OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

Resumo

O presente estudo tem como objetivo analisar a contradição existente entre a obrigatoriedade na utilização dos métodos consensuais, instituídos pelo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), em especial em ações de família e o princípio da autonomia da vontade. Inicialmente, o trabalho traz ponderações sobre os princípios da autonomia da vontade e do acesso à Justiça, discutindo a aplicação desses no panorama atual. Além disso, será feita uma discussão mais aprofundada sobre a obrigatoriedade dos métodos autocompositivos imposta pelo Novo Código de Processo Civil. Para que ao final se chegue à conclusão de que devido aos inúmeros benefícios advindos dessa imposição ela pode ser considerada um avanço. A pesquisa se realizará por meio da análise de doutrinas, artigos e jurisprudência, bem como através de um estudo dos artigos 694 a 697 do Código de Processo Civil.

Artigo

OS MÉTODOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

 

Luísa Ferreira dos Santos1

 

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar a contradição existente entre a obrigatoriedade na utilização dos métodos consensuais, instituídos pelo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), em especial em ações de família e o princípio da autonomia da vontade. Inicialmente, o trabalho traz ponderações sobre os princípios da autonomia da vontade e do acesso à Justiça, discutindo a aplicação desses no panorama atual. Além disso, será feita uma discussão mais aprofundada sobre a obrigatoriedade dos métodos autocompositivos imposta pelo Novo Código de Processo Civil. Para que ao final se chegue à conclusão de que devido aos inúmeros benefícios advindos dessa imposição ela pode ser considerada um avanço. A pesquisa se realizará por meio da análise de doutrinas, artigos e jurisprudência, bem como através de um estudo dos artigos 694 a 697 do Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Conflito; Obrigatoriedade; Métodos Consensuais; Ações de família

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. MÉTODOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E A IMPORTÂNCIA DO ACESSO A JUSTIÇA. 2. ANÁLISE DOS MÉTODOS CONSENSUAIS E A ESSÊNCIA DE SUA COMPOSIÇÃO. 3. A MEDIAÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

  

INTRODUÇÃO

 O aumento da litigância e da morosidade judicial, principalmente em esfera cível, foi caracterizado pelo CNJ, em uma pesquisa realizada em 2011 sobre as: “Demandas repetitivas e a morosidade da justiça cível brasileira” (2011, p. 32), como reflexo da judicialização e da problematização dos conflitos cotidianos. Segundo o Conselho, o próprio poder público, os advogados e os meios de comunicação incentivam essa polarização da vida, o que dificulta que os embates sejam resolvidos sem a intervenção do Poder Judiciário.

O princípio constitucional garantidor do acesso à Justiça, elencado pelo artigo 5°, XXXV, da Constituição de 1988 sofre com uma distorção de significado, assim sendo entendido como, tão somente acesso ao Poder Judiciário. Propor uma demanda é apenas o primeiro passo para a efetivação desse princípio. Para que o acesso à Justiça seja de fato justo,

eficiente e eficaz, as partes envolvidas devem ter seu conflito resolvido da forma mais satisfatória, para ambos, e rápida.

Assim, pode-se concluir que o meio de se alcançar plenamente o acesso à justiça e tornar o processo mais célere seria inserindo cada vez mais as partes dentro do procedimento, dando autonomia para que estas possam chegar a uma solução mais justa às suas próprias demandas e isso pode se dar por meio dos métodos consensuais de resolução de conflitos.

Os métodos autocompositivos, como a conciliação e a mediação passaram a ser de caráter obrigatório com o advento do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15). O problema que se põe nessa análise é de avaliar se a obrigatoriedade faz parte da estrutura essencial desses métodos consensuais, ou ainda, se tal imposição não estaria indo de encontro a outro princípio fundamental, o da autonomia da vontade, em especial nas ações de Família, nas quais a imposição possui norma própria, e ainda mais imperativa, sem deixar margens à discricionariedade das partes sobre a realização da sessão.

O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) tornou obrigatórias práticas de resolução de conflitos, que possuem a autocomposição como sua essência. Para que as partes cheguem a uma solução, e com isso resolvam suas demandas é primordial que estas queiram o fazer, que estejam dispostas ao diálogo e a conversa.

O objetivo geral do presente estudo é analisar a contradição existente entre o princípio da autonomia da vontade e a utilização dos métodos autocompositivos como obrigatórios, em especial nas ações de família.

Assim, primeiramente serão analisados o significado do princípio do acesso à justiça e a contextualização histórica de implementação desse princípio. Já em um segundo ponto, serão elencados os princípios que compõem a essência dos métodos consensuais, para que se chegue a conclusão se a obrigatoriedade da participação das partes se faz compatível com a essência desses métodos. Por fim, estudar-se-á a imposição da utilização dos meios consensuais nas ações de família em específico.

As ações de família possuem caráter específico pelas partes possuírem um vínculo anterior ao processo, este tipo de demanda envolve aspectos sensíveis e emocionais. Diante disso, o legislador normatizou nos artigos 694 a 697 do Código de Processo Civil, com o intuito de privilegiar o acordo, todavia esta prática foi instituída através da previsão de sessões de mediação e conciliação, sem ser considerada a opção do não comparecimento de qualquer uma das partes.

Assim, mesmo que com a intenção de chegar a um objetivo promissor, os meios utilizados para o determinado fim podem não condizer com o princípio da autonomia da vontade e colocar em risco a efetividade dos mecanismos utilizados.

Nesse sentido, está a relevância do objeto deste trabalho, pois discute a efetividade da implementação dos meios consensuais de resolução de conflitos através da imposição dos mesmos, em especial nas ações de família, revelando as divergências doutrinárias sobre o tema.

Em relação à metodologia, utilizar-se-á, o modelo crítico-dialético, já que o tema em estudo está em processo de evolução, em paralelo às transformações sociais e culturais que ocorrem nas sociedades em geral, e, em particular, no Direito, permitindo a realização de  uma contextualização do surgimento dos meios consensuais de resolução de conflitos, bem como para que se entenda a sua aplicabilidade no cenário atual. As principais fontes do estudo são a doutrina e a legislação pertinente.

