PODER REGULAMENTAR DO CONAMA: LIMITES E POSSIBILIDADES

Resumo

O poder regulamentar do CONAMA apresenta importante papel na tutela do direito ambiental, sendo de grande relevo o estabelecimento de standards para delimitar suas possibilidades, de modo a resguardar o devido processo legislativo, bem como os demais princípios constitucionais.

Artigo

PODER REGULAMENTAR DO CONAMA: LIMITES E POSSIBILIDADES

 Thaís Marçal[1]

 

Resumo: O poder regulamentar do CONAMA apresenta importante papel na tutela do direito ambiental, sendo de grande relevo o estabelecimento de standards para delimitar suas possibilidades, de modo a resguardar o devido processo legislativo, bem como os demais princípios constitucionais.

Palavras-chaves: CONAMA. Poder regulamentar. Limites e possibilidades.

SUMÁRIO: Breves notas introdutórias. CONAMA: limites e possibilidades regulamentares. Síntese conclusiva. Referências.

 

BREVES NOTAS INTRODUTÓRIAS

            A tutela do meio ambiente necessita estar em constante desenvolvimento, diante dos avanços das práticas que se sucedem na atualidade. Um processo legislativo engessado nesta seara implicaria em uma proteção deficiente do bem jurídico. Contudo, é preciso que as práticas sejam consentâneas com princípios constitucionais que regem o atuar da administração pública.

Uma leitura apressada pode fazer crer “em um jogo de vale-tudo” desde que se esteja conferindo máxima eficácia à tutela ambiental. É preciso rechaçar soluções apriorísticas, sob pena de se enfraquecer justamente a efetividade que se buscava maximizar. Uma análise da conseqüências, bem como uma avaliação comportamental é indispensável.

Neste contexto, releva analisar o poder normativo do CONAMA na tentativa de extrair standards de avaliação sobre resoluções que obedeçam à juridicidade normativa.

CONAMA: limites e possibilidade regulamentares

            Nas palavras de José Afonso da Silva, “o meio ambiente é, assim a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.[2]

            Neste contexto, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) é titular de importante papel na tutela ambiental. Nos termos do art. 6º, XXXII, da Lei 6938/1981, te, como finalidade assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, além de deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.[3]

            Diante da especificidade técnica de sua composição, nota-se que a opções legislativa por lhe atribuir poder regulamentar é altamente propícia a atender as peculiaridades existentes na área.

            Sem embargo, é preciso atentar para o fato de que o legislador positivou expressamente que este poder regulamentar é restrito à matéria de sua competência. Indiscutivelmente, matéria ambiental, por ser sua missão precípua, é de sua competência. Entretanto, seria toda matéria ambiental sujeito à regulamentação do CONAMA? As resoluções gozariam de autonomia total em relação ao diplomas legislativos em sentido estrito? Em caso de contrariedade entre uma lei em sentido estrito e uma Resolução o critério a ser utilizado para resolver a antinomia de normas seria o hierárquico ou aquele que confira a melhor proteção ao meio ambiente?

            Em primeiro lugar, é preciso destacar, conforme elucida Andreas Krell, que “o Poder Executivo, em todos os tempos, tem avançado, com muita facilidade, para dentro de searas constitucionalmente reservadas aos corpos legislativos e desenvolvido um verdadeiro “ativismo legislativo”, o que se deu também  em virtude de um poder legislativo tíbio, em todos os níveis federativos.[4]

            Neste caso a teoria das capacidades institucionais exercem um papel importante para o debate. Explica-se.

            Em que pese todos os poderes (executivo, legislativo e judiciário) exercerem, em maior ou menor medida, as funções legislativas, judiciária e executiva, é preciso primar pela função principal de cada poder.

            Em outras palavras, mesmo diante de previsão expressa para regulamentação em matéria ambiental, o CONAMA deve ter uma deferência pelos agentes imbuídos pelos deveres de elaborar diplomas legislativos.

Inclusive, em respeito a uma administração pública dialógica e cooperativa, não se está a excluir do CONAMA o seu poder regulamentar. Justamente ao contrário. Se está incluindo este formalmente no processo de elaboração legislativa, na qualidade de órgão técnico que é.

É de fundamental importância fomentar um processo legislativo democrático focado na força argumentativa. Nesta quadra, o CONAMA tem o dever de se manifestar sobre as matérias legislativas que versem sobre meio ambiente.

Isto ocorre tanto em momento anterior à confecção da norma, espontânea ou provocadamente. Em outras palavras: pode (deve!) o CONAMA enviar documento para o poder legislativo ou executivo (conforme o caso) instaurar processo legislativo sobre matéria que entenda sem respaldo legal. Ou, sem prejuízo, pode ser instado a dar parecer a respeito de matéria atinente de deliberação pela casa legislativa.

