O EXTREMISMO DE DIREITA NA SOCIEDADE – AMEAÇA AOS DIREITOS HUMANOS

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O EXTREMISMO DE DIREITA NA SOCIEDADE – AMEAÇA AOS DIREITOS HUMANOS

                                                                                                           Beatrice Morgenthaler¹

Na Alemanha, como também em muitos outros países do mundo, existe uma  direita extremista. E, na Alemanha, como  também em muitos  outros países do mundo, essa direita extremista representa uma ameaça aos Direitos Humanos.

O extremismo de direita na Alemanha descende, nas suas diversas variantes, da forma específica do fascismo da Alemanha, isto é, o nacional-socialismo do assim chamado III Reich, que existiu entre  1933 e 1945.

Quais são as formas organizativas do extremismo de direita? Encontramos todas  as formas  que vão desde  partidos a agrupamentos soltos,  compostos por pessoas  individuais. Na Alemanha, os partidos de ex- trema-direita jamais puderam obter sucesso, como é o caso em outros  países europeus. São ativos, em parte, em âmbito municipal ou nas assembleias estaduais (parlamentos) de Estados Federados singulares.

Nesses Estados, porém, não conseguem jamais intervir de modo conformador e desempenham um papel  negativo. Sua falta de êxitos na Alemanha deve ser atribuída, seguramente, ao fato de que, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas estavam de acordo em proibir os partidos potencialmente ameaçadores para o Estado.

Na Alemanha Oriental, onde a formação partidária era direcionada pelo Estado, não existiu nenhuma possibilidade de agrupamento das forças de extrema-direita.

[1] Sociologa alemã, Membro do Sindicato Alemão de Prestação de Serviços (Verdi)

Na Alemanha Ocidental, em 1951, foi proibido um partido que reivindicava ser uma organização sucessora do Partido Nazista  (NSDAP). O NSDAP, Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores, foi o Partido fascista do III Reich.

Duros debates foram por diversas vezes travados no seio da sociedade alemã  com as experiências obtidas a partir dessa  época,  as quais  são consideradas inelegíveis pela grande maioria dos eleitores.

No entanto, cumpre observar que essas experiências são plenamente exitosas em partes da Alemanha. Isso vale para algumas regiões preponderantemente rurais, na maioria dos casos situados na antiga Alemanha Oriental, porém não apenas ali. São regiões que se encontram em decadência econômica.

Frequentemente, os jovens não veem ali nenhuma perspectiva de vida e acabam emigrando. Esse é o caso em particular de moças dotadas de boa for- mação educacional. No melhor dos casos, a infraestrutura é preservada com grandes esforços. Dá a impressão de que ninguém se importa com a situação.

Ali, vão-se instalar jovens famílias de extrema-direita. Ocupam-se com as escolas e as associações. Dão assessoria aos desempregados, auxiliam nas lições de casa das crianças, surgem como apreciados artesãos etc. O engaja- mento civil-social  proporciona-lhes um  prestígio que,  de outro  modo,  não possuiriam. São os autênticos mensageiros da ideologia de extrema-direita e obtêm sucesso. Mas, deve ser observado que tão somente o fracasso das instituições  democráticas possibilitam tal êxito.

Porém, não são sempre só os “ajudantes” da extrema-direita que dão o tom em uma comunidade ou em um bairro dali.  O mesmo podem fazê-lo bandos de jovens militantes autônomos de direita que operam por meio da intimidação. Antes, eram, na maioria das vezes, jovens skinheads de extrema- direita que marcavam a imagem da região, lançando mão da violência e do poder. Não toleravam, ao seu lado, a existência de nenhuma outra cultura jovem e enfrentavam os imigrantes com uma agressividade toda particular.

Hoje, jovens altamente indoutrinados vestem-se quase sempre de preto, tais quais anarquistas, usando símbolos como a imagem de Che Guevara na camiseta ou o lenço palestino.

Assim, procuram sinalizar que é também um movimento de libertação. Mas, combatem todos os que pensam diferentemente, o Estado e o mercado, na crença de que estes operam baseados em uma conspiração judaico-estado- unidense contra a Europa e, em particular, contra os alemães. Acreditam, também,  que depois  da Segunda Guerra Mundial o povo alemão foi reeducado pelas potências de ocupação, tendo, portanto, de regressar à sua própria natureza.

Entre esses  dois polos,  existem  ainda todas  as possíveis  variantes de formas organizativas frouxas e sólidas que se remodelam, no mais tardar quando o Estado proíbe a formação de agrupamentos hostis à Constituição Federal.

Também outros grupos são usados com grande prazer, tais quais fãs de futebol, ou, então, há ainda conexões com bandas de rock criminosas. Utilizam-se associações de esportes marciais ou também o serviço voluntário do corpo de bombeiros para que adeptos sejam recrutados. Principalmente, lança- se mão da internet para  ganhar simpatizantes para  a ideologia de extrema- direita.

