O Direito como garantia da desigualdade Social

Resumo

Análise da situação da posse e da propriedade no Brasil no contexto de uma perspectiva histórica à luz das características sócio-jurídicas, políticas e econômicas da república.

Artigo

Como se sabe os portugueses aqui chegaram em 1500. Diz a história oficial que naquele momento se deu a descoberta do Brasil. Marilena Chauí, atenta sempre desprezando, a afirmação histórica da descoberta, prefere dizer que o quê se deu foi o mero achamento do Brasil. Eu, com todo o respeito por Marilena, prefiro entender fato como invasão, considerando que estas terras já estavam habitadas há muitos séculos por povos nativos, chamados pelos europeus aqui chegados, por lhes parecer que chegavam à Índia, índios ou indígenas. Tomaram posse da nova terra em nome do rei de Portugal. Era a ele, ao rei, que titularam a propriedade da terra, uma propriedade dissimulada pela presença da igreja, representada pelos padres, antes dominicanos, e, principalmente pelos jesuítas, Anchieta e Manoel da Nóbrega os mais lembrados. O que fazer com as novas terras. De certo cristianizá-las e fazê-las produzir. Em suma explorá-las em nome de Deus e fazê-las produzir em benefício da Europa, não apenas de Portugal. Tornar cristão o povo da terra, tarefa que não seria fácil. Situação lembrada pode-se ver em seu filme sobre o descobrimento do Brasil, por Humberto Mauro, um dos fundadores do cinema brasileiro, em cena inesquecível. Enquanto os portugueses para fazer a Cruz que fincaram na terra para assinalar a presença da cristandade, os indígenas choravam pelo assassinato das árvores suas irmãs. Pois os invasores da Terra tomaram o choro como manifestação da crença europeia. Quanto à exploração da terra, superada a curta fase inicial das feitorias, adotaram eles a prática das sesmarias, cuja origem deve-se a D. Fernando, que para enfrentar as epidemias, só havia na época como meio de alimentar seu povo, aumentando a produção de trigo, centeio e milho e a única maneira de garantir tal objetivo era criar um mecanismo jurídico que pudesse interessar seus conterrâneos a virem para a produção, a solução foi conceder as terras em posse aos interessados com uma cláusula resolutória para a eventualidade de frustração caso o sesmeiro não chegasse ao resultado previsto na concessão. 2 E foi esta a via econômico-jurídica adotada por Portugal no processo de colonização das terras conquistadas. Através da formação política das Capitanias Hereditárias, atribuiu-se ao Capitão-Mor de cada Capitania poderes para entrar na posse de tantas terras que a vista alcançasse e nomear para cada capitania o respectivo Capitão-Mor. Eram, assim, três cartas: a de nomeação de quem fosse português, branco e católico, outra que autorizasse a posse das terras e a terceira que o autorizasse a nomear sesmeiros, para fazer a terra produzir. Observe-se que as terras concedidas obrigavam o sesmeiro ao ônus do dízimo em favor não do rei de Portugal, mas ao Mestrado de Cristo, cuja chefia era ainda do rei. Uma igreja ressalve-se ligada ao Estado. Só bem mais tarde, além do dízimo, veio a incidir sobre a terra um ônus a favor do Estado. Mais tarde ainda, em 1714, admitiu-se a saisine que garantia aos herdeiros, na sucessão hereditária, a posse deles independentemente de estarem na posse direta dos bens. Esta saisine, que vige até hoje veio em um momento em que a sucessão que morte do filho mais velho vinha sendo discutida e impugnada. A saisine foi objeto de alvará da Corte de Portugal. Entretanto já se avizinha a Independência do Brasil (setembro de 1822), e em abril de 1822, deu-se o alvará 76 que proibiu que se fizesse a partir de então outorga de sesmarias. O alvará era um ato misto: sentença e ato administrativo. No caso o alvará foi junto a uma sentença que resolvia demanda entre dois sesmeiros. De 1822 até 1850, data da primeira lei de terra, a lei 601, o único modo de aquisição de terra no Brasil era a ocupação ou posse, como se lê em Lafayete Rodrigues, em seu Título Direito das Cousas, de fim do século XIX. A lei de terras teve no mesmo ano, simultaneamente com ela, a Lei Euzébio de Queiroz, que proibiu a tráfico negreiro. Como diz hoje José de Souza Martins, era importante o cativeiro da terra, ao libertar-se o negro, a Lei Euzébio de Queiróz foi a primeira lei no processo de libertação do negro, era fundamental escravizar-se a terra. A meu ver a terra já estava escravizada pela escravidão do negro. Mas sobre a escravização do negro é bom lembrar-se que ela só veio a consumar-se em 1888, com a Lei Áurea, da Princesa Isabel. Antes, depois