1.   MÉTODOS    CONSENSUAIS   DE   RESOLUÇÃO   DE   CONFLITOS    E   A IMPORTÂNCIA DO ACESSO A JUSTIÇA

 O princípio do devido processo legal, instituído pelo artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, tem como função garantir o acesso à Justiça de forma plena. Porém, durante anos esse conceito tem sido deturpado, sendo considerado, em sentido restrito, como sinônimo da tutela jurisdicional, ou seja, apenas o acesso ao poder judiciário.

Esta distorção juntamente com a problematização dos conflitos e a judicialização dos dissensos quotidianos são considerados pelo Conselho Nacional de Justiça CNJ, em uma de suas pesquisas realizadas em 2011 sobre as: “Demandas repetitivas e a morosidade da justiça cível brasileira”, como fatores determinantes para a atual morosidade excessiva da Justiça (2011, p. 32).

Mauro Cappelletti, na obra “Acesso à Justiça”, apresenta uma análise histórica da inoperância do princípio de acesso à justiça. Devido aos altos valores das custas processuais,  o tempo elevado do trâmite, as possibilidades desiguais das partes, somadas as formalidades e burocracias jurídicas, a exemplo da linguagem rebuscada, as partes estão se afastando cada vez mais do acesso ao devido processo legal (1988, p.15-27).

Vale ressaltar que essa situação é denominada por Spengler em sua obra “Do Conflito a Solução Adequada” como crise objetiva do Poder Judiciário, na qual o rito é colocado  acima da solução eficaz do dilema (2015, p.13).

A falta de celeridade na prolação das sentenças e a ignorância das normas do direito por partes dos interessados levam a uma insegurança jurídica que coloca em choque a demanda de litígios. Além disso, existe o problema relacionado aos interesses difusos, que são de natureza difusa e caráter coletivo, sendo a demanda individual, na maioria dos casos, ineficiente e não compensando economicamente para o sujeito uno.

Para que haja acesso a um processo civil democrático participativo, deve-se haver a real inserção dos partícipes nas tomadas de decisão processais. Robson Renault Godinho reafirma esse entendimento em seu artigo “A autonomia das partes e os poderes do juiz entre o privatismo e o publicismo do processo civil brasileiro” defendendo que o acesso à justiça só ocorreria através da (…) “efetiva participação das partes no regramento de suas situações jurídicas.” (2013, p. 1).

Tornar o processo participativo seria proporcionar, além de autonomia para solucionar suas próprias demandas, o entendimento para que possam compreender os seus direitos e o poder para que possam exercê-los, sendo assim, integrados de forma efetiva a lide.

Portanto, para que tenha real efetivação da mais plena definição de acesso à Justiça, Robson Godinho expõe: “Há que se rechaçar, portanto, uma cultura processual paternalista, em que aniquila a autonomia das partes para lhes oferecer a salvação por meio de um poder revelado e revelador.” (2013, p. 39 e 40). Boaventura de Souza Santos também compartilha dessa percepção ao determinar que faz-se necessário “democratizar a democracia”, como ressalta Ricardo Goretti Santos no livro “Mediação e Direitos Humanos”. (2014, p.34).

O processo judicial, que surgiu como meio para solucionar os enlaces interpessoais da sociedade, foi criado para auxiliar na composição de um Estado de paz, sendo portanto, coisa das partes. Porém, vem sendo utilizado como forma de enaltecer a vontade dos Juízes e não das partes pelas quais foi demandado, transformando-se em uma coisa sem partes.

Assim também já entendia Nils Christie, em seu artigo “Conflits as Property”: “os conflitos tem sido retirados das partes diretamente envolvidas e, deste modo, eles ou desaparecem ou tornam-se propriedade de outras pessoas.” (1977, p.1)

De acordo com análise feita por Robson Renault Godinho, em seu trabalho “A autonomia das partes e os poderes do juiz entre o privatismo e o publicismo do processo civil brasileiro”, ao demandar uma lide, as partes perdem a autonomia, seria como se renunciassem à liberdade jurídica (2013, p. 36 e 37).

O Brasil atual é marcado pela “cultura da sentença”, sendo o Poder Judiciário revestido de normas hierárquicas, onde a colaboração e cooperação das partes no processo são limitadas pela autonomia dos juízes.

Os meios de comunicação são apontados como determinantes para esse processo de judicialização. Eles se encontram difundidos pela sociedade, chegando até as localidades mais remotas, e são percebidos como canais de informação e de disseminação em massa do conhecimento. Todavia, nem sempre são utilizados de forma idônea, passando informações distorcidas e tendenciosas, que influenciam a população negativamente.

É o que se pode averiguar em relação aos litígios:

(…)a mídia, que ao conscientizar as pessoas sobre seus direitos e sobre a forma como devem buscar a sua concretização, muitas vezes aborda questões jurídicas de forma equivocada, incentivando o ingresso em juízo de pretensões descabidas ou que atravancam o funcionamento da máquina judiciária, sobretudo quando são divulgadas notícias incompletas ou sem o devido respaldo legal ou jurisprudencial. (Conselho Nacional de Justiça- CNJ, Demandas repetitivas e a morosidade da justiça cível brasileira, 2011, p. 6).

Com a crescente judicialização, passou-se a observar a incidência do movimento de problematização do conflito, ou seja, o conflito passou a ser visto de forma negativa, colocando as partes como inimigos e polarizando os lados da situação, sendo uma parte dita como certa e a outra errada. Dessa maneira, faz com que os sentimentos de rivalidade se acirrem e potencialize o conflito.

A forma correta de conceber os dissensos é a partir da Moderna Teoria do Conflito, que os considera como situações intrínsecas a convivência humana, que devem ser solucionadas com o diálogo, através da despolarização e da busca da satisfação do objetivo comum.

Variadas técnicas de comunicação foram desenvolvidas para auxiliar na desconstrução do rótulo negativo dos conflitos. Uma delas, a comunicação não violenta, criada pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg nos anos 1960, é uma forma de se comunicar-se que aumenta as chances de conexão entre as pessoas, pois determina que seja utilizada uma linguagem simples e clara despida de preconceitos e julgamentos, além de estimular sentimentos como a empatia (2006, p. 21 e 22).

