PL 6787/16: Sobre Um Parecer De Leigos Para Ignorantes; Ou De Ignorantes Para Leigos

Resumo

Poucas vezes na vida li e terei o desprazer de vir a ler no futuro texto tão desprovido de conhecimento e tão descomprometido com a realidade como o do Parecer do PL 6787/16, elaborado pela Comissão Especial da Reforma Trabalhista. A leitura do documento confere a certeza de que foi elaborado por leigos, dirigindo-se a leitores tomados por ignorantes; ou que foi redigido por ignorantes, visualizando os destinatários como leigos.

Artigo

PL 6787/16: Sobre Um Parecer De Leigos Para Ignorantes; Ou De Ignorantes Para Leigos

Jorge Luiz Souto Maior

RESUMO

Poucas vezes na vida li e terei o desprazer de vir a ler no futuro texto tão desprovido de conhecimento e tão descomprometido com a realidade como o do Parecer do PL 6787/16, elaborado pela Comissão Especial da Reforma Trabalhista. A leitura do documento confere a certeza de que foi elaborado por leigos, dirigindo-se a leitores tomados por ignorantes; ou que foi redigido por ignorantes, visualizando os destinatários como leigos.

Palavras-chave: PL 6787/2016. Comissão especial da Reforma Trabalhista. leigos. ignorantes.

 

INTRODUÇÃO

O Parecer começa com a tese cansativa de que o “Brasil de 1943 não é o Brasil de 2017”, para efeito de justificar alterações na legislação, como se bastasse apontar a idade da legislação para acusá-la de ineficaz. Ora, se assim fosse também os preceitos ligados aos direitos civis e políticos estariam ultrapassados, vez que consagrados em 1789, o mesmo ocorrendo com os Direitos Humanos de segunda geração, fixados na Declaração de 1948.

Mera balela retórica, portanto.

Depois diz que “há 74 anos éramos um país rural, com mais de 60% da população no campo”, esquecendo-se que a legislação então criada não se voltou para o trabalho no campo, o que só veio a ocorrer no Brasil, de forma ainda parcial, em 1963, com o Estatuto do Trabalhador Rural, com maior extensão, em 1974, com a Lei n. 5589 e, com amplitude total apenas em 1988, sendo que a fiscalização do Ministério do Trabalho no campo se inicia em 1995.

Outro dado plenamente deslocado da realidade histórica.

Na sequência, sugere que a legislação trabalhista foi outorgada pela “ditadura do Estado Novo”, desconhecendo que o próprio nome da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, que quer dizer que o documento representou a unificação da legislação trabalhista já preexistente, sendo que muitas normas já existiam antes de 1930, sobretudo em normas coletivas e também já tinham previsão na Constituição de 1934.
Nova balela.

Depois diz:

“Uma legislação que regulamentava as necessidades do seu tempo, de forma a garantir os patamares mínimos de dignidade e respeito ao trabalhador”.

E, por acaso, a garantia dos patamares mínimos de dignidade e respeito ao trabalhador não tem lugar no “mundo moderno”? Não é isso o que diz, expressamente, a Constituição Federal de 1988, art. 1º, inciso III, que nada tem a ver com a “ditadura varguista”.

Aí vem a pérola, que já consta nas falas de críticos da CLT desde a década de 50:

“Hoje, estamos no século XXI, na época das tecnologias da informação, na época em que nossos telefones celulares carregam mais capacidade de processamento do que toda a NASA quando enviou o homem à lua”.

Ou seja, a evolução tecnológica, por si, explica tudo; explica, inclusive, que os direitos dos trabalhadores devem deixar de existir. Só se esquece que o capitalismo industrial só foi possível graças a duas revoluções tecnológicas e que os Direitos Sociais surgem como forma de proteger a condição humana diante do avanço tecnológico. Então, o que resulta do argumento de que a tecnologia avançou é um reforço da importância da proteção jurídica trabalhista e não o inverso.

Diz mais o Parecer:

“As dinâmicas sociais foram alteradas, as formas de se relacionar, de produzir, de trabalhar mudaram diametralmente. Novas profissões surgiram e outras desapareceram, e as leis trabalhistas permanecem as mesmas.”

Mas de que leis o Parecer está falando, afinal? Como assim “permaneceram as mesmas”?

A CLT de 1943 já foi quase que totalmente alterada ao longo dos últimos 74 anos. De 923 artigos iniciais só restam sem alteração 188 artigos. Além disso, inúmeras leis foram criadas em paralelo à CLT e são estas as que, efetivamente, regem as relações de trabalho no Brasil presentemente, sob o manto, inclusive, da Constituição Federal, promulgada em 1988.

Na sequência, como não poderia deixar de ser, diz o Parecer:

“Inspiradas no fascismo de Mussolini, as regras da CLT foram pensadas para um Estado hipertrofiado, intromissivo, que tinha como diretriz a tutela exacerbada das pessoas e a invasão dos seus íntimos.”

Legislação “inspirada no fascismo”? Ora, para começo de conversa o Brasil, em 1943, estava na guerra ao lado dos países democráticos, lutando contra a Itália de Mussolini. A legislação trabalhista no Brasil começa a ser discutida, no seu aspecto estruturante, em 1919, com a criação, na Câmara dos Deputados, da Comissão de Legislação Social, sendo que um projeto de Código do Trabalho já havia tramitado no Congresso Nacional em 1908. A legislação adotada teve por lastro todo o debate desenvolvido na referida Comissão, que pode ser verificado pelo deputado, se assim quiser se informar, nos respectivos Anais, sendo que a inspiração vinda dos termos do Tratado de Versalhes (1919), da encíclica Rerum Novarum(1891), da experiência legislativa e doutrinária de diversos países europeus e mesmo da Constituição mexicana de 1917. Nada a ver com fascismo, portanto, a não ser na parte de atrelar o sindicato ao Estado, mas isso para agradar o setor industrial brasileiro, como forma de conter o já combatente sindicalismo nacional.

E muito menos fora uma atuação “intromissiva”, invadindo os “íntimos” das pessoas, seja lá o que se tenha pretendido dizer com isso.

A partir de argumentos sem sentido e desprovidos de materialidade histórica, ou seja, por meio de falas sem nexo e sem respaldo em fatos efetivamente ocorridos, o Parecer, sem mais nem menos, lembra que “O respeito às escolhas individuais, aos desejos e anseios particulares é garantido pela nossa Lei Maior.”

Mas não se digna de apontar em qual dispositivo da Lei Maior está dito isso, notadamente quando se trata da formação de negócios jurídicos entre desiguais. O Parecer adota uma Constituição secreta, que ninguém teve acesso?

E conclui:

“Não podemos mais negar liberdade às pessoas, não podemos mais insistir nas teses de que o Estado deve dizer o que é melhor para os brasileiros negando-os o seu direito de escolher.”

“Não podemos” quem, cara pálida? Quem escolheu os valores constitucionais foram os constituintes de 1987 e estes consagraram um projeto de capitalismo social, vinculando a livre iniciativa a um valor social, a propriedade a uma função social e a economia aos ditames da justiça social, além de atribuir aos Direitos Sociais o patamar de Direitos Fundamentais. O valor constitucional básico, portanto, é limitador das vontades individuais em prol de um projeto social e cumpre ao Estado fazer valer essa vontade. Não podem os “iluminados” do Parecer acharem que já chegou a hora de mudar isso e, pronto, a Constituição ser jogada fora.

E preconiza o Parecer, de forma bem incisiva:

“Precisamos de um Brasil com mais liberdade.”

Mas de qual liberdade está falando? A liberdade dos trabalhadores de, concorrendo entre si, venderem a sua força de trabalho sem qualquer limitação legal, para conseguirem se ocupar, pois é preferível um emprego precário a emprego nenhum? A liberdade dos proprietários dos meios de produção de imporem salários cada vez mais baixos e condições de trabalho cada vez piores para superarem a concorrência?

Bom, isso é o que havia no século XIX e foi o que gerou todo o desarranjo do capitalismo em nível mundial, provocando duas grandes guerras. Não sabem os pareceristas que a limitação à liberdade irrestrita foi uma necessidade imposta para a reconstrução da humanidade, assumida como tal no movimento conhecido por Constitucionalismo social e nos inúmeros tratados internacionais de Direitos Humanos?

Não foi uma criação da CLT.

E o que querem: mais uma guerra mundial?

  1. O Cinismo

Mas o Parecer não para por aí.