da Lei que proibiu o tráfico negreiro, ainda teve se a Lei do Ventre Livre, em 1871 e a Lei do Octogenário em 1885. Ressalte-se que a lei 601 continha um artigo que autorizava a importação de colonos, que viriam para substituir a mão de obra escrava. Eram 3 trabalhadores que na Europa, já se definiam, com o modo de produção capitalista, como assalariados. Na verdade as leis do Ventre Livre e do Octogenário trataram mais diretamente daquilo que viria a ser a nova sociedade sem o trabalho escravo. A importação de colonos só veio a consagrar-se partir de 1871 com o financiamento do governo. Com a libertação dos escravos, teve-se em seguida a Proclamação da República, em 1889 e a primeira Constituição da República já em 1891 completando-se o processo de consolidação formal da República no Brasil. Mas já a partir de 1808, com a chegada de D. João VI, fugindo de Napoleão Bonaparte, e a abertura dos portos e o beneficiamento da Inglaterra, cuja esquadra garantiu a fuga de D. João, que a presença inglesa passou a ser predominante na colonização do Brasil. Como se falou em Napoleão, pode-se registrar sua importância na sustentação do modo de produção burguês em toda a Europa. Foi na França, como se sabe, que se deu no campo político, a Revolução Burguesa, sendo de 1804 o Código Civil conhecido como código napoleônico, pois foi ele elaborado pelos juristas de Napoleão. Diz-se que Napoleão teria dito: “Acabou a revolução, agora está tudo na lei”, iniciando-se o processo de positivação do direito natural, afirmado pelos revolucionários burgueses em sua luta revolucionária. Note-se rapidamente que a burguesia já alcançara o estado econômico mas lhe faltava o poder político mantido pela Igreja e pela nobreza. Com a revolução criaram eles o estado, agora Estado, e com o Estado garantiu-se o Estado político e nele o poder. O que fez então Napoleão? Com a lei numa das mãos e na outra a espada saiu Europa afora impondo o novo modo de produção que trazia a normatividade jurídica em leis positivadas o seu elemento nuclear. Pois foi essa normatividade positivada que se impôs no Brasil. Relativamente à posse da terra, Teixeira de Freitas, na consolidação das Leis Civis, adotou a doutrina de Savigny, para quem só havia posse se o possuidor atendesse a dois requisitos: corpus, relação direta com o bem e animus, vontade de tê-lo como seu. Não se cogitava de propriedade. Depois já na República, em 1916/1917, o Código Civil, consolidando projeto de Clovis Beviláqua, definiu como possuidor aquele que mostrasse o corpus, entendendo-se lhe agora, segundo Jhering, o grande jurista burguês da segunda parte do século XIX, que havendo corpus já se presumia o animus. Esta 4 definição legal de posse atravessou todo do século XX, e foi preservada no Código de 2002/2003 e avança neste século XXI, significando que, quanto à posse, tem-se ainda, no século XXI um regime do século XIX. É relativamente à propriedade? Há duas situações em que se admite a propriedade, entre vivos e por sucessão hereditária. Relativamente às pessoas são estas as situações. Pode falar-se também na forma de acessão. A propriedade entre vivos se adquire ou por compra e venda ou por doação, mas só o registro imobiliário a torna efetiva. Vê-se que a forma mais prevalecente é a compra e venda. Depende de ter-se dinheiro, uma relação econômica. A posse enfim, como a define o Código Civil, sendo o exercício de qualquer dos poderes inerentes à propriedade: usar, fruir ou dispor, está vinculada à propriedade. Pois a concepção da posse como direito foi duramente criticada por Pontes de Miranda, nosso maior jurista. Posse, diz Pontes, e eu concordo, não é direito é fato, e estando no plano da faticidade, será possuidor, tratando-se da terra, quem a tiver, independentemente de qualquer relação de propriedade. No Brasil, principalmente no campo, mas também no urbano, no campo o latifúndio e nas cidades a especulação imobiliária, o posseiro e o trabalhador não, ou nunca tiveram acesso a terra, pois se nem fala o sistema político da representação lhes deu. Só nos momentos revolucionários tiveram fala e representatividade, como nos exemplos históricos da Federação de Palmares, estado negro construído por escravos rebelados no Brasil colônia, na Cabanagem, revolta dos pobres no Pará, em Canudos, com Antônio Conselheiro, Pajeú, Maria Rita, Joana Angélica, na Bahia, no Contestado, com as Ligas Camponesas, e hoje, séculos XX e XXI no campo com o MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, cuja organização, não se pode entender apenas como uma luta pela reforma agrária, mas como uma proposta