Outra criação que impulsionou a utilização dos métodos consensuais foi o sistema multiportas, elaborado pelo professor da faculdade de Direito de Harvard, Frank Ernest Arnold Sander, que tem como objetivo desmistificar a eficácia dos meios consensuais, colocando-o como saídas, “portas” para que os dissensos sejam resolvidos por um meio mais célere e menos burocrático, dando às partes autonomia como sujeitos, que são, e afastando-os da figura de objeto da vontade do Estado-Juíz como que era de costume (SPENGLER, 2015, p. 27 e 28).

Na tese de Frank Ernest Arnold Sander, o termo “multiportas” é uma metáfora para as variadas formas e oportunidades de construção de acordos e soluções pacíficas, apresentadas pela Justiça conciliadora. Para ele, a implementação desses novos meios de solução das demandas seriam como novas oportunidades para se alcançar à Justiça. Assim, o acesso à justiça passaria de um sistema excludente e penoso, com uma só porta de acesso, para uma instituição democrática e de amplo acesso, devido às múltiplas portas.

Esse modelo do Tribunal de Múltiplas Portas deve ser estudado como um exemplo de superação do modelo triádico, onde a juiz é considerado superior as partes e tem o poder hierárquico de proferir uma decisão impositiva. Ele foi utilizado como inspiração para a criação da política pública brasileira, através da Resolução n° 125 do CNJ.

O diferencial que se observa no modelo de Frank Ernest Arnold Sander é o fato dele possibilitar uma escolha de um método de solução que mais se amolda à determinada disputa. Assim, por ser possível optar por um meio mais adequado para cada demanda em específico, a probabilidade de se chegar a uma solução mais satisfatória para os envolvidos desce vertiginosamente.

Os métodos consensuais à jurisdição buscam uma solução voluntária e pacífica, através de um acordo equitativo, no qual as partes envolvidas tem autonomia e maturidade para resolver seus conflitos com base do diálogo. Além disso, o acordo realizado pelas partes é mais eficaz e eficiente que as sentenças frias e mecânicas que imperam nos Tribunais, como defende Douglas Cesar Lucas:

[…] do mesmo modo, o judiciário foi estruturado para operar por meio de uma lógica racional-legal que nega a complexidade, que valoriza exageradamente as formalidades e os procedimentos decisórios de tempo diferido e que mascara a substancialidade dos conflitos sociais e econômicos pela adoção de fórmulas e conceitos reducionistas afinados com uma cultura de conservação do projeto liberal – individualista. (2005, p.178).

Douglas Cesar Lucas deixa claro seu entendimento de que as demandas repetitivas e massividade de casos fizeram com que o Poder Judiciário deixasse de considerar as pessoalidades de cada litígio e passasse a ser baseado em modelos de pura aplicação da norma, na passagem: “o Poder Judiciário moldado pelo Estado moderno estabelece um conjunto de procedimentos decisórios de base racional-formal que negam a política e os conteúdos valorativos das demandas sociais.” (2005, p.179).

Desse modo, a implementação dos métodos consensuais de resolução de conflitos traz diversos benefícios, que vão muito além do controle do assoberbamento do Judiciário. Pois propiciam uma maior autonomia as partes, celeridade e eficácia das soluções, e até mesmo uma maior consciência cidadão e independência jurídica da população.

2.              ANÁLISE DOS MÉTODOS CONSENSUAIS E A ESSÊNCIA DE SUA COMPOSIÇÃO

 Diante do diagnóstico preocupante, juristas, doutrinadores, e até mesmo o próprio Poder Judiciário uniram forças para encontrar meios adequados de solucionar controvérsias, que desonerassem o Estado-Juiz. Assim, como remédio para a cura, os meios consensuais, mediação e conciliação, passaram a ser encarados como mecanismos de contorno do assoberbamento do judiciário. Mesmo este não sendo o objetivo principal para qual os métodos de solução de conflitos foram criados, encontrar a solução adequada para os dissensos leva a outras benéficas consequências, como é o caso do aumento da celeridade do Poder Judiciário e da maior participação das partes na composição da lide.

A conciliação, que consiste em uma forma autocompositiva de se resolver um litígio através de um acordo, é uma técnica dirigida por um conciliador, imparcial e formado por curso preparatório para exercer tal função. Os conciliadores não são remunerados e podem ser acadêmicos da graduação desde que sejam capacitados através de curso oficial, como estabelece a Resolução 125 do CNJ, tendo a missão de conduzir a sessão de conciliação com harmonia e equilíbrio, fazendo do ambiente um lugar mais propício possível para a construção de um acordo. Cabe a ele tratar as pessoas envolvidas com educação, usando técnicas de linguagem pacífica e traduzir o diálogo das partes, com o intuito de torná-lo livre de preconceitos e julgamentos.

Todavia, é necessário esclarecer que o conciliador pode interferir na composição do acordo, cabendo a ele sugerir soluções e propor medidas a serem tomadas.

A mediação pode ser definida como sendo a interferência de um terceiro não autoritário, imparcial, com poder de decisão limitada, em uma negociação, com o fim de auxiliar as partes a construírem um acordo. Portanto, trata-se de um método autocompositivo e voluntário, no qual o mediador possui a função de criar um espaço favorável que proporcione à aproximação a tão almejada paz social (SPENGLER, 2015 p. 32 e 33).

O mediador não tem como objetivo chegar a um acordo, seu intento é restabelecer o diálogo e satisfazer os interesses dos envolvidos. Comparando com a conciliação, verifica-se que há diferença em torno da duração das sessões, pois na conciliação estas duram em média 20 minutos, já na mediação as sessões são mais complexas, podendo durar até 2 horas, sendo marcada outra data para continuação do diálogo, caso necessário.

De acordo com o artigo 165 do Novo Código de Processo Civil, as questões discutidas nas sessões de conciliação devem ser, preferencialmente, conflitos nos quais as pessoas envolvidas não possuíam vínculo antes do surgimento do entrave. Por outro lado na  mediação, por se tratar de um procedimento mais profundo e composto, é indicado para demandas nas quais as partes já possuíam um contato, uma relação, antes mesmo do aparecimento da demanda.

Sendo assim, a mediação também é um método autocompositivo, porém, esse mecanismo é mais complexo, por lidar com dissensos em as partes já possuíam conexão anterior, apresentando uma duração mais longa, e tendo o mediador uma função maior do que o simples acordo. A formação do mediador é mais rígida, tendo que ter ele ensino superior concluído por no mínimo dois anos e ter frequentado curso oficial que engloba atividades práticas para ser certificado.

