O PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL NO LICENCIAMENTO URBANÍSTICO E CONTROLE DE EDIFICAÇÕES

Resumo

Este artigo tem como escopo abordar a polícia administrativa estabelecida a partir da autonomia político-administrativa municipal estabelecida constitucionalmente para demonstrar que seu exercício pode ocorrer diretamente de lei de diferentes órbitas governamentais, mas que sempre depende de uma previsão legal. Aponta a forma como se estabelece o poder de polícia na legislação municipal, especialmente em relação ao uso e ocupação do solo, no tocante ao licenciamento urbanístico e controle de edificações, como limitação ao direito de construir.

Artigo

O PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL NO LICENCIAMENTO URBANÍSTICO E CONTROLE DE EDIFICAÇÕES

Fernando Lúcio Esteves de Magalhães

Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Procurador do Município de Belford Roxo, atualmente lotado na Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Advogado ambientalista e urbanista. Membro das Comissões de Direito Ambiental e Defesa do Consumidor da OAB/RJ, e Direito Urbanístico da OAB/RJ-Subseção Barra da Tijuca. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico, pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, e em Direto Civil, Processual Civil e Empresarial, pela Universidade Veiga de Almeida. Professor das disciplinas de Direito Ambiental, Urbanístico e do Consumidor na EMERJ e ESA.

Resumo: Este artigo tem como escopo abordar a polícia administrativa estabelecida a partir da autonomia político-administrativa municipal estabelecida constitucionalmente para demonstrar que seu exercício pode ocorrer diretamente de lei de diferentes órbitas governamentais, mas que sempre depende de uma previsão legal. Aponta a forma como se estabelece o poder de polícia na legislação municipal, especialmente em relação ao uso e ocupação do solo, no tocante ao licenciamento urbanístico e controle de edificações, como limitação ao direito de construir.

Palavras-Chaves: Município – Poder de Polícia – Direito de Construir – Uso e Ocupação do Solo – Limitações Urbanísticas – Licenciamento Urbanístico – Controle de Edificações.

INTRODUÇÃO

As atividades da Administração Pública Municipal têm sido constantemente exercidas de forma a limitar a liberdade, a atividade e a propriedade particulares, principalmente em razão de que as condutas devem se adequar ao interesse maior da coletividade. É a abordagem que a doutrina administrativista pátria têm feito para declarar a supremacia do interesse público sobre o privado, como princípio e fundamento do Direito Administrativo.

Nesse diapasão, estudos urbanos têm demonstrado a íntima relação entre a ocupação do território, a exclusão social e os impactos ambientais decorrentes do processo de urbanização desenfreado.

Decorre da noção de poder de polícia do Município o controle preventivo que exerce o mesmo sobre o uso e ocupação do solo urbano, por meio do processo de licenciamento urbanístico, destacadamente no que tange ao parcelamento e à atividade edilícia.

Sob tal prerrogativa no aspecto constitucional, a Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão explícita do direito urbanístico, no art. 24, I, atribuindo competência legislativa concorrente à União e aos Estados membros dispor sobre a matéria, ao passo que ao Município está estabelecida competência privativa para executar a política urbana e a ordenação do território (art. 30, VIII, e 182).

Sobre seu conteúdo, a Carta Magna dispõe de capítulo próprio para a Política Urbana (arts. 182 e 183), inaugurando uma nova estrutura para o direito urbanístico brasileiro incluindo o bem-estar dos habitantes e o planejamento como elementos indissociáveis da organização do espaço urbano.

Incumbe aos Municípios fixar, por meio dos seus respectivos Planos Diretores, os quais são editados por meio de lei municipal e obrigatórios para cidades com população superior a vinte mil habitantes, as exigências fundamentais de ordenação da cidade (CF, art. 182, § 2º), assim como delimitar as áreas em que o Poder Público municipal poderá exigir, mediante lei específica, nos termos da lei federal, o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, não utilizado ou subutilizado, por meio da aplicação sucessiva dos instrumentos enumerados no art. 182, § 4º, da Constituição, a saber, notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, imposto predial e territorial progressivo no tempo e desapropriação-sanção.

