Reparação no Brasil, um desafio permanente

Resumo

Este artigo trata do percurso das lutas sociais pela reparação, pela memória, verdade e justiça dos crimes ocorridos durante o regime militar de 1964-1985 e as respostas do Estado brasileiro. Levando em conta as diretrizes da Justiça de Transição, destaca os avanços no período democrático e os retrocessos nas políticas públicas de reparação. Ressalta neste processo a importância do testemunho como operador na construção da memória, verdade e da reparação psicológica, bem como as limitações da justiça para a responsabilização dos torturadores, dos mandantes. Apontadas algumas repercussões do silenciamento e esquecimento e da não responsabilização penal.

Artigo

Reparação no Brasil, um desafio permanente

Vera Vital Brasil[1]

Resumo:

Este artigo trata do percurso das lutas sociais pela reparação, pela memória, verdade e justiça dos crimes ocorridos durante o regime militar de 1964-1985 e as respostas do Estado brasileiro. Levando em conta as diretrizes da Justiça de Transição, destaca os avanços no período democrático e os retrocessos nas políticas públicas de reparação.  Ressalta neste processo a importância do testemunho como operador na construção da memória, verdade e da reparação psicológica, bem como as limitações da justiça para a responsabilização dos torturadores, dos mandantes. Apontadas algumas repercussões do silenciamento e esquecimento e da não responsabilização penal.

Palavras chave: reparação estatal, memoria, verdade, justiça, testemunho

Introdução:

 

A América Latina tem sido palco de alternâncias entre regimes autoritários e democráticos, sem ter se libertado da intensificação da violência de Estado, mesmo que as lutas pela abertura democrática tenham sido constantes. Alternando golpes civis e militares violentos com períodos democráticos, as marcas da violência estatal atravessaram vidas, instituições e o conjunto da sociedade deixando seus efeitos nos dias atuais.

Há muitos anos trazemos as marcas da brutal violência de séculos de exploração colonial, da crueldade inerente à escravidão, dos períodos ditatoriais, que deixaram ativos o autoritarismo, o elitismo, a discriminação e o preconceito no conjunto das relações sociais.  Desde já, podemos afirmar que nenhuma sociedade que tenha vivido a violência de regimes autoritários permanece imune aos seus efeitos.

Os regimes de exceção que predominaram em países da América Latina romperam as bases constitucionais para impor, pela força das armas, um projeto de reordenação econômica, político social, desencadeando uma repressão violenta sobre os opositores ao regime.

O contexto repressivo no Brasil

Esta estratégia repressiva, instaurada pela força das armas em 1964 reorientou a política institucional atingindo brutalmente os movimentos sociais e partidos políticos que clamavam pela ampliação de direitos. Ao serem aniquilados e/ou desarticulados pela forte repressão, que além de perseguir, torturar, matar e fazer desaparecer os opositores ao regime, o Estado autoritário utilizou-se da estratégia de ampliação do controle social das mais diversas instituições. Intensificou o pensamento autoritário que, contando com um eficaz aparato de mídia, penetrou e se irradiou nas relações sociais.

O Brasil experimentou curtos e incompletos períodos democráticos durante os quais podemos registrar a criação de políticas públicas de interesse social. Os avanços conquistados no campo dos direitos sociais e políticos têm sido sistematicamente ameaçados por forças conservadoras, elites saudosas das ditaduras, que se aproveitam de períodos de crise política institucional, e/ou as fomentam, para a implantação de um regime que as favoreça.

O golpe de 1964 instaurou um período de vinte e um anos de controle militar apoiado por empresários, o mais longo entre os países da América Latina profundamente feridos por políticas de terror de Estado. No primeiro momento, os principais atingidos pela repressão militar foram as lideranças de entidades associativas, estudantis, sindicais, do campo e da cidade, intelectuais, cientistas, militares constitucionalistas. Os ditadores foram criando dispositivos através de atos institucionais que levaram ao maior controle e endurecimento do regime.  Após a decretação do Ato Institucional número 5, AI5, em dezembro de 1968, foram dizimadas as organizações clandestinas de opositores ao regime ditatorial. Consolidado o sistema repressivo e policial, os militares impuseram a censura de forma generalizada na mídia, em programas escolares, livros, peças de teatro, filmes; demitiram renomados cientistas, professores, instituíram a presença de policiais nas salas de aula, nas instituições públicas, incentivando a delação. O medo, a insegurança e a suspeição atravessaram as relações: estava instalado o terror de Estado em sua forma mais visível.