ou projeto de uma nova sociedade, uma sociedade que só pode definir-se como socialista, pois como bem disse Boaventura de Sousa Santos, importante sociólogo do direito, o fim do capitalismo é o socialismo, a única utopia possível do capital. Neste processo de luta pela terra, não se pode esquecer a importância política dos colonos que na Europa já participavam das lutas anarquistas e socialistas, e vindos para o Brasil trouxeram além da força de trabalho a consciência política da nova classe, assim consagrada em 1922 com a criação do Partido Comunista que depois, no curso da 5 mesma década de 1920, criou o BOC, Bloco Operário Camponês, dando além de consistência, unidade às lutas no campo e nas cidades. Mas a história oficial do Brasil não dá ao BOC a importância devida, embora tendo ele alcançado tanto relevo que chegou até mesmo a ter seu principal líder, o marmorarista Minervino de Oliveira, como candidato à presidência da República na campanha eleitoral de 1930. Vale registrar que o BOC, nos anos 1920 alcançou o protagonismo da classe trabalhadora no enfrentamento político com a burguesia, sendo mesmo a meu ver o principal motivo que levou a burguesia à revolução de 1930. Diz a história oficial que foi uma vitória sobre o Brasil agrário da chamada República Velha. Do ponto de vista formal foi assim, não se devendo esquecer que a ameaça à burguesia naquela altura era a presença política dos trabalhadores organizados com a liderança do BOC, que paralisara São Paulo na época com importante greve. Nas eleições de 1930, saiu vitorioso Júlio Prestes mas quem assumiu o poder, em processo revolucionário dentro da revolução de 1930, foi Getúlio Vargas. No Governo de Vargas embora seu compromisso com o projeto industrial, nada a rigor modificou-se no campo, e o latifúndio preservou seus interesses e seu poder. Somente nos anos 1930, em 1934, cogitou-se de iniciar a regulamentação do trabalho industrial, o trabalho nas cidades. Vieram as primeiras leis trabalhistas, a normatividade jurídica, diante da organização e do assédio político da classe trabalhadora foi o meio de que se valeu o governo para submeter a seu poder os trabalhadores. Bem servia aos interesses da classe dominante. Expedidas as normas adequadas, dispersava-se a fundamental contradição do modo de produção capitalista, a contradição entre o capital e o trabalho, reduzido, pois a uma regra própria do direito trabalhista: a relação jurídica entre o empregador (o capital) e o empregado (o trabalho). A exploração do homem (o trabalhador) pelo homem (o capitalista), cabendo ao Estado como juiz, resolver quaisquer eventuais conflitos entre os interesses do trabalhador e do patrão, sabendo-se com clareza que o juiz numa sociedade de classes é, inevitavelmente por suas circunstâncias de vida, materiais e espirituais, homem formado no campo cultural e ideológico da classe dominante. Na década de 1930 desenvolveu-se, com Vargas, no Brasil uma circunstância golpista, logo depois do golpe que o fez presidente Vargas teve que enfrentar a tentativa frustrada da revolução (já golpismo e não revolução) paulista de 1932, depois, em 1935, também frustrada a Revolução Comunista, chamada, por preconceito, Intentona. E, 6 enfim, em 1937, depois da tentativa fascista do integralismo, o próprio Vargas deu o golpe contra a democracia, assumindo o fascismo de Mussolini e Hitler, e fazendo-se ditador, inspirando-se, quanto ao trabalho, na Carta Del Lavoro, de Mussolini. Baixou, um mês depois da Constituição por ele dada, o Decreto Lei 58, regulando a forma de distribuição de terra em benefício da indústria, embora aparentando atender com o parcelamento os interesses da classe trabalhadora. Como ditador e inspirado em Mussolini e Hitler, Vargas manteve-se no poder até que, em 1942, forçado pelas potências ocidentais aliadas contra o fascismo e pelas reações democráticas do povo, resolveu, apoiando-se nelas, entrar na guerra, e por isso, tornouse também vitorioso em 1945. Mas a vitória internacional dos aliados com a derrota do fascismo, aqui no Brasil o fascismo caboclo de Vargas não se sustentou e como também é sabido que deposto em 1945, Vargas voltou ao poder como presidente democraticamente eleito em 1950. Vargas, um gênio político, ao sentir que seria deposto criou dois partidos: o PDS, ligado a estrutura rural, o latifúndio que preservara e o PTB que deu dimensão política à classe trabalhadora e concebeu seu herdeiro político, João Goulart, o Jango. O fascismo latente na sociedade brasileira, entretanto não suportou a postura trabalhista de Getúlio, agora com viés democrático, ligando-se