Nesse norte, a política de desenvolvimento urbano prevista no art. 182, caput, da CF, tem dois objetivos constitucionais essenciais: a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, na forma que dispuser o Plano Diretor, e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Ambos os objetivos guardam íntima relação com a concretização dos direitos sociais enunciados no art. 6º da Constituição da República, em especial com os direitos sociais ao trabalho, à moradia, ao transporte e ao lazer os quais, na classificação proposta pela Carta de Atenas de 1933, correspondem às quatro funções essenciais da cidade.

A menção à garantia do bem-estar dos habitantes da cidade remete, ainda, ao caput do art. 225 da Constituição Federal, que enuncia o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A conjugação entre os arts. 182 e 225 da Constituição da República permite afirmar que o modelo de desenvolvimento a ser promovido pelo Poder Público é o do desenvolvimento urbano sustentável, pautado pelo equilíbrio entre crescimento econômico e inclusão social de um lado, e preservação ambiental e solidariedade intergeracional de outro. Esta opção constitucional implícita pelo modelo de desenvolvimento urbano sustentável é confirmada pela enunciação explícita da garantia do direito às cidades sustentáveis como diretriz geral da política urbana brasileira feita pelo art. 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

Outrossim, o controle de edificações, como instrumento de limitação ao uso e ocupação do solo, é uma importante atribuição do Poder Executivo Municipal na consecução do cumprimento das funções sociais da propriedade urbana e da cidade, propiciando um desenvolvimento urbano equilibrado, socialmente justo, e sustentável do ponto de vista econômico e ambiental, assim como evitando e corrigindo distorções no crescimento urbano e seus efeitos negativos para o meio ambiente e para a qualidade de vida das pessoas, é o controle das construções.

Quanto aos aspectos estruturais e funcionais, busca-se garantir que as edificações sejam seguras e salubres para as pessoas e para o meio ambiente, e estruturalmente idôneas à função para qual se destinam.

No que se refere à dimensão urbanística, esse controle busca assegurar que as novas edificações se integrem em harmonia com a cidade, concretizando progressivamente o plano de desenvolvimento urbano que foi democraticamente elaborado.

Assim, o controle administrativo das edificações urbanas é um instrumento de tutela preventiva de direitos difusos, sociais e individuais indisponíveis por meio do qual se verifica se há observância às regras de ordenação de uso e ocupação do solo, editadas para traduzir o interesse público quanto à melhor destinação dos espaços, levando em conta as condicionantes físico-ambientais, as características socioeconômicas locais e as aspirações de desenvolvimento do Município.

Para um eficaz exercício desse poder-dever do Município, impõe-se, no plano institucional, a estruturação de um processo administrativo de licenciamento e acompanhamento de construções, ampliações, reformas e demolições, assim como ações de vigilância contra obras clandestinas.

Por serem atividades que intervêm com a ordenação urbana, qualquer construção, ampliação, reforma ou demolição precisa ser previamente licenciada pelo Poder Público Municipal. A licença é comumente chamada de “alvará” de construção, reforma, ampliação ou demolição.

Grandes empreendimentos/atividades como shopping centers, escolas e universidades, empreendimentos habitacionais de vulto, rodovias urbanas, loteamentos, condomínios fechados, atividades geradoras de poluição sonora ou que emitam ondas eletromagnéticas e/ou gases poluentes, construções que causem impacto visual significativo na paisagem urbana, por serem potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente e da qualidade de vida urbana, precisam previamente submeter a estudo de impactos no ambiente urbano, especialmente na vizinhança e ambiental (Constituição Federal, artigo 225, § 1º, IV; Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei 6.938/1981, artigo 8º, II; Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001, artigo 4º, VI, e artigos 36 e 37).