Tais métodos eram aplicados pela esfera privada da sociedade, através de câmaras e núcleos particulares. Posteriormente, foram promovidos pelo Poder Judiciário mutirões de mediação de conciliação. Com o passar dos anos e devido aos resultados positivos, que essas campanhas produziram, por serem meios que implantam o protagonismo dos próprios interessados, tais mecanismos foram normatizados através de leis e resoluções que trouxeram legalidade as formas já aplicadas.

Com a advento da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça foi instituído o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC, com o objetivo de incentivar, estimular e efetivar a aplicação dos métodos consensuais como conciliação e mediação. Dentre as atribuições do NUPEMEC encontram-se: desenvolver políticas judiciárias para o tratamento adequado dos conflitos, promover a capacitação e atualização perante os métodos autocompositivos e aventar, quando necessário, convênios com entes privados de solução consensual, para que a demanda seja sanada.

Além disso, está dentro das funções do NUPEMEC a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos – CEJUSC, que se caracterizam por serem locais onde acontecem as sessões de mediação e conciliação, pré-processais e processuais, com a atuação dos conciliadores e mediadores. A lei n°13.140/2015, conhecida como lei de mediação, em seu artigo 24, assim como o Novo Código de Processo Civil, no artigo 165, determinam que os tribunais devem providenciar a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos.

A mediação, dentre os métodos consensuais de resolução de conflitos, é o mais complexo e cheios de diretrizes, além de possuir uma lei especial própria que a regulamenta (Lei 13.140, de 26 de junho de 2015) e sua utilização é recomendada em situações nas quais as partes envolvidas já possuem algum tipo de vínculo anterior ao surgimento do dissenso, como estabelecido pelo artigo 165, §3°, NCPC, sendo assim, este meio de solução de conflitos é amplamente difundido na sociedade.

Já a conciliação, mesmo sendo vastamente utilizada, não pode ser comparada com a mediação, por ser um meio mais superficial de desconstruir os embates, pois possui o foco no acordo e não na satisfação dos interesses dos envolvidos na disputa, característica esta da mediação.

Contudo, na prática, em demandas de natureza patrimonial, como por exemplo ações revisionais de alimentos, os juízes de família têm designado sessões de conciliação e não de mediação.

A mediação existe tanto no âmbito extrajudicial, quanto no âmbito judicial. No ramo extrajucial, são exemplos da utilização da mediação para solucionar dissensos em escolas, em organizações ou empresas, em condomínio, em associações de moradores, entre outros. Sendo uma forma de prevenir a propositura de uma demanda judicial, além de ser mais célere e menos onerosa que esta.

Já no campo judicial, a mediação tem sido empregada a ações de família, ações cíveis, como as relacionadas ao direito de vizinhaça e também em esfera penal, através da justiça restaurativa. Seguindo as formalidades necessárias para que se instaure uma ação judicial,  mas ainda sim apresentando vantagens acerca do tempo, do dispêndio monetário e da eficácia da decisão, quando comparada aos métodos tradicionais de acesso à Justiça.

O Instituto de Mediação e Arbitragem – IMA estabele políticas de atuação  em diversas formas de mediação extrajudicial: a mediação organizacional, a mediação escolar, a mediação familiar e a mediação comercial, dentre outros, que se caracterizam como sendo uma poderosa ferramenta contra a excessiva judicialização, pois são realizadas fora do cenário do Poder Judicário, antes mesmo do ingresso na Justiça.

Para que se estabeleça a comunicação entre os envolvidos no conflito, é indispensável a figura do mediador, que é considerado por Morais e Spengler como:” um terceiro com poder de decisão limitado e não autoritário.“(MORAIS; SPENGLER, 2012, p.131). A atuação do mediador deve ser feita de forma neutra e imparcial, com o objetivo de aproximar os partícipes, para que seja estabelecido o diálogo e através dele o acordo.

Nesse sentido, Carlos Eduardo de Vasconcelos reconhece que: “Cabe, portanto, ao mediador colaborar com os mediandos para que eles pratiquem uma comunicação construtiva e identifiquem seus interesses e necessidades comuns.” (VASCONCELOS, 2008, p.36).

O emprego da linguagem coloquial integra as partes ao procedimento e faz com eles tenham uma maior compreensão do que está se passando. A linguagem juridical, conhecida por possuir termos rebuscados vai de encontro com o princípio da informalidade, que também é um meio utilizado para empoderar os participantes do poder decisório e da autonomia da vontade que cabe a eles.

Os princípios que norteiam a atuação do mediador estão consolidadas através de dois artigos do ordenamento brasileiro. Primeiramente pelo artigo 2°, da Lei de Mediação, lei 13.140 de 2015, que instituiram quais seriam os princípios fundamentais da mediação, sendo eles:

Art. 2o A mediação será orientada pelos seguintes princípios:

I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes;

  • – oralidade;
  • – informalidade;
  • – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso;

VII – confidencialidade; VIII – boa-fé.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, através da lei 13.105 de 2015, os princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, foram repecionados pelo artigo 166, sendo considerados pelo Novo Código de Processo Civil como princípios informadores da conciliação e da mediação.

O princípio da imparcialidade, expresso no primeiro inciso do artigo 2 da Lei de Mediação, confere ao mediador a obrigação de agir de forma transparênte e neutra, sem propiciar preferência ou favorecimento a qualquer um dos partífipes. Para que se garanta a imparcialidade do mediador ele não pode possuir vínculo prévio com os participantes e deve manter o equilíbrio da relação, estabelecendo a igualdade de poderes, o que se identifica como sendo o princípio da isonomia das partes.

Segundo Helena Pacheco e Guilherme Dornelles no livro “Do conflito à solução adequeda: mediação, conciliação, negociação, jurisdição e arbitragem”, organizado por Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto, a grande eficácia dessa instituição se deve ao princípio da oralidade empregado à tal meio, que propicía o debate dos problemas, criando um espaço informal e democrático, que leva as partes ao diálogo e com isso, a autocomposição. (PACHECO; DORNELLES, 2015, p. 33.)

O princípio da autonomia da vontade também faz parte da essência da mediação e estabelece que as partes possuam o poder de conduzir a sessão, tendo assim, o livre arbítrio de decidir sobre os seus próprios dissensos.

