POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Resumo

O artigo busca apresentar um descritivo da atuação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro como um agente formulador e executor de políticas públicas que versam sobre o problema público da violência doméstica. Em específico, verifica como elas foram implantadas e a sua eficácia no enfrentamento da questão. Como recortes da pesquisa foram analisadas duas iniciativas promovidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A primeira foi a criação do Observatório Judicial de Violência contra a Mulher no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, e a segunda iniciativa foi criação do Projeto Violeta, política pública derivada da Lei Maria da Penha que tem como objetivo garantir a segurança e a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A contribuição dada é perceber como a questão da violência de gênero vem sendo incorporada à agenda das políticas públicas e de fornecer um mapeamento das políticas desenvolvidas no âmbito do judiciário estadual, na perspectiva de um constante processo de avaliação das políticas públicas, de modo a se tornarem coerentes, articuladas e orgânicas.

Artigo

POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 Simone Cuber Araujo Pinto

Resumo: O artigo busca apresentar um descritivo da atuação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro como um agente formulador e executor de políticas públicas que versam sobre o problema público da violência doméstica. Em específico, verifica como elas foram implantadas e a sua eficácia no enfrentamento da questão. Como recortes da pesquisa foram analisadas duas iniciativas promovidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A primeira foi a criação do Observatório Judicial de Violência contra a Mulher no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, e a segunda iniciativa foi criação do Projeto Violeta, política pública derivada da Lei Maria da Penha que tem como objetivo garantir a segurança e a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A contribuição dada é perceber como a questão da violência de gênero vem sendo incorporada à agenda das políticas públicas e de fornecer um mapeamento das políticas desenvolvidas no âmbito do judiciário estadual, na perspectiva de um constante processo de avaliação das políticas públicas, de modo a se tornarem coerentes, articuladas e orgânicas.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Poder Judiciário; Violência Doméstica.

Key words: Public policies; Judiciary; Domestic Violence.

Introdução

A Lei nº 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, passou a ser chamada Lei Maria da Penha em homenagem à mulher que foi vítima de duas tentativas de homicídio por seu marido – que a deixaram paralítica – e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres. O texto legal foi resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um conjunto de Organizações Não Governamentais (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis). Esta proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional.

Foram realizadas audiências públicas em assembleias legislativas das cinco regiões do país, ao longo de 2005, que contaram com participação de entidades da sociedade civil, parlamentares e da SPM. A partir desses debates, novas sugestões foram incluídas em um substitutivo. O resultado dessa discussão democrática foi a aprovação por unanimidade no Congresso Nacional.

Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), adotada em 1979 pela Organização das Nações Unidas (ONU), à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”, da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada em 1994. Ambas as Convenções foram ratificadas pelo Brasil em 1994.

A Lei Maria da Penha estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher – criados a partir dessa legislação – e no caso das cidades sem juizados especializados são julgados nas Varas Criminais. A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social[1].

De acordo com o Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil, o país tem taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, que o torna a quinta maior do mundo. Apesar da existência da Lei Maria da Penha, entre 2006 e 2013, apenas cinco estados registraram queda nas taxas de violência doméstica: Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. Nas 22 unidades federativas restantes, no mesmo período, as taxas cresceram com ritmos extremamente variados: de 3,1% em Santa Catarina, até 131,3% em Roraima (WAISELFISZ, 2015).

Os dados do Dossiê Mulher 2016, publicado pelo Instituto de Segurança Pública-ISP/RJ, apontam que no município do Rio de Janeiro ocorreram 56.232 casos de delitos relacionados à violência contra a mulher apenas no ano de 2015. No que diz respeito à proximidade da vítima com seu agressor, a mulher sofre mais com a violência ocorrida no espaço privado e os agressores são (ou foram) namorados ou maridos/companheiros, ao contrário da violência contra os homens, que ocorre no espaço público e em grande parte é praticada por outro homem.

A Lei Maria da Penha reforçou a abordagem feminista da criminalização da violência e propôs, em simultâneo, um tratamento multidisciplinar, estabelecendo medidas protetivas e preventivas – além das criminais – para o enfrentamento da violência doméstica. Em seu art. 8º, II, determina que a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações de Organizações Não Governamentais (ONGs), tendo por diretrizes a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para que haja a sistematização de dados a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas (BRASIL, 2006).

Políticas públicas são comumente entendidas como um instrumento ou conjunto de ações de governos (SOUZA, 2007), elaboradas com o objetivo de solucionar um problema público (SECCHI, 2012). A ampliação desse conceito leva ao sentido de que uma política pública pode ser elaborada pelo Estado (em seus três poderes), por organizações não governamentais ou por instituições privadas, desde que se refiram à coisa pública. Por isso as políticas públicas vão além das políticas governamentais se considerado que o governo não é a única instituição a promovê-las. O que as definem, nesse caso, é a existência de um problema público.

Nesse sentido o presente artigo se propõe a descrever a atuação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro como um agente formulador e executor de políticas públicas que versam sobre o problema público da violência doméstica. Em específico, busca verificar como elas foram implantadas e a sua eficácia no enfrentamento da questão. Entende-se aqui que “a eficácia das políticas públicas depende do grau de eficiência da gestão – o que, por sua vez, implica não apenas a qualidade dos gestores para exercer seu ofício público, mas também um ambiente de atuação que favoreça a governança democrática e a responsabilização política” (RODRIGUES, 2011, p. 24).

Como recortes da pesquisa são analisadas duas iniciativas promovidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A primeira é a criação do Observatório Judicial de Violência contra a Mulher no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, um instrumento de estudos e análise no campo da administração da Justiça que promove iniciativas e medidas destinadas a combater o problema social da violência doméstica e de gênero.

A segunda iniciativa do Tribunal voltada ao combate da violência doméstica é a criação do Projeto Violeta, política pública derivada da Lei Maria da Penha que tem como objetivo garantir a segurança e a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, promovendo a celeridade do provimento jurisdicional cautelar às vítimas que estão em situação de risco de vida. O Observatório e o Violeta são projetos distintos e autônomos, sendo a ligação entre eles (além da temática da violência doméstica e familiar) o fato de o Projeto Violeta, sendo uma das políticas desenvolvidas pelo Tribunal, encontra-se descrita no referido sítio.

Assim, o objetivo geral do artigo é apresentar um quadro descritivo da atuação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro enquanto promotor de políticas públicas voltadas ao combate da violência doméstica. De forma específica, irá: i) abordar o conceito de política pública pelo viés dos múltiplos promotores; ii) descrever a composição e atuação do Observatório Judicial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; iii) apresentar uma análise dos objetivos do Projeto Violeta, qual seja, a celeridade no atendimento às mulheres atingidas pela violência doméstica a partir das estatísticas extraídas dos processos judiciais abertos no âmbito do Projeto Violeta.