aos trabalhadores. Mas, contando com a competente liderança de Carlos Lacerda, absolutamente reacionário, mas com hábil discurso, as forças da direita pressionaram Vargas até que um infeliz atentado contra Lacerda deu na morte do major Vaz, oficial da Aeronáutica principal formação do golpe contra o presidente, major Vaz que, aparentemente, naquele momento fazia o papel de guarda costa de Carlos Lacerda. Foi o bastante para a Aeronáutica assumir seu golpismo, criando-se uma ação processual na força aérea que ganhou o nome de República da Aeronáutica. Com a liderança civil de Carlos Lacerda e a pressão da Aeronáutica, passaram a exigir a renúncia de Vargas ou de qualquer modo o seu afastamento do governo. Atente-se em que o governo de 1950 era voltado para a classe trabalhadora e de convencimento e absoluto compromisso nacionalista com a integridade da Petrobrás. A cada momento aumentava tanto a pressão interna e, sempre presente, dos interesses internacionais. Getúlio, para não capitular, deu-lhes a sua vida. 7 Observe-se antes de continuar esta análise a semelhança entre o impeachment fático contra Vargas e o golpe dado agora contra Dilma Rousseff pelas mesmas forças, lá falou-se de impeachment e aqui de golpe. Misturaram-se assim os conceitos. Em ambas as situações, um golpe de Estado. Quando Jânio Quadros renuncia caberia a João Goulart, vice-presidente, assumir o governo. Mas Jango era o herdeiro político de Getúlio Vargas e novamente as forças da direita de novo vão opor-se à sua posse. Não contavam eles com a resistência de Brizola no sul nem com um novo e atuante sindicalismo que, organizando-se na CGT, Comando Geral do Trabalhador, sob a liderança de Osvaldo Pacheco, Severino Schneiper Melo Bastos, Batistinha, Francisquinho e outros companheiros opuseram-se com vigor à postura fascista apoiando o vice-presidente. Para registrar na história da luta dos trabalhadores, repetem-se os nomes das principais lideranças do Comando Geral dos Trabalhadores: Osvaldo Pacheco, secretário geral, Severino Schneiper, presidente da federação dos arrumadores, Batistinha, dos ferroviários, Melo Bastos dos aeronautas. Mas lograram os golpistas obter uma vitória relativa, admitiram a permanência de Jango, mas reduzindo-lhe os poderes com a adoção do sistema parlamentarista que, por sua formatação jurídica, submetia o presidente a um ministro escolhido pelo Congresso. Não se discute aqui as eventuais vantagens do parlamentarismo, se de fato existem, apenas que aquele do Brasil veio com caráter golpista. A CGT, uma primeira organização sindical independente do sindicalismo oficial, entretanto, não se conformou com o parlamentarismo imposto contra Jango e continuou na luta pelo retorno do presidencialismo e do presidente e sua liderança acabou vitoriosa. Banqueiros, empresários em geral não se conformaram e com o apoio das forças armadas, lideradas principalmente pelo banqueiro Magalhães Pinto, de Minas Gerais e oficiais das três forças, principalmente do Exército chegaram ao Golpe empresarial-militar de 1964, constituindo o governo, ou melhor, a ditadura que infelicitou o povo brasileiro durante cerca de 20 anos com a institucionalização da tortura e mortes, no campo jurídico proibiram o habeas-corpus e cortaram as prerrogativas da magistratura. Felizmente na época a OAB, liderada por Raimundo Faoro e Eduardo Seabra Fagundes manteve-se fiel à democracia e com disposição pela ação de muito advogados recuperou tanto o habeas-corpus como as prerrogativas dos 8 juízes, necessária para preservar a relativa imparcialidade que o sistema lhe assegura. O golpe de 1964 e a ditadura que ele impôs não pareceram suficientes para a dominação, em 1968 baixaram o mais perverso AI5. Com esse ato a ditadura tornou-se mais dura e agressiva. Mas enfim conquistou-se de retorno um Estado formalmente democrático. Dizse formalmente porque democracia mesmo, substancial, nunca se teve no Brasil. Em outro estudo, Francisco de Oliveira, importante sociólogo da USP foi citado e com as devidas vênias parcialmente contestado ao dizer que os períodos de ditadura foram mais demorados que os democráticos. Repete-se aqui a discordância manifestada lá: a rigor nunca houve democracia no Brasil mas uma ditadura de classe dissimulada no sistema de parlamentos. Esta aí sempre presente o golpismo de uma classe dominante, perversa, de direita, embora burra em determinados momentos, mas eficaz em sua permanência histórica. Aqui vale dar destaque ao surgimento na história sindical e política de Luis Inácio da Silva o Lula. Com o crescimento produtivo do ABC em São Paulo