Pontes de Miranda ao tratar dos limites dos regulamentos, imprime a mesma ratio que pode ser aplicável às resoluções. Veja-se:

“Onde se estabelecem-se, alteram-se ou extinguem-se direitos, não há regulamento – há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa”

Assim, as resoluções do CONAMA devem ter caráter subsidiário, devendo ser usadas apenas e tão somente para regulamentar aspectos técnicos, e não para promover inovação na ordem jurídica.

A esse respeito, confira-se a posição de Luís Roberto Barroso tratando de regulamentos, mas com a ratio plenamente aplicável aos regulamentos, verbis:

“Pois é desse conjunto de elementos que decorre a distinção fundamental, ao ângulo material, entre lei e o regulamento. Um e outro, é certo, são atos normativos, de caráter geral e impessoal. Mas somente a lei – e não o regulamento – pode inovar na ordem jurídica, modificando situação pré-existente. Sempre a lei, e jamais o regulamento, será a via legítima de se criarem obrigações para os particulares.”[5]

Nesta senda, vale menção aos estudos de Fabrício Motta acerca do tema:

“Os limites impostos aos atos normativos existem, sobretudo, em razão da organização escalonada do ordenamento. Com efeito, deve-se verificar em qual degrau hierárquico se posiciona o ato editado, para, então, observar quais atos, lhe serão superiores. Na maioria das situações, com exceção das situações em que o ato fundar-se explicitamente na Constituição, será aplicada a preferência da lei. Em qualquer caso, por imposição do conteúdo materializado no princípio da legalidade, não se admite que o teor da norma afronte regras e princípios constitucionais”[6]

Confira-se, ainda, as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello ao valer-se dos mesmos argumentos sobre a impossibilidade de regulamento autônomo no tocante às resoluções:

“tudo quanto se disse a respeito do regulamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razão, a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas em poderes menores. Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento. Assim, toda a dependência e subordinação do regulamento à lei, bem como os limites em que se há de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instruções, portarias, resoluções regimentos ou normas quejandas.”[7]

Neste sentido, veja-se as lições de Fellipe Augusto Vieira de Andrade, verbis:

“resta fora de dúvida o fato do Conselho Nacional de Meio Ambiente estar revestido de competência para deliberar e editar resoluções a respeito de normas e critérios para licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

Entretanto, dita competência administrativo-normativa não pode conduzir à violação de princípios e dispositivos fulcrados na Constituição da República.”[8]

Esta também é a conclusão de Paulo Nogueira Neto[9] ao afirmar que o CONAMA tem a missão principal de regular o bom uso dos recursos naturais. Ao Congresso cabe, evidentemente, legislar em sentido amplo, mas sem descer em especificidades.

Em que pese todas as problemáticas já elencadas sobre o processo legislativo, é preciso que sejam empreendidos meios eficazes para solucionar a questão. Os caminhos são diversos, tais como: (i) ampliar o espaço democrático de deliberação com participação direta da população e das instituições no processo deliberativo, colhendo sugestões e críticas em audiências públicas presenciais e virtuais; (ii) tornar obrigatório (ainda que não necessariamente vinculante), o parecer prévio do CONAMA, que poderia não ser acatado mediante decisão fundamentada, a fim de que seu mérito pudesse vir ao crivo do debate público; entre outros. Todavia, a solução que, certamente, não se mostra como a que mais atende os ditames democráticos, é a opção por suprimir do debate legislativo questões que hábeis a trazer inovações no ordenamento jurídico, sob pena de afronta ao devido processo legislativo, bem como em desrespeito à teoria das capacidades institucionais.

Em segundo lugar, defende-se que a utilização de critério de maior tutela do meio ambiente como critério definidor de antinomias de normas, observa-se que este não tem a objetividade necessária para garantir a segurança jurídica nos chamados “casos difíceis”.

Pois bem.

Existem casos em que as zonas de certeza positiva e negativa podem ser claramente identificadas. Contudo, há casos de penumbra, em que a definição do que seria melhor tutela do ambiente incide em alto grau de subjetivismo do intérprete. Assim, a incerteza jurídica encerra um custo social grave, que certamente é traduzido em aumento de custo pelos investidores privados que atuam na área. Quanto maior o risco, maior o custo.

Esta síntese também é validada quando realizada em operação contrária. Ou seja, quanto o menor o nível de instabilidade do sistema jurídico, menor será o custo que o empreendedor embutirá em seu investimento.

Tal premissa pode ser ratificada por meio da síntese proposta por Carlos Ari Sundfeld sobre o convencionou chamar de direito administrativo dos negócios. Confira-se:

“A administração pública, ao atuar como sujeito em operações econômicas ou como reguladora da economia, está condicionada pelas normas de direito administrativo, edita atos e normas de direito administrativo ou usa instrumentos de direito administrativo. Assim, o ambiente jurídico dos negócios, em grande medida, é determinado peças características do direito administrativo dos negócios em vigor, isto é, pela parcela do direito administrativo que cuida ou resulta da regulação administrativa dos negócios ou que trata dos negócios de que a administração é parte.”[10]

Com isso, a adoção do critério hierárquico, além de ampliar o debate nas instâncias de poder, é capaz de gerar maior grau de segurança jurídica, pois seu critério é objetivo.