Os crimes de lesa humanidade de multiplicaram. Sequestros, torturas, assassinatos, desaparecimentos se tornaram práticas corriqueiras de agentes estatais, sob a determinação dos comandos militares. Embora a repressão da ditadura fosse manifesta, a dinâmica da violência simbólica, física e institucional não se restringiu aos opositores políticos; se irradiou, marcando a sociedade com preconceitos e discriminação de raça, de gênero, de posição social, bem como os espaços físicos, ruas e estabelecimentos com nomes alusivos aos golpistas. As resistências tampouco foram exclusivas dos atores mais visíveis, como os membros dos partidos políticos clandestinos e representantes de movimentos de oposição; as resistências circulavam através da arte: na música, teatro, em grupamentos populares que estimularam a cultura negra, de forma privada ou públicas, abrigando-se das ameaças do poder. Povos indígenas foram exterminados para não serem obstáculos na construção das enormes rodovias que cruzavam o país. A discriminação étnico racial do regime militar se revela na crueldade do tratamento dos povos originários e de matriz africana. (Gomez, 2018).

Convivendo com permanências de diversas ordens que afrontam as bases do que se entende por Estado Democrático de Direito, o Brasil não se incumbiu de tomar todas as medidas necessárias apontadas pela Justiça de Transição (Abrão y Torelly, 2011; Gomez, 2014) para fazer frente ao impacto da violência da ditadura sobre o conjunto da sociedade. Atualmente, há quarenta e um anos da Constituição de 1988, ainda que alguns avanços tenham sido instituídos, como por exemplo, as políticas de redistribuição de renda, que permitiram a retirada da miséria de milhões de pessoas, a criação de políticas públicas de proteção a segmentos vulneráveis, pode-se constatar que os princípios dos Direitos Humanos foram pouco assegurados. As práticas políticas, sociais e econômicas desde longa data marcadas pelo autoritarismo e intensificadas durante a ditadura, deixaram impressas nas relações sociais a discriminação, intolerância, preconceito, alimentadas pela profunda desigualdade. Marcas que evidenciam a fragilidade de nossa democracia. E hoje não podemos nos furtar de afirmar que vivemos uma ruptura democrática sem precedentes, com os desmontes de políticas públicas que asseguravam direitos, com desinvestimentos em órgãos estatais, como a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia Política, responsáveis pela reparação.

Reparação, uma ferramenta de mudança

As lutas por Direitos Humanos na América Latina adquirem vigor a partir dos anos 70, protagonizadas por familiares de mortos e desaparecidos e sobreviventes das prisões e torturas ao denunciar as atrocidades cometidas pelos regimes de terror, exigindo o esclarecimento sobre o ocorrido, a volta dos exilados, a liberação dos presos, o clamor por democracia e justiça. Uma mobilização nacional através dos Comitês pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita torna-se porta-voz destas demandas, a partir da qual irá ser   construída a articulação entre a Memória, a Verdade, a Justiça e a Reparação. Uma articulação que compõe medidas previstas na Justiça de Transição, diretriz internacional que visa uma reordenação social para a desconstrução dos efeitos decorrentes de regimes de exceção, guerras e situações catastróficas. Trata-se do compromisso de Estados pela adoção de medidas políticas, econômicas, jurídicas de dimensões complexas para construir e fortalecer o Estado Democrático. Medidas a serem tomadas num quadro de violência política de longa data (Gomez, 2014), como em nosso país. Aos poucos e de forma tardia foram sendo implantadas medidas de reparação às vítimas da repressão estatal.

O conceito de reparação dos crimes cometidos por agentes estatais, uma das medidas da Justiça de Transição, é entendido como o reconhecimento e responsabilização do Estado de sua autoria em práticas inaceitáveis, e envolve uma complexidade de sentidos. A reparação está ligada ao dano, neste caso provocado por agentes do Estado, cuja função inequívoca é a de proteger a vida, a integridade dos direitos do cidadão. Mesmo que historicamente esta missão não tenha sido cumprida, não podemos deixar de levar em conta sua função precípua, a de respeitar direitos e de garantir à vida.  A reparação envolve dimensões variadas: jurídica, política, econômica, moral, simbólica, psicológica.

Podemos dizer que no Brasil houve avanços no campo da Verdade, pouco na construção da Memória e nada foi efetivado na Justiça penal. Em contraste a outros países que desenvolveram outras medidas de acordo com a realidade local, nosso país desenvolveu uma política de reparação que marcou mudanças importantes para as vítimas da violência da ditadura.

As medidas reparatórias previstas na Justiça de Transição se iniciam nos anos 90, no governo Fernando Henrique, com a reinserção laboral de perseguidos políticos. Ainda nesta década, por iniciativa de parlamentares e ativistas em Direitos Humanos, foram aprovadas leis estaduais de reparação em vários estados brasileiros que se restringiram ao aspecto econômico do dano.