Saindo da fase do desconhecimento, entra no seu momento cínico:

“Temos uma lei trabalhista que ainda diz que a mulher não merece as proteções legais se for empregada de seu pai ou marido, que ainda divide o país em 22 regiões, incluindo o Território do Acre. Pasmem, nossa lei ainda diz que a mulher casada não precisa pedir permissão do marido para litigar na Justiça trabalhista. Apesar desses exemplos, existem pessoas que insistem em dizer que a legislação não precisa de atualizações.”

Primeiro, ninguém nunca disse que as leis não precisam de atualizações. As atualizações na legislação trabalhista, ademais, vêm ocorrendo ao longo da história, como já dito, e quase sempre em detrimento dos interesses da classe trabalhadora.

Segundo, os exemplos trazidos no Parecer dizem respeito a normas que há muito não são aplicadas nas relações de trabalho no Brasil, superadas que foram pela Constituição de 1988.

Em seguida, ainda no seu momento cínico, partindo do argumento da necessidade de “atualização”, explicada por exemplos irreais, o Parecer se vê autorizado a concluir coisa diversa, qual seja, que é preciso “modernizar” a legislação:

“Estou convicto de que precisamos modernizar a legislação trabalhista brasileira. Precisamos abandonar as amarras do passado e trazer o Brasil para o tempo em que estamos e que vivemos, sem esquecer do país que queremos construir e deixar para nossos filhos e netos.”

Mas “modernizar, como se sabe, é bem diferente de atualizar. “Modernizar” é retirar direitos dos trabalhadores, pois esta é a senha que tem sido utilizada com este objetivo desde meados da década de 60 no Brasil.

Com efeito, foi com base na necessidade de “modernizar” as relações de trabalho que advieram sucessivos mecanismos de flexibilização: parcelamento do pagamento do 13º salário (Lei n. 4.749, de 13 de agosto de 1965); regulamento Lei n. 4.749, que estabeleceu a fórmula válida até hoje do parcelamento do 13º: 1ª metade entre fevereiro e novembro e a 2ª metade até o dia 20 de dezembro (Decreto n. 57.155, de 3 de novembro 1965); permissivo da redução de salários por decisão judicial (Lei n. 4.923/65); representação comercial: primeira fissura no conceito de subordinação (Lei n. 4.886/65); fim da estabilidade no emprego (Lei n. 5.107/66 — FGTS); introdução da noção de ato inseguro da vítima nos acidentes do trabalho (Decreto-Lei n. 229/67); contrato de safra (Lei n. 5.889/1973); abertura da porta para a intermediação de mão de obra – terceirização (Lei n. 6.019/74); contrato de estágio – sem vínculo empregatício (Lei n. 6.494/77; vendedor ambulante – sem vínculo empregatício (Lei n. 6.586/78); contrato do vigilante (Lei n. 7.102/1983); limitação ao exercício do direito de greve constitucionalmente assegurado (Lei n. 7.783/89); terceirização no setor público (Lei n. 8.031/90); terceirização na atividade-meio (1993 – Súmula 331 do TST); cooperativas de trabalho – sem vínculo empregatício (Lei n. 8.949/94); denúncia da ratificação da Convenção 158 da OIT, em 23 de dezembro de 1996, pelo Poder Executivo (Decreto n. 2.100); reforço da terceirização no setor público (Lei n. 9.491/97); trabalho em campanha eleitoral – sem vínculo empregatício (Lei n. 9.504/97); contrato provisório, com redução do FGTS para 2% (Lei n. 9.601/1998); banco de horas (Lei n. 9.601/1998); trabalho voluntário – sem vínculo empregatício (Lei n. 9.608/98); trabalho a tempo parcial (Medida Provisória n. 1.952-18, de 9 de dezembro de 1999); negação da natureza salarial do montante pago e instituição da mediação e arbitragem de ofertas finais, para a solução dos conflitos coletivos de trabalho (Lei n. 10.101/00); alteração do art. 458 da CLT, para afastar a natureza salarial de diversas parcelas recebidas pelo empregado (Lei n. 10.243/01); lei do “primeiro emprego” – com incentivos fiscais para empresas que aumentassem o número de empregados jovens (Lei n. 10.748/03); desconto em salário em virtude de empréstimo bancário (Lei n. 10.820/03); recuperação judicial, que retirou do crédito trabalhista (superior a 250 salários mínimos) o caráter privilegiado com relação a outros créditos e tentou eliminar a figura da sucessão trabalhista (Lei n. 11.101/05); permissão às microempresas e empresas de pequeno porte para, por meio de negociação coletiva, estipular o tempo médio gasto pelo empregado, quando o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público e o empregador fornecer a condução (Lei Complementar n. 123/06, acrescento o § 3º ao artigo 58 da CLT); contrato de estágio – mantida a ausência de vínculo empregatício (Lei n 11.788/08); trabalho avulso – sem vínculo empregatício (Lei n.12.023/09); nova regulamentação das cooperativas de trabalho, mantendo a ausência de vínculo empregatício (Lei n. 12.690/12); instituição da Política Nacional de Participação Social (PNPS), ao qual se acoplou projeto de lei que visa a criação de um Sistema Único do Trabalho (SUT), que, de forma sutil, retomou a ideia embutida na Emenda 3, de negar o caráter de indisponibilidade da legislação trabalhista (Decreto n. 8.243/14); ampliação das exigências para aquisição dos benefícios da pensão por morte e seguro-desemprego (MPs 664 e 665/14, revertidas nas Leis ns. 13.134/15 e 13.135/15); retrocessos na lei dos motoristas (Lei n. 12.619/12), impostos pela Lei n. 13.103/15; resistência à equiparação dos direitos dos trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores prevista na EC 72/13 (Lei Complementar n. 150/15); Política de Proteção ao Emprego, por meio da redução temporária, em até trinta por cento, da jornada de trabalho dos empregados, com a redução proporcional do salário (art. 3º) (MP 680/15, convertida na Lei n. 13.189/15; ampliação das possibilidades de autorização do empregado (e também segurados do INSS e servidores públicos federais) para desconto direto em seu salário (em até 30%), com  menção expressa, desta feita, às dívidas de cartão de crédito (no limite de 5%), além de passar a permitir que o desconto também se dê nas verbas rescisórias, o que, antes, estava vedado (MP 681/15, convertida na Lei n. 13.172/15)…

E o Parecer não se cansa de agredir a inteligência do interlocutor, mas isso não parece ser um problema, pois se trata de um Parecer que não quer esclarecer, pretendendo, isto sim, fazer com que a vontade de um setor específico da sociedade seja acatada como se fosse do interesse de todos.

Então, o Parecer repete o que já havia dito:

“Sustentamos o entendimento de que a CLT tem importância destacada na sua função de estabilizar as relações de trabalho, mas que, evidentemente, sofreu desgastes com o passar dos anos, mostrando-se desatualizada em vários aspectos, o que não é de se estranhar.”

A CLT “sofreu desgastes”; haja paciência para ler isso!

Que CLT? De que dispositivos legais o Parecer está falando afinal?

Ah sim, daqueles do trabalho da mulher, que já não se aplicam há décadas no Brasil…

E continua:

“É com essa visão particular que vislumbramos a presente modernização: a necessidade de trazer as leis trabalhistas para o mundo real, sem esquecer dos seus direitos básicos e das suas conquistas históricas que, por sua importância, estão inseridos no artigo 7º da Constituição da República.”

A “modernização” é concretizada, pois, pelo argumento da necessidade de se criarem leis voltadas para o “mundo real”.

No entanto, para o Parecer, “mundo real” é o mundo virtual:

“Precisamos evoluir, precisamos nos igualar ao mundo em que os empregados podem executar as suas atividades sem que estejam, necessariamente, no estabelecimento; em que a informatização faz com que um empregado na China interaja com a sua empresa no Brasil em tempo real”.

Assim, o fato de um empregado na China poder interagir com sua empresa no Brasil justifica, por exemplo, a terceirização da atividade-fim e o negociado sobre o legislado, que são, como se sabe, os pontos principais da “reforma”. Vai entender que lógica é essa?!

De todo modo, o Direito do Trabalho já trata, desde sua origem, do trabalho em domicílio e a dificuldade jurídica que se tinha era a de como se deveria agir para garantir a eficácia dos direitos desses trabalhadores, sendo que a dificuldade que se tinha provinha exatamente da limitação tecnológica. Com o avanço tecnológico, o efeito que se tem, portanto, é o de que agora se têm totais condições para que aplicar ao trabalhador à distância os mesmos direitos que o trabalhador no estabelecimento do empregador, sendo necessário, aliás, ampliar suas garantias para que o tempo do trabalho não invada, para além do juridicamente permitido, a sua vida familiar e social.

