, o novo código destaca, no art. 3º, § 3º, que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

O art. 334 prevê textualmente, e de modo imperativo, que: “se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação”, sendo que o §4º, prevê a excepcionalidade de a audiência não ocorrer, quando: “I – ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II – não se admitir a autocomposição.”.

Ou seja, a partir de março de 2016, todos os processos judiciais distribuídos, que não estejam nas hipóteses excepcionais do §4º do art. 334, devem ter como ato processual inaugural, uma audiência (de mediação e/ou de conciliação, a depender do caso).

Além disso, a lei processual estabelece a criação obrigatória de Centros de Solução de Conflitos, onde serão realizados programas de auxílio e orientação ao cidadão que busca a solução do seu litígio, como também as audiências de conciliação e mediação propriamente ditas14. A atividade de administração de conflitos será realizada pela figura dos conciliadores e mediadores judiciais15, considerados por esta lei como auxiliares da justiça.

Dentre outros, tem-se como princípio basilar a confidencialidade, que deve “recair sobre todas as informações transmitidas para que as partes tenham segurança de que nada que seja dito poderá ser utilizado contra elas em outras esferas” (FARIAS, 2016). Além disso, os mediadores devem ser imparciais; não podem ter qualquer interesse no conflito; devem atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa; e podem recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento (DIDIER, 2016).

De sorte que todas as inovações legislativas introduzidas no nosso ordenamento jurídico, e aqui comentadas em seus aspectos mais relevantes, demonstram a preocupação de incentivar o uso dos métodos consensuais de composição de litígios. Especialmente da

mediação, que assume grande importância no cenário atual: uma verdadeira promessa colocada à disposição da justiça e da sociedade brasileira.

Verifica-se, assim, que o legislador [e os doutrinadores] parecem estimular a cultura do consenso, sendo certo que os discursos normativos são entusiastas da mediação. No entanto, a prática forense, por sua vez, tem mostrado certa reação a essa nova ideologia processual e dificuldades de implementação dessa promessa, como será visto no tópico a seguir.

1.  O papel dos advogados e os desafios da Mediação de Conflitos

A proposta da Política Nacional de incentivo aos mecanismos para a obtenção da autocomposição representa, segundo Calmon (2008), uma contribuição para crescimento e mudança social, para vencer a crise da justiça e consolidar um sistema de efetiva resolução dos conflitos. Essa afirmativa condensa as expectativas geradas em torno da mediação de conflitos e sua regulamentação no Brasil. Contudo, embora seja avaliada como uma conquista muito representativa no cenário atual, alguns desafios se apresentam e precisarão ser contornados para garantir que a mediação seja aplicada com a efetividade esperada.

Diversos trabalhos de natureza empírica, seja por meio do relato de experiências, seja por meio de abordagens etnográficas, vêm apontando muitos obstáculos para que a mediação possa, como se diz na gíria, “emplacar”. No caso deste artigo, interessa enfocar um “desafio em mão dupla”, envolvendo a mediação e os advogados.

É que, segundo trabalhos baseados em pesquisas empíricas que serão a seguir referidos, os advogados sentem-se desafiados pelo advento, disseminação – e mesmo obrigatoriedade de emprego, em certos casos – das formas consensuais de solução de conflitos, que envolvem novos saberes e fazeres. Mas, olhando por outro ângulo, o projeto de disseminação da mediação também corre o risco de desandar, caso não conte com a adesão dos advogados, que esboçam postura em geral reticente em vista dessa novidade.

A razão dessa assertiva é simples e até mesmo intuitiva: quem tem um problema jurídico sabe que deve procurar um advogado. Assim, caso esse profissional não aponte a mediação como um caminho possível para a solução da disputa, deixando de apresentá-la ao seu constituinte, as normativas de que tratamos no item precedente, evidentemente, tendem a ter pouco resultado prático.

O texto atual do Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução 02 de 2015 do Conselho Federal da OAB) estabelece ser dever ético do advogado “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (artigo 2º, inciso VI). E também garante o recebimento de honorários decorrentes de ações que terminam em transação ou acordo, ainda que obtido extrajudicialmente (Artigo 48, parágrafos 1º e 5º).