Somente dez anos após a retomada do período constitucional foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos[2], vinculada à Secretaria de Direitos Humanos. O Estado brasileiro reconheceu e se responsabilizou pela primeira vez na autoria dos crimes praticados por agentes do Estado e entregou aos familiares um documento limitado, sem esclarecer o motivo da morte ou desaparecimento ou a autoria dos crimes. Constituída por agentes públicos e representantes da sociedade civil, esta Comissão tem como missão localizar e identificar os desaparecidos políticos.

Anos mais tarde, a política de reparação passou a ser ampliada e conduzida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Implantada pela Lei 10.559/2002, que reconhece os atos de exceção ocorridos entre 1946 e 1988, como torturas, prisões, exílios, demissões arbitrárias, cassações, entre outras, e declara a condição de anistiado político aos atingidos por esses atos. O nome “Anistia” destinado a esta Comissão tem sido motivo de confusão com a Lei promulgada durante a ditadura[3], resultado de pressão da sociedade por uma “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, organizada através de ampla campanha que ocupou praças e ruas de todo o país. Esta lei não atendeu plenamente os anseios e demandas do movimento e incluiu em seu texto um artifício jurídico na figura de “crimes conexos”, que levou à interpretação de que estes se referiam aos torturadores. Nesta manobra jurídica de ocultação dos crimes de lesa humanidade dos agentes estatais, há que destacar a falaciosa “equivalência de lugares” entre os opositores ao regime ditatorial e os torturadores.

Duas leis conhecidas com o nome “Anistia” abrigam conteúdos diferentes e expõem de certa forma o modo com que o Estado Brasileiro vem tratando de seu passado. Na Lei de 1979, o conceito de Anistia se inscreve como esquecimento, como perdão estatal aos responsáveis por crimes durante o regime de opressão da ditadura civil-militar. Sob a proteção desta lei estão incluídos os agentes públicos responsáveis pelos crimes de lesa humanidade perpetrados no período, como uma estratégia de ocultação/negação dos crimes praticados pelos agentes estatais.  A outra Lei de Anistia, a 10.559/2002, dá lugar a uma inversão do sentido tomado pela Lei anterior.  Nesta, é o Estado responsável por crimes que repara às vítimas dos crimes cometidos. Reconhece o direito de resistência dos opositores a um Estado ditatorial. Sua abrangência destina-se exclusivamente aos que foram afetados pela violência de Estado, durante o período citado, que lhes acarretou danos materiais, físicos, psíquicos. Encarregada de dar consistência ao processo de reparações, levou à este público a reparação econômica, a moral[4], a individual e coletiva, a construção de memória e da verdade.

A reparação como reconhecimento do Estado de cometimento de crimes e perseguições envolve, portanto, uma complexidade de sentidos. Está necessariamente ligada ao dano e é um processo de dimensões variadas: jurídica, política, econômica, moral, simbólica, clínica. Não basta considerá-la apenas como ato judicial ou administrativo, sequer como um ato individual. A dimensão simbólica tem um valor singular ao permitir a construção de novos campos de sentidos daquela experiência dolorosa, congelada no tempo, e diz respeito a toda a sociedade que viveu o terror.

Os primeiros anos da Comissão de Anistia foram voltados exclusivamente para a compensação econômica, que reconhecendo a condição de anistiado político, destinou recursos àqueles que haviam tido seus projetos de vida interrompidos. Desde 2007 até o final de 2015[5] a Comissão ampliou seu escopo de reparação, criando dispositivos de difusão de seu trabalho e de construção de memória. Dentre eles, as “Caravanas da Anistia” que, a partir de 2008, percorreram cidades, realizando sessões de apreciação de requerimentos dos peticionários da anistia política, inaugurando oficialmente e de forma pública a prática de construção de verdade e memória com os testemunhos daqueles que reivindicaram seu direito à reparação pelos danos causados pela tortura e perseguições. Se, até então, o direito à reparação estava associado exclusivamente à reparação econômica, as “Caravanas da Anistia” e o projeto “Marcas da Memória” reacenderam a mobilização de setores da sociedade que foram afetados pela violência da ditadura. O projeto “Marcas da Memória” subsidiou filmes, documentários, peças de teatro, exposições, publicações, seminários nacionais e internacionais.

Esta plasticidade de ações culturais contribuiu para o fortalecimento da memória coletiva, permitindo a construção de cenários que ao expor as feridas abertas e repará-las, interrogam o presente. Dando visibilidade às violações de lesa humanidade, estas ações e dispositivos lançaram o desafio de ampliar o direito à reparação e mobilizaram de igual maneira a palavra dos que sofreram em seus corpos a tortura, bem como a dos familiares de mortos e desaparecidos.