Aí o Parecer, novamente sem prévio aviso, considera que os argumentos já expostos, que são totalmente desprovidos de sentido, como já visto, lhe autorizam a dizer que o mundo “moderno” é:

“…um mundo em que se pode, e se deve, conferir maior poder de atuação às representações sindicais de trabalhadores e de empregadores para decidirem, de comum acordo, qual a melhor solução para as partes em momentos determinados e específicos”.

O interessante é que o Parecer fala abertamente, como visto acima, em liberdade:

“Precisamos de um Brasil com mais liberdade.”

Entretanto, esse pressuposto é adotado apenas para que os trabalhadores possam, por meio de negociações com o empregador, reduzir os direitos historicamente conquistados e que foram integrados às leis.

É preciso deixar claro que as leis trabalhistas não foram dádivas do Estado. Foram frutos de lutas sociais intensas e representam, portanto, conquistas dos trabalhadores, assim como significam uma evolução no estágio de humanidade do capitalismo.

Preconizar uma liberdade para que os trabalhadores aceitem regramentos inferiores à lei não é “modernizar” e sim retroceder ao momento do capitalismo desorganizado, que nos conduziu a duas guerras mundiais.

Cumpre perceber que a tal liberdade sequer é um valor verdadeiramente defendido, pois em nenhum dispositivo da “reforma” se confere de fato liberdade para os trabalhadores organizarem seus sindicatos e exercerem o direito de greve, partindo do pressuposto necessário da garantia de emprego contra dispensa imotivada, conforme previsto, aliás, nos artigos 7º, I, 8º e 9º da Constituição Federal.

Prosseguindo, o Parecer assume, de uma vez, que o leitor é mesmo um idiota:

“O compromisso que firmamos, ao aceitar esta tarefa, não foi com empresas, com grupos econômicos, com entidades laborais, sindicatos ou com qualquer outro setor. O nosso compromisso é com o Brasil. É com os mais de 13 milhões de desempregados, 10 milhões de desalentados e subempregados totalizando 23 milhões de brasileiros e brasileiras que foram jogados nessa situação por culpa de equívocos cometidos em governos anteriores.”

Então, afinal, para o Parecer, foram os direitos dos trabalhadores que geraram o desemprego e a miséria no país. Direitos trabalhistas que, de fato, jamais foram aplicados.

Para o Parecer os problemas sociais do Brasil não estão ligados a 388 anos de escravidão, ao capitalismo dependente, a péssima distribuição de renda, ao desmonte da educação pública iniciado na década de 60 e por aí vai…

  1. O Populismo

O Parecer inicia, então, o seu momento populista.

Jogando culpa na CLT, vem com a fala tipicamente populista (baseada em grandes mentiras, diga-se de passagem), de que se está agindo em nome do Brasil e, mais precisamente, do “povo brasileiro”, sugerindo, sem base documental alguma, que toda a desgraça do país é culpa de “equívocos” dos “governos anteriores”, sem se dignar de dizer quais “equívocos” teriam sido esses, mas dando a entender que estão ligados à confecção de direitos aos trabalhadores, esquecendo-se – porque não sabe, ou porque quer omitir – que todo o processo histórico brasileiro é marcado por enorme sofrimento imposto à classe trabalhadora, retroalimentado, inclusive, pelo desrespeito reiterado da legislação trabalhista e pelo advento das diversas iniciativas de flexibilização já adotadas, que só fizeram aumentar esse sofrimento, sem benefício algum para a economia do país, que continua, por isso mesmo, dependente, do ponto de vista financeiro, e submisso, do ponto de vista político. E as “reformas” só reforçam essa situação.

O Parecer, então, descamba para o instante panfletário. Mesmo dizendo-se expressamente contra essa postura, o Parecer traz o seguinte panfleto:

“O momento pelo qual passamos é simbólico. Desde 1901, ano em que primeiro se aferiu o Produto Interno Bruto do país, não passamos por uma situação tão difícil. Já são três anos consecutivos de crescimento negativo, de perdas econômicas, de perda de conquistas. São pessoas que, de uma hora para outra, perdem seus empregos, se veem afundadas em dívidas e tomadas pela desesperança, tudo isso por culpa e dolo daqueles que aparelharam o Estado brasileiro e locupletaram-se dos bens nacionais. O Brasil não pode mais esperar. Nós, parlamentares, legítimos representantes do povo, precisamos responder aos anseios e necessidades de todos aqueles que esperam soluções concretas aos problemas atuais. Não podemos nos esconder atrás de cortinas de fumaça, não podemos nos valer de discursos panfletários e fugir da realidade concreta que se apresenta à nossa frente. Temos o dever de, dentro dos limites que nos impõe a nossa Constituição, propor medidas legislativas que permitam às pessoas alcançar os seus desejos. Nos parece muito claro quais são esses desejos.”

E os pareceristas acreditam que os discursos populista e panfletário feitos os autorizam a falar em nome do “povo”; a dizer o que o povo quer:

“O povo anseia por liberdade, anseia por emprego, deseja poder empreender com segurança.”

Povo, que povo? Na reforma proposta só se deu ouvidos às reivindicações empresariais, as quais, evidentemente, não representam os anseios do povo.

  1. AIdeologia

Deixando os momentos do desconhecimento, do cinismo, do populismo e do panfletarismo, o Parecer entra na fase da ideologia propriamente dita, da inversão da realidade.

Afirma o Parecer:

“Vivemos em um país onde se discute os termos do contrato de trabalho na sua rescisão e não no momento da sua assinatura, uma ilógica inversão que desprotege os empregados e desincentiva as contratações.”

Como assim se discutem “os termos do contrato de trabalho na sua rescisão”? Do que estão falando, afinal? Não dá nem para comentar…

E o que é isso, que ninguém entende o que é, que “desprotege os empregados” e “desincentiva as contratações” (SIC)?

Partindo desse “pressuposto”, o Parecer sustenta que a regulação do trabalho de quem está trabalhando deve ser pensada a partir da realidade de quem não está trabalhando.

É uma boa lógica, admito! Tirar de quem tem mais, para dar a quem tem menos!

O problema é que o ponto de partida está errado.

Se a preocupação é essa, tirar de quem tem mais, para dar para quem tem menos, então é necessário, antes de qualquer iniciativa que atinja o patrimônio jurídico da classe trabalhadora, tirar de quem detém os meios de produção, sobretudo dos grandes conglomerados econômicos, passando pelos bancos, o capital especulativo e demais parasitas, para depois chegar às grandes fortunas, ao latifúndio, às terras improdutivas e às propriedades que não atendem a sua função social.

Neste sentido, até se pode dizer que o Parecer tem o mérito oculto de defender as ocupações das terras devolutas e improdutivas, assim como das propriedades que não cumprem a sua função social, pois evidenciou que a preocupação da Casa – da Câmara dos Deputados – é com os despossuídos, sendo que para atender os interesses destes é preciso retirar de que tem posses demais:

“A preocupação desta Casa, ao examinar a proposição, não pode se restringir ao universo dos empregados formais, é preciso pensar naqueles que estão relegados à informalidade, ao subemprego, muitas vezes por que a sua realidade de vida não se encaixa na forma rígida que é a atual CLT.”

É mera retórica, no entanto. Não é da efetivação de uma justiça social que estão falando. O que querem é uma “redistribuição” entre os despossuídos e explorados. O que almejam é que os trabalhadores formais, os que possuem emprego com direitos plenos, se sintam culpados pelo desemprego de outros trabalhadores, de modo a convencê-los a aceitar o resultado de que devem pagar pela posição social “privilegiada” que ocupam por meio da redução de seus direitos, enquanto o capital (sobretudo o internacional) não é admoestado e se aproveita dessa lógica distorcida para aumentar sua exploração sobre os trabalhadores, retroalimentando um modelo de sociedade em que 1% da população mundial retém riqueza igual à do restante 99%.

E para não deixar margem a interpretações, ou seja, para que o debate não descambe para uma discussão paralela a respeito de uma suposta leviandade da afirmação de que os pareceristas apontaram os direitos dos trabalhadores como culpados pelo desemprego, o Parecer nos faz um favor e deixa isso bem claro:

“A legislação trabalhista brasileira vigente hoje é um instrumento de exclusão, prefere deixar as pessoas à margem da modernidade e da proteção legal do que permitir contratações atendendo as vontades e as realidades das pessoas.”