Trata-se de etapa do procedimento de licenciamento de empreendimento e/ou atividade na qual se avaliarão os impactos positivos e negativos do empreendimento ou atividade na qualidade de vida da coletividade que reside no meio ambiente e na vizinhança, abrangendo, no mínimo, os aspectos adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e ocupação do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Enfim, os Estudos de Impacto de Vizinhança e os Estudos de Impactos Ambientais e seus respectivos Relatórios (EIV e EIA-RIMA) são instrumentos para se analisar se a edificação projetada e/ou a atividade que nela se desenvolverá poderá causar efeitos nocivos à dinâmica da cidade, como, por exemplo, adensamento excessivo além da capacidade de suporte da infraestrutura e equipamentos, aumento de tráfego, emissão de ruídos e/ou de gases poluentes, etc. Emerge daí o valor desses instrumentos na tutela preventiva dos direitos à saúde, ao meio ambiente e à cidade, especialmente em suas dimensões de direito à mobilidade urbana, saneamento ambiental, moradia e trabalho.

Mesmo previamente licenciadas, as obras urbanas precisam ser fiscalizadas durante a sua execução, para assegurar-se de sua conformidade ao alvará expedido. O fiscal que inspecioná-las lavrará termo de ocorrência das irregularidades que constatar, encaminhando-o à autoridade superior, a qual, se for o caso, expedirá auto de infração e intimará o interessado para regularizar a construção.

Depois de terminada, o Poder Público Municipal terá que verificar se a edificação foi executada em conformidade com o projeto previamente aprovado. Confirmada a regularidade, expedir-se-á a licença respectiva (“habite-se”, “certificado de conclusão de obra”, “atestado de conclusão”, etc, cuja terminologia varia de acordo com a legislação de cada Município).

Além da licença que certifica a conformidade da edificação com o projeto previamente aprovado, podem ser exigidas, de acordo com a atividade que será desenvolvida no local, outras licenças complementares como o alvará de funcionamento e alvará sanitário, entre outras.

Verificando-se a ocorrência de obra clandestina, isto é, sem prévia licença, ou executada em desconformidade com a licença expedida, cumpre ao Poder Executivo Municipal embargá-la, isto é, ordenar a paralisação dos trabalhos, interditar atividades que se desenvolvam no local, assim como proceder à demolição compulsória nos casos em que não for possível a regularização.

Há a possibilidade também de previsão de sanções pecuniárias pela inobservância das regras de uso e ocupação do solo, tudo conforme disposto na legislação local, geralmente denominada de “Código de Obras e Edificações”.

Excepcionalmente, e sem prejuízo do pagamento de multa, construções clandestinas, mas instaladas em conformidade com os parâmetros da legislação urbanística, podem ser regularizadas, mediante outorga de licença a posteriori.

Omissões ou atuações insuficientes do Poder Público Municipal no cumprimento dessa função, tolerando indevidamente construções clandestinas e com irregularidades insanáveis, concorrem para a perda de qualidade de vida, impulsionam a degradação das cidades, gerando enormes transtornos à coletividade. Sendo assim, e por sua grande relevância para o atendimento ao direito difuso a cidades socialmente inclusivas, ambientalmente equilibradas e economicamente sustentáveis, o exercício da função administrativa de controle das edificações urbanas é objeto de fiscalização pelo Ministério Público.

I – O PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL

A expressão poder de polícia talvez seja uma das mais importantes formas de atuação do Poder Público Municipal por expressar a “autoridade” da municipalidade e, sendo o Município o ente político-administrativo que mais próximo se encontra dos cidadãos, evidentemente que os maiores conflitos existentes deverão ser por ele solucionados.

Embora a expressão poder de polícia apresente contornos autoritários em razão de sua vinculação à ideia de manutenção da “boa ordem na sociedade”, presente no Estado medieval, o ius politiae[1], sofreu transformações de conceitos com a evolução do Direito mudando de foco e passando a estender suas ações ao controle da ordem econômica e social.