Quais são, então, os pontos marcantes da ideologia de extrema-direita? Partem da teoria de que existem raças de seres humanos, surgindo a sua raça, a raça ariana, em sua forma mais pura, nas tribos germânicas da Antiguidade. Acreditam que são a raça mais pura e, por isso, seriam superiores a todos os demais seres humanos. Apenas eles seriam capazes de produzir as conquistas culturais mais elevadas.

Esse racismo é também modificado na medida em que nem  todos  os extremistas de direita acreditam em raças, em sua forma biológica. Mas creem que todos os povos possuem traços determinantes que são transmitidos hereditariamente.

Estes se expressariam em nível cultural e ninguém poderia subtrair-se a esses fatores hereditários. Quem se desviasse dos padrões culturais predefini- dos seria uma pessoa doente, um ser humano isolado, sendo  isso aplicado também a todo um povo. Por isso, segundo seu modo de ver, os povos não se podem misturar. Uma sociedade composta de imigrantes, como a brasileira ou, nos dias de hoje, também a alemã, não pode constituir, de nenhum modo, uma sociedade que goza de boa saúde.

Dessa teoria, emerge o agir racista. Estende-se até o assassinato de seres humanos considerados estrangeiros. Até os dias de hoje, essa postura encontrou sua modalidade mais extrema na “Clandestinidade Nacional-Socialista”. Dois homens e uma mulher, situados no centro do agrupamento, contando com muitos  apoiadores em torno  de si, assassinaram dez homens em idade madura, dentre os quais nove descendentes de turcos  e um descendente de gregos, bem como uma policial.

Explodiram uma bomba tubo em um local frequentado por imigrantes e roubaram bancos porque necessitavam de dinheiro para financiar suas existências. Ao mesmo tempo, levavam uma vida inteiramente normal e não foram encontrados pela polícia, ainda que fossem procurados como criminosos. Os atos criminosos aqui referidos não lhe foram  imputados. Tudo foi revelado apenas quando os homens foram capturados, que em seguida se suicidaram, depois de a mulher ter incendiado a casa em que habitavam.

Porém, não foram os únicos assassinatos cometidos. As organizações da sociedade civil partem de um mínimo de 152 vítimas da violência de direita desde 1990, ao passo que a estatística oficial conta com “apenas”  63 mortos.

A maioria das vítimas são imigrantes, mas entre elas encontram-se também adversários políticos e alguns moradores de rua sem-teto ou outras pessoas que vivem à margem da sociedade. Aos autores dos delitos, parecia que elas não eram dignas de viver.

Sempre se repetiram ataques incendiários, seguidos de morte ou feri- mentos graves, contra imigrantes, homens, mulheres e crianças de ascendência turca. Dois deles permaneceram particularmente na memória. Ocorreram, à socapa da noite, de modo  velado,  nas cidades  de Mölln e Solingen, em uma região da antiga República Federal, isto é, na parte ocidental da Alemanha.

As piores ocorrências no domínio da antiga República Democrática Alemã foram progroms direcionados contra condomínios de imigrantes. Em um dos casos, em Rostock, contra habitantes vietnameses empregados na Alemanha Oriental como trabalhadores arregimentados por prazo contratual; em outro, em Hoyerswerda, contra refugiados políticos que viviam na Alemanha na condição de asilados. Dessas ocorrências, não participaram apenas extremistas de direita.

Houve apoio da população que brindou seus ataques com aplausos e forneceu material para os seus coquetéis Molotov, além de alimentação para os arruaceiros. Nesses casos, não existiram mortos, é verdade, mas o populacho direitista obteve o despejo dos imigrantes moradores e a transferência dos refugiados políticos para outros acampamentos. Durante um longo período, a polícia  não  tomou providências para  protegê-los, de modo  que  os ataques prosseguiram durante dias. Esses ataques foram utilizados, por todo um período, como paradigma para ações semelhantes, com vítimas fatais.

Isso nos indica um problema social. Enquanto a ideologia é pronunciada em meio aos extremistas de direita, não é, porém, tão estranha a outras pessoas a ponto de a rechaçarem. Posições racistas e social-darwinistas são difundidas no seio da população. Em representativas pesquisas de opinião pública, registram-se valores afirmativos no que tange às declarações racistas e marginalizantes  que chegam a até 25% dos entrevistados.

Um elemento adicional da ideologia de extrema-direita permanece o antissemitismo, frequentemente associado às teorias da conspiração. Ligado a isso, surge, desde o 11 de setembro de 2001, um ódio ao Islã muito acentuado. Todos os seres humanos da África do Norte e do Oriente Médio, até os sikhs da Índia, são postos sob a suspeita de serem ou de virem a ser islâmicos fundamentalistas.

Também aqui há pontos de contato com a população que repudia os extremistas de direita e que, normalmente, elege os Democratas Cristãos, os Socialdemocratas ou mesmo a Esquerda. Também ela faz sentir sua aversão a esses seres humanos, agredindo-os com palavras ou, até mesmo, fisicamente. Se os muçulmanos que vivem na Alemanha desejam construir uma mesquita, organizam-se iniciativas populares que pretendem, de toda a sorte ali onde moram, limitar a liberdade religiosa desse grupo de pessoas.