E para enfrentar esse falso problema, criado no plano da artificialidade retórica, o Parecer se vê autorizado a buscar uma falsa solução, utilizando-se da mesma ladainha que alimentou as reformas neoliberais na década de 90:

“No que se refere ao mercado informal, devemos ressaltar que o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV) e o Instituto Brasileiro de Concorrência Empresarial (ETCO) divulgam, desde o ano de 2007, o índice de economia subterrânea, que avalia o mercado informal de trabalho. A pesquisa identificou um crescimento nos números desse mercado, atingindo, em 2016, o patamar de 16% do PIB brasileiro. Segundo o estudo, estima-se que em torno de 40% dos trabalhadores brasileiros estejam no mercado informal, ou seja, quatro em cada dez brasileiros não têm qualquer proteção de direitos trabalhistas.”

Então, tenhamos calma! Não há que se fazer alarde, pois nada vai piorar para os trabalhadores!

O Parecer garante que encontrou a fórmula para que os trabalhadores “informais” se tornem formais sem que os direitos dos trabalhadores “formais” sejam atingidos.

É o compromisso assumido pelo Parecer:

“Essa modernização trabalhista deve então assumir o compromisso não apenas de manter os direitos dos trabalhadores que possuam um emprego formal, mas também de proporcionar o ingresso daqueles que hoje não possuem direito algum.”

  1. AFantasia

O Parecer entra, então, no seu momento fantasia.

Diz que todos os trabalhadores efetivos serão mantidos em seus empregos, com plenos direitos, e todos os “13 milhões de desempregados” e os “10 milhões de desalentados e subempregados” passarão a ter empregos e tudo isso como decorrência da mudança na forma jurídica.

Só não se sabe por que, afinal, o capitalismo, em nenhum país, não descobriu essa mágica antes. Claro que para o Brasil sair beneficiado de sua grande invenção, já que a reforma é para melhor a competitividade das empresas também no cenário internacional, não se poderá passar a fórmula para mais ninguém…

E era uma coisa tão simples! Era tudo culpa da legislação!

Vejamos:

“Esse desequilíbrio deve ser combatido, pois, escudada no mantra da proteção do emprego, o que vemos, na maioria das vezes, é a legislação trabalhista como geradora de injustiças, estimulando o desemprego e a informalidade. Temos, assim, plena convicção de que essa reforma contribuirá para gerar mais empregos formais e para movimentar a economia, sem comprometer os direitos tão duramente alcançados pela classe trabalhadora. Não resta dúvida de que, hoje, a legislação tem um viés de proteção das pessoas que estão empregadas, mas a rigidez da CLT acaba por deixar à margem da cobertura legal uma parcela imensa de trabalhadores, em especial, os desempregados e o trabalhadores submetidos ao trabalho informal. Assim, convivemos com dois tipos de trabalhadores: os que têm tudo – emprego, salário, direitos trabalhistas e previdenciários – e os que nada têm – os informais e os desempregados.”

Mas contra a fantasia não há razão que dê jeito!

  1. O Entorpecimento

Na sequência, o Parecer chega ao ponto da alucinação psicotrópica. Tenta conduzir o leitor a um estágio de anestesia mental. “Take it easy”! Vai ficar tudo beleza:

“A reforma, portanto, tem que almejar igualmente a dignidade daquele que não tem acesso aos direitos trabalhistas. E essa constatação apenas reforça a nossa convicção de que é necessária uma modificação da legislação trabalhista para que haja a ampliação do mercado de trabalho, ou seja, as modificações que forem aprovadas deverão ter por objetivo não apenas garantir melhores condições de trabalho para quem ocupa um emprego hoje, mas criar oportunidades para os que estão fora do mercado.”

E para aqueles que acharam pouco, o Parecer adiciona mais uma dose:

“Muito se especulou de que este Projeto de Lei e esta Comissão teriam como objetivo principal retirar direitos dos trabalhadores. Eu afirmo com convicção de que este não é e nunca foi o nosso objetivo e, mesmo que fosse, não poderíamos, em hipótese alguma, contrariar o que está colocado no artigo 7º da Constituição Federal.

O Substitutivo apresentado não está focado na supressão de direitos, mas sim em proporcionar uma legislação mais moderna, que busque soluções inteligentes para novas modalidades de contratação, que aumente a segurança jurídica de todas as partes da relação de emprego, enfim, que adapte a CLT às modernizações verificadas no mundo nesses mais de 70 anos que separam o nascimento da CLT deste momento.”

A gente quase se tranquiliza, não é mesmo?

Mas é exatamente essa a intenção: a de conduzir as pessoas ao mundo das “drogas”, em todos os sentidos.

  1. AMalandragem e a Dissimulação

E antes de afundar ainda mais o interlocutor nesse mundo, o Parecer entra em uma fase, digamos assim, “malandra” – que não poderia faltar, é claro –, na qual, talvez como efeito de alguma contenda pessoal anterior mal resolvida, deturpa, propositalmente, as palavras de um ministro do TST, que são utilizadas para justificar uma gama de resultados jamais defendidos pelo ministro. O trecho, por isso, não se presta a qualquer avaliação.

Depois, tomando o leitor como já devidamente entorpecido, o Parecer se vale da dissimulação para sustentar que “são as lacunas e as confusões da lei” que tornam o Brasil “o campeão de ajuizamento de ações trabalhistas em todo o mundo”.

E insiste:

“De acordo com dados colocados à disposição pelo próprio TST, somente no ano de 2016, as Varas do Trabalho receberam, na fase de conhecimento, 2.756.159 processos, um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior. Desses, 2.686.711 foram processados e julgados. A soma da diferença dos processos não julgados no ano com o resíduo já existente nos tribunais totalizou 1.843.336 de processos pendentes de julgamento, em 31 de dezembro de 2016. Se forem acrescidas as execuções das sentenças proferidas, foram iniciadas 743.410 execuções e encerradas 660.860 em 2016, estando pendentes, em 31 de dezembro de 2016, o expressivo número de 2.501.722 execuções. Somando todos esses números, chegamos ao expressivo número de cerca de 4 milhões de novas ações trabalhistas. Além disso, foram remetidos aos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), 760.877 processos, um aumento de 11,9% em relação ao ano anterior. Por fim, o TST recebeu, no mesmo período, 239.765 processos, o que representou, em média, 9.990 processos para cada Ministro, não considerados, aqui, o acervo já existente em cada gabinete.”

A partir desses dados, indaga: “o País suporta tal demanda? Até quando os tribunais trabalhistas suportarão esse volume de processos?”

São até boas perguntas, deve-se conhecer. Aliás, os números estão precisos.

O problema, como sempre, é a falácia na hora da análise, que, ademais, sequer existe de fato. Fosse realizada, se teria o conhecimento de que a enorme maioria – e a experiência de 24 anos realizando audiências e proferindo sentenças (seguramente mais de 50.000 sentenças) me autorizam a dizer isso – das reclamações nada tem a ver com lacunas ou confusões da lei. São, isto sim, descumprimentos deliberados e reiterados da legislação no que se refere a pagamento de verbas rescisórias, horas extras, salário “por fora” e trabalho sem registro, que se intensificou com a proliferação da terceirização.

O Parecer até tenta reconhecer isso:

“No que tange ao excesso de processos tramitando na Justiça do Trabalho, é certo que muitos deles decorrem do descumprimento intencional da lei pelo empregador”, mas, propositalmente, não revela os dados, ficando o reconhecimento apenas como mera ressalva, insuficiente para retirar o foco do argumento, não embasado, de que o excesso de reclamações é fruto “do detalhamento acentuado das obrigações trabalhistas”.

Mas, na linha das inversões, o Parecer transborda para a seara do processo do trabalho e tentando, inclusive, atrair alguma simpatia, aduz que há problemas com as “regras processuais que estimulam o ingresso de ações e a interposição de infindáveis recursos, apesar dos esforços empreendidos pelo TST para redução do tempo de tramitação dos processos”.

  1. O Vale-Tudo

Feito tudo isso, o Parecer, então, considerando que os interlocutores já estão devidamente abalados e entorpecidos, considera que pode expressar qualquer coisa, sem qualquer limite.

É o ataque final, com armamento pesado.

Primeiro, apaga do cenário jurídico trabalhista a noção de ilícito.