Vale mencionar as iniciativas públicas de construção de Memória e Verdade pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República[6], que deram visibilidade aos lutadores homenageando-os em memoriais que marcaram espaços públicos e com a publicação do livro “Direito à Memória e à Verdade” (Brasil, 2007). Algumas mudanças de nome de ruas, praças, pontes ocorreram no período. Entretanto, a instalação e funcionamento de Centros de Memória tem sido numericamente insatisfatória para a dimensão do país. Em atividade, atualmente, o “Memorial da Resistência”(Fecher, 2016), instalado num prédio onde funcionou o DEOPS e em construção, por inciativa do Núcleo de Preservação da Memória e da OAB/Seção/SP, o “Memorial da Luta pela Justiça”, onde funcionou um Tribunal[7] onde foram julgados ex-presos políticos (Núcleo Memória, 2017).  Ambos Memoriais estão situados na cidade de São Paulo.

Estas medidas criadas no campo da memória durante o período de avanço em políticas públicas têm sido insuficientes – apesar do esforço de setores da sociedade civil – para contribuir para a erradicação do pensamento autoritário vigente e criar uma consciência de cidadania crítica aos regimes ditatoriais.

 Testemunho

 

            O testemunho foi um operador fundamental no processo de construção da verdade, da memória e da reparação psicológica. Nos debates abertos, em audiências públicas, nas oficinas de capacitação de profissionais, no atendimento clínico psicológico, o testemunho ativou a palavra com a potência de que é capaz.  Como assinala Selligman Silva (2013):

O testemunho como exercício de narrar e elaborar traumas sociais na prática política (..) é uma tentativa de escovar a história a contrapelo, abrindo espaço para aquilo que normalmente permanece esquecido, reprimido e relegado a um segundo (ou último) plano.

Ao reconhecer os efeitos danosos da violência estatal praticada no período da repressão ditatorial sobre a subjetividade, a sua permanência nos dias atuais, a Comissão de Anistia/MJ levou em conta o dano psíquico e assumiu o compromisso da reparação psicológica. Através de convocatória pública de caráter nacional o Projeto Clínicas do Testemunho, teve como objetivo de criar condições para a implantação de uma política pública de reparação psicológica. Em suas duas chamadas, ou Editais públicos, concorreram equipes clínicas de diversos estados do país, cujas propostas estiveram centradas em três eixos de ação:  atenção clínica aos anistiados e anistiandos e seus familiares, capacitação profissional de psicólogos e produção de insumos (referências teóricas e operacionais para a criação da política pública). Em apenas cinco anos de funcionamento foram desenvolvidos projetos em quatro estados[8] com resultados promissores[9]. Instalado numa conjuntura de abertura democrática, contribuiu para maior adesão de sobreviventes e suas famílias, quebrando em parte a desconfiança em relação às políticas de reparação de um Estado, que tão tardiamente reconhecia e se responsabilizava pelos danos e que continuava a cometer violência e crimes de assassinato e desaparecimento contra cidadãos.

Há que levar-se em conta que o período de vigência da Comissão Nacional da Verdade[10], CNV, e das Comissões Estaduais, Municipais e Setoriais[11], contribuíram fortemente para a mobilização de sobreviventes e jovens ativistas de Direitos Humanos, que criaram Comitês e Coletivos da sociedade civil para acompanhar os trabalhos destas Comissões da Verdade. Este contexto contribuiu para quebrar a justificada desconfiança dos familiares e afetados diretos frente a um Estado repressor e violento, que não havia passado a limpo os acontecimentos daquele período, facilitando a aproximação de um número maior de anistiados dos debates, dos programas e dos projetos em curso.  No caso dos atendidos pelo Projeto Clínicas do Testemunho, muitos se dispuseram a testemunhar junto às Comissões da Verdade e em lugares de prisão e assassinatos, como quarteis, delegacias onde sofreram torturas e viram como foram assassinados seus companheiros. O registro testemunhal junto às Comissões da Verdade teve um efeito simbólico de reparação para as testemunhas. (Vital Brasil, 2015). No caso de testemunhos de ex-presos sobreviventes nos espaços onde ocorreram os crimes de tortura e extermínio, buscou-se dar visibilidade sobre como ocorreram os crimes, o método repressivo com a reconstituição espacial, identificação dos responsáveis. Estas diligências além do registro oficial com testemunhas, tiveram como finalidade a busca de apoio da sociedade para transformar estes espaços em Centros de Memória. (Brasil, 2014).

A atenção clínica se constituiu em um instrumento valioso para facilitar a expressão de modos de subjetivação mais potentes sobre os acontecimentos, até então vividos de forma solitária, de forma privada e individualizada decorrentes de efeitos do silêncio, do esquecimento e da ausência de respostas do Estado. Em contextos de impunidade, de negação, de ausência de reconhecimento social, os danos psicológicos causados pela tortura tendem a se manter e, desta forma, transmitidos para as gerações seguintes (Cardoso & Mourão, 2015; Herrera, 2015; Kolker, 2009; Kordon & Edelman, 2007; Scapusio, 2006; Vital Brasil, 2009).