Sendo pesquisadora integrante do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE), criado no âmbito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), o enfoque dado a esse trabalho está relacionado aos objetivos do Núcleo, cujas pesquisas são destinadas a analisar a atuação do Tribunal de Justiça e propor recomendações de aperfeiçoamento, em um processo de auto avaliação da abrangência e efetividade dos projetos executados relacionados às questões de gênero, raça e etnia. A descrição dos dois projetos aqui apresentados – o Observatório Judicial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e o Projeto Violeta – se propõe, então, a apresentar o estado da arte das ações desenvolvidas por eles atualmente.

Como recorte temporal a pesquisa abrange os anos de 2015 e 2016 para a análise do histórico e atuação do Observatório, o período de 2013 a 2016 para a análise do histórico do Projeto Violeta e o ano de 2015 para a análise das estatísticas das ações judiciais do Projeto Violeta.

A pesquisa sobre o Observatório foi realizada a partir das informações disponibilizadas no sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e que foram aqui descritas. A análise do Projeto Violeta apresentada foi feita a partir do relatório de pesquisa das ações judiciais que foram abertas no I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, elaborado pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE/EMERJ, 2017).

Além de uma breve revisão bibliográfica sobre políticas públicas, será apresentada a descrição e análise das políticas públicas que são os objetos da pesquisa e uma análise estatística dos dados relativos à efetividade do Projeto Violeta.

  1. Políticas públicas no âmbito da violência doméstica

Uma definição clássica do que é uma política pública é a proposta por Theodor Lowi, segundo o qual é “uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções positivas ou negativas” (apud SOUZA, 2007, p. 10). O autor propõe também uma classificação para os diversos tipos de políticas públicas possíveis. Uma política regulatória seria aquela que estabelece padrões de comportamento, serviço ou produto para atores públicos e privados. Políticas distributivas se referem a decisões tomadas pelo governo que são distribuídas para determinados grupos devido a limitação dos recursos que impossibilitam a inclusão de toda a sociedade, assim privilegiando alguns em detrimento de outros. Já as políticas redistributivas atingem um maior número de pessoas e podem ser entendidas como políticas sociais universais. E por último as políticas constitutivas, que estabelecem procedimentos, competências, regras de disputa política e da elaboração de políticas públicas. Este tipo estaria acima dos três demais e moldariam a dinâmica política nas outras arenas (SECCHI, 2012).

A partir da ideia de que as políticas públicas vão além das ações governamentais, Volker Schneider (2005) e Kenis e Schneider (1991) utilizam a expressão “redes de políticas públicas” para sugerir a ideia de que a problematização, deliberação, implementação e processamento político de um problema público “não é mais um assunto exclusivo de uma hierarquia governamental e administrativa integrada, senão que se encontra em redes, nas quais estão envolvidas organizações tanto públicas quanto privadas” (SCHNEIDER, 2005, p. 37). O denominador mais comum de todas as análises de redes de políticas públicas é que a formulação de políticas públicas não é mais atribuída somente à ação do Estado enquanto ator singular e monolítico, mas resulta da interação de muitos atores distintos. A própria esfera estatal é entendida como um sistema de múltiplos atores (Idem, p. 38).

Souza (2007) apresenta outra tipologia que considera a política pública como um ciclo deliberativo, um processo dinâmico formado por vários estágios e que leva a sociedade a um aprendizado. A definição de agenda é o estágio mais importante desse ciclo, pois deriva da questão do por quê determinados problemas entram na agenda política e social e outros são ignoradas. Outros elementos desse ciclo seriam os participantes do processo decisório e o processo de formulação da política pública. A relação entre eles pode ser de incentivo ou de veto.

Os governos podem definir suas agendas com foco em um problema que, a partir de um determinado momento, passa a ser reconhecido pela sociedade e a ser exigida uma ação que o combata. Podem definir também através de uma política propriamente dita, que parte do questionamento de como se construir uma consciência coletiva que enfrente o problema. Essa construção seria um fator determinante e poderoso para colocar a questão na agenda política. E ainda podem partir dos participantes envolvidos, que podem ser atores visíveis (políticos, mídia, grupos de pressão, etc.) ou invisíveis (a burocracia e a academia). Os primeiros teriam por função definir a agenda e os segundos a de propor alternativas (Idem, p. 25).

A violência de gênero começa a fazer parte da agenda mundial a partir da década de 70, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a promover atos do Dia Internacional da Mulher e realizou a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), adotada em 1979 e cujo mote principal era “os direitos da mulher também são direitos humanos”.  Mas apenas na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos (Reunião de Viena), em 1993, a sua Comissão de Direitos Humanos incluiu um capítulo com proposições para a eliminação da violência contra a mulher (BLAY, 2003).

Também na década de 1970 a sociedade brasileira foi assaltada pela questão da violência motivada por questões de gênero, os casos até então considerados como “crimes de honra”. O marco pela luta em defesa da vida das mulheres e pela punição dos assassinos foi o caso “Doca Street”, que matou sua companheira Angela Diniz. Houve uma grande pressão popular para que o assassino fosse condenado, com as mulheres clamando o lema “quem ama não mata”. Para a defesa do criminoso foi montado um perfil de bom homem, bom pai, trabalhador, enquanto a vítima teve sua vida íntima devassada e maculada (Idem, p. 90).

Movimentos sociais e Organizações não governamentais feministas começam a surgir formados por mulheres da classe média, militantes políticas, sindicalistas e intelectuais, todas em torno da defesa de direitos igualitários entre homens e mulheres. Surgiram também entidades dedicadas a abrigar mulheres vítimas de violência doméstica. Com o fim da ditadura militar e o processo de democratização do Estado brasileiro, foi criado na cidade de São Paulo o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina (1983) e a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (1985), dedicada a combater especificamente esse tipo de violência.

A criação das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM), que também podem ser chamadas de Delegacias de Defesa da Mulher, são fruto de demandas feministas que atuaram ativamente na Assembleia Constituinte de 1987 (MELLO, 2016). Destaca-se o pioneirismo do Brasil com este modelo de delegacia que, posteriormente, serviu de modelo para vários países da América Latina. A necessidade deste tratamento diferenciado está fundamentada em um tratamento das vítimas pelos agentes de polícia que muitas vezes constrangiam, humilhavam e revitimizavam a mulher que escolhia fazer uma denúncia (BANDEIRA, 2014). O resultado dessa conduta institucional era o descrédito da mulher nas autoridades policiais e a subnotificação das denúncias de violência de gênero.

Percebe-se, então, que ao Estado não cabia apenas a criação desses espaços de apoio e proteção, era necessário que seus servidores fossem conscientizados de que viviam em uma sociedade patriarcal e machista, e aprendessem que as mulheres possuíam direitos. Era necessário alterar essa relação de subordinação de gênero e redefinir os papéis sociais de homens e mulheres, posto que os crimes continuavam a acontecer. (BLAY, 2003).