Paralelo a isso, para não deixar dúvidas acerca da relevância da contribuição e da importância do papel dos advogados na implementação dos meios consensuais de administração de conflitos, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou, recentemente, em 19/02/2020, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6324) no Supremo Tribunal Federal (STF), para questionar a validade do artigo 11 da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a atuação de advogados e defensores públicos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). A ação foi distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso.

A entidade argumenta que a expressão “poderão atuar”, contida na norma, permite a interpretação de que a presença dos advogados e dos defensores públicos nos centros é meramente facultativa, independentemente do contexto ou da fase em que se dê o acesso por parte do jurisdicionado – o que não deveria proceder. A questão da facultatividade ou da obrigatoriedade da assistência por advogado, segundo a OAB, é matéria que ultrapassa a competência constitucional conferida ao CNJ, pois não diz respeito ao controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, mas ao exercício da função jurisdicional. Outro argumento apresentado é o de que tanto a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) quanto o Código de Processo Civil (CPC) determinam que as partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos em audiência de conciliação.

Dentre outros pedidos, a OAB requereu que, até o julgamento de mérito da ação, nenhum magistrado, tribunal ou administrador público possa conferir ao artigo 11 da Resolução 125/2010 do CNJ qualquer interpretação no sentido da facultatividade da representação por advogado nos Cejuscs.

Fato é que, a despeito desse incentivo institucional da OAB, seja pela nova redação adotada no Código de Ética e Disciplina, seja mediante as medidas judiciais que a Ordem vem adotando para garantir a presença dos advogados na implementação desses novos métodos, muitos profissionais ainda são resistentes a participar deste processo ou recomendá-lo aos clientes. Talvez por acreditarem que ameaça o seu espaço de atuação, ante à perspectiva de encerramento precoce do litígio (cf. FARIAS, 2016). Para tanto, “fundamental se revela o envolvimento da Ordem dos Advogados do Brasil no fomento da advocacia da mediação” (SANTOS, 2008).

Por outro lado, a introdução da mediação e dos mediadores nos espaços forenses vem dando origem a interações diferentes do que pode ser considerado tradicional dentro de um fórum. Veras (2015), Filpo (2014) e Rangel (2013) descrevem muito bem algumas tensões observadas entre mediadores e advogados em seus trabalhos empíricos. Na tese de Veras (2015, p. 134), esta relata algumas percepções interessantes, fruto de trabalho de campo realizado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio. Ela descreve o desconforto dos advogados quando percebem que, na mediação, perdem o seu “lugar de fala”, a sua “potência”; e dos mediadores que preferem que os advogados não estejam presentes durante as sessões de mediação porque, na sua ótica, dificultam o desenrolar das sessões.

De fato, uma das principais diferenças entre a mediação e o processo judicial é o papel das partes em cada um dos procedimentos (e a sua autonomia). Tradicionalmente, no processo judicial, quem “fala” pela parte é o seu advogado, que tem procuração nos autos para representá-la em diversas etapas processuais. Assim, até mesmo em uma audiência de instrução e julgamento, por exemplo, em que a parte teria acesso direto e pessoal ao juiz, geralmente é o advogado que exerce o seu poder de fala. Não é isso o que se espera de uma sessão de mediação, quando se pretende estimular uma melhoria da comunicação efetiva entre as partes. “Na mediação, o poder de decisão é das partes”. Esta frase é costumeiramente reverberada no ambiente jurídico e ecoada por entusiastas da mediação, que a consideram muito apropriada, na medida em que a decisão da vida da pessoa é tomada por ela própria, e não pelo mediador ou pelo Juiz.

Por conta disso, pesquisas empíricas que trataram desse tema perceberam que muitos mediadores preferem que os advogados não participem das sessões de mediação, devido à sua postura frequentemente “bélica”, respaldada na ideia de que o processo é necessariamente “contencioso” (conferir Mello et al, 2018). No entanto, esse panorama vem se modificando16. No caso de mediação judicial, a presença do advogado, enquanto representante legal da parte, é obrigatória por lei17 e vem ocorrendo nos tribunais.