Podemos dizer que a experiência de compartilhar testemunhos quer no âmbito das Clínicas do Testemunho, quer nas Conversas Públicas ou nas audiências, permitiu a construção de novos sentidos para a experiência traumática e abriu caminhos para o fortalecimento da memória sobre o período. (Instituto Projetos Terapêuticos, 2015)

Entretanto, a reparação simbólica dos danos exige a aplicação de políticas públicas de construção de verdade, memória e justiça, o que demarca ao mesmo tempo as limitações da intervenção clínica, ou a exclusividade de um dos componentes da reparação. A inter-relação entre estas dimensões, que interagem entre si, permitem um avanço nas necessárias mudanças e fortalecimento da democracia.

E a Justiça?

Se a construção da Memória e da Verdade puderam ser alavancadas no processo de reparação e galgar um lugar de maior visibilidade na primeira década e parte da segunda deste século XXI, quando o Estado brasileiro atendeu algumas demandas dos movimentos de Direitos Humanos, o campo da justiça deixa uma enorme lacuna, à diferença de outros países latino-americanos.

O principal obstáculo tem sido a arcaica e falaciosa interpretação da Lei de Anistia de 1979, dada pelo poder judiciário da ditadura e que foi reiterada pela Corte Suprema em 2010 por meio do julgamento da Ação de Preceito Fundamental 153 (APDF 153).

Apesar de constar nas sentenças – nos casos Gomes Lund, sobre o desaparecimento de 69 guerrilheiros do Araguaia, de 2010, e Herzog, de 2018, proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA – a exigência de responsabilização penal dos agentes públicos responsáveis pelas mortes e desaparecimentos, o Judiciário mantém a interpretação da “anistia” aos torturadores e mandantes destes crimes de lesa humanidade.

            Manter uma interpretação sobre “crimes conexos” desconsidera um fato inegável: aqueles que jamais foram indiciados, os torturadores e mandantes, não poderiam ser beneficiados com a anistia. Países latino-americanos, marcados pelo terrorismo de Estado, no reinício do período constitucional se utilizaram de leis de conteúdo semelhante que, guardando o objetivo de encobrir os autores dos crimes, já lograram desfazer-se delas, como no caso argentino, ou escapar delas, como no Uruguai. Há décadas conhecidos juristas já apontavam que os “crimes conexos” referiam-se às ações de opositores, ações na época consideradas crimes interligados e cometidos pela mesma pessoa e não diziam respeito aos responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade, crimes imprescritíveis.

O Brasil mantém até os dias atuais, mesmo com todas as evidências e identificação da autoria dos mandantes dos crimes[12], a interpretação que protege os repressores. Este fato tem implicações gravíssimas, dentre elas, o sentimento de impunidade de agentes das forças policiais e militares no cometimento de crimes que se multiplicaram no período subsequente à ditadura. No adverso cenário atual, de vulnerabilidade, onde se verifica o aprofundamento da desigualdade social, o estímulo à intensificação da repressão através da apologia ao militarismo e estímulo na utilização de armas, se pavimenta o caminho da “licença para matar”.

Atribui-se uma posição conservadora ao Judiciário brasileiro, que insiste em manter uma formação de seus quadros semelhante à vigente na ditadura, inadaptada ao Estado de Direito, ignorando as mais recentes normativas internacionais. Preserva uma mentalidade elitista e autoritária garantindo uma formação profissional que não passou por mudanças, e que permanece fiel aos parâmetros fora de seu tempo. Esta posição tem dificultado o processo de construção de Memória e Verdade e contribuído para a injustiça social.  Podemos afirmar que esta é uma das heranças do autoritarismo que marcou as instituições e que não foi profundamente modificada de acordo com alguns dos princípios que regem a Justiça de Transição. Segundo Paulo Abrão (2010) destaca como componentes da Justiça de Transição: a “reforma das instituições perpetradoras de violações contra os Direitos Humanos” e a “regularização da Justiça e restabelecimento da igualdade perante a Lei”, podemos afirmar que o Estado não tem se incumbido de promover mudanças significativas nestas áreas.