Por ser um princípio estruturante da mediação ele engloba a liberdade de escolha das partes de participar ou não das sessões, pois por ser um método de pacificação social ele deve ser aclamado pelos cidadãos e não impostos à eles como obrigação. A imposição fomenta a rivalidade afastando a busca pelo consenso, que é outro princípio da mediação.

O princípio da confidencialidade garante que tudo o que seja discutido dentro da sessão não tenha publicidade e fique resguardado da propalação para a sociedade. Esse princípio abrange não só os mediadores mais também as partes, seus patronos e qualquer comediador ou observador que esteja presente. E é a principal razão pela qual estão vedados os juizes de atuarem como mediadores.

Por último o princípio da boa-fé, que recai sobre todo o conjunto normativo brasileiro. Estabele que, para que se chegue à uma solução benéfica para ambas as partes, elas devem agir com boa-fé, sendo honestas, transparentes e estando dispostas a chegarem a um consenso.

3.              A MEDIAÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

  Segundo Carlos Roberto Gonçalves em sua doutrina “Direito Civil Brasileiro”, a família é a base do Estado, sendo o núcleo fundamental da organização social (2017, p. 15).

O núcleo familiar é o primeiro contato de um indivíduo com outros semelhantes, os elos estabelecidos dentro do âmbito familiar, conhecidos como relação de parentesco, podem ser consanguíneas, por adoção ou por afeto, gerando, todos esses tipos de vínculos, direitos e deveres aos envolvidos.

As demandas que envolvem pessoas de uma mesma família são marcadas pelo ligame que estas possuem mesmo antes da configuração do entrave. A ligação das partes nesse tipo de conflito é posterior à problemática e vai além da sua resolução. Portanto, as famílias se comportam como uma microsociedade, tendo os conflitos oriundos delas tratamento diferenciado, devido ao caráter pessoal e emocional das partes nesse tipo de litígio.

Assim, chega-se a conclusão lógica de que as ações de família são aquelas que envolvam os direitos e deveres de partes que possuem algum tipo de relação pessoal, advindas do parentesco, ou adquiridas através do matrimônio ou da união estável.

A Constituição Federal, em seu artigo 226, vislumbra a proteção especial dada a esse ramo do Direito Civil, tratado como “base da sociedade”. Já tendo como análise a legislação infraconstitucional, destaca-se a importância dada ao direito de família pelo Código Civil que destina o Livro IV da Parte Especial à essa esfera familiar, pelo Código de Processo Civil que também possui uma parte designada para discutir estes assuntos, o capítulo X, intitulado “Das Ações de Família”. Além disso, existem leis especiais que tratam de assuntos englobados pelo Direito de Família, como a lei de alimentos, lei n° 5.478/74 e a lei de adoção, lei n° 13.509/17.

A grande importância dada pelo poder constituinte e pelo Poder Legislativo ao direito de família, demonstrado pela presença dessa temática em diversas esferas normativas, reflete a grande incidência de relações sociais a serem disciplinadas por esse assunto.

O capitulo X, do Código de Processo Civil, que disciplina as ações de família, é composto pelos artigos 693 a 699. O legislador definiu, no artigo 693, o objeto de  mencionado capítulo e o os artigos 968 e 699 passam a dispor sobre a intervenção do Ministério Público e o depoimento do incapaz em processos que versem sobre abuso ou alienação parental, respectivamente. Com isso, como o presente trabalho versa sobre os métodos autocompositivos, serão analisados apenas os artigos 694 à 697 que tratam do assunto discutido.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, as ações de família ganharam um novo tratamento, sendo prioridade a solução dos litígios de forma consensual, como define o artigo 694, do NCPC. Para tanto, o referido artigo estabelece que às ações de família sejam aplicados alguns dos métodos alternativos de resolução de conflitos, no caso, a conciliação e mediação.

O parágrafo único do artigo 694 do NCPC reconhece que a aplicação dos meios consensuais pode ser feito pela via judicial, com sessões marcadas e feitas dentro do próprio juízo e também através da via extrajudicial, com a utilização de câmaras privadas e ou atendimento multidisciplinar. Devem as partes, caso prefiram o caminho extrajudicial, comunicar ao juízo tal escolha e pedir o suspensão do processo até que as negociações de esgotem. Esse direito das partes também está assegurado pelo artigo 16, caput, da lei de mediação (lei n° 13.140/15).

O seguinte artigo, o 695, impõe ao Juiz a obrigação de ordenar a citação do réu para que esse compareça a audiência de mediação ou conciliação. A citação deve ser feita de forma específica, na pessoa do réu.

Além disso, outra diferenciação presente nas diligências feitas para as sessões autocompositivas encontra-se no conteúdo do mandado, que será composto apenas das informações da audiência, como data e local para o comparecimento, não podendo ser acompanhado da petição inicial. A fim de que o conflito seja amenizado e que o réu compareça a sessão aberto ao diálogo, sem sentimentos de rivalidade e polarização que  podem ser criados pelas acusações presentes da petição inicial.

O referido artigo 695 e seus parágrafos tem sido alvo de muita discussão, devido a sua utilização como respaldo para a aplicação da imposição das audiências de mediação e conciliação. Mesmo que o legislador ao redigi-lo possuísse como objetivo atingir um maior número de soluções pacíficas, elaboradas através do diálogo das partes envolvidas e poderia ter acirrado o conflito, criando maiores sentimentos de rivalidade por obrigar os sujeitos processuais a participar de um método que tem sua efetividade baseada na voluntariedade das partes.

As sessões de mediação e conciliação são oportunidades de se desenvolver o diálogo, para que através dele os envolvidos possam entender um o posicionamento do outro, chegando assim a um acordo que beneficie a ambos. Porém, especialmente nas ações de família, onde os embates estão sempre enredados por emoções e laços pessoais, as conversas, para que sejam produtivas podem levar mais do que o tempo previsto da sessão. Assim, o artigo 696 do NCPC estabelece que, quando necessário, haverá a marcação de outros encontros para que se tenha a continuidade das sessões, com o intuito de viabilizar a solução pacífica.

Portanto, o artigo 696 do NCPC enfatiza a preocupação do legislador com solução consensual, colocando à disposição das partes quantas sessões forem necessárias para que isso ocorra. Além disso, é evidente a maior autonomia dada as partes por esse artigo, ele viabiliza que os partícipes acordem em participarem ou não de uma nova sessão, colocando o poder decisório aos integrantes da lide.