Ávila nos fornece uma visão do tamanho do desafio a ser enfrentado, ao afirmar que:

a conquista de direitos pelas mulheres implica transformações que não alteram apenas as relações entre homens e mulheres, mas também as estruturas sociais e, portanto, a organização da vida social. Por isso a vivência desses direitos, como parte da vida cotidiana, implica transformações sociais de ordem material e simbólica, pois a vivência exige condições objetivas e subjetivas, construção de valores e acesso à riqueza material. (ÁVILA, 2002, p. 126)

As formas pelas quais a sociedade foi incorporando o problema da violência doméstica em sua agenda e as respostas produzidas por alguns de seus atores foram objeto de análise de Eva Blay (2003). Em 1995 a autora iniciou uma pesquisa sobre homicídios de mulheres com o objetivo de verificar como eles eram tratados pela mídia, nos Boletins de Ocorrência (BO) das Delegacias de Polícia da capital de São Paulo e nos processos judiciais, por meio de uma amostra representativa dos cinco Tribunais do Júri da capital de São Paulo. Sua motivação era saber como a mídia, no início tão resistente a compreender a situação da mulher como vítima e não como culpada, comportava-se na atualidade; como os BOs registravam esses crimes e como eram julgados os assassinos de mulheres (Idem, pg. 92).

Em relação à atuação do Poder Judiciário, a autora constatou que, do total de processos enviados aos Tribunais e que não foram a Júri ou estavam sem julgamento definitivo, 50 % foram arquivados porque os criminosos não foram identificados; 24% estavam suspensos porque o réu; em dois casos foram impronunciados porque as provas eram insuficientes; e em três casos os réus foram absolvidos. Da amostra analisada, apenas 14% dos processos de homicídio de mulheres chegaram ao fim e tiveram seus réus condenados. Para ela, o principal obstáculo para uma atuação mais célere e eficiente da Justiça se encontrava nos trâmites legais do processo, que deveriam ser mais ágeis e limitados, pois as diversas etapas pelas quais passava facilitava a fuga dos réus ou a perda de contato com as testemunhas, aumentando o grau de impunidade desses crimes.

Além da Lei Maria da Penha, outra resposta do Estado brasileiro diante da persistência dos crimes contra mulheres foi a promulgação da Lei nº 13.104/15, conhecida como a Lei do Feminicídio. Por feminicídio entende-se o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro. Dentre os pontos mais importantes da Lei, ela: I – Prevê o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio quando é praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino; II – Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolver: a) violência doméstica e familiar contra a mulher; b) ou menosprezo e discriminação contra a mulher; III – prevê causas de aumento da pena de 1/3 até a metade se o crime for praticado: a) durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; b) contra menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência; c) na presença de descendente ou ascendente da vítima; e IV– Considera-se crime hediondo (BRASIL, 2015).

Mas a principal questão da pesquisa de Eva Blay (2003) continuava em aberto: por que – após trinta anos de feminismo, de mudanças na condição socioeconômica das mulheres e de novas reflexões da sociedade sobre a relação entre homens e mulheres – os crimes de gênero continuam a ocorrer. Essa contradição pode ter como explicação a persistência da relação de subordinação da mulher ao homem de quem é considerada como uma propriedade; a dramatização romântica do amor passional evocada pela mídia de forma recorrente; a pouca importância que as instituições do Estado dão às denúncias e ao julgamento do assassinato de mulheres. E se pode acrescentar os aparatos de educação formal que reforçam as desigualdades de gênero através das práticas de formação de crianças e jovens.

Essa visão é realçada por Muniz ao considerar que:

os crimes de estupro, assassinato de mulheres e feminicídio são a expressão mais cruel dessa desigualdade, uma ferida aberta e exposta em nosso cotidiano social. É uma chaga que sangra e ressangra, que é aberta e reaberta, que não cicatriza, não obstante as múltiplas profilaxias pensadas e utilizadas para removê-la do corpo social, extirpá-la do tecido social e cultural. Embora de fácil diagnóstico é, porém, uma ferida de difícil tratamento e cura porque gerada e gestada em campo propício: o da cultura do patriarcado. Cultura, essa teia de significados historicamente produzidos e compartilhados em que o sexismo é um de seus eixos estruturantes. (…) A cultura machista inscreve-se nessa lógica sexuada segundo a qual os lugares, papéis, atividades e posições das pessoas são definidas segundo seu sexo social, seu gênero, masculino ou feminino. (MUNIZ, 2017, p. 38/39)

Para Blay, a melhor forma de se modificar a cultura que coloca as mulheres em uma condição de subordinação é através de uma articulação e atuação de vários atores e setores da sociedade. São necessárias políticas públicas transversais que visem incrementar a visão de que os direitos das mulheres são Direitos Humanos (BLAY, 2003, p. 96 e 97).

Seguindo essa linha de pensamento, o presente trabalho busca apresentar exemplos de atuação no âmbito do Poder Judiciário do Rio de Janeiro no combate à violência doméstica. Pela tipologia de Lowi (SOUZA, 2007), considera-se as ações voltadas à conscientização e combate à violência de gênero como uma política pública regulatória, posto que elas buscam uma mudança nos padrões de comportamento da sociedade, especificamente aqueles moldados pelo modelo patriarcal[2] e pela cultura machista. Depois de estabelecida, essa política pública pode se desdobrar em programas, projetos, grupos de pesquisa e base de dados que fomentarão a definição da agenda social, conforme será exemplificado na próxima seção.

  1. O Observatório Judicial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Considerada como uma função do Estado, a construção de políticas públicas judiciárias de enfrentamento a questões sociais, como é o caso da violência doméstica e familiar, surge como um complemento para a atuação dos demais poderes – executivo e legislativo. E deriva das convenções internacionais e de leis nacionais que determinam ao Poder Judiciário, mais do que uma competência para julgar, um novo dever de implemento de condutas proativas.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) tem buscado cumprir seu papel através da elaboração, implemento e desenvolvimento de políticas públicas judiciárias de prevenção à violência doméstica, como o apoio, suporte físico-emocional e abrigo às vítimas, e projetos de atenção também aos agressores.

Como ressaltado por Gaulia:

[…] não se deve esquecer a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher), de 09/06/1994, que impôs aos Estados signatários que estabelecessem mecanismos judiciais e administrativos, necessários para assegurar que a mulher sujeita à violência doméstica tivesse efetivo acesso ao Judiciário e à Justiça. (…) o Poder Judiciário faz parte de uma rede de integração operacional e multifacetada, com o Ministério Público, Defensoria, e inúmeras áreas no plano do Executivo de enfrentamento eficiente, constante e persistente da violência doméstica e familiar. Por isso, ainda, os mecanismos devem ser plúrimos para estimular o conhecimento empírico sobre esse tipo de violência, quebrar o ciclo inerente à cultura patriarcal e estabelecer paradigmas progressistas da cultura jurídica, que contribuam para a mudança das mentalidades. (GAULIA, 2015, p. 10).

Dentre os mecanismos criados pelo TJRJ, destaca-se o funcionamento de dois projetos: o Observatório Judicial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e o Projeto Violeta.

O Observatório é um instrumento de análise e de atuação que, no âmbito da administração da justiça, promove iniciativas e medidas dirigidas a erradicar o problema social da violência doméstica e familiar contra a mulher. Criado em conjunto com a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), através do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE)[3], o principal objetivo é abordar o tratamento deste tipo de violência no campo da administração da justiça.