Sistematicamente, o poder de polícia surgiu de forma organizada com o Estado de Direito, na França, após a Revolução de 1789, através de normas jurídicas de manutenção da salubridade, segurança e tranquilidade públicas, através do Decreto d’Allarde, de 17.03.1791, que em seu art. 7º, determinava que qualquer pessoa seria livre para realizar qualquer negócio ou exercer qualquer profissão, arte ou ofício, desde que pagasse taxas e impostos e se sujeitasse aos regulamentos aplicáveis, recebendo para isso uma patente.

Ocorre que o poder de polícia, atualmente, não se limita a assegurar a ordem pública, pois está presente em praticamente todas as áreas de atuação administrativa, entendida como a limitação de atividade, da liberdade e da propriedade para adequá-los ao interesse e ao bem-estar público.

É uma disciplina de adequação das condutas individuais sempre que essas possam ser potencialmente contrárias ao interesse público. Assim, temos a atuação da polícia administrativa municipal nas seguintes áreas: construções, sanitária, logradouros públicos, pesos e medidas, meio ambiente, atividades urbanas, costumes, mortuária, entre outras.

No direito atual, o poder de polícia vem disciplinado no art. 78 do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/1966, onde prescreve:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder”.

Diante dessa conceituação legal, é importante fazer a distinção doutrinária, para dizer que o poder de polícia pode ser entendido em dois sentidos: um amplo e outro estrito. No sentido amplo, consiste em todas as formas de limitação, as estabelecidas na lei e sua concretização, no primeiro caso implicando na participação do Legislativo e do Executivo em sua formação; no sentido estrito, é a própria polícia administrativa, simples concretização do poder estabelecido na lei.

Decorrência disso podemos afirmar que o poder de polícia tem seu fundamento na Constituição da República e será reproduzido na Lei Orgânica Municipal, sendo regulamentado nas leis infraconstitucionais, possibilitando que o Poder Público o exerça sob a forma de “polícia administrativa”.

O controle da construção decorre do poder de polícia do Estado no exercício de suas prerrogativas e compete ao Município, que desenvolve referido controle dos pontos de vista estrutural, concernente à obra em si, e urbanístico, em relação à cidade como um todo. A esse respeito, necessárias se tornam as considerações do saudoso HELY LOPES MEIRELLES[2]:

Toda construção urbana, e especialmente a edificação, fica sujeita a esse duplo controle – urbanístico e estrutural –, que exige a prévia aprovação do projeto pela Prefeitura, com a subsequente expedição do alvará de construção e, posteriormente, do alvará de ocupação, vulgarmente conhecido por “habite-se”. Além da aprovação do projeto, o controle da construção estende-se à execução da obra, mediante fiscalização permanente, que possibilitará embargo e demolição quando em desconformidade com o projeto aprovado, ou com infringência das normas legais pertinentes […]” (grifado).

O controle administrativo da construção urbana, em regra, cabe ao Município, no intuito de garantir a estrutura e a forma de edificação da cidade. No entanto, se o Município não honrar este controle, permitindo que se realizem obras que desrespeitem as regras e regulamentos municipais, os vizinhos prejudicados por tais construções poderão embargá-las, pleiteando, inclusive, sua demolição.

Na execução do controle da construção o Município pode contar com limitações de ordem pública, dentre as quais destacam-se o denominado “Código de Obras e Edificações”, a aprovação do projeto de construção, a emissão de alvará de construção e de ocupação, o embargo e a demolição de obra irregular. Sem esses instrumentos seria muito difícil manter a estrutura, a segurança, a salubridade e a estética das cidades.

Com efeito, o aludido “Código de Obras” é um manual que reúne em seu texto todos os preceitos das construções urbanas no tocante à forma e à função das edificações. Este instrumento deverá ser desenvolvido por cada Município e posteriormente aprovado por lei, pois, por se tratar de direito de construir, impõe limites ao direito individual do proprietário. Trata, em linhas gerais, das exigências técnicas da construção, além dos requisitos de sua elaboração.