Por fim o artigo 697 prevê a possibilidade de quando as partes não cheguem a um acordo, sendo aplicadas ao caso, a partir da data da audiência não conclusiva, as normas do procedimento comum, seguindo o processo seus tramites normais. Inicia-se a contagem de prazo para a apresentação da contestação, por exemplo.

Com a análise dos artigos 694 a 697 do NCPC, pode-se notar que o legislador, não deixou brecha para exposição da voluntariedade das partes. Diferentemente das outras formas de ações, sobre as quais está prevista a não participação das partes nos meios consensuais, sendo disposto a elas a manifestação da negatória, de acordo com o artigo 334, §4°, sendo  está feita através de expressa vontade na petição inicial, no caso do autor, e no caso da parte ré, da propositura de petição que expresse seu desinteresse na autocomposição, com o prazo máximo de até 10 antes da data da audiência, como estabelecido no artigo 334, §5°, NCPC.

As ações de família envolvem muitas vezes ressentimentos, tornam-se terreno fértil para o surgimento de embates, que são considerados inevitáveis nas relações humanas. Porém, as emoções mal resolvidas que são a causa desse tipo de conflito também se apresentam como sendo o motivo pelo qual os envolvidos não chegam a soluções salutares, e buscam o Poder Judiciário.

Todavia, segundo Fernanda Molinari e Marilene Marodin (2014, p. 159), as soluções propostas pelo Poder Judiciário nem sempre resolvem os litígios, pois, além de levarem um tempo demasiado para serem proclamadas, são baseadas num pressuposto polarizado de ganha-perde. Características que levam as decisões a não serem cumpridas e fomentando mais conflito num movimento recursivo.

Assim, na atualidade, a forma mais indicada para administrar os entraves na seara familiar são as formas consensuais de resolução de conflitos, em especial, a mediação, que é utilizada, como já discutido, em situações em que as partes já possuíam um vínculo anterior ao surgimento da problemática. A mediação possibilita que os atores sociais atuem como protagonistas e assim possam resolver seus próprios conflitos, através do consenso.

Portanto, a autocomposição, ao possibilitar que os próprios participantes enfrentem e solucionem seus dissensos, confere uma maior autoridade aos envolvidos, tornando o princípio constitucional da autonomia da vontade mais efetivo e propondo o exercício pleno da cidadania.

Devido às particularidades dos dissensos que envolvem questões de família, marcados pelos sentimentos e pelo vínculo entre as partes ser anterior à problemática, o método consensual mais indicado para auxiliar nesse tipo de imbróglio é, como já demonstrado, a mediação. Existem na atualidade 3 mecanismos para inserir a mediação em um contexto judicial de lides.

Primeiramente, como quesito de admissibilidade de uma ação judicial, a exemplo do que acontece em países como a Argentina, onde ter se submetido a essa forma de resolução de conflitos por via extrajudicial é uma pré-requisito necessário para a propositura da demanda por via judicial. Também é possível optar pelo uso da mediação durante o processo judicial, de forma voluntário. Meio pelo qual os partícipes demonstram o interesse na utilização desse método para solucionar o entrave.

Por último, se observa a forma impositiva de utilização desse meio consensual. Sendo esta a forma inserida no cenário brasileiro pelo Código de Processo Civil de 2015. E marcada pela obrigatoriedade da participação dos envolvidos em sessões de mediação antes da instrução processual.

Fernanda Molinari e Marilene Marodin no livro “O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios” dispõe que a medição é um processo voluntário, não impositivo: “é uma alternativa ao litígio e uma solução de benefício mútuo, construída pelos próprios participantes. A mediação como processo se firma na própria responsabilidade dos participantes de tomar decisões de suas vidas, constituindo-se num processo que confere autoridade a cada uma das partes.”. (MOLINARI; MARODIN, 2014, p.160.)

Assim, a mediação se apresenta como a forma mais adequada para a administração de conflitos por abranger possibilidades criativas e reconhecerem as diferenças, a diversidade e a igualdade. Propondo, com isso, uma cultura do diálogo, que modifica os contextos beligerantes, e propicia a conversa em busca da paz social.

Iasmine Caron Alves, na obra “O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios”, apresenta a mediação como técnica mais apropriada a ser utilizada nos certames familiares, por ser uma cooperação assistida, baseada em um método que proporcionam o afastamento dos partícipes do problema, com a finalidade de que com isso possam buscar o equilíbrio e uma solução duradoura à controvérsia (2014, p. 167).

Já Letícia dos Santos Nunes (2014, p. 240), na obra “O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios”, coloca a mediação como meio adequado a ser utilizado em ações de família, por dar o direito às partes de dialogar de forma livre e informal, além de reduzir a reincidência dos litígios, pois tende a ser mais rápido e eficaz.

Do mesmo modo, Newton Teixeira Carvalho (2012, p. 238), na obra “Mediação, Conciliação e Reconciliação para o divórcio”, destaca a ferramenta da mediação como sendo fundamental e indispensável nas varas de família, por sepultarem em definitivo os desencontros e fomentarem a restauração do equilíbrio.

Além disso, em outra passagem do referido livro “O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios”, Fernanda Molinari e Marilene Marodin (2014, p.160) defendem que as partes precisam ter liberdade para poderem escolher utilizar ou não um dos métodos consensuais de resolução de conflitos. Pensamento que vai de encontro com a obrigatoriedade imposta pelo Novo Código de Processo Civil.

Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Michele Pedrosa Paumgartten (2014, p. 8). na obra “Mediação Obrigatória: um oximoro jurídico e mero placebo para a crise de acesso à justiça.”, escrevem: “a campanha desenvolvida por algumas autoridades voltada para empurrar literalmente as partes para uma mediação reflete uma visão distorcida do princípio do acesso à justiça e totalmente equivocada do instituto, que sem dúvidas, repita-se, é essencialmente voluntário”.

Portanto, resta assim, mais uma vez demonstrada a deturpação entre princípio do acesso à Justiça resguardado pelo artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal da República Brasileira de 1988 e mera postulação judiciária, da qual não resta solução eficaz e eficiente para as partes. Cenário que dente a se repetir quando as partes são obrigadas a utilizarem os métodos voluntários e impostas a aplicação de métodos autocompositivos.