Instituído por ato executivo do Presidente do Tribunal no ano de 2015, o Observatório é composto por um portal, hospedado no sítio do TJRJ[4], no qual são reunidos dados, informações, campanhas e notícias ligadas aos casos de crimes cometidos contra a mulher[5]. Esse portal funciona como ferramenta destinada a melhorar a coordenação das instituições envolvidas nas diversas iniciativas de erradicação da violência doméstica e de gênero. Qualquer pessoa, por meio do Observatório Judicial de Violência contra a Mulher, pode acompanhar a movimentação processual de casos relacionados à violência de gênero, ressalvadas as hipóteses de decreto oficial de segredo de justiça.

O Observatório funciona como uma base de dados estatísticos e informações sobre violência doméstica e familiar contra mulher no âmbito da administração da justiça fluminense. Além disso, realiza reuniões com associações de mulheres em situação de violência, bem como com as agências e instituições envolvidas neste domínio.

A utilidade do Observatório está relacionada com os objetivos definidos no seu documento de criação como: a coleta e análise de dados de estatísticas judiciais, do número de reclamações, das ordens de proteção, dos julgamentos, dos dados das vítimas; a promoção de estudos e pesquisas sobre a resposta judicial dada às ações; e o desenvolvimento de conclusões e recomendações sobre a evolução e o combate da violência de gênero.

A estrutura do portal, com os principais elementos e informações que o compõem, são apresentados nos próximos subitens.

2.1 –  Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – O que é violência doméstica?

Nessa parte do portal são apresentados os principais dados estatísticos sobre a violência contra a mulher no Brasil e, em específico, no Estado do Rio de Janeiro. Os links disponibilizados direcionam a/o leitora/r ao conteúdo de páginas e trabalhos que versam sobre a incidência de atos contra as mulheres, como o Mapa da Violência do ano de 2015 que foi dedicado à análise da violência de gênero[6].

Outro trabalho disponibilizado é o Relatório de Dados Compilados sobre Violência Doméstica e Familiar (2016)[7], produzido pela própria equipe de mantenedores do Observatório. Nele são apresentados dados estatísticos do período de janeiro de 2011 a junho de 2016, divididos em capítulos que mostram um panorama dos números de novas ações ano a ano e dos processos em trâmite nos Juizados Especiais de Violência Familiar contra Mulher (JVDFM) e os demais Juízos Criminais com competência para a matéria. Apresentam também os números de audiências realizadas e de sentenças proferidas, os dados relativos aos números de Medidas Protetivas de Urgência Deferidas (dispositivo incluído na Lei Maria da Penha para garantir o afastamento da vítima de seu agressor), os dados do Projeto Violeta (tema a ser detalhado na próxima seção desse artigo) e os dados estatísticos das ações penais mais distribuídas no Estado, conforme disposto na Lei nº. 11340/06. Apresenta ainda os crimes classificados segundo as formas de violência, apontando as comarcas do Estado que possuem as maiores ocorrências, os dados referentes aos atendimentos realizados pela equipe multidisciplinar que atua na Sala Lilás (espaço disponibilizado pelo Departamento Médico-Legal criado para o atendimento especializado às vítimas de violência física e sexual) e os dados referentes aos crimes de Feminicídio.

O segundo tópico – Lei Maria da Penha – tem um caráter histórico e pedagógico, com um texto sobre a conquista de direitos pelas mulheres no Brasil e o contexto da criação da Lei Maria da Penha. O corpo do texto possui diversos links que redirecionam o leitor à obras acadêmicas, à legislação sobre o direito ao voto das mulheres e à outros materiais acadêmicos.[8]

O terceiro tópico – Tipos de violência – apresenta o chamado “ciclo da violência”, a distinção entre violência de gênero e violência doméstica e a classificação para os diferentes tipos de crimes domésticos praticados (psicológica, física, sexual, patrimonial e moral). Disponibiliza também o vídeo “Violência Psicológica Contra a Mulher”.

O quarto tópico – Legislação – dispõe toda a legislação pertinente ao tema da violência contra as mulheres no Brasil, os Tratados e Convenções Internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres e a Legislação Internacional. Para dar apenas três exemplos: Lei nº 12.845, de 01/08/2013 – Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual; Observação e recomendação do Comitê CEDAW sobre o Relatório do Brasil (fevereiro 2012); Handbook for Legislation on Violence against Women (UN, 2009).

No quinto tópico o sítio do Observatório apresenta a Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CEJEM, órgão colegiado administrativo de assessoria, auxílio e apoio ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, criada em 2013 e que tem, entre outras atribuições, planejar, elaborar e sugerir o aprimoramento da estrutura organizacional e administrativa do Poder Judiciário na área de violência doméstica e familiar contra a mulher; oferecer diretrizes comuns e suporte administrativo aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais, visando à melhoria da prestação jurisdicional na área de violência doméstica e familiar contra a mulher e promover a articulação interna e externa do sistema judiciário dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher com outros órgãos governamentais e não-governamentais, interagindo, sempre que necessário, com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, atuando em rede com entidades voltadas à promoção dos direitos da mulher em situação de risco.

O tópico seguinte – Cejuvida – é dedicado a demonstrar a atuação da Central Judiciária de Abrigamento Provisório da Mulher Vítima de Violência de Doméstica, que propicia apoio e auxílio às mulheres e seus filhos menores vítimas de violência doméstica e familiar quando em situação de grave ameaça ou risco. Integrada ao Plantão Judiciário, a CEJUVIDA foi concebida para servir como um núcleo integrado de apoio aos Juízes competentes e aos Delegados de Polícia, que fora do horário forense, precisam garantir o encaminhamento emergencial seguro e célere de mulheres e seus filhos menores às casas-abrigo. Apresenta também dados estatísticos sobre o número de atendimentos prestados e os tipos de atendimentos realizados.

O sétimo tópico do módulo Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – apresenta as ações do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – FONAVID, que tem a finalidade de reunir Juízes de todo o Brasil que atuam com a temática da violência doméstica. Nos encontros do Fonavid são elaboradas recomendações para a atuação dos Tribunais de Justiça (p. ex. que promovam a formação multidisciplinar destinada a magistrados (as) e servidores (as), incorporando a perspectiva de gênero e o impacto dos diferentes tipos de violência contra as mulheres, sobre a saúde mental e efeitos do trauma, a fim de propiciar melhor valoração da prova a partir do conhecimento e estudo de outras ciências) e Enunciados gerais para a atuação dos magistrados nos processos (p. ex. Enunciado 37: A concessão da medida protetiva de urgência não está condicionada à existência de fato que configure, em tese, ilícito penal).

No último tópico são apresentados dados estatísticos das ações penais mais distribuídas, dos processos em trâmite no Estado, dos novos Procedimentos, das Medidas Protetivas de Urgência, das Audiências e Prisões já realizadas e das Sentenças proferidas.