Porém, nos últimos anos o Ministério Público Federal, MPF, sensível às normativas mais atuais, criou um Grupo de Trabalho de Justiça de Transição, responsável pela investigação dos Crimes da Ditadura (Brasil, 2017) para atender o compromisso e dar cumprimento à decisão da Corte Americana de Direitos Humanos, no caso conhecido como Gomes Lund, de 2010. Ao ser condenado a apurar e denunciar, no campo criminal, os atos ilícitos cometidos por agentes do Estado durante o período da ditadura militar, a sentença é clara ao afirmar que tais crimes não poderiam ser afetados por Leis de Anistia, como a de 1979. Esta iniciativa afirma ainda que “o papel do Ministério Público Federal é promover justiça e valores republicanos, entre eles o dever do Estado de agir conforme a lei e proteger a integridade física de seus cidadãos.”

A apresentação de denúncias do MPF ao Poder Judiciário sobre casos de desaparecimento, mortes e o de estupro[13] não tem tido um destino senão o do arquivamento, sendo usada para tal a Lei da Anistia de 1979, com o argumento da anistia aos responsáveis pelos crimes de lesa humanidade.

 Finalizando:

 

Desde 2016, com o golpe jurídico parlamentar midiático o país tem experimentado mudanças vertiginosas e se distancia do cenário de avanços em políticas públicas, do período de certa fertilidade nas conquistas de direitos que, desde a Constituição de 1988,  vinha se afirmando lentamente e que permitiu nos anos de governos democráticos e populares, ainda que de forma incompleta, a inclusão social de setores historicamente alijados.

Neste momento, a sociedade brasileira assiste a manobras jurídico-políticas para o aniquilamento dos direitos conquistados e de tentativas de esvaziamento do Estado. Com um discurso oficial de ultradireita, a soberania do país é atingida e espelhada na lógica de funcionamento do poder norte americano. Impondo o pensamento único, o desprezo à diversidade social, sexual, multicultural, está em curso o desinvestimento na educação, na cultura, na preservação do meio ambiente. O ataque ao conhecimento cientifico, com a afirmação absolutamente obtusa de que “a terra é plana” seguem-se às  ameaças de desmontes dirigidos à pesquisa e às universidades, ações que remontam aos tempos remotos e obscuros. Concomitante a esta orientação política se multiplicam os assassinatos de pobres das periferias, de indígenas e moradores de áreas rurais. O país experimenta um retrocesso profundo de suas conquistas sob o domínio da degradação de valores ético políticos.

Hoje, as forças que se alçaram ao poder demonstraram seu desprezo pelas medidas de Justiça de Transição e os Direitos Humanos estão sendo diretamente atingidos. As declarações do presidente em exercício, durante os 55 anos do golpe de 1964, em celebração a esta data,  revelam a tentativa de obscurecer – o que foi construído ao longo de tantos anos e à duras penas -no que se refere ao reconhecimento do Estado sobre a barbárie cometida por seus agentes. Foi afirmado, desconsiderando os fatos já consolidados pela historiografia e por órgãos estatais oficiais como a CNV, que as Forças Armadas naquela ocasião empreenderam uma “revolução redentora”, “salvaram o país das mãos dos comunistas”. Esta interpretação pautada no negacionismo histórico fere frontalmente o acumulo e conhecimento da historiografia sobre o período ditatorial, reconhecida nacional e internacionalmente. Ofende os que foram atingidos pela violência ditatorial, pelas perseguições, pela tortura e infâmia, agride uma vez mais os que perderam seus familiares. E, podemos inferir, que está em cena, sem escrúpulos, a volta da “Teoria dos Dois Demônios”, que tem suas raízes legitimadas na Lei de 1979, ao fazer a equivalência da anistia entre torturados e torturadores. Como consequência, este discurso tenta obscurecer a responsabilidade do Estado nos crimes que ferem o direito à vida e à integridade física.  Esta omissão tem implicações concretas na política de perseguições, afastamento e extermínio de setores “indesejáveis”.

Desde 2016, com o golpe jurídico paramentar e midiático que afastou a Presidente Dilma, a Comissão de Anistia foi atingida diretamente em sua política de Reparação com a exoneração em massa de conselheiras e conselheiros que vinham formando jurisprudência compatível com parâmetros internacionais de Justiça de Transição, com a diminuição de agentes administrativos, extinção de programas, como as “Caravanas de Anistia”, os Projetos “Marcas da Memória” e Clínicas do Testemunho”, e a paralisação das obras em estado de finalização do Memorial da Anistia em Belo Horizonte. Este espaço memorialístico reuniria os documentos e testemunhos dos anistiados em âmbito nacional, celebrando simbolicamente um “Nunca Mais” de um tempo histórico de autoritarismo e barbárie, permitindo a ampliação de conhecimentos e centro de pesquisa e documentação. Dados colhidos até novembro de 2018[14] indicavam terem sido apresentados 77.907 pedidos de anistia política, de 2002 a 2018, sendo que neste último ano houve diminuição significativa de requerimentos apresentados.