Apesar disso, como cediço, a prática nem sempre acompanha as idealizações normativas. De fato, verificam-se na prática inconsistências entre a postura de consenso esperada na mediação e o comportamento mais combativo dos advogados de contencioso cível.

Um exemplo seria um advogado exigindo que conste da “assentada” da mediação o que fora dito por uma das partes, deixando aflorar o seu perfil combativo. Esse seria um comportamento entendido como inadequado no contexto da mediação (seja por conta da confidencialidade, seja por não existir propriamente um registro escrito do que é discutido nas sessões) mas que não é rara nesses primeiros anos de implantação da mediação judicial de conflitos no Brasil.

De todo modo, embora seja notável alguma resistência dos advogados com relação à mediação, e também dos mediadores em relação aos advogados, em alguns casos isso não ocorre. Pode-se especular que essa barreira seria ocasionada pelo fato de a mediação ser um instituto novo e que ainda está em desenvolvimento no Brasil. Essa é a interpretação dada por Nunes (2018), considerando dados de campo colhidos no Rio de Janeiro em contraste com observações feitas em Buenos Aires, relativamente à Mediação Prejudicial Obrigatória realizada por força de lei federal, naquele país.

Entre 2015 e 2016, dois dos autores deste artigo (LUPETTI BAPTISTA E FILPO, 2016) também realizaram pesquisa empírica comparando os espaços de atuação dos advogados no Brasil (Rio de Janeiro) e na Argentina (Buenos Aires). Anotaram que, em ambos os loci, há pelo menos um aspecto em comum: a expectativa dos mediadores acerca de um modo específico de “ser advogado”, distinguindo os “bons” dos “desqualificados” para esse múnus. Essa associação, na referida pesquisa, foi relacionada a duas categorias: “advocacia colaborativa” e “advocacia de combate”. Com efeito, nos espaços em que a mediação é colocada em prática, para ser considerado um “bom advogado” é preciso demonstrar um perfil colaborativo, como se percebe no seguinte trecho:

Na pesquisa de campo verificamos que, tanto aqui [no Rio] quanto em Buenos Aires, não é propriamente o fato de existir um advogado na mediação que obstaculiza o sucesso das técnicas que lhe são próprias, mas a forma como este advogado se comporta durante as sessões. Ou seja, dependendo de como o advogado atua e de sua postura na sessão de mediação, o instituto funciona ou não funciona. Como nos disseram alguns interlocutores fluminenses e portenhos: ‘a presença do advogado é fundamental na mediação, desde que a sua atuação seja colaborativa’ (LUPETTI BAPTISTA e FILPO, 2016, p. 8).

Alguns advogados colocam em dúvida a atuação do mediador, bem como sua capacitação para atuar como condutor da sessão de mediação, sobretudo quando este não tem formação jurídica, já que a Lei admite profissionais de nível superior em qualquer área.

Assim, nem sempre os advogados permitem que as partes sejam “protagonistas” ou legitimam a habilidade técnica dos mediadores que não são do campo jurídico. Trata-se de uma disputa pelo protagonismo nas sessões de mediação, que também se apresenta como um desafio para a assimilação de novas formas consensuais de administração de conflitos.

Nota-se que a chegada dos mediadores ao fórum, disputando espaços de atuação com os demais atores “tradicionais” do processo, é uma situação nova e mesmo impensada antes das inovações normativas acima referidas. Trata-se de uma modificação que trouxe consequências relevantes, especialmente a necessidade de aprender novas formas de pensar, de fazer e de proceder, dentro dos processos – sem dúvida um grande desafio para os advogados, dentre outros profissionais, ainda que bastante familiarizados à lida forense.