2.2 – Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

No Estado do Rio de Janeiro existem 11 unidades que acolhem um Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: no município há o I JVDFM, da Comarca da Capital; o II JVDFM, da Regional de Campo Grande; o III JVDFM, da Regional de Jacarepaguá; o IV JVDFM, da Regional de Bangu; o V JVDFM, também da Comarca da Capital; o VI JVDFM, da Regional da Leopoldina; e o VII JVDFM, da Regional da Barra da Tijuca. Em outros municípios há o JVDFM, da Comarca de Niterói; o JVDFM, da Comarca de São Gonçalo; o JVDFM, da Comarca de Duque de Caxias; e o JVDFM, da Comarca de Nova Iguaçu-Mesquita.

No sítio do Observatório estão todas as informações concernentes a essas unidades, como endereço, telefone, e-mail, nomes do Juiz Titular, dos juízes em exercício e da Titular do Cartório. Informa também sobre a existência dos Juizados Móveis, unidade móvel que é acionada quando da necessidade de força de trabalho extraordinária. Nela trabalham todos os profissionais indispensáveis para a prática dos atos processuais. Os serviços disponíveis são todos aqueles necessários para agilizar a prestação da jurisdição: análise de medidas protetivas, atendimento da equipe multidisciplinar, encaminhamento de mulheres vítimas de violência doméstica para a rede especializada, realização de audiências, atendimento da Defensoria Pública e do Ministério Público.

O item – Práticas Sociais Positivas – é uma área destinada à divulgação de práticas bem-sucedidas nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com destaque para as que aperfeiçoam rotinas e superam dificuldades nos fluxos dos processos e na implementação dos direitos da mulher. A apresentação de todas essas práticas dá visibilidade à essas ações sociais, estimulando a melhoria contínua da prestação jurisdicional a partir dos modelos que serão observados por todos. O objetivo é que, em médio prazo, ocorra a institucionalização de algumas das iniciativas, transformando-as em projetos perante todo o Tribunal.

O I JVDFM acolhe o Grupo Reflexivo com autores de violência doméstica contra a mulher, pautados na Lei Maria da Penha e na compreensão de que a ideologia da sociedade patriarcal legitima as desigualdades de gênero e determina a reprodução do fenômeno da violência de gênero. Através do atendimento aos autores em situação de violência, o grupo busca estimular o rompimento do ciclo de violência[9], bem como trabalhar a responsabilização frente a violência perpetrada. Propõe a discussão acerca da violência doméstica em todas as suas expressões e a reflexão para a resolução de conflitos sem uso de violência, buscando com isso prevenir a repetição da violência. O Grupo também desenvolve campanhas educativas voltadas para os autores. Na Comarca de Nova Iguaçu é desenvolvido o projeto Escola de Homens, também voltado aos autores de violência doméstica e /ou familiar que são encaminhados por determinação Judicial.

A Comarca de São Gonçalo possui uma Central de Apoio e Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas à Prisão (CPMA-SG), composta pelo cartório e por uma equipe técnica multidisciplinar que acompanha e fiscaliza o cumprimento das penas restritivas de direito previstas na legislação penal, aplicadas de forma substitutiva ou como condição de sursis[10] e, ainda, as medidas alternativas previstas na Lei dos Juizados Especiais. Os membros da equipe atendem às demandas processuais, fazem o monitoramento das instituições, acompanham a efetivação dos convênios e encaminham os beneficiários para o cumprimento das medidas e penas alternativas. Além das entrevistas individuais e/ou em grupo em cada processo, desenvolvem também grupos reflexivos, em separado, de homens e mulheres envolvidos em situação de violência doméstica, grupos reflexivos de pais envolvidos em situação de violência doméstica, grupo com as instituições conveniadas com a CPMA/SG, Programa Justiça Restaurativa e acompanhamento psicológico.

No III JVDFM, da Regional de Jacarepaguá, ocorre o Grupo de Mulheres, que são reuniões com mulheres em situação de violência e que apresenta dois objetivos bem definidos, o de acolher e de informar, e um objetivo maior – que é o de empoderamento dessas mulheres através da conscientização de seus direitos. O grupo é realizado quando a mulher é convocada pela equipe técnica pela primeira vez, comportando um único encontro. A pauta é constituída de uma parte fixa e uma parte livre, possibilitando a discussão de temática emergente, dependendo da dinâmica que se estabeleça em cada grupo. Uma das informações disponíveis diz respeito aos possíveis desdobramentos após a realização do Registro de Ocorrência Policial. Depois da participação no grupo, as mulheres são atendidas individualmente por um técnico da equipe, que realiza a intervenção de acordo com a singularidade da situação que é trazida.

Por fim, estão sistematizadas todas as estatísticas de atendimento de cada um dos JVDFM, separados pelas cinco formas de violência (física, psicológica, moral, patrimonial e sexual) e seus crimes correlatos, no período de 2011 a 2017.

2.3 – A Sala Lilás

A Sala Lilás é um espaço criado para prestar atendimento especializado e humanizado às mulheres vítimas de violência física e sexual que funciona dentro do Instituto Médico Legal (IML), no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O local está equipado para fazer exames periciais e possui uma equipe multidisciplinar composta por policiais, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiras para realizar os atendimentos especializados. O objetivo da sala é o de ajudar as vítimas a se sentirem mais à vontade para relatar e falar sobre a violência sofrida. A sua ambientação busca ser acolhedora e aconchegante, servindo de apoio para as vítimas que estão em momentos de extrema fragilidade física e emocional. O projeto surgiu de uma parceria da Polícia Civil com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as secretarias Estadual e Municipal de Saúde, além da Secretaria Especial de Política para as Mulheres e do Rio Solidário, e está em funcionamento desde dezembro de 2015.

2.4 – Feminicídio

Nesse item o leitor do sitio do Observatório recebe todas as informações sobre a Lei do Feminicídio, com link para o seu teor, o histórico de sua criação, a definição de que tipo de crime é nela enquadrado e o destaque sobre seus principais pontos. São apresentados também seus dados estatísticos de 2015 a 2017 (janeiro e fevereiro).

2.5 – Ouvidoria da Mulher

A Ouvidoria se propõe a ser um canal direto entre a mulher em situação de violência e a justiça fluminense. Seu objetivo é o de facilitar o acesso à informação às mulheres que tenham dúvidas, reclamações ou sugestões relativas a processos já existentes na competência de Violência Doméstica.   Ele possui uma Ouvidora Geral (atualmente a Juíza Andrea Pachá) e seu atendimento ocorre por telefone, e-mail, por correspondência e por atendimento pessoal.

É disponibilizado também informação sobre o Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher. Criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em 2005, ele serve de canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina de todo o país. Segundo dados do Observatório, desde sua criação em 2005, o Disque 180 já registrou 4.488.644 atendimentos.

2.6 – Rede Especializada de Atendimento à Vítima de Violência

Atendendo a um de seus objetivos, o portal do Observatório Judicial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher funciona como uma fonte de integração entre as instituições governamentais e não-governamentais, contendo links, telefones, e endereços de toda rede especializada de atendimento à mulher. Nesse item são disponibilizadas as informações sobre todas as unidades que compõe a rede estadual. Apenas como alguns exemplos, em Angra dos Reis existe a Coordenadoria de Políticas Públicas para Mulheres e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); em Araruama, o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CRAM) e o Núcleo de Atendimento às Mulheres (NUAM) e em Belford Roxo, o Cento Especializado de Atendimento à Mulher de Belford Roxo (CEAMBEL) e a Superintendência de Políticas para as Mulheres.