Afirma que lei trabalhista não é lei e ponto. Descumprir a lei trabalhista é um nada. Aliás, descumpri-la é quase uma obrigação, pois segundo dito no Parecer, acolhendo visão de um apologista da ilegalidade, “a legislação trabalhista ‘constitui um verdadeiro convite ao litígio’ ”.

Antes de continuar, porém, o Parecer volta à questão processual e quase que inexplicavelmente reproduz posição jurídica, já velha conhecida, contra a “ultratividade” das normas coletivas:

“Outra consequência desse detalhamento da CLT no âmbito processual é a constatação de que, para casos idênticos ajuizados na Justiça do Trabalho, são proferidas sentenças distintas, o que é próprio da atividade judicial de interpretar a lei e se coaduna com a autonomia dos juízes na aplicação da Justiça. E mais. Em sua função jurisdicional, o juiz não pode deixar de proferir sentença sob o argumento de que não existe lei dispondo sobre determinado tema. A própria CLT, em seu art. 8º, determina que, havendo lacuna na lei ou no contrato, o juiz aplicará a jurisprudência, a analogia, a equidade, o direito comparado, em suma, usará dos meios adequados para proferir sua decisão. O fato é que, em consequência dessas interpretações distintas, cabe ao TST exercitar a sua competência de uniformizar as decisões judiciais no âmbito trabalhista, utilizando-se, para tanto, das súmulas e de outros enunciados de jurisprudência.
Não resta dúvida quanto à importância das súmulas no balizamento das decisões proferidas na Justiça do Trabalho e como objeto de economia processual, diante da sua finalidade de agilizar o andamento dos processos e dar segurança jurídica às decisões dos Juízes do Trabalho em todo o País. Ocorre, porém, que temos visto com frequência os tribunais trabalhistas extrapolarem sua função de interpretar a lei por intermédio de súmulas, para, indo além, decidirem contra a lei. Assim, um instrumento que deveria ter a finalidade precípua de trazer segurança jurídica ao jurisdicionado, garantindo a previsibilidade das decisões, é utilizado, algumas vezes, em sentido diametralmente oposto, desconsiderando texto expresso de lei.

Exemplo evidente disso é o entendimento esposado pelo TST quanto à ultratividade da norma coletiva, segundo o qual as cláusulas normativas serão mantidas incorporadas ao contrato individual de trabalho até que novo acordo coletivo ou convenção coletiva seja firmado (Súmula nº 277), enquanto a CLT prevê expressamente que a vigência desses instrumentos não ultrapassará o prazo de dois anos (§ 3º do art. 614). A questão foi remetida ao STF, por intermédio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 323, havendo uma decisão cautelar formulada pelo relator, o Ministro Gilmar Mendes, pela ‘suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas’.

No que concerne ao fenômeno acima relatado, também chamado de ativismo judicial, cabe ressaltar a advertência do Presidente do TST, Ministro Ives Gandra Martins Filho, de que é urgente se adotar um controle para se evitar que, sob a justificativa de que se está interpretando subjetivamente, o juiz crie ou revogue lei com suas decisões, complementando que ‘o juiz é livre dentro da lei e não fora dela’.”

Mas expõe toda essa argumentação para qual efeito? Para impedir que o Judiciário trabalhista, aplicando o Direito do Trabalho a partir dos parâmetros fixados na Constituição Federal, obste o retrocesso social, como tem feito, aliás.

Qual a estratégia? Preconizar que “moderno” são as soluções extrajudiciais:

“Portanto a modernização das leis trabalhistas também será importante para conter o avanço dessa excessiva busca pelo Judiciário para solução dos conflitos entre as partes, pautando não só o desestímulo ao ativismo judicial, mas criando mecanismos que estimulem a solução desses conflitos antes que seja necessário submetê-los ao Poder Judiciário.”

Claro, não se faz isso assim de forma clara. Tenta-se dizer que não se está tentando impedir o acesso ao Judiciário, vez que isso contraria, diretamente, a Constituição. Então, de forma mágica, o Parecer diz que o acesso ao Judiciário é um “direito garantido plenamente pela Constituição Federal” e ao mesmo tempo busca “privilegiar as soluções extrajudiciais na composição dos conflitos”.

E voltando ao tema, “excesso de reclamações”, o Parecer, como já fizera antes, retira o foco das práticas ilícitas, que, ademais, sequer são consideradas enquanto tais, preferindo falar da imoralidade – digamos assim – dos trabalhadores:

“Vemos com muita frequência a celebração de homologações entre as partes, mormente na presença dos representantes sindicais, como exige o § 1º do art. 477 da CLT para os contratos com mais de um ano de vigência, para, tempos depois, o empregado ajuizar reclamação trabalhista requerendo as mesmas parcelas que foram objeto da homologação.

Além do volume excessivo de ações trabalhistas já citado, esse procedimento traz enorme insegurança jurídica ao contratante diante da imprevisibilidade para o seu negócio. Em prol da segurança jurídica das relações do trabalho, nosso Substitutivo trata dessa questão suscitando uma proposta que possibilite, utilizando-se de uma expressão do professor Helio Zylberstajn que expõe a redundância da matéria, ‘rescindir o contrato quando houver a rescisão’. Desse modo, o ato rescisório terá, efetivamente, efeito liberatório em relação às parcelas pagas cuja natureza e valor estejam devidamente especificadas.”

Omite, de forma bastante desonesta, aliás, que se o trabalhador, mesmo depois da tal homologação, vai a Justiça e ainda vê seu pleito julgado procedente, é porque o negócio jurídico realizado sucateou algum direito do trabalhador, pois se tudo tivesse sido integralmente pago não haveria mais nenhum outro valor a receber.

Então, sob a retórica de que se está buscando solucionar o problema das diversas reclamações trabalhistas, o que se pretende é que o empregador possa, de forma juridicamente válida, ou seja, com segurança jurídica, pagar ao trabalhador menos do que efetivamente deve.

E na linha da desconstrução da Justiça do Trabalho, vista como instituição perigosa, vez composta por profissionais assumidamente dispostos a preservarem o Direito do Trabalho e o projeto constitucional dos Direitos Sociais e a eficácia dos Direitos Humanos, sob a falácia de que se está preocupado com a diminuição dos conflitos trabalhistas, ressuscita-se a ideia, também tentada na década de 90, de implementar a arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas:

“Em outra abordagem, mas também objetivando a diminuição dos conflitos trabalhistas que são demandados perante a Justiça do Trabalho, estamos propondo a adoção da arbitragem nas relações de trabalho, observadas determinadas peculiaridades que serão examinadas mais adiante, quando do exame pontual do Substitutivo.”

Em seguida, ainda na questão processual, o Parecer, novamente desviando o foco da efetiva razão do alto número de reclamações trabalhistas, tenta sugerir que isso se deve pela ausência de custo do processo do trabalho. Aqui, sem querer, o Parecer, por um lado, acerta, pois, querendo impor um custo para os trabalhadores, acaba se vendo forçado a impor um custo processual aos empregadores. De fato, o processo do trabalho tem um grande problema histórico que é o de não impor um custo específico ao empregador, quando reclamado, e isso constitui um fator de incentivo ao descumprimento da legislação, pois acaba sendo o mesmo preço, pagar espontaneamente e pagar depois de acionado na Justiça. Mas erra ao exagerar na dose com relação aos trabalhadores, pois a sucumbência recíproca acaba sendo um obstáculo para que os trabalhadores peçam todos os direitos que considerem ter sido desrespeitados, com medo de que, por ausência de prova, não consigam provar algum deles e a prova para os trabalhadores, da forma como ainda se insiste em distribuir o ônus da prova no processo do trabalho, como se fosse processo civil, é sempre incerta.

Diz o Parecer:

“Além de valorizar e fortalecer os mecanismos alternativos de resolução de conflitos, a nossa sugestão também prevê algum ‘risco’ para quem ingressar com uma ação judicial. Hoje, a pessoa que ingressa com uma ação trabalhista não assume quaisquer riscos, uma vez que grande parte das ações se resolvem na audiência inicial, gerando o pagamento de uma indenização sem que ele tenha que arcar nem mesmo com as custas processuais. Nesse sentido, estamos propondo que o instituto da sucumbência recíproca seja aplicado na Justiça do Trabalho.”