Ressalta-se que não se está a defender um enfraquecimento do poder regulamentar do CONAMA, mas apenas e tão somente conferir interpretação constitucionalmente adequada diante de suas capacidades, além de aprimorar o espaço dialético e cooperativo das instituições.

Neste diapasão, merece destaque as considerações de Antônio Inagê de Assis Oliveira ao afirmar que “a competência do CONAMA se limita a estabelecer critérios e normas gerais para o licenciamento”.[11]

Insta destacar que não se desconhece o processo de deslegalização que expraia seus efeitos em diverso ramos do direito público, sendo em alguns casos, inclusive, salutar. Todavia, em matéria ambiental, percebe-se que sua aplicação enseja incremento no grau de insegurança jurídica, diante das complexidades técnicas que envolvem o tema. Fato que inclui ampla gama de conclusões diversas de pesquisas científicas sobre quais medidas são mais eficientes para a tutela do ambiente, bem como a diversidade acerca do bioma local, fato que pode reverter em benefício em uma localidade e ser extremamente lesivo para outra com realidade diversa.

Não fosse o suficiente, em pesquisa sobre as Resoluções do CONAMA, Ingo Wolfgang Sarlet[12] argumenta que, diante da grande idiossincrasia que envolve a pesquisa pelas Resoluções, poderia ser interessante a análise da possibilidade de uma lei geral de tutela ambiental (um Código Ambiental), a exemplo do que tem ocorrido em outros Países e recentemente voltou a constar na pauta de discussões na Alemanha.

  

SÍNTESE CONCLUSIVA

  1. A tutela jurídica do ambiente não pode ficar a mercê de um processo legislativo engessado. É imprescindível garantir uma resposta legislativa consentânea com os anseios da atualidade.
  2. Contudo, é necessário aprimorar o processo legislativo, de modo a torná-lo mais dialético com os setores da sociedade.
  3. Ao CONAMA deve ser atribuído o poder de emitir resoluções com finalidade elucidativa, não instituindo novas obrigações, sob pena de violação ao princípio democrático do devido processo legal.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Filippe Augusto Vieira de. Resolução CONAMA 237, de 19.12.1997: um ato normativo inválido pela eiva da inconstitucionalidade e ilegalidade. Revista de Direito Ambiental, ano 4, n. 13, jan./mar. de 1999, p. 105-115.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Princípio da legalidade. Delegações legislativas. Poder regulamentar. Repartição constitucional das competências legislativas. Revista Forense, v. 337, jan./mar. de 1997, p. 203/216.

FERREIRA FILHO, Marcílio da Silva. Poder regulamentar: aspectos controvertidos no contexto da função regulatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

KRELL, Andreas. Leis de normas gerais, regulamentação do poder executivo e cooperação intergovernamental em tempos de reforma federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 1/69, 2. ed..

MOTTA, Fabrício. Função normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

SARLET, Ingo Wolfgang. As resoluções do CONAMA e o princípio da legalidade: a proteção ambiental à luz da segurança jurídica. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-25, abr./maio, 2008. Disponível em: www.planalto.gov.br/revistajuridica

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito público e regulação no Brasil. In: GUERRA, Sérgio (Org). Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: FGV, 2014, p. 111-142.

Notas de Rodapé:

[1] Membro da CDA/OAB-RJ. Mestranda em Direito da Cidade pela UERJ. Especialista em Direito Público pela UCAM. Pós-graduada em Direito pela EMERJ.

[2] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 20.

[3] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 145.

[4] KRELL, Andreas. Leis de normas gerais, regulamentação do poder executivo e cooperação intergovernamental em tempos de reforma federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 65.

[5] BARROSO, Luís Roberto. Princípio da legalidade. Delegações legislativas. Poder regulamentar. Repartição constitucional das competências legislativas. Revista Forense, v. 337, jan./mar. de 1997, p. 209.

[6] MOTTA, Fabrício. Função normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 260.

[7] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.337.

[8] ANDRADE, Filippe Augusto Vieira de. Resolução CONAMA 237, de 19.12.1997: um ato normativo inválido pela eiva da inconstitucionalidade e ilegalidade. Revista de Direito Ambiental, ano 4, n. 13, jan./mar. de 1999, p. 108.

[9] NOGUEIRA NETO, Paulo. O CONAMA, jovem de 25 anos. Resoluções do CONAMA. Disponível em www.mma.gov.br. Acesso em 5/11/2017.

[10] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito público e regulação no Brasil. In: GUERRA, Sérgio (Org). Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: FGV, 2014, p. 112.

[11] OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 354.

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. As resoluções do CONAMA e o princípio da legalidade: a proteção ambiental à luz da segurança jurídica. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-25, abr./maio, 2008. Disponível em: www.planalto.gov.br/revistajuridica, p. 22.

Palavras Chaves

CONAMA. Poder regulamentar. Limites e possibilidades