Considerações Finais

 A proposta do texto foi realizar um apanhado de contribuições que se prestam a justificar a disseminação de práticas de mediação no Brasil, justificando, igualmente, as decisões administrativas (no caso do CNJ) e legislativas (tratando-se do CPC e da Lei de Mediação) recentes sobre o tema. Ao mesmo tempo, a revisão bibliográfica localizou textos que, embora não estejam fazendo oposição à introdução da mediação de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro, buscaram verificar e constataram, empiricamente, as dificuldades existentes e obstáculos à consolidação das – aqui denominadas – promessas da mediação. Uma dessas dificuldades é, sem sombra de dúvida, a resistência de parte dos advogados, ainda pouco acostumados a essa nova “cultura de paz”, muito inovadora, proposta pela legislação.

A própria diretora de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Professora Maria Tereza Sadek, destacou, em recente relatório do CNJ, “Justiça em Números”18, que ainda persiste um índice baixo de conciliação, asseverando que: “não houve alteração em relação aos anos anteriores, como era de se esperar com o novo CPC”.

Na tradição jurídica que orienta os processos de socialização dos advogados, incorpora-se a ideia original de que os conflitos são, na realidade, “delitos”, ou seja, transgressões que ferem as normas legais. Daí porque, como apontado por Lupetti Baptista (2008), os juristas são preparados para “resolver”, “solucionar” o conflito. Esse ponto de vista reforça o componente institucional da busca pela sentença favorável como base de atuação desses profissionais.

Em contraponto, na perspectiva geralmente assumida pelos mediadores a partir de estudos sobre a teoria dos conflitos, estes são uma dimensão constitutiva das relações humanas e, por esta razão, para criar pontes de comunicação em uma relação conflituosa deve-se considerar a relação, a maneira como as próprias pessoas definem e sentem os seus conflitos (cf. Mello et al, 2018).

Essa diferença de perspectiva pode explicar o desafio que a mediação representa para os advogados, ao passo em que estes também representam um desafio para o projeto de utilizar a mediação de forma mais abrangente. A virada de chave que existiu no plano teórico e dogmático, em parte retratada neste artigo, não veio acompanhada, necessariamente, de uma mudança de postura das pessoas envolvidas nos conflitos.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua vez, vem estimulando os advogados a absorverem essa “nova” ferramenta, que privilegia a melhoria da comunicação entre as partes. A OAB vem protagonizando uma série de iniciativas nesse sentido, a partir de uma atuação diligente de sua Comissão de Mediação; da realização de sessões de mediação para resolver conflitos específicos envolvendo advogados e seus clientes, dentre outras correlatas. São medidas meritórias, partindo-se do pressuposto de que avanços nesse campo demandam uma mudança de mentalidade, o que demanda tempo e persistência.

Vale lembrar que a regulamentação da mediação, no Brasil, inaugurou dois espaços para a atuação dos advogados: capacitando-se para atuar como mediadores, ao lado de profissionais de outras áreas de formação, ou atuando como representantes legais das partes. Ainda é cedo para perceber claramente as consequências das interações que podem vir a ocorrer nesses espaços, a partir dessa nova realidade.

Mas, uma coisa é certa: em qualquer caso, a mediação está a exigir, de todos os seus protagonistas, uma reinvenção de suas formas de atuar, de modo a propiciar ambiente adequado para que a se possa alcançar seus objetivos.

Referências

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Notas:

1 Doutor em Direito. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis (PPGD/UCP). Professor da Graduação em Direito do Instituto Três Rios da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ). Pesquisador do INCT/InEAC. Advogado em Petrópolis, RJ.

2 Doutora em Direito. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida (PPGD/UVA). Professora da Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora

do INCT/InEAC. Advogada no Rio de Janeiro.

3 Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis (PPGD/UCP). Advogada militante no estado de Minas Gerais.

4 A pesquisa conta com recursos do CNPq obtidos por meio do Edital Universal 2016, para observação e  descrição da mediação de conflitos escolares. Tal projeto é desenvolvido coletivamente no âmbito do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa Empírica sobre Administração de Conflitos (GIPAC/UCP) e do Grupo de Pesquisa sobre Formas Consensuais de Administração de Conflitos do Instituto Três Rios da UFRRJ (FOCA/ITR/UFRRJ), em diálogo permanente com pesquisadores do INCT/InEAC/UFF.