Há também um link que redireciona o internauta ao sitio do Planalto (planalto.gov.br) que apresenta a composição da rede nacional de atendimento à mulher.

2.7 – Projetos e Convênios

Módulo dedicado a apresentar os convênios do Tribunal com outras instituições e os projetos institucionais por ele desenvolvidos. Entre os convênios estão o da ONG Entre Amigos, cujo objetivo é o de proporcionar às mulheres vítimas de violência doméstica cursos profissionalizantes de modo a contribuir para seu desenvolvimento pessoal e profissional, facilitando assim sua inserção no mercado de trabalho; Convênio com a Fundação Saúde[11] cujo objeto é a conjugação de esforços para a estruturação e funcionamento dos I, II, III e VI Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, bem como o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Nova Iguaçu; Convênio com o Alcóolicos Anônimos (AA), cujo objeto consiste em normatizar os procedimentos de encaminhamento de autores de fato oriundos de processos de Juizados Especiais Criminais ou de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e ainda de réus condenados com penas em execução na Vara de Execuções Penais – VEP para unidades do AA para que tomem conhecimento do Programa de Recuperação de Alcoolismo;

O TJRJ assinou, em 2016, uma parceria com o movimento ElesPorElas (HeForShe), da ONU Mulheres, que une os esforços das mulheres e dos homens na abordagem da igualdade de gênero. Considerando o papel fundamental de homens e meninos como defensores e agentes de mudança, a campanha ElesPorElas (HeForShe) fornece uma plataforma para que os homens se identifiquem com as questões da igualdade de gênero e com seus benefícios, que tem o poder de libertar não só as mulheres, mas também os homens de papéis sociais prescritos e de estereótipos de gênero.

Entre os projetos desenvolvidos pelo judiciário estadual estão o Projeto Violeta, que busca a celeridade do provimento jurisdicional cautelar às vítimas que estão em situação de risco de vida (tema da próxima seção) e dois projetos ligados à área de educação, o Sementes do Amanhã e o Uni-Duni-Tê. Em relação a esses projetos educacionais o portal do Observatório não fornece dados para o acompanhamento das ações efetivamente realizadas e as escolas encampadas em sua programação.

  1. O Projeto Violeta

A Lei Maria da Penha é um marco para o processo histórico de construção e reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos no Brasil. Em seu bojo, trabalha com uma concepção ampla de acesso à justiça, contemplando medidas judiciais e extrajudiciais. Sabe-se que as medidas judiciais muitas vezes funcionam como uma resposta pontual a uma situação de violência, sendo ineficazes para sanar o problema social. Por esse motivo, o legislador ofereceu à matéria um tratamento especial, integrando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nas esferas municipais, estaduais e federal com o objetivo de articular políticas públicas que fossem eficazes para combater a violência baseada no gênero. É fundamental, portanto, que varas e juizados especiais estejam articulados à rede de atendimento especializado, facilitando os encaminhamentos intersetoriais requeridos pela abordagem integral para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Deste novo paradigma de integração e atuação interinstitucional, nasce o “Projeto Violeta”. O principal objetivo é, portanto, o aprimoramento de alguns aspectos da Lei Maria da Penha para aumentar a proteção às vítimas e permitir a cooperação dos diversos órgãos de dentro e de fora do judiciário, com vistas ao pleno acesso à justiça. O projeto foi inicialmente criado pelo I Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, em meados do ano de 2013, a partir da verificação do longo decurso de tempo entre o registro do fato e a decisão judicial em inúmeras situações graves de violência contra a mulher. Até o presente momento o Projeto está implantado nos I, II, II, IV e V JVDFM e no da Comarca de Nova Iguaçu – Mesquita.

O alvo do projeto é garantir a segurança e proteção imediatas às mulheres em situação de violência doméstica e melhorar a qualidade do atendimento dispensado a elas no Poder Judiciário, levando em conta que a assistência jurídica gratuita se configura como instrumento fundamental para a efetividade do princípio do acesso à justiça e do processo justo.

Destaca-se ainda a importância de assegurar a cooperação entre todas as instituições envolvidas, quais sejam: os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, a Defensoria Pública, Ministério Público e a Policia Civil. A cooperação entre as instituições garante uma maior eficácia às medidas protetivas de urgência, na medida em que abrange todos aqueles que utilizam seus esforços para amparar os direitos e interesses das vítimas que se encontram numa situação de vulnerabilidade.

O protocolo do Projeto Violeta estabelece alguns critérios com a finalidade de proteger adequadamente as mulheres em situação de violência doméstica: i) Entrada no Poder Judiciário: a mulher, após o registro da ocorrência e verificada a gravidade do caso, é encaminhada pelas Delegacias de Polícia diretamente aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, munida com a cópia do referido registro para que o pedido de medida protetiva seja apreciado no mesmo dia do fato. Os pedidos urgentes saem das delegacias com uma tarja na cor violeta que indica a urgência no trâmite; ii) Acolhimento da equipe técnica: ao chegar ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, a vítima preenche o Formulário de Requerimento de Medidas Protetivas, com auxílio da equipe multidisciplinar, instrumento que irá facilitar o atendimento e dará celeridade ao procedimento de concessão de medidas protetivas de urgência. A vítima informa os fatos que ocorreram e quais as medidas protetivas de urgência que desejam a fim de garantir a sua segurança, tudo com a orientação da Defensoria Pública e da equipe de atendimento multidisciplinar; iii) Apreciação da/o magistrada/o: com a chegada do referido expediente, a/o juíza/juiz toma a sua decisão sobre o caso em tela no mesmo dia e em poucas horas.

O Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia, criado no âmbito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – NUPEGRE/EMERJ, realizou no ano de 2016 um mapeamento do funcionamento do Projeto Violeta com vistas a produzir uma análise crítica do projeto e indicar caminhos para o aperfeiçoamento dos procedimentos adotados. A pesquisa teve como objetivo fazer uma avaliação do impacto do Projeto Violeta na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, gerando dados sobre a efetividade das medidas de urgência concedidas em seu âmbito (NUPEGRE/EMERJ, 2017).

Os dados coletados pela referida pesquisa forneceram duas bases de amostra: a amostra 1 composta por 227 processos do I Juizado e a amostra 2 composta por 111 destes processos, que estavam disponíveis no cartório do Juizado e no Arquivo Geral. Os demais tiveram a competência declinada para outros juízos e não foram atualizados no banco de dados. Os dados dos requerimentos de medida protetiva de urgência foram divididos da seguinte forma: na primeira parte um mapeamento da vítima, do agressor e da agressão; na segunda parte um mapeamento do procedimento da medida protetiva, desde a sua solicitação até sua eventual prorrogação.