ganhou uma nova feição o sindicalismo, agora combativo, empenhado no enfrentamento social contra a classe dominante e com o apoio da Igreja, que, desde a Teologia da Libertação fruto do Concílio Vaticano Segundo, vêio à luta. Desse sindicalismo nasceu o Partido dos Trabalhadores – PT, cuja presença política trouxe a Classe Trabalhadora para o plano eleitoral, onde já pontificava Leonel Brizola com o seu PDT, com este título porque o título inspirado em Vargas, PTB, o Brizola já perdera para Ivete Vargas que, parente obscura de Vargas, já o tomara para si nos registros oficiais. Muito se falou em torno da divergência assumida por Brizola contra o PT. Nunca porém se atinou num simples ponto. Tanto o PDT como o PT tinham suas ações e práticas assentadas, no interesse dos Trabalhadores. Acontece que Brizola quando chegou de volta às lutas políticas, ele que nunca se preocupara com a organização da Classe Trabalhadora, encontrou o trabalhador organizado em si e por si mesmo no PT, liderado por Lula desde as lutas sindicais e, por isso, politicamente já definido. O caminho que sobrava era o da aliança política, assumido mas sempre com eventuais divergências. Lula apesar da contundente e seguida rejeição da Classe Dominante e fazendo composições à direita, criticáveis, foi eleito e reeleito, e conseguiu eleger e reeleger 9 Dilma Rousseff. Com Lula, significou-se que a Classe Trabalhadora poderia governar. Seu governo, embora preservando a estrutura formal tradicional conseguiu criar novos e importantes meios de atendimento de interesses da Classe Trabalhadora, além de projetar-se como líder e exemplo para a América Latina. Dilma significou o prosseguimento das virtudes do governo Lula. Virtudes para os trabalhadores. Como por exemplo, o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Isto e o mais que se fez foi intolerável para a classe dominante e para seus parceiros internacionais, principalmente as empresas americanas sempre de olho em nossa economia e nela na Petrobrás e seu monopólio do petróleo. Chegaram enfim a um novo golpe. Esse contra o governo de Dilma Rousseff. Quanto a esse golpe, ora em curso algumas ponderações devem ser feitas. Primeiro as ponderações de Boaventura de Sousa Santos. Diz ele e muito bem: a queda do Muro de Berlim não atingiu apenas os estados socialistas, atingiu também a social democracia assentada em vários países europeus no curso da guerra fria. Pois o projeto social democrata, para preocupação dos poderes econômicos dos E.E.U.U., ameaçava e já vinha crescendo na América Latina. Uma nova social democracia surgiu na América a partir do governo de Lula, tornada possível, respeitando Cuba, mas sem o seu importante radicalismo, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na Argentina (apesar da atual reação contra os Kirchner), no Uruguai, em suma em ebulição em outros países. Para Boaventura, sem desprezar a ambição sobre a Petrobrás muito clara em projeto de José Serra, feito Ministro das Relações Exteriores, a principal causa do golpe, dissimuladamente aprovado pelos Estados Unidos, foi o risco de uma renovada social democracia. Era, pois urgente um golpe contra Dilma e contra Lula. Agora considere-se como e quem protagonizou este golpe. É ainda Boaventura quem nos alerta, destacando o interesse dos Estados Unidos que segundo ele não se liga apenas e diretamente no petróleo e na Petrobrás e nela no pré-sal. A grande preocupação norte-americana está no surgimento de uma social democracia como já se disse nestas reflexões e se repete aqui. Mas o golpe está dado. Os golpistas, entretanto, não contavam com o repúdio popular e, mais que isso, com o repúdio internacional, nos países da América Latina e até em países europeus. 10 Em capítulo da Gramática do Tempo, é ainda Boaventura de Sousa Santos quem mostra que o fascismo continua vivo, mas não como fascismo de Estado, mas um fascismo societal, um fascismo que se exprime nas várias instâncias da sociedade, pois foi como se mostrou ele no Brasil, um fascismo cuja principal instância de sustentação é o poder judiciário por seu órgão maior, o Supremo Tribunal Federal, com o imprescindível apoio do Congresso Nacional, imprescindível porque a via do golpe foi o impeachment, em curso com o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, que, provisoriamente afastada, cresceu politicamente na sensibilidade e preferência do povo, alcançando também importante reconhecimento e apoio internacional, não apenas dos países latino-americanos, mas também da Europa, com França, Espanha e Alemanha que vem denunciando como golpe o golpe formalmente