Sem fundamento algum, nem mesmo com base naquilo que vinha dizendo, o Parecer, tratando da questão processual, defende o “fortalecimento da negociação coletiva, conferindo maior eficácia às cláusulas que forem acordadas entre as partes”, tentando sugerir que essa solução é importante para diminuir o número de reclamações na Justiça do Trabalho, sem revelar, como já dito, que se embora com negociação os trabalhadores recorrem à Justiça e esta lhes atende o pleito é porque a negociação foi supressiva de direitos indisponíveis e conflitos dessa natureza não poderão ser excluídos da apreciação do Judiciário, conforme prescreve a Constituição Federal (art. 5º. XXXV).

De forma, um tanto quanto sorrateira, o Parecer explicita:

“Também é objeto do Substitutivo uma regulamentação para o dano extrapatrimonial, visando disciplinar o procedimento para a concessão do dano moral e do dano existencial ou de outros tipos de reparação que venham a ser criados.”

Não entra em maiores explicações a respeito, pois não há muita retórica a utilizar a respeito, vez que o objeto em questão só começa a habitar o cotidiano das Varas do Trabalho ao final da década de 90, como fruto das práticas de gestão neoliberal. Ou seja, não se podendo culpar a CLT e não se podendo assumir que se pretende que empregadores paguem menos pela supressão dos direitos de personalidade de seus empregados, melhor mesmo é usar essa fórmula vazia até de retóricas.

  1. AAutodestruição

Por fim, lá no final mesmo, o Parecer apresenta o que seria o seu pilar. Ou seja, depois do edifício pronto, revela qual teria sido o seu pilar (que se mostra oco, no entanto):

“Um dos pilares do projeto encaminhado para apreciação por esta Casa Legislativa é a possibilidade de que a negociação coletiva realizada por entidades representativas de trabalhadores e empregadores possa prevalecer sobre normas legais, em respeito à autonomia coletiva da vontade. De fato, a justificação do projeto menciona que o seu objetivo com tal medida é a de ‘garantir o alcance da negociação coletiva e dar segurança ao resultado do que foi pactuado entre trabalhadores e empregadores’.”

O Parecer, já prevendo as críticas, se antecipa e passa a rebatê-las, tentando fazer crer que a prevalência do negociado sobre o legislado interessa aos trabalhadores.

Sustenta que os trabalhadores não são “maus negociadores” como se diz, até porque vêm auferindo ganhos nos últimos anos.

O argumento, no entanto, destrói a si mesmo, pois a tal situação favorável aos trabalhadores, como sugere o Parecer, se deu dentro dos padrões jurídicos atuais e isso porque não é legalmente permitida a negociação “in pejus”, preservando-se a autêntica função da negociação coletiva que é a da ampliação dos direitos dos trabalhadores.

Então, a reforma proposta, retóricas à parte, só pode mesmo ter um efeito: conferir segurança jurídica às empresas para imponham redução de direitos aos trabalhadores.

Vejam como os argumentos do Parecer são autodestrutivos:

“Muitos mencionam a hipossuficiência dos trabalhadores para criticar a proposta de se ampliar a prevalência do negociado, com o argumento de que os sindicatos laborais são fracos, maus negociadores, e que, por isso, serão “enganados” pelos sindicatos patronais nas negociações, havendo o risco, ainda, de os trabalhadores serem ameaçados de demissão se não se submeterem às condições impostas pelos empregadores. O dia a dia das negociações, no entanto, mostra uma outra realidade, sendo possível verificar que, ao longo dos últimos vinte anos, os sindicatos negociaram aumentos salariais iguais ou superiores aos índices inflacionários. Somente no ano de 2016, em que o País viveu uma de suas piores crises econômicas, 52% dos sindicatos negociaram índices de aumento superiores à inflação, e a grande maioria das entidades cujos reajustes foram inferiores aos índices inflacionários conseguiram preservar os empregos de seus representados, o que configura um grande ganho em momentos de aumento do desemprego.”

Claro, o Projeto não assume que se está projetando uma segurança jurídica para a redução de direitos. Diz, expressamente, que não pretende “revogar as garantias estabelecidas em lei”. Mas quando pauta uma “maior autonomia às entidades sindicais”, não se contém e acaba revelando o algo de suas preocupações, o empregador:

“A insegurança jurídica da representação patronal, que não tem certeza se o que for negociado será preservado pela Justiça do Trabalho, é um grande empecilho à celebração de novas condições de trabalho mais benéficas aos trabalhadores e, em última instância, um entrave à contratação de mão de obra.”

E vejamos os exemplos apresentados pelo Parecer como justificativa da reforma pretendida:

“Não é admissível, por exemplo, que uma cláusula ajustada entre as partes, como a redução do horário do almoço de sessenta para trinta minutos, seja invalidada pela Justiça do Trabalho depois de dois anos de vigência, implicando a condenação da empresa ao pagamento de indenização. Ou que não se permita a negociação de um tempo mais razoável para a movimentação dos empregados no início e no final da jornada. Exemplos como esses são inúmeros na CLT. Porém o que se está propondo não é a sua revogação, mas, sim, permitir que as entidades possam negociar a melhor solução para as suas necessidades.”

Ou seja, o Parecer sequer se incomoda em expor uma contradição de forma assim tão explícita, afinal, já fomos tomados, os seus interlocutores, por burros e entorpecidos mesmo!

Ora, a invalidação à redução do intervalo de 01 hora para 30 minutos se faz pela Justiça pela aplicação estrita da lei, que somente autoriza a situação quando devidamente autorizada pelo Ministério do Trabalho. Então, não se pode acusar a Justiça de ter invalidado uma negociação que seria válida; e não se pode dizer que é possível solucionar esse “problema” dando prevalência à negociação e, ao mesmo tempo, preservar a autoridade da lei, pois a conta não fecha. Ou uma coisa, ou outra. Alterar eventualmente a lei, dentro de uma lógica de atualização, para que se autorize a redução do intervalo por meio de negociação coletiva não é, propriamente, fixar o princípio generalizante de que a negociação prevaleça sobre a lei.

No outro exemplo, o Parecer toma o tempo de trabalho do empregado como se fosse um nada. Qual problema poderia haver se o empregador tomasse para si “um tempo razoável” da vida do trabalhador, sem remunerá-lo? Para o Parecer, nenhum, ainda mais se o sindicato aceitar.

O problema, para a lógica do Parecer, é que a jornada de trabalho é um Direito Fundamental, indisponível e irrenunciável mesmo por seu titular, quanto mais por um terceiro. Se o empregador quiser resolver os seus problemas relativos à entrada e à saída de trabalhadores do local de trabalho que o faça retirando, o tal tempo “razoável”, da jornada normal de trabalho que exige de seus empregados, respeitando o parâmetro legal, e não da vida do trabalhador.

  1. O Desrespeito

O Parecer não respeita o interlocutor de forma alguma e insiste:

“Repita-se, não se busca com esse dispositivo reduzir direitos dos trabalhadores, mas apenas permitir que regras rígidas da CLT possam ser disciplinadas de forma mais razoável pelas partes, sem que haja o risco de serem invalidadas pelo Judiciário, contribuindo para uma maior segurança jurídica nas relações de trabalho.
Em suma, modernizar a legislação sem comprometer a segurança de empregados e empregadores.”

Para embasar seu posicionamento, o Parecer traz à tona decisão sobre o assunto, proferida pelo STF:

“Neste ponto, é de extrema relevância mencionar que o STF tem se debruçado sobre o tema da prevalência do negociado pelas partes no Direito do Trabalho, e as decisões da Corte Máxima do nosso Judiciário têm se pautado pelo entendimento de que a Constituição Federal buscou prestigiar ‘a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas’, quando, entre os incisos do art. 7º, inseriu como direito dos trabalhadores o ‘reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho’ (art. 7º, XXVI). E mais. Decidiu que ‘o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida’ (RE nº 590.415).”

Mais uma vez, de forma desonesta, o Parecer não conta a história por inteiro.

Ora, se, por um lado, o voto proferido no RE 590.415 confere validade à quitação em cláusula de PDV, estabelecida em convenção coletiva, valorizando a “autonomia privada coletiva”, por outro, deixa claro que a razão fundamental para a existência do Direito do Trabalho, que é o reconhecimento da desigualdade entre o trabalhador e o empregador, se mantém vigente e continua justificando a intervenção do Estado para impor uma “rigorosa limitação da autonomia da vontade” como “tônica no direito individual do trabalho”, preservando, por consequência, os princípios da proteção e da norma mais favorável.