Menos pontos de contato com a população “normal” possuem os que veneram a época do III Reich. No entanto, uma relativização da época da dominação nazista é amplamente difundida. Hitler teria tido também os seus lados positivos. Assim, se não houvesse enviado os judeus para a câmera de gás, poderia ser considerado um grande homem de Estado, afirmam. No mesmo sentido, as forças armadas alemãs do III Reich (os militares) teriam se com- portado de modo decente, na condução do conflito bélico etc.

Igualmente a ideia de que se deve agir com violência contra os perturba- dores são sufragadas por muitas pessoas.  A maioria, porém, não faria uma coisa dessas.  E a percepção do que ainda deve ser tolerado e de onde se deve agir difere na população. A despeito do fato de a pena de morte ter sido abolida – ao menos  na República Federal da Alemanha – desde  1949,  tem ecoado, recentemente, cada vez mais, o clamor  favorável à “pena de morte para os que praticam abuso sexual de menores”.

Essa reivindicação surge dos meios da extrema-direita, sendo aprovada por muitas pessoas.  Isso leva a que os delinquentes que tenham cumprido a sua pena e se submetido a uma terapia, sendo considerados, desde então, inofensivos, não obtenham tolerância no meio social em que residem. Um traço característico adicional dos extremistas de direita é o pensa- mento hierárquico, o princípio do Führer. Mesmo em agrupamentos que se autodenominam autônomos, um de seus  membros reivindica a posição  de líder. Assim, o mesmo pode ser visto na economia, em analogia à organização econômica do III Reich.

Existiria, pois, o líder econômico que determina, incondicionalmente, o rumo a ser tomado, bem como os seguidores, ou seja, os trabalhadores que não podem exigir nenhum tipo de cogestão.

Ainda hoje, os direitistas atacam os sindicalistas porque os veem como seus inimigos  políticos.  Até agora,  não  se chegou  ao ponto  do Brasil, onde sindicalistas são assassinados por tentarem fazer valer os interesses dos trabalhadores.

O pensamento hierárquico continua a impor-se, evidentemente, também no interior da família, em que o homem é quem determina. Entretanto, há aqui diferenças em relação a mulheres que, em muitos casos, reivindicam para si o papel de liderança. São, porém, preponderantemente ativas em setores atribuídos às mulheres, no clássico estereótipo conservador.

Portanto, temos de entender que os extremistas de direita atacam em muitos domínios, os Direitos Humanos. A começar com o direito de autodeterminação, com o direito de poder viver como se queira. Atingem-se a liberdade do exercício de religião, a liberdade de estabelecimento, a liberdade de organização para fazer valer interesses, como, por exemplo, nos sindicatos, e se conclui com o direito de incolumidade física e o direito à vida.

Porém, devemos também constatar que o Estado menospreza, sempre renovadamente, as liberdades legais quando, exemplificativamente, trata-se de manifestações ou passeatas, em confrontação de cidadãos contra os extremistas de direita. Ali, do ponto de vista dos opositores dos radicais de direita, não se concede a proporcionalidade em todos os momentos. Os cidadãos de- fendem-se, por exemplo, sentando e bloqueando as ruas contra a marcha dos direitistas.

Então, surge o dilema de que a polícia é obrigada a velar, por um lado, para que uma  manifestação autorizada dos extremistas de direita possa ser realizada e, por  outro, para  que  um bloqueio de rua  não  seja considerado ilegítimo.

Muitas vezes ocorre uma ponderação. Em outras, porém, atinge-se uma confrontação, travada entre os participantes do bloqueio e a polícia que procede à desocupação, aplicando a violência. Participantes pacíficos de manifestações são fotografados e ingressam, assim, nos arquivos policiais, apesar de a juris- prudência afirmar que é permitido apenas fotografar se a situação se tornar perigosa.

Além disso, sucede, a todo o momento, que a polícia faça vastos monitoramentos com Estações Rádio-Base (ERBs, isto é, Cell Site), a fim de verificar, através dos sinais dos celulares carregados, quem se encontrava nas proximidades da manifestação. Alguns juízes dispõem-se também a conceder a necessária autorização judicial para tanto, apesar de isso ser legalmente admissível apenas na hipótese de existir suspeita de prática de graves atos delituosos.

É ilegal detectar pessoas que se encontram nas vastas imediações do perímetro, a fim de saber se estão  relacionadas com a manifestação ou não. Não se pode justificar a existência de dez milhares de casos de suspeita relacionados com graves delitos penais. Um caso concreto semelhante acabou conduzindo ao afastamento de um chefe de Polícia.

Entretanto, ocorrem, com frequência, análises computadorizadas  de dados  para  fins de persecução de delitos,  com base  em armazenamento de dados  – de modo  tanto mais essencial em contextos de contramanifestações que se opõem aos desfiles de agrupamentos de extrema-direita.

Em regra geral, também essas violações são, ao menos, reprimidas quando a ação policial é contida, no mais tardar, mediante decisão de tribunais superiores. Porém,  sem vigilância  de cidadãos críticos, o Estado de Direito não seria tão desenvolvido quanto o é presentemente.

Mesmo assim, ainda existe muito a ser feito.