tratado como impeachment. Não poupam o vice que, traindo a presidenta, assumiu a presidência. “Fora Temer” é o grito mas constante em qualquer lugar em que apareça. Também nos países em que há brasileiros. Esta a fase atual do golpe. Aguarda-se a votação pelo Senado, embora tudo indique, considerando a tendência da maioria dos senadores, que o golpe será consumado. Mais um, portanto, na história do golpismo no Brasil, e não será o último na instável democracia brasileira, democracia formal e pontual quase sempre fruto, para felicidade do povo, da tradicional burrice da direita, típica da classe dominante. Já se disse em outro estudo que a direita brasileira é burra, e definiu-se burrice, segundo importante pensador da própria direita, como a soma da insuficiência mental com a arrogância. Hoje, observando-se com atenção percebe-se claramente a burrice e a arrogância. Vejam bem: precisavam prender o Lula e com isso fazer o povo vir pra rua? Pois fizeram isto. Que bom! Mas são ou não são burros? O importante é que em tais momentos, como em Canudos, no Contestado, na morte de Vargas, na deposição de Goulart no enfrentamento contra a ditadura empresarial militar, o povo venha para a rua, os movimentos populares cresçam em sua organização, e construam uma democracia autêntica e verdadeira, como em Cuba, horizontal e de conteúdo socialista em oposição à atual ordem vigente, jurídica e verticalizada. Melhor esperar para ver em que vai dar esta nova modalidade de golpismo, e mais que isto, como reagirão os movimentos populares e o próprio povo, este tocado e provocado em seus novos interesses como a “Bolsa Família” e o “Minha Casa Minha Vida”, além do acesso à educação, garantida em formas várias como a “PROUNI” e outras, cuja supressão já se 11 vai sentindo nos primeiros atos do governo provisório do Temer. Muito se espera, principalmente de movimentos, como o MST, o MTST, a Via Campesina, o MNLM, a CUT. Estes tantos que já mostram uma organização presentativa da Classe Trabalhadora. Presentativa foi o que se disse, de confronto contra a representação tipificada no direito burguês. Ora, se no Brasil a Classe Trabalhadora nunca teve fala, a não ser quando se rebelou, é chegado o momento de falar e conservar, falando, sua presença na história do Brasil. E isto só será possível construindo com sua prática um novo direito que permita alcançar um novo estado no curso do Estado, um direito sem dogmas como queria Roberto Lyra Filho. Quando esteve na primeira ou das primeiras vezes no Brasil, Boaventura de Sousa Santos ficou algum tempo na conhecida Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Pasárgada foi como a chamou, lembrando e homenageando Manoel Bandeira, nosso poeta maior. Lá em Pasárgada, Jacarezinho, Boaventura identificou formas internas e diferenciadas de um direito que chamou alternativo, sem normas e cuja vigência se dava em discussões persuasivas numa jurisdição de fato e sob a direção de um mais idoso da comunidade ou do presidente da associação de moradores. Lá, por exemplo, se alguém constrói sobre a laje de uma casa, adquire-se o direito pela construção, pois não vigora o princípio da gravitação jurídica. Direito alternativo, como diz Boaventura. O termo também passou a ser usado pela magistratura do Rio Grande do Sul, liderada por Amilton Bueno de Carvalho, ao adotar na interpretação das leis nas demandas em Juízo, decisões mais democráticas em favor dos oprimidos. Não foram apenas os Juízes do Rio Grande do Sul os que adotaram a prática das decisões alternativas. Também os juízes democráticos de São Paulo, e mais recentemente os juízes do Rio de Janeiro, chamados juízes para a democracia. Nesta cidade muito contribuiu para esta finalidade a direção dada à Escola da Magistratura pelo desembargador Sérgio Verani. No Rio de Janeiro, a exemplo da Universidade de Brasília, UNB, sob a orientação de José Geraldo de Sousa Júnior, com o fundamental Direito achado na rua, na UERJ inspirado nos movimentos populares, a professora Esther Arantes, o Magistrado Sérgio Verani, ambos os professores da dita UERJ e o próprio Miguel 12 Baldez que, com Miguel Pressburger já participava do Instituto de Apoio Popular, fundaram o Curso de Direito Social aberto aos movimentos populares e sindicais, curso que enquanto durou, cerca de 12 ou 13 anos, sempre contou, além dos fundadores, com importantes professores, José Geraldo de Sousa Júnior, Carlos Henrique Escobar, Leonardo Boff, Jacob Gorender, e, dando aulas também, militantes do nível de Marina dos Santos do MST, e Maria de Lourdes Lopes, a Lurdinha do MNLM e outros, professores e