Como dito no voto:

“II. LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE DO EMPREGADO EM RAZÃO DA ASSIMETRIA DE PODER ENTRE OS SUJEITOS DA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO

  1. O direito individual do trabalho tem na relação de trabalho, estabelecida entre o empregador e a pessoa física do empregado, o elemento básico a partir do qual constrói os institutos e regras de interpretação. Justamente porquese reconhece, no âmbito das relações individuais, a desigualdade econômica e de poder entre as partes, as normas que regem tais relações são voltadas à tutela do trabalhador. Entende-se quea situação de inferioridade do empregado compromete o livre exercício da autonomia individual da vontade e que, nesse contexto, regras de origem heterônoma — produzidas pelo Estado — desempenham um papel primordial de defesa da parte hipossuficiente. Também por isso a aplicação do direito rege-se pelo princípio da proteção, optando-se pela norma mais favorável ao trabalhador na interpretação e na solução de antinomias.
  2. Essa lógica protetiva está presente na Constituição, que consagrou um grande número de dispositivos à garantia de direitos trabalhistas no âmbito das relações individuais.
    Essa mesma lógica encontra-se presente no art. 477, § 2º, da CLT e na Súmula n. 330 do TST, quando se determina que a quitação tem eficácia liberatória exclusivamente quanto às parcelas consignadas no recibo, independentemente de ter sido concedida em termos mais amplos.
  3. Não se espera que o empregado, no momento da rescisão de seu contrato, tenha condições de avaliar se as parcelas e valores indicados no termo de rescisão correspondem efetivamente a todas as verbas a que faria jus. Considera-se que a condição de subordinação, a desinformação ou a necessidade podem levá-lo a agir em prejuízo próprio. Por isso, a quitação, no âmbito das relações individuais, produz efeitos limitados. Entretanto, tal assimetria entre empregador e empregados não se coloca – ao menos não com a mesma força — nas relações coletivas.” (grifou-se)

Na sequência, mesmo partindo de pressuposto histórico equivocado, o voto deixa a entender que o fortalecimento conferido à negociação coletiva não representa uma carta branca para que os empregadores, utilizando seu poder econômico, submetam os sindicatos a uma submissão, ou mesmo que o faça o Estado mediante intervenções na atuação sindical, que não serão mais admitidas no atual estágio democrático. O voto chega mesmo a preconizar a liberdade da atuação sindical, incluindo o legítimo exercício do direito de greve, tida como meio para a negociação, conforme preconizado na Convenção n. 98 da OIT, ratificada pelo Brasil:

“O novo modelo justrabalhista proposto pela Constituição acompanha a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/194910 e na Convenção n. 154/198111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), às quais o Brasil aderiu, e que preveem:
Convenção n. 98/1949: ‘Art. 4º Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego’.”

Assim, se, por um lado, tende-se a valorizar a negociação coletiva, por outro, reconhece-se a necessidade de conferir meios adequados para que a democracia funcione também nas relações de trabalho, mediante os institutos da proteção contra a dispensa arbitrária, a estabilidade decenal, a função social da empresa, e o exercício do direito de greve sem intervenção estatal, tudo para garantir que estejam presentes os elementos fundamentais de validade dos negócios jurídicos, a boa-fé e a não abusividade.

Em um país acostumado com negociações coletivas fundadas em abuso do poder econômico, mediante ameaças de desemprego, refutando-se, pois, o pressuposto da boa-fé, também porque não se apresentam aos trabalhadores as devidas informações sobre a situação econômica da empresa ou do segmento econômico específico, os pressupostos estabelecidos no voto não deixam de ser um avanço na seara negocial trabalhista.

A atuação coletiva dos trabalhadores é considerada, inclusive, como participação política, não comportando, pois, limitações procedimentais que impeçam o seu regular exercício.

Diz o voto:

“A Constituição de 1988 restabeleceu o Estado Democrático de Direito, afirmou como seus fundamentos a cidadania, a dignidade humana, o pluralismo político e reconheceu uma série de direitos sociais que se prestam a assegurar condições materiais para a participação do cidadão no debate público.”

A greve, especificamente, é apontada como forma de expressão do poder dos trabalhadores, que, ao ser exercida, proporciona a necessária simetria para que a negociação coletiva se perfaça regularmente: “O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve.”

Adotou-se, inclusive, o posicionamento do Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado, no sentido de que:

“O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio [da equivalência dos contratantes coletivos] é a circunstância de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação). Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidade de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho”.[i] (grifou-se)

Essas seriam, segundo o STF, portanto, as condições jurídicas e políticas necessárias para se conferir, concretamente, uma “maioridade cívica do trabalhador” e, assim, serem “tratados como cidadãos livres e iguais”.

Quanto ao conteúdo mesmo do instrumento normativo, que pode, ao ver do voto, prevalecer sobre dispositivo legal, inclusive para reduzir a garantia específica, não se chegou ao ponto de simplesmente legitimar a redução de direitos como resultado de uma correlação de forças, como a grande mídia, apressadamente quis fazer crer.

A validade dos pactos negociais será reconhecida “desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta. Embora, o critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um “patamar civilizatório mínimo”, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho etc.”

A decisão do Supremo deixou claro que não se criou uma norma aberta, de prevalência do negociado sobre o legislado, como forma de instrumentalização de renúncia a direitos, conforme, aliás, equivocadamente, entendeu o Ministro Teori no RE 895.759 (1159), pois a validade da cláusula de quitação somente foi declarada na situação posta em julgamento porque se reconheceu estarem preenchidas certas condições, a saber:

  1. a) “a reclamante não abriu mão de parcelas indisponíveis, que constituíssem ‘patamar civilizatório mínimo’ do trabalhador”;
  2. b) “não se sujeitou a condições aviltantes de trabalho (ao contrário, encerrou a relação de trabalho)”;
  3. c) “não atentou contra a saúde ou a segurança no trabalho”;
  4. d) “não abriu mão de ter a sua CNTP assinada” (SIC);
  5. e) “apenas transacionou eventuais direitos de caráter patrimonial ainda pendentes, que justamente por serem “eventuais” eram incertos, configurando res dubia, e optou por receber, em seu lugar, de forma certa e imediata, a importância correspondente a 78 (setenta e oito) vezes o valor da maior remuneração que percebeu no Banco”;
  6. f) “teve garantida, ainda, a manutenção do plano de saúde pelo prazo de 1 (um) ano, a contar do seu desligamento”.

E a decisão foi além, pois, em certa medida, legitimou a atuação coletiva dos trabalhadores, desde que atendidos os pressupostos democráticos, para além da estrutura sindical, corroborando, inclusive, prática recente integrada ao mundo do trabalho, da “greve por fora”:

Em suma, quando preconizou a necessidade do “amadurecimento da classe trabalhadora” para efeito de reconhecer a validade da negociação coletiva, o STF (RE 590.415) acabou tratando, por efeito inexorável, do imperativo do “amadurecimento da classe empresarial” para a mesma finalidade. Assim, a classe empresarial não poderá mais contar com decisões judiciais que lhe disponibilizam força policial para coibir greves, como se tem verificado, por exemplo, nos interditos proibitórios ou nas determinações para a retomada do trabalho, sob o falso argumento de se estar garantindo o direito de ir e vir de quem quer trabalhar ou os direitos dos consumidores.

O voto proferido nesses autos afirmou que o Estado não pode realizar intervenções no sindicato, porque são incompatíveis com o atual estágio democrático, e defendeu a liberdade da atuação sindical, incluindo o exercício do direito de greve, tida como meio legítimo para conferir aos trabalhadores um “poder social de pressão”.

Com base no princípio da boa-fé nos negócios jurídicos, valorado no voto, é possível dizer que os empregadores não mais poderão se valer de abuso econômico e de ameaças de desemprego como “argumento” para negociar, assim como não poderão se negar a abrir aos trabalhadores os seus balanços econômicos (incluindo eventual “caixa 2”), caso aleguem estar passando por dificuldade econômica, demonstrando, inclusive, que esta dificuldade não tenha sido induzida por má administração ou desvio ilegal de patrimônio para outras empresas, sócios ou contas no exterior. Ou seja, passam a ser condições de validade das negociações coletivas as mesmas condições impostas a todos os negócios jurídicos, conforme previsão dos artigos 113, 114, 156, 157 e 166, VI, do Código Civil[ii], que estão traduzidos, de forma mais direta, no art. 9º da CLT: “Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

Quando valorizou o negociado, o STF (no processo: RE 590.415) deixou claro que a simples manutenção do emprego não é suficiente para justificar uma condição de trabalho diferente daquela prevista em lei, impondo-se a concessão de vantagens compensatórias específicas e deixou fora de qualquer possibilidade negocial os direitos “indisponíveis”, que constituíssem “patamar civilizatório mínimo” do trabalhador, além de definir que não se consideram como legítimas quaisquer cláusulas que gerem “condições aviltantes de trabalho”, atentem “contra a saúde ou a segurança no trabalho”, ou promovam fraude ao reconhecimento da relação de emprego.

