SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS

Resumo

A maioria de nós, quando ouve a expressão “segurança pública”, pensa imediatamente em policiamento nas ruas contra os criminosos e “marginais”, que ameaçam os “não marginais”. Alguns termos da nossa língua, como “segurança pública” e “marginais”, nos levam a tomar seu sentido de forma rasa e a repeti-los sem realizar suas várias possibilidades. Isso também ocorre em relação à expressão “direitos humanos”, que tantos criticam, mesmo sendo humanos. Certamente essas superficiais caracterizações nos são impostas pelos meios de comunicação e decorrem da inefetividade dos