militantes. Nas Faculdades Cândido Mendes e IBMEC, durante algum tempo manteve-se um núcleo de apoio popular, o NAJUP, em que se discutia criticamente o direito positivado sob o título de direito insurgente. Hoje, valendo-se do espaço do IAB foi criado o Instituto de Estudos Críticos de Direito – IECD, aberto às comunidades, e que mantem estudos e cursos regulares de crítica do direito positivado. No momento, como já registramos, o Brasil atravessa o estágio do golpe fascista societal, que oferece uma experiência nova em termos de golpismo. Nas instâncias jurídicas, principalmente no Supremo Tribunal Federal, onde pontifica o Ministro Gilmar Mendes e o Ministério Público Federal, com apoio pasmem-se da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que, em outros momentos, com Raymundo Faoro e Eduardo Seabra Fagundes à frente, se manteve ao lado da democracia. Como o golpe ainda não se consumou, que ainda está em curso no Congresso o processo de impeachment, faltando-lhe a confirmação pelo Senado, e o povo está nas ruas protestando em continuadas manifestações com os gritos de fora Temer contra o Vice-presidente usurpador, triste figura de traidor como tal definitivamente marcado na história do Brasil, espera-se, embora seja pouco provável, uma mudança de posição de alguns senadores. Difícil mas possível, aguarde-se: é o risco dos golpistas e a esperança dos democratas. Mas como o mais provável é a consumação do golpe, estará o País de novo diante da sujeição a governo imposto, sem a cerimônia da eleição, pela classe dominante, agora com melhor aparência que em 1964, pois quem assume, não é às claras um general como o Castelo Branco, mas um vice-traidor eleito juntamente com a presidenta deposta, cuja tática, porém significa profunda ruptura com a proposta da Classe Trabalhadora. Muito ao contrário visa à negação do projeto viabilizado a partir da eleição de Lula, agora vítima de inusitada perseguição a um ex-presidente da República. Por quê? Voltamos a Boaventura de Sousa Santos. Lula significa na América Latina como alternativa a Cuba uma nova via anticapitalista, um renovado projeto de social democracia, uma continuada inspiração à Venezuela, à Bolívia, ao 13 Equador, ao Kirchneirismo na Argentina. Trata-se do Brasil, do maior País da América Latina. Além disso, aqui estão também as grandes reservas de petróleo, no fundo do mar, o pré-sal, e lá nos E.E.U.U. estão as grandes petroleiras famosas e ambiciosas. Não se duvide de que há dedo dos norte- americanos no golpe em curso no Brasil, com bem sugere a resistência dos BRICS. Mas vamos ver como vai afinal concluir-se este processo. O Temer, desmoralizado pela Lava Jato e pelas gravações reveladas por um obscuro ex-diretor de empresa ligada à Petrobrás, não parece a pessoa certa para o papel desempenhado em 1964 por Castelo Branco. Agora mesmo a presidenta Dilma suscitou, se o impeachment não se confirmar, que poderá convocar um plesbicito para lavar as “lambanças” do governo interino. Será? Parece bom ouvir o povo, meio legítimo de retomar a democracia e repor com cores mais fortes os direitos alcançados em seus respectivos governos de Lula e da própria Dilma. Bem, ou mal às vezes, foram governos comprometidos com os interesses da Classe Trabalhadora. Pois o inesperado aconteceu. Com o golpe cresceu o prestígio de Dilma e o povo foi para a rua. Organizaram-se duas frentes: Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo, extremamente atuantes e presentes praticamente em todo o Brasil. Está aí este novo e importante instrumento de ação e divulgação política. Além dos importantes e bem organizados movimentos populares, com destaque para o MST e o MTST, estas vozes populares originarias da decepção e da presentatividade política do povo decepcionado, repita-se com as instituições. Pois exatamente agora, mês de junho de 2016, a Inglaterra, depois de plebiscito, consulta popular, resolver por optar por afastar-se da União Europeia, o que, em face da decisão plebiscitaria, deverá futuramente afastar-se política e economicamente dos demais países da Europa. Lembro que é em Londres que se fixa a Taxa Labor, não é bem taxa, mas o fator que se leva em conta para fixar os ganhos nos empréstimos internacionais e a mesma me parece ser este o ponto chave para o interesse da Inglaterra em ficar ou não na União Europeia. Por outro lado está também o fator político, deveras muito importante nas relações entre a Inglaterra, de um lado e de outro os demais países e o mandonismo internacional dos Estados Unidos e da China, considerando-se ainda a Taxa Labor e o valor dos empréstimos