A primeira parte da pesquisa que buscou mapear a vítima, o agressor e o contexto da violência, revelou dados semelhantes aos de outras pesquisas sobre violência doméstica. Entre os seus principais dados se pode destacar: uma amostra significativa da faixa etária das vítimas entre 31 e 50 anos (mais de 50% dos casos), a quantidade de agressões, já que mais da metade das ofendidas só procuram as autoridades policiais depois de já terem sofrido mais de duas agressões e a grande incidência dos tipos penais de ameaça, a injúria e a lesão corporal.

Na segunda parte da pesquisa foram produzidos dados sobre o procedimento da medida protetiva de urgência. A DEAM localizada no centro da cidade do rio de Janeiro é a delegacia com maior número de requerimentos dentro do Projeto Violeta e a Defensoria Pública é responsável pela assistência jurídica em 93% dos casos.

O estudo das decisões judiciais revelou que o Projeto Violeta é eficaz quanto à celeridade, já que em 104 dos 111 casos analisados a decisão foi proferida no mesmo dia da distribuição do requerimento no Poder Judiciário. As medidas protetivas de urgência mais deferidas foram em relação ao agressor: a proibição de aproximação da vítima e a proibição de comunicação. A mais indeferida, proporcionalmente, foi o afastamento dos filhos. Também foi verificado um elevado número de requerimentos de medidas protetivas de alimentos e de suspensão de porte/posse de armas não apreciadas nas decisões.

A intimação do agressor foi um dos principais entraves para a eficácia plena das medidas protetivas de urgência. Os motivos mais frequentes para a dificuldade da intimação célere dizem respeito a indefinição da localização do acusado. Muitas vezes a vítima não sabe informar onde ele se encontra, especialmente se moravam juntos após a violência ou se o agressor saiu de casa. Um outro fator importante é a falta de acesso e referência de alguns logradouros, especialmente quando localizados em regiões carentes, violentas e com vielas não numeradas, ou ausência de numeração. Pode-se dizer, portanto, que são fatores externos ao judiciário.

No decorrer do processo, somente três requeridos descumpriram as medidas protetivas e tiveram a prisão preventiva decretada. O número de prorrogações se mostrou baixo, o que leva a crer que as medidas foram uma resposta eficaz para que a situação de violência fosse sanada. Também foi pequeno o número de ações penais propostas.

A partir dos resultados obtidos pela pesquisa sobre a efetividade do Projeto Violeta foi possível apresentar recomendações para o aperfeiçoamento de seus procedimentos, dentre os quais podem-se destacar (idem, 2017):

  1. Recomenda que as/os magistradas/os apreciem de forma integral todos os pedidos feitos pela vítima, incluindo os alimentos, na forma do artigo 22, inciso V, como uma medida que obriga o agressor e no artigo 23, inciso III, como garantia de que o afastamento do lar não prejudicará os alimentos. Destaca-se, ainda, que os juizados de Violência Doméstica são competentes para decidir sobre a pedido de alimentos nas medidas protetivas.
  2. Recomenda que o formulário de atendimento do projeto seja adaptado a realidade das vítimas e da equipe multidisciplinar, que seja integralmente respondido pela equipe, notadamente se a vítima foi encaminhada a rede de proteção as mulheres em situação de violência.
  • Com relação a intimação do agressor recomenda que a equipe multidisciplinar obtenha todos os endereços possíveis do agressor e telefones de contato e recados, a fim de que as intimações possam ser realizadas positivamente. Colher todos as informações de contato, tais como celular, telefones de parentes e familiares e e-mails das mulheres e agressores.
  1. Que haja um recorte racial das vítimas, para que sejam identificados grupos mais vulneráveis à violência de gênero;
  2. Recomenda maior celeridade no ajuizamento das ações penais nos crimes decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Um dos grandes desafios do Projeto Violeta é o de aumentar a segurança e a proteção máxima das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, acelerando o acesso à Justiça daquelas que estão com sua integridade física e até mesmo com a vida em risco. Para isso, é mister que todo o caminho processual de proteção jurídica e extrajurídica seja célere, concluído em poucas horas, de modo a atingir tal objetivo. Como visto, as decisões judiciais foram tomadas na maior parte das vezes dentro do prazo previsto pelo Projeto Violeta. No entanto, o mesmo não se verificou no âmbito das intimações aos agressores. Assim, ajustes se fazem necessários para que os resultados de seus processos sejam maximizados. E o primeiro movimento nessa direção foi tomado pelo Tribunal no momento em que forneceu suporte ao Núcleo de Pesquisa para que essa análise fosse feita.

Conclusão

Sendo o Brasil signatário de vários tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos, parte-se do pressuposto de seu comprometimento formal com o combate à violência contra a mulher e com a implementação de políticas voltadas à sua proteção. Para cumprir essa função o Direito exerce um papel determinante, dado ser ele um instrumento – no campo do ideal – capaz de promover a justiça e possuidor de instituições garantidoras da efetivação de direitos.

Entretanto, a atuação do Poder Judiciário brasileiro é passível de várias críticas por funcionar, na maioria das vezes, como instância reprodutora de desigualdades. Dias (2007) destaca a sua ineficiência e morosidade em relação aos casos de violência contra a mulher, demonstrando como o sistema resiste à incorporação da categoria de gênero formulada pelos estudos feministas. Outros autores apontam para o fato de sua estrutura ser sexista e de reproduzir, em sua atuação e sentenças, a desigualdade existente entre homens e mulheres mesmo quando suas regras formais são destinadas à proteção das mulheres em situação de violência (CASTILHO, 2008; PIMENTEL, PANDJARJIAN E BELLOQUE, 2006).

O presente trabalho não buscou apresentar elementos para a desconstrução dessas críticas, assim como não se propôs a ser um panfleto sobre a atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ele está inserido na perspectiva apontada por Almeida (2007) da necessidade de um constante processo de avaliação das políticas públicas, de modo a se tornarem coerentes, articuladas e orgânicas.

A contribuição aqui prestada é a de fazer um mapeamento das políticas desenvolvidas no âmbito do judiciário estadual, em específico a criação do Observatório  Judicial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – um portal que tem por função não só concentrar as informações pertinentes à violência contra a mulher (legislação, Juizados, centros de referência, delegacias especializadas, atendimento jurídico, projetos e convênios, entre outros descritos) como também a de fornecer um sistema de coleta de dados unificado sobre os processos judiciais e os crimes cometidos contra mulheres na esfera doméstica e familiar.

A sistematização de informações e de dados estatísticos feita pelo Observatório presta, assim, um serviço à sociedade na medida em que os torna públicos e acessíveis. E também na medida em que coloca a questão da violência de gênero na primeira capa do sítio do Tribunal, dando destaque e valor às ações para o seu combate. Acredita-se haver um valor não desprezível nessa ação, posto que ela representa que a situação de desigualdade, subordinação e violência a que as mulheres são submetidas se tornou uma agenda política encampada não só pela sociedade, mas também pelo judiciário do Estado. Considerada a política pública como um ciclo deliberativo, seu estágio mais importante é a definição de agenda, posto que deriva dos motivos pelos quais determinados problemas entram ou não na agenda política e social.