  1. ARevelação

Para levar adiante a ideia de que o negociado deve prevalecer sobre a lei, passando por cima de todo e qualquer preceito da própria teoria geral do direito, o Parecer ainda se vale de nova retórica, afirmando:

“O que precisamos, na verdade, é fortalecer a estrutura sindical como um todo, fazendo com que as categorias se sintam efetivamente representadas.”

Ocorre que o conjunto das reformas, que tem como pilar a possibilidade do sindicato reduzir direitos, considerando, ainda, a ampliação da terceirização, o trabalho intermitente e o fim da contribuição sindical obrigatória (acompanhado da manutenção da unicidade sindical), representa um tiro de morte no sindicalismo como um todo.

Ora, em um contexto de desemprego estrutural, onde os trabalhadores concorrem entre si pelos postos de trabalho e no qual se confere aos empregadores o poder de dispensar, sem qualquer motivo, os seus empregados, e onde os direitos se apresentam como favores, a direção sindical que “engrossar o caldo” das reivindicações logo será acusada de ser radical e culpada pela dispensa de vários empregados por parte da empresa.

Já assistimos a esse filme e se é assim agora imagine como será na situação em que a classe trabalhadora estiver ainda mais pulverizada pela terceirização, não conseguindo, por isso, formar vínculos sociais também por conta da intermitência das relações de trabalho, e na qual, também, a própria sobrevida do sindicato depender da contribuição assistencial, ou seja, da conclusão de uma negociação coletiva qualquer que seja o seu conteúdo.

O que se pretende, portanto, é eliminar por completo as possibilidades da existência de sindicatos combativos, que, efetivamente, lutam por melhores condições de trabalho, pois serão esses destruídos pelo poder conferido aos empregadores, que exercerão decisiva influência no movimento sindical, empoderando os sindicatos pelegos, considerados “ponderados”.

Fingindo desconhecer tudo isso, o Parecer, em sua parte final, passa, então, a atacar a contribuição sindical obrigatória, como se estivesse propondo uma reforma da estrutura sindical, a partir de um postulado democrático e de defesa dos trabalhadores, mas que, desvinculado da adoção da liberdade sindical plena, que inclui, como já dito, direito de greve e superação do conceito de unicidade, não passa de mais uma forma de fragilizar os sindicatos.

Para não fazer aqui uma paráfrase, que eventualmente não respeite o que está claramente dito no Parecer, cumpre transcrevê-lo:

“Esse é, justamente, o espírito das alterações que almejamos nesta oportunidade. Como já expusemos, deve-se fortalecer o entendimento direto entre as entidades sindicais que representam empregados e empregadores, sem que haja a violação dos direitos assegurados aos trabalhadores. A proposta de se estimular o resultado das negociações coletivas, contudo, tem que estar diretamente relacionada com uma estrutura sindical em que as entidades sejam mais representativas e mais democráticas. Embora reconheçamos a existência de inúmeros sindicatos altamente representativos, não podemos fechar os olhos para a outra realidade do nosso sistema sindical, em que proliferam sindicatos de fachada. E, nesse ponto, temos a convicção de que a sugestão de retirar a natureza de imposto da contribuição sindical, tornando-a optativa, será de fundamental importância no processo de fortalecimento da estrutura sindical brasileira.”

Na sequência, fazendo comparativos fora de qualquer parâmetro científico, o Parecer deixa a entender que basta eliminar a contribuição sindical obrigatória para que os sindicatos saiam fortalecidos, sendo que no cômputo geral da reforma os sindicatos serão destruídos e o fim da contribuição sindical é apenas a pá de cal:

“A existência de uma contribuição de natureza obrigatória explica, em muito, o número de sindicatos com registro ativo existentes no País. Até março de 2017, eram 11.326 sindicatos de trabalhadores e 5.186 sindicatos de empregadores, segundo dados obtidos no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho. Comparativamente, no Reino Unido, há 168 sindicatos; na Dinamarca, 164; nos Estados Unidos, 130, e na Argentina, 91. Um dos motivos que explica essa distorção tão grande entre o número de sindicatos existentes no Brasil e em outros países do mundo é justamente a destinação dos valores arrecadados com a contribuição sindical. Somente no ano de 2016, a arrecadação da contribuição sindical alcançou a cifra de R$ 3,96 bilhões de reais. Os sindicatos, sejam eles classistas ou patronais, não mais poderão ficar inertes, sem buscar resultados efetivos para as suas respectivas categorias, respaldados em uma fonte que não seca, que eles recebem independentemente de apresentarem quaisquer resultados. Aqueles que se sentirem efetivamente representados por seus sindicatos, trabalhadores ou empregadores, pagarão suas contribuições em face dos resultados apresentados. Os que não tiverem resultados a apresentar, aqueles que forem meros sindicatos de fachada, criados unicamente com o objetivo de arrecadar a contribuição obrigatória, esses estarão fadados ao esquecimento. O ideal, a nosso ver, era que a contribuição sindical ficasse restrita aos trabalhadores e empregadores sindicalizados.”

E como a proposta atinge, igualmente, os sindicatos patronais, o que fica é a impressão de que a defesa do fim da contribuição obrigatória, sem estar integrado a nenhum elemento concreto para o aprimoramento da estrutura sindical brasileira, em direção da efetiva liberdade sindical, tenha sido uma espécie de “bode na sala”, para que, no jogo político subsequente, se consiga obter apoio de parte do sindicalismo à reforma por meio da retirada dessa proposta do Projeto, tanto que o próprio Parecer já anuncia a formação de um futuro processo negocial:

“Como um passo inicial, mantivemos a possibilidade de qualquer trabalhador ou empresa de optar pelo pagamento da contribuição, com a ressalva de que o trabalhador interessado deverá manifestar-se prévia e expressamente a favor de seu desconto pelo empregador. Por outro lado, não estamos alterando aspectos relativos à estrutura sindical, como a unicidade sindical, por exemplo, pois esse assunto deve ser tratado em nível constitucional. Todavia a transformação da natureza da contribuição sindical de obrigatória para optativa servirá como primeiro passo para que a reforma sindical seja discutida pelas partes interessadas. É o que esperamos.”

Voltando aos temas do processo do trabalho, o Parecer novamente finge que sua preocupação foi a de solucionar os problemas estruturais da Justiça do Trabalho, enfrentando a questão do “estrangulamento”, e dá ênfase a três pontos da “reforma” processual, mas que parecem ter sido extraídos de contestações processuais de empresas reclamadas:

– desestimular a litigância de má-fé (dos reclamantes, claro);

– frear o ativismo judicial;

– reafirmar o prestígio do princípio constitucional da legalidade, “segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Enfim, o que resta bastante claro é que o Parecer foi escrito e pensado considerando, unicamente, o interesse que já se tornou um clássico das relações de trabalho no Brasil, que é o de explorar o trabalho dentro de padrões que afastam, por completo, a mínima incidência do projeto de Estado Social Democrático fixado na Constituição de 1988, a qual, por isso mesmo, além da “velha CLT”, resta sob grave ameaça.

Não há, concretamente não há, nenhum dispositivo do Substitutivo, que acompanha o Parecer (Retório) da “reforma”, que expresse a tentativa de ao menos minimizar as angústias vividas pelos trabalhadores no ambiente de trabalho ou de melhorar a condição social destes, o que revela a total parcialidade e, consequentemente, ilegitimidade da proposta.

São Paulo, 16 de abril de 2017.

[i]. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961&filename=Parecer-PL678716-12-04-2017

[i]. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1250-1251.
[ii]. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
(Por este artigo a boa-fé foi elevada a técnica de interpretação, no que tange às regras fixadas em um negócio jurídico, impedindo, assim, que a situação de desequilíbrio das partes possa significar a formação de negócios jurídicos que atendam apenas ao interesse de uma das partes, o que, evidentemente, contraria o princípio da boa fé).
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (…) VI — tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

 

Palavras Chaves

PL 6787/2016. Comissão especial da Reforma Trabalhista. leigos. ignorantes.