De fronte a essa tendência dos Tribunais, que vem sendo respaldada pelo  Novo Código de Processo Civil de 2015, encontram-se o §2° do artigo 2o da Lei de Mediação que determina: “Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”, bem como o artigo 166 do CPC ao reconhecer o princípio da  autonomia da vontade como sendo parte  da composição da conciliação e da mediação , e a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e seu anexo III, que também elenca a aplicação da autonomia da vontade como sendo de primordial aos métodos consensuais de resolução de dissensos.

Por outro lado, estão presentes no ordenamento brasileiro normas como o artigo 694 do CPC que determina que todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual de conflitos envolvendo as ações de família e também o artigo 695 do CPC, que coloca como função do magistrado, logo após o recebimento da petição, a designação de audiência de mediação ou conciliação.

Portanto, há atualmente dispositivos que legitimam a obrigatoriedade dos meiosconsensuais, assim como normas que não reconhecem a imposição destes. Devido a essa dicotomia, nasceram dois posicionamentos quanto a essa temática: os que reconhecem a obrigatoriedade das sessões de autocomposição e os que defendem a não obrigatoriedade das sessões de autocomposição .

Fernando Gama de Miranda Netto e Irineu Carvalho de Oliveira Soares ( 2017, p. 115- 117), ao descreverem os princípios fundamentais que compõem a mediação, no artigo “Princípios Procedimentais da Mediação no Novo Código de Processo Civil”, esclarecem que o princípio da autonomia da vontade faz parte da essência do método autocompositivo, sendo considerada ilegal qualquer tentativa de impor a mediação como meio obrigatório.

Fernando Gama de Miranda Netto e Irineu Carvalho de Oliveira Soares (2017, p. 111  e 112), diferentemente dos demais autores apresentados até o presente momento nesse trabalho, possuem uma interpretação diferenciada do tema discutido no Novo Código de Processo Civil. Segundo eles, o princípio da autonomia da vontade estaria resguardado pelo artigo 166 do referido diploma, sendo a obrigatoriedade procedimento adotado pelos Tribunais, porém não disciplinado pelo NCPC.

Os referidos autores acreditam que: “a autonomia da vontade traz implicitamente a voluntariedade, pois não existe autonomia nas escolhas se a pessoa é obrigada a participar do procedimento.” Ademais, a mediação não deve ser utilizada simplesmente para resolver o problema estatístico do Poder Judiciário no que concerne ao extraordinário número de processos.

Assim, eles ressaltam que o novo Código de Processo Civil está tendo uma interpretação deturpada, sendo utilizado de forma errônea pelos Tribunais, pois tal dispositivo teria dado ao Poder Judiciário a responsabilidade pela organização das sessões de mediação, além da criação e do desenvolvimento de projetos e programas que estimulem à educação jurídica e com isso o reconhecimento dos métodos consensuais, todavia não autoriza a implementação obrigatória dos meios autocompositivos.

Já Fernanda Tartuce (2015 apud LEVY, 2016) analisa a questão da obrigatoriedade a partir de outro enfoque: “A voluntariedade é nota essencial da mediação, dado que esta só pode ser realizada se houver aceitação expressa dos participantes; eles devem escolher o caminho, aderindo com disposição à mediação do início ao fim do procedimento” (LEVY, 2016, p. 91).

Contudo, na atual sociedade marcada pelo paternalismo engessado e pelo direito normativado, a imposição prevista em lei foi a única saída para que a autocomposição fosse, ao menos, conhecida pelas partes, em especial, nas ações de família. Portanto, mesmo que não de maneira ideal, foi dessa maneira que o Poder Legislativo implementou os métodos consensuais e devido aos benefícios trazidos por eles, pode-se considerar que a posição de Fernanda Tartuce compatibiliza a obrigatoriedade das sessões de mediação com o princípio da autonomia.

CONCLUSÃO

 A morosidade judicial, juntamente com o fenômeno de judicialização dos conflitos, são reflexos da distorção do princípio constitucional do acesso à Justiça, que vem sendo entendido como tão somente a propositura da ação. Porém como foi amplamente discutido no presente estudo, iniciar com uma demanda no Poder Judiciário é apenas o primeiro paço para a real efetivação desse princípio constitucional.

O acesso a Justiça só pode ser dar de forma, ampla e eficiente, quando as partes conflitantes forem inseridas diretamente no processo, sendo necessário para isso, que os partícipes tenham autonomia para discutirem e através do diálogo encontrarem uma solução eficaz para o ligame, que beneficie ambos os envolvidos.

Diversos doutrinadores e estudiosos defendem a utilização dos métodos consensuais de resolução de conflitos como meio mais adequado para proporcionar a autonomia das partes elencada acima, devolvendo o processo a quem lhe é de direito, as partes conflitantes.

O advento do Código de Processo Civil, instituído pela lei n° 13.105/15, implementou a obrigatoriedade da utilização dos métodos autocompositivos, colocando-os em voga principalmente das ações de família. Com o objetivo de desconstruir a cultura do litígio e dar ensejo a cultura da paz, mudando assim a forma de se enxergarem os conflitos.

Em todo o presente trabalho, foram elencadas diversas opiniões e interpretações sobre a imposição dos meios alternativos de resolução das lides, para que se chegasse a conclusão  se a obrigatoriedade realmente seria a forma correta de se inserir os métodos autocompositivos na sociedade.

Através da análise dos métodos consensuais, verificou-se que a autonomia das partes e a não obrigatoriedade são princípios essências a estas formas de resolução de demandas. Sendo assim, a conclusão em um primeiro momento, foi a de que a forma ideal de implementa-los seria através de políticas educacionais, que levassem a população o conhecimento sobre cada um desses meios.

Assim, por entender os benefícios de sua utilização e compreenderem o papel de cada um nas resoluções dos conflitos, os próprios conflitantes optariam pela utilização dos métodos autocompositivos, sem que fosse necessária a imposição desses.

Todavia, diante de um estudo mais realista e menos utópico, percebeu-se que mesmo não sendo a forma ideal de implementação, foi com a obrigatoriedade trazida com Código de Processo Civil, que os métodos consensuais foram difundidos no cenário atual, e através dela estão trazendo amplos benefícios para os envolvidos.