Nestes primeiros meses deste ano de 2019, o governo transferiu do Ministério da Justiça, onde a Comissão de Anistia esteve alocada desde sua criação, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, lançou uma campanha difamatória sobre os programas e projetos. Tenta criminalizar os responsáveis pelas obras do Memorial da Anistia, indefere requerimentos já aprovados anteriormente pelo Conselho. E num ataque à narrativa historiográfica já consolidada, à memória e à dignidade dos que sofreram as violências, nomeou como presidente da Comissão um ex-advogado que atuava nos tribunais para anular o direito de reparação dos atingidos pela ditadura, no caso de 44 camponeses do Araguaia. Aumentando o número de conselheiros, vários militares foram nomeados, dentre eles, um defensor do general Brilhante Ustra, notório torturador responsável por mortes e desaparecimentos no DOI-Codi de São Paulo, homenageado pelo atual presidente do país, na época parlamentar, na sessão que levou ao impeachment da presidente Dilma, numa verdadeira afronta aos Direitos Humanos.  Com estas indicações pela atual ministra, com a conivência do presidente da República, as finalidades institucionais da Comissão de Anistia estão profundamente comprometidas.

Sabemos que democracia e Direitos Humanos são valores inseparáveis. Quanto mais débil e limitada seja a política de Direitos Humanos, mais imperfeita e limitada é a democracia. Estamos vivendo, neste quadro que se delineia nos primeiros dias de governo, rupturas que têm agravado dia a dia o estreitamento da margem dos princípios e conquistas democráticas.

Portanto, é fundamental não perder de vista o processo das conquistas sociais e, em especial, no tema que nos toca tratar, o da reparação. Este eixo da Justiça de Transição em que o país pode avançar mostrou a face mais cruel de um regime autoritário que se prolongou por vinte um anos, lançando seres humanos a drásticas consequências, atingindo inúmeras famílias, movimentos sociais e organizações políticas, e fez com que o Estado reconhecesse os danos em seus graus variados e se comprometesse publicamente a não mais repetir.

Neste processo aprendemos que as modulações das narrativas testemunhais se configuram de acordo com os contextos políticos nas quais se inscrevem. Se apresentadas em conjunturas mais abertas e favoráveis ganham novas dimensões: se ampliam para terceiros, criam referências, permitem maior visibilidade sobre a dinâmica de terror, sobre os algozes, fornecem maior entendimento sobre os danos. Um período de fertilidade econômica político-social no Brasil e no mundo permitiu este desfecho. Hoje a reviravolta nos projetos políticos não atinge apenas o Brasil; países latino-americanos e no mundo europeu experimentam um retrocesso em direção a regimes autoritários, em que a dinâmica é regida pelo fundamentalismo financeiro e religioso.

Nesta conjuntura nada auspiciosa não podemos esquecer que foram as forças organizadas em suas lutas por uma sociedade mais democrática que levaram a estes avanços, como na “Anistia Ampla Geral e Irrestrita”, como nas “Diretas Já”, e tantas outras mobilizações que reuniram partidos políticos progressistas, segmentos sociais diversos, abriram as portas para o avanço democrático.

É neste campo de forças em tensão permanente em que se disputa um capital simbólico, do qual fazem parte diversos atores, dentre eles as testemunhas, que a função ético-política ativa a memória de tempos passados conectando-as ao presente, impulsionando ações de resistência, ações de solidariedade. Ações por Memória Verdade e Justiça e Reparação exigirão da mesma forma articulação, inventividade e perseverança para enfrentar os desafios desta conjuntura adversa que atualmente atravessamos.

Ao ser desinvestido o “dever de memória” por este governo, nas atuais circunstancias nos cabe portar o “desejo de justiça”. Sabendo que a memória proporciona vínculos fundamentais e fundantes da ética, não deixaremos de levar em conta a potência da memória das injustiças, uma vez que as lutas e conquistas na construção da verdade sobre o período ditatorial abriram caminho para o reconhecimento estatal com a reparação dos danos decorrentes da violência de Estado.

                                                                                              Abril de 2019.

 

Referências Bibliográficas:

Abrão, P. & Torelly, M. (2011) As razões da eficácia da Lei de Anistia no Brasil e as alternativas para a verdade e a justiça em relação às graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985). In: Alessandro Martins Prado, Claudia Karina Ladeira Batista, José Isael (comps.) Direito à memória e à verdade e Justiça de Transição no Brasil: uma história inacabada! Uma República inacabada! Curitiba: CRV. Pp. 189-234.

Abrão, P (2010) A Lei de Anistia no Brasil: as alternativas para a Verdade e Justiça. In: Tortura.  (Org.) Coordenação Geral de Combate à Tortura.  Secretaria de Direitos Humanos. Pp: 89-115.