5 A pesquisa vem dando origem a muitos produtos como, por exemplo, o artigo publicado na Revista Conhecimento        e                                      Diversidade                           editada            pela            UnilaSalle,             disponível            em: https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade/article/view/5088, com o título “Um gap entre proposta e realidade: desafios à implementação da mediação de conflitos no Brasil”, de autora de Klever Filpo e Julia Nery Tavares. O presente artigo amplia e atualiza a discussão, enfocando aspectos de interesse da advocacia.=

6 . Em 2016, 110 milhões de processos passaram pelo Poder Judiciário brasileiro. Em 2017, conforme informações extraídas do Sistema de Metas Nacionais, divulgadas pelo CNJ, foram distribuídos 19.803.441 processos e julgados 20.737.514 no Judiciário como um todo. Em 2918, o estoque de processos foi de 78.691.031. Os dados estão disponíveis no Relatório Justiça em Números do CNJ, disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/9d7f990a5ea5e55f6d32e64c96f0645d.pdf>. Acesso em 10 set. 2018.

7 . Pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (SP), disponível em <https://direitosp.fgv.br/publicacoes/icj-brasil>, informa que mais de 90% dos moradores de sete regiões metropolitanas consideram que a Justiça brasileira é lenta ou muito lenta na resolução de conflitos. A avaliação sobre a morosidade faz parte de levantamento para calcular o Índice de Confiança na Justiça (ICJ Brasil), atualizado a cada três meses pela FGV.

8 Por exemplo no artigo 334, em que instituiu as audiências de conciliação e de mediação, para serem conduzidas, respectivamente, pelos conciliadores e mediadores. A obtenção de acordos nessas audiências dá margem ao encerramento precoce dos processos judiciais, ganhando-se em celeridade e eficiência.

9 Constituição Federal/1988. Art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. (BRASIL, 2017).

10 Disponível em:  <https://www.cnj.jus.br/wp- ontent/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>.  Acesso em 08 mar. 2020.

11 Em certa medida, tais mudanças incorporaram traços de um movimento que também foi constatado em outros países, no tocante aos serviços de acesso à justiça, por Cappelletti e Garth (1988). Esses autores apontaram algumas barreiras de acesso à justiça frequentemente encontrados, tais como os altos custos, em especial àqueles relativos às causas relativamente pequenas, a lentidão processual e o desconhecimento das partes em relação a seus direitos e a forma como ajuizar uma

12 Para Cappelletti e Garth (1988, p.3): “A expressão aceso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”.

.13 Em homenagem à Professora, recomendados a leitura de GRINOVER, Ada Pellegrini. O minissistema brasileiro de   Justiça     consensual:         compatibilidades                                  e       incompatibilidades,      Disponível       em: <http://dirittoetutela.uniroma2.it/files/2013/03/Origens-eevolu%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em 10 dez. 2017.

14 No âmbito administrativo, fica a cargo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a instituição facultativa de Câmaras Administrativas para resolução consensual dos litígios. Lei 13.140/2015.

15 Embora muitas vezes haja na prática forense confusão na aplicação dos institutos, a nova lei processual delimita bem o papel da conciliação e mediação, determinando expressamente a distinção destes nos parágrafos

16 §2° e 3° do art. 165 do CPC. Para Filpo e Maduro (2014), enquanto a conciliação tem por escopo a extinção de um processo, a mediação, por sua vez, prioriza restabelecer o entendimento entre as partes, permitindo que os litigantes compreendam as razões do seu adversário, mesmo que não venham a atingir um denominador comum. As diferenças são evidentes tanto do “ponto de vista conceitual, quanto metodológico e teleológico”.

16 Lei de Mediação Brasileira, Art. 26. As partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis nos099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001. Parágrafo único. Aos que comprovarem insuficiência de recursos será assegurada assistência pela Defensoria Pública.

17 Código de Processo Civil Brasileiro. Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência (…) § 9o As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.

18 Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/justica-numeros-2018-2408218compressed.pdf>. Acesso em 08 mar. 2020.

 

Palavras Chaves

Acesso à Justiça. Mediação de Conflitos. Justiça Consensual. Brasil.