O insigne administrativista HELY LOPES MEIRELLES[3], comenta sobre a polícia das construções:

2.2 Polícia das construções. A polícia das construções efetiva-se pelo controle técnico funcional da edificação particular, tendo em vista as exigências de segurança, higiene e funcionalidade da obra segundo sua destinação e o ordenamento urbanístico da cidade, expresso nas normas de zoneamento, uso e ocupação do solo urbano. O Poder Municipal de controle das edificações decorre da Constituição Federal, que outorga competência direta ao Município para promover o ordenamento de seu território, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CF, art. 30, VIII). O regulamento das construções urbanas – ou seja, o Código de Obras e normas complementares – deverá estabelecer minuciosamente os requisitos de cada modalidade de construção (residencial, comercial, industrial etc.), objetivando a segurança, a higiene, a funcionalidade e a estética da obra.   (grifado)

II – AS LIMITAÇÕES URBANÍSTICAS

Sendo uma das formas de intervenção do Estado na propriedade, a limitação administrativa é ônus geral, advindo de lei, em regra gratuito, imposto ao proprietário de modo positivo, negativo ou permissivo, que vem a limitar o uso, gozo e fruição de seu imóvel, visando sempre o bem-estar coletivo.

O direito de edificar no próprio solo é um direito reconhecido abstratamente. Contudo, na prática, se vê submetido a um regime especial no ordenamento urbanístico, que permite classificar a propriedade como de estatutária, na medida em que os proprietários se veem obrigadas à obtenção de prévia licença.

Um dos princípios tradicionais de Direito Urbanístico é a subsunção de que toda a atividade, que implique controle prévio do uso artificial do solo, tem a finalidade de assegurar a conformidade desses princípios às normas aplicáveis em cada caso.

A licença urbanística é, pois, um instrumento de controle prévio da atividade edilícia, verificando se a obra projetada está conforme e compatível com a ordenação urbanística aplicável, permitindo que seu objeto básico obedeça ao conteúdo da própria licença, normalmente definido no projeto técnico apresentado.

Esse meio de fiscalização preventiva é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade e atividade de seus administrados, para comprovar que não estão sendo contrariados os interesses gerais. Concede-se o direito ao proprietário de usar e desfrutar de sua coisa, como realizar obras e construções, mas com as limitações estabelecidas em lei.

Assim, as licenças urbanísticas não são consideradas como desenvolvimento de atividades de planejamento, mas de exteriorização da atuação de regulação urbanística, exercendo uma função de instrumento de polícia urbanística. E, se de um lado, as licenças de edificações são autênticos atos de execução dos preceitos da lei e dos planos urbanísticos, de outro lado, configuram-se em instrumento de controle de legalidade urbanística.

Na perspectiva civilista tradicional, emana o direito de construir diretamente do direito de propriedade, como um dos poderes dominiais, impassível de sofrer qualquer restrição externa. Já pela ótica do direito administrativo, o ius aedificandi pode ser interpretado como modalidade de intervenção no direito de propriedade, tendo, como contraponto, a pretensão indenizatória do particular atingido. Ambos os vieses foram conciliados no Código Civil de 2002, nos dizeres do art. 1.299: “o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”. Duas dimensões vêm à baila na prescrição: o direito de vizinhança, e os “regulamentos administrativos”.

No entanto, o paradigma urbanístico contemporâneo caracteriza essa restrição imposta pelo zoneamento não como limitação externa ao direito de propriedade, mas como conformação intrínseca ao seu próprio núcleo essencial, por força da necessária funcionalização da propriedade urbana inscrita no art. 182 da Carta Magna e que deflui, concretamente, do Plano Diretor, o qual, em sentido material, engloba também as leis de zoneamento.

A aprovação do projeto de construção cabe à Prefeitura de cada Município, e serve como meio preventivo do controle de atividades dependentes de licenciamento municipal. Para a obtenção dessa aprovação, o interessado deverá apresentar perante o Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) um projeto referente à construção que se pretende levantar, juntamente com os documentos necessários como, por exemplo, um memorial descritivo do local. A exigência desses documentos visa ao conhecimento, por parte da Administração, do que se pretende fazer na futura obra.