internacionais expressos sem dólar. Considere-se ainda o 14 interesse no petróleo árabe. São pontos que não tem sido considerados nas análises da imprensa. Sem considera-los não se chega a uma análise correta: o valor labor dos empréstimos internacionais, o petróleo e a presença política nas relações internacionais devem ter levado a Inglaterra a autonomizar-se em relação à União Europeia. Enquanto em países desenvolvidos, ou supostamente desenvolvidos, tem-se nesta simulação de democracia, um Trump nos EUA, e o Brexit na Inglaterra, aqui no Brasil, na periferia, vai-se diretamente ao golpe de estado e para não deixar dúvida do infame subdesenvolvimento, em golpe de Estado dado pelo Poder Judiciário, que Machiavel, com incrível lucidez, considerava um mero serviço. Lúcido o Machiavel. Vamos vivendo enfim, este momento-intervalo, pois golpe impeachment tem suas variantes legais, passa pela Câmara e pelo Senado, no Senado por dois momentos, primeiro uma votação preliminar, depois, outra, confirmativa sempre sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, tudo isso para assegurar a forte aparência de legalidade. Faz-se uma pausa nestas reflexões para reler do Rui Facó, Cangaceiros e Fanáticos, um segundo exemplar porque o primeiro tem uma bela história. Circulou pelas mãos de vários companheiros. Emprestei aquele exemplar a um companheiro de lutas, Severino Schnaipper, e como não lhe quis cobrar, entendendo que pela importância do livro para um trabalhador, melhor ficaria em suas mãos, comprei este outro que agora vou lendo. Mas aconteceu que o dito exemplar voltou às minhas mãos, esclarecendo-me o Severino que passou ele pelas mãos de vários companheiros, voltando depois a ele Severino que me estava então, devolvendo a mim. Assim fiquei eu com dois exemplares e como o companheiro Severino faleceu, resolvi passá-lo agora à companheira Marina do MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em cujas mãos, possa importante trajetória histórica, com ela ficará. É minha homenagem aos trabalhadores, graças ao Severino e a tantos companheiros que o leram. Retorno às reflexões abordando de novo as questões relativas ao golpismo no Brasil vamos, pois em meio ao golpe contra Dilma Rousseff. Não é propriamente contra ela. É uma ação da classe dominante, esses senhores do poder econômico e submissos ao capital internacional. Como já registrou, aguarda-se a votação plenária do Senado Federal sem esperança que se dê a reversão da decisão anterior cuja eventual possibilidade depende de que alguns senadores mudem seus votos. Não é impossível 15 mas muito pouco provável. Ao que tudo indica, o golpe será consumado. Um golpe consumado no campo do Poder Judiciário, uma nova formatação golpista prevista nos moldes sugeridos foi Boaventura de Sousa Santos. E depois? Como se dará a sua consolidação? E que regime totalitário dele resultará? Como se distribuirão cargos e funções? Que formas assumirá uma ditadura do poder judiciário? Ou simplesmente o poder judiciário terá sido um mero instrumento e afinal haverá um beneficiário qualquer, em benefício de quem se dará a ascensão do poder? É aguardar para ver-se o fim da farsa. Ou será uma lamentável e perversa tragédia? Como as ruas reagirão? E mais que as ruas, os movimentos organizados? Que fenômeno novo é este? Como entendê-los e explicá-los? Vamos entendê-los? Quais suas características fundamentais no campo político e quais seus efeitos jurídicos. São fatos políticos sem dúvida e só se aplicam em seus efeitos e definições jurídicas. Neste sentido, como diz José Geraldo de Sousa Júnior, são institucionais. 16

 

Referências Bibliográficas FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. 347p. FAORO, Raymundo. Os donos do poder; Formação do Patronato Político Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001, 2 v. GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981. ________________. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. _________________. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987. _________________. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978. MARTINS, José de Souza. A Chegada do Estranho. São Paulo: Hucitec, 1993. ____________________________________________. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. ______________________. Os Camponeses e a Política no Brasil.5 ed. Petrópolis: Vozes, 1995. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.

Palavras Chaves

Colonização de terras no Brasil, Lei de Terras, lei 601 de 1850, Revolução burguesa e o código civil de Napoleão, Posse e propriedade da terra