A pesquisa sobre a efetividade do Projeto Violeta, realizada por um núcleo de pesquisa e estudos sobre gênero que foi criado pela Escola da Magistratura do Tribunal, demonstra o interesse deste em reavaliar seus processos de atuação na punição dos crimes de gênero, apontando as falhas e propondo novas estratégias para a maximização de seus resultados.

Sendo a violência contra as mulheres produzida em um quadro de relações desiguais de gênero e dominação masculina, o seu combate requer uma mudança substancial dessa matriz hegemônica. E para isso é necessário dar centralidade ao papel do Estado como construtor e gestor de políticas públicas que envolvam a participação de todos os seus poderes (executivo, legislativo e judiciário), esferas (federal, estadual e municipal) e da sociedade civil.

Referências:

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Notas de Rodapé:

[1] http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/lei-maria-da-penha/sobre-a-lei-maria-da-penha

[2] Conforme pontuado por Luis Felipe Miguel no livro “Feminismo e política: uma introdução”, o uso do temo “patriarcado” não é consenso dentro da teoria feminista. Se por um lado essa palavra pode ser usada como unificadora das várias facetas da dominação masculina e da subordinação das mulheres (como adotado por Carole Pateman em The Sexual Contratct, 1988), para outra corrente o patriarcado é compreendido como apenas uma das manifestações históricas da dominação masculina, correspondente a uma forma específica de organização política, distinta do modelo das sociedades democráticas contemporâneas (como adotado por Jean Bethke Elshtain em Public man, private woman: women in social and political thought, 1993). Para Miguel, uma vez que instituições patriarcais foram historicamente transformadas – substituindo relações de subordinação direta (entre uma mulher e um homem) por estruturas impessoais que atribuem vantagens e oportunidades de forma não paritária – seria mais correto usar o termo “dominação masculina” do que “patriarcado”. (MIGUEL, 2014, p. 18 e 19). Nesse trabalho seguirei a linha da interpretação mais abrangente do conceito de patriarcado, compreendido no interior da dinâmica social contemporânea e capaz de abarcar a complexidade das relações sociais e das instituições jurídico-políticas.

[3] O NUPEGRE que tem como propósito principal a temática dos Direitos Humanos, com eixo de pesquisa voltado especialmente para as questões de Gênero, Raça e Etnia, com a defesa das respectivas minorias e a produção de práticas afirmativas para coibir qualquer tipo de discriminação no âmbito pessoal, social e de gênero. São objetivos do NUPEGRE estimular a realização de estudos e pesquisas interdisciplinares sobre relações de gênero, raça e etnia; desenvolver o ensino sobre o tema através da promoção de cursos, seminário e debates; fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que visem à equidade de gênero, à igualdade racial e ao respeito às etnias; desenvolver atividades de extensão e assessorias, contribuindo para o encaminhamento prático de soluções de problemas ligados às mulheres; participar de eventos nacionais e internacionais relativos às questões das mulheres e às relações de gênero; publicar e divulgar resultados de pesquisas em torno da temática mulheres, relações de gênero, igualdade racial e etnia; manter centro de documentação com publicações nacionais e estrangeiras, além de trabalhos inéditos.

[4] http://www.tjrj.jus.br/web/guest/observatorio-judicial-violencia-mulher

[5] Através do ato executivo nº 295/2015, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro instituiu o Grupo de Trabalho para Estudo e Definição de critérios para Extração de dados referentes aos processos de Violência Doméstica e Feminicídio (GTVDF). São esses os dados que alimentam a página do Observatório.

[6] Para a elaboração do Mapa da Violência 2015 a Flacso considerou oportuno e necessário atualizar os dados de Mapas anteriores, visando verificar a evolução recente do problema da violência de gênero no Brasil e no mundo. Para a divulgação dos novos dados, uniu forças com os escritórios no Brasil da ONU-Mulher e da OMS/OPAS e com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, visando ampliar a disseminação do estudo. Aprofundando o escopo dos trabalhos anteriores, foram incorporadas às análises outras fontes de informação, como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, pela primeira vez, inclui temas de vitimização por violências da população do país. Também novas análises, inexistentes nas versões anteriores, abordam a cor das vítimas, a evolução dos homicídios de mulheres nas capitais e nos municípios brasileiros, além de uma estimativa do número de feminicídios, dada a entrada em vigor da nova Lei 13.104/2015, que transforma em crime hediondo os assassinatos por motivo de gênero.

http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2015_mulheres.php

[7] http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3480102/01-relatorio-dados-compilados-observatorio.pdf

[8] Links disponibilizados: Mulheres no Trabalho – Tendências 2016(OIT) http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3936242/01-mulheres-trabalho-2016.pdf

Texto “Feminismo e Subjetividade em Tempos Pós-Modernos” Margareth Rago. Depto de História – UNICAMP

http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3936242/feminismo-e-subjetividade.pdf

Texto “Um olhar na História: a mulher na escola”(BRASIL: 1549 – 1910) Maria Inês Sucupira Stamatto – UFRN

http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3936242/a-mulher-escola-brasil-colonia.pdf

Texto: “O Movimento sufragista no Brasil” – Tudor Brasil, março de 2016. https://tudorbrasil.com/2016/03/08/o-movimento-sufragista-no-brasil/

Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro, que em seu artigo 2º estabelece que era eleitor todo cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-publicacaooriginal-1-pe.html

História de vida de Maria da Penha Maia Fernandes

http://www.compromissoeatitude.org.br/quem-e-maria-da-penha-maia-fernandes/

Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Caso 12.051/OEA, que responsabilizou o governo brasileiro, internacionalmente, por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra às mulheres.

http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3936242/casomariadapenha.pdf

Portal Brasil – Cidadania e Justiça – 9 fatos que você precisa saber sobre a Lei Maria da Penha

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/10/9-fatos-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-maria-da-penha

[9] A violência doméstica funciona como um sistema circular – o chamado Ciclo da Violência Doméstica – que apresenta, regra geral, três fases: i) aumento de tensão: as tensões acumuladas no quotidiano, as injúrias e as ameaças tecidas pelo agressor, criam, na vítima, uma sensação de perigo eminente; ii) ataque violento: o agressor maltrata física e psicologicamente a vítima; estes maus-tratos tendem a escalar na sua frequência e intensidade; iii) lua-de-mel: o agressor envolve agora a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência). Este ciclo caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, isto é, pela sua repetição sucessiva ao longo de meses ou anos. Ver: http://www.apav.pt/vd/index.php/vd/o-ciclo-da-violencia-domestica

[10] A suspensão condicional da execução da pena (sursis) é um instituto de política criminal que se destina a evitar o recolhimento à prisão do condenado, submetendo-o à observância de certos requisitos legais e condições estabelecidas pelo juiz, durante tempo por ele determinado.

[11] A Fundação Saúde é uma entidade pública, de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que visa à gestão da saúde pública no Estado do Rio de Janeiro. No campo da educação permanente, a Fundação Saúde promove atividades de ensino, cursos de capacitação e qualificação profissional e pesquisa, objetivando o aprimoramento da gestão das unidades de saúde.

 

Palavras Chaves

Políticas Públicas; Poder Judiciário; Violência Doméstica.