Estando tudo certo (documentação e projeto), a Prefeitura aprovará e expedirá o alvará. Caso a documentação e/ou o projeto não estejam de acordo com as normas municipais, o interessado deverá ser comunicado para que tome as providências cabíveis, podendo recorrer à autoridade competente.

Ademais, o controle da construção também se opera por meio da necessidade da expedição de alvará pela prefeitura, sendo que este poderá ser de licença ou de autorização para construir ou lotear. O alvará de licença traz a ideia de algo definitivo, enquanto o de autorização tem caráter temporário. Nestes termos, quando a prefeitura aprova o projeto de uma construção, deverá expedir alvará de licença para construir. No entanto, se no mesmo terreno a Administração apenas consente que seja construído, provisoriamente, um barracão para armazenamento de tijolos e demais itens necessários à obra, neste caso deverá expedir alvará de autorização, revogável a qualquer tempo.

Outrossim, o embargo de obra é também instrumento de controle da construção. É a ordem de paralisação dos trabalhos de construção. Cabe o embargo quando o particular que constrói descumpre normas técnicas ou administrativas previamente determinadas. Por exemplo, se um particular começar uma construção sem obter o alvará, ou em desacordo com o projeto anteriormente apresentado e aprovado, esta construção poderá ser embargada.

Por último, é instrumento de controle da construção a demolição compulsória de obra, que pode ser de obra licenciada ou de obra clandestina. A demolição da obra licenciada pode ocorrer nos casos em que esta se tenha tornado incompatível com o interesse público ou quando tenha havido descumprimento de alguma norma de construção por parte do particular. No entanto, não é simples, pois, neste caso, o alvará precisará ser revogado, anulado ou cassado, mediante realização de processo, observado o devido processo legal.

A demolição de obra clandestina poderá ser efetuada mediante ordem sumária da prefeitura, já que não se faz necessária anulação de alvará, pois este não existe. Dessa forma, o particular que constrói sem licença deve ser punido pelo poder de polícia inerente à Administração: constatada a clandestinidade da construção, por meio do auto de infração, a obra será embargada e demolida.

Ademais, conforme leciona HELY LOPES MEIRELLES[4]:

A demolição de obra clandestina, por óbvias razões, pode ser efetivada mediante ordem sumária da Prefeitura, porque, em tal caso, o particular está incidindo em manifesto ilícito administrativo com o só ato de frustrar a apreciação do projeto, que é pressuposto legal de toda construção. Como a construção é atividade sujeita a licenciamento pelo Poder Público, a ausência de licença para construir faz presumir um dano potencial à Administração e à coletividade, consistente na privação do exame do projeto e na possibilidade de insegurança e inadequação da obra às exigências técnicas e urbanísticas. O ato ilegal do particular que constrói sem licença rende ensejo a que a Administração use o poder de polícia que lhe é reconhecido, para embargar, imediata e sumariamente, o prosseguimento da obra e efetivar a demolição do que estiver irregular, com seus próprios meios, sem necessidade de um procedimento formal anterior, porque não há licença ou alvará a ser invalidado, basta a constatação da clandestinidade da construção, pelo auto de infração, para o imediato embargo e ordem de demolição”, calcado na jurisprudência (STF, RF 124/438, TJSP, RDA 34/297,35/293).(grifado)

III – NATUREZA JURÍDICA DAS LICENÇAS EDILÍCIAS

 

Com efeito, é preciso explorar a natureza jurídica já não do direito de construir em si, mas dos atos da Administração Pública que permitem o seu exercício. Diferentemente da aprovação de projeto de parcelamento do solo, a documentação da aprovação de projetos de construção, reforma ou demolição se dá mediante alvarás de licença, e não de autorização

 

A distinção leva em conta a existência ou não de direito subjetivo do particular requerente. Enquanto a autorização gera esse direito, nos casos de parcelamento, a licença apenas reconhece e consubstancia um direito preexistente, outorgado por lei, tal qual os índices urbanísticos constantes do zoneamento, e condiciona seu exercício ao preenchimento de determinados requisitos, também previstos em normas específicas, mormente municipais.