Brasil (2007) Direito à Verdade e à Memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos.

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[1] Psicóloga Clínica, membro da Equipe Clínico Política do Rio de Janeiro, coordenadora do Projeto Clínicas do Testemunho RJ (2013-2015), membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (2014-2016), consultora externa de Territórios Clínicos de la Memoria, Argentina, membro do Coletivo RJ Memória Verdade Justiça.

[2] Lei 9140/95.

[3]A Lei da Anistia 6.683/79, não atendeu o conjunto das demandas sociais. Anistiou de forma parcial os opositores ao regime. Permitiu a volta de exilados, não liberou todos os presos políticos. Manteve encarcerados os acusados de “crimes de sangue”. E, à semelhança de leis aprovadas no Chile, Uruguai e Argentina países que viveram regimes militares naquele período, acobertou os mandantes e executores dos crimes de lesa humanidade, promovendo a chamada “auto-anista”.

[4] Reparação moral refere-se ao pedido de desculpas pelo dano cometido, proferido por autoridade estatal.

[5] Em 2016 com o golpe jurídico-parlamentar-midiático que afasta a presidenta Dilma Roussef, as atividades da Comissão de Anistia passam a ser restringidas.

[6] Refiro-me a criação de “Memoriais de Pessoas Imprescindíveis” que homenageiam lutadores assassinados e desaparecidos.

[7] Presos políticos foram julgados neste local, no âmbito da 2ª- Circunscrição Judiciária Militar.

[8]No Rio de Janeiro, em São Paulo duas equipes e um em Porto Alegre (2013-2015). Durante o período de 2016/2017 uma segunda chamada do projeto manteve os três estados e incorporou uma equipe de Florianópolis.

[9] Durante os cinco anos, foram atendidas 668 pessoas em atenção grupal e individual e criados dispositivos coletivos de testemunhos que facilitaram o protagonismo dos participantes. Neste processo foi criado o “Grupo de Filhos e Netos pela Memoria Verdade Justiça”. A capacitação de profissionais atingiu 2477 profissionais de saúde mental. Como registro e sistematização desta experiência pioneira de reparação psicológica resultaram seis publicações, 6 vídeos e 4 documentários.

[10] A CNV foi criada pela Lei 12 528/11 com a finalidade de investigar as graves violações de Direitos Humanos entre 1946 a 1988. Instalada em 2012, apresentou seu Relatório Final em 2014, cinquenta anos do golpe de 1964. Concorreram para a instalação da CNV a demanda dos familiares da Guerrilha do Araguaia, caso Gomes Lund, junto a Corte Interamericana de Direito Humanos, cuja sentença em 2010 exigiu a instalação de uma Comissão da Verdade. Em 2008, no âmbito da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, cujo tema “Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos: superando as desigualdades”, que contou com cerca de 14 mil participantes foi aprovada a revisão e atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos. Este, em seu terceiro formato, foi ampliado e lançado no ano seguinte, com as diretrizes para a criação de uma Comissão da Verdade.

[11] Foram criados mais de cem Comissões da Verdade junto a sindicatos, universidades e associações civis e inúmeros Coletivos e Comitês por MVJ que se propunham acompanhar e contribuir nos trabalhos de investigação das Comissões.

[12] No Relatório Final da CNV se encontra uma lista de responsáveis pelos crimes na ditadura.

[13] Ilustrado pelo caso de Ines Etienne Romeu, torturada pelo agente público, militar, Antonio Waneir Pinheiro Lima. Sequestrada por agentes da ditadura militar em maio de 1971, Ines foi levada ao centro clandestino de torturas, denominado “Casa da Morte”, em Petrópolis. Barbaramente torturada e estuprada por um militar à época identificado apenas como “Camarão”, Ines denunciou o fato à OAB em 1979, após o início da “abertura lenta e gradual”, tornando-se uma das principais testemunhas do funcionamento clandestino e ilegal da repressão política. Assim, como todos os demais crimes cometidos contra dissidentes políticos, o estupro contra Inês permaneceu não investigado até 2013. Este caso ilustra o modo como juízes tem tratado o encaminhamento do MPF. No caso em questão, o juiz titular Federal Alcir Luiz Lopes Coelho recebe a denúncia do MPF e reponde desqualificando a vítima, ao trata-la como “terrorista”. Desconsidera as provas obtidas pelo MPF, atacando o GT Justiça de Transição como sendo um “Tribunal de Exceção”. Em seguida, arquiva o processo em maio de 2017.

[14] https://sinca.mj.gov.br/sinca/pages/externo/consultarProcessoAnistia.jsf>. Acesso 5nov2018.

Palavras Chaves

Reparação estatal, memoria, verdade, justiça, testemunho.