Desse modo, a maior autonomia dada aos partícipes, a solução mais célere e eficaz, por ser tomada em comum acordo dos envolvidos e não por um terceiro, que não possui amplo conhecimento do entrave em tela, em específico, demostra que a imposição tem trazido avanços e por isso pode ser considerada necessária, para que se quebrem as amarras do paternalismo tão evidente na sociedade atual.

REFERÊNCIAS

 ALMEIDA, D. A. R. de; PANTOJA, F. M.; PELAJO, S. (Coord.). A mediação no novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 ALVES, Iasmine Caron. A mediação judicial e o papel de cada um nos conflitos familiares decorrentes da alienação parental. In DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2010.

AZEVEDO, André Gomma (org.) Manual de Mediação judicial. Brasília:CNJ, 2016. Disponível      em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54. pdf.>. Acesso em: 5 nov.2017.

AZEVEDO, André Gomma (org.) Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. V..3. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004.

BARBOSA, Oriana Piske de Azevêdo; SILVA, Cristiano Alves da Silva. Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Âmbito do Novo Código de Processo Civil brasileiro                               (Lei           nº                                 13.105/15).     Disponível   em:

<http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/arquivos/copy5_of_artigo.pdf.>.Acess o em: 5 nov. 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei n. 13.105/2015. Código de Processo Civil. 2017. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015018/2015/Lei/L13105.htm#art1046>. Acesso em: 02 jun. 2018.

 BRASIL. Lei n. 13.140/2015. Lei da Mediação. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 02 jun. 2018

 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, mediação, conciliação. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça: Trad. Ellen Grancie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CARVALHO, Newton Teixeira. Mediação, conciliação e reconciliação para o divórcio – Família- Entre o Público e o Privado. In Família: Entre o Público e o Privado. PEREIRA, Rodrigo Cunha. Org. Porto Alegre: Magister, 2012.

CECCON, Claudia [et al]. Conflitos na escola: modos de transformar: dicas para refletir e exemplos de como lidar. São Paulo: CECIP : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

 CHRISTIE, Nils. Conflicts as property. The British Journal of Criminology. V. 17, 1977, p. 1-15.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Cunha, L. & Gabbay, D. Morosidade e demandas repetitivas. In: Cunha, A. S. & Silva, P. E. A. (orgs.) Pesquisa empírica em Direito. Rio de Janeiro: Ipea, 2013.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça restaurativa: horizontes a partir da Resolução CNJ 225. Coordenação: Fabrício Bittencourt da Cruz – Brasília: CNJ, 2016.

DEUTSCH, Morton. The resolution  of  conflict:  constructive  and  destructive  processes. New Haven and London: Yale University Press, 1973. Traduzido por Arthur Coimbra de Oliveira e revisado por Francisco Schertel Mendes, ambos membros do Grupo de Pesquisa e Trabalho em Mediação, Negociação e Arbitragem.

GODINHO, Robson Renault. A autonomia das partes e os poderes do juiz entre o privatismo e publicismo do processo civil brasileiro. Civil Procedure Review. Vol. 4. N. 1. Jan-apr., 2013.

 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro,V. 6, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

KONZEN, Lilian Thais; LOPES, Francisco Ribeiro. A transdisciplinaridade na mediação como forma de solução dos conflitos familiares. IN: SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo (Orgs.). Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015.

LUCAS, Doglas Cesar. A crise funcional do Estado e o cenário da Jurisdição desafiada. In: SPENGLER, Fabiana Marion; LUCAS, Doglas Cesar (Org). Conflito, jurisdição e direitos humanos: (des) apontamentos sobre um novo cenário social. Ijuí: Unijuí, 2008.

MIRANDA NETTO, Fernando Gama de; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. Princípios procedimentais da mediação no novo Código de Processo Civil. In.  ALMEIDA, D. A. R.   de; PANTOJA, F. M.; PELAJO, S. (Coord.). A mediação no novo código de processo   civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 109-119

MOLINARI, Fernanda; MARODIN, Marilene. A Mediação em Contextos de Alienação Parental: O papel do Mediador e dos Mediandos. In DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada  um  nos  conflitos  familiares  e  sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2010.

NETO, Fernando Gama de Miranda; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. Princípios procedimentais da mediação no novo código de processo civil, In. ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A mediação no novo código de processo civil. coordenação Diogo Assumpção Rezende de Almeida, Fernanda Medina Pantoja, Samanta Pelajjo. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família: Entre o Público e o Privado. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Mediação obrigatória: um oxímoro jurídico e mero placebo para a crise de acesso à justiça. Rio de Janeiro:            Forense,    2014.                                    Disponível                    em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=82b8a3434904411a.>. Acesso em: 20 nov.2018.

SANTOS, Ricardo Goretti; BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo . Mediação e Direitos Humanos. Rio de Janeito: Global Mediation, 2015.

 SPENGLER, Fabiana Marion; GIMENEZ, Charlise P. Colet. O mediador na resolução 125/10 do CNJ: Um estudo a partir do Tribunal de Múltiplas Portas. São Paulo: LIVRONOVO, 2014.

 SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. O novo código de processo civil brasileiro (projeto de lei nº 8046/2010), a Mediação e a conciliação: meios complementares de tratar conflitos para uma outra jurisdição? In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; SANTANNA, Ana Carolina Squadri; SOBREIRA, Eneisa Miranda Bittencourt; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa (organizadores). Mediação judicial e garantias constitucionais. Niterói : PPGSD – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito, 2013.

 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem, mediação e conciliação. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

TARTUCE, Fernanda. Diversidade de sessões de mediação familiar no Novo CPC. Disponível em: <http://portalprocessual.com/diversidade-de-sessoes-de-mediacao- familiarno-novo-cpc/> Acesso em: 28. dez. 2018.

THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2010.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.

WRASSE, Helena Pacheco; DORNELLES, Guilherme. O FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS. In: SPENGLER,

Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem. Santa Cruz do Sul: Essere Nel Mondo, 2015.

Notas:

1 Pós-graduanda em Direito Civil pela Puc Minas. Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense, advogada OAB/RJ e conciliadora no TJRJ reconhecida pelo CNJ.

Palavras Chaves

Conflito; Obrigatoriedade; Métodos Consensuais; Ações de família