Outrossim, é de se notar que, no tocante ao conteúdo dos requisitos supracitados, avalia-se, caso a caso, a compatibilidade da obra que se pretende encetar com os índices urbanísticos da zona em que se situa o imóvel em questão, tais como taxa de ocupação, recuos, taxa de permeabilidade, coeficiente de aproveitamento, gabarito, entre outros.

Em todas as situações, pontue-se, a atividade edilícia apenas poderá ser desenvolvida quando o terreno de suporte qualificar-se como lote, isto é, porção de solo com frente para logradouro público em condições de receber edificação residencial, comercial, institucional ou industrial. A produção de lotes pressupõe prévio loteamento ou desmembramento, uma vez que a gleba nua ou indivisa pode receber unicamente construções com finalidade rural típica ou, no máximo, agroindustrial.

CONCLUSÃO

O licenciamento urbanístico, como procedimento preventivo de controle da atividade urbanística, é norteado pelo princípio da legalidade, só podendo ser favorável ao requerente quando preenchidos todos os requisitos impostos pelo texto legal. Considerado como instrumento fiscalizador do ordenamento urbano, tem um papel primordial na ordenação das cidades.

Um dos princípios tradicionais de Direito urbanístico é a subsunção de que toda atividade, que implique uso artificial do solo, deve ser submetida a um controle prévio, com a finalidade de assegurar a conformidade com as normas aplicáveis ao caso. Essa fiscalização preventiva é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade e atividade de seus administrados, para comprovar que não estão sendo contrariados os interesses gerais. Portanto, concede-se o direito ao proprietário de usar e desfrutar de sua coisa, como realizar obras e construções, mas com as limitações estabelecidas em lei.

As licenças urbanísticas, portanto, são instrumentos de controle prévio urbanístico, assim como técnica de intervenção do Estado na propriedade. São atos administrativos vinculados, estando submetidos ao regime jurídico de Direito Público. Impõem deveres e os condicionam. Todavia, não podem ser denegadas quando preenchidos todos os requisitos legais.

E, como instrumento de controle prévio da atividade edilícia, essa licença verifica se a obra projetada está conforme e compatível com a ordenação urbanística aplicável, permitindo que seu objeto básico, isto é, a implantação da atividade de construção de uma obra, permaneça conforme o conteúdo da própria licença, normalmente definido no projeto técnico apresentado, ou seja, constata se a construção da obra se ajusta às exigências de interesse público, como preconiza o ordenamento urbanístico vigente.

As licenças, todavia, não são consideradas atividades de planejamento, mas exteriorização da regulação urbanística, exercendo uma função de instrumento de polícia urbanística. De um lado, são autênticos atos de execução de preceitos da lei e dos planos urbanísticos; de outro, configuram-se como instrumentos de controle da legalidade urbanística.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10ª ed. atualizada por Adilson Abreu Dallari, Daniela Libório di Sarno, Luiz Guilherme da Costa Wagner Jr. e Mariana Novis, São Paulo: Malheiros, 2011.

[1] Ius politiae se refere à faculdade de utilizar a força do Estado medieval em prol do bem-estar coletivo. Em decorrência do ius politiae o soberano tem poder para ditar as normas que vão limitar o exercício dos direitos do súditos

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 574/575.

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 495/496.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 10ª ed. atualizada por Adilson Abreu Dallari, Daniela Libório di Sarno, Luiz Guilherme da Costa Wagner Jr. e Mariana Novis, 2011, Malheiros Editores: São Paulo, p.227.

Palavras Chaves

Município – Poder de Polícia – Direito de Construir – Uso e Ocupação do Solo – Limitações Urbanísticas – Licenciamento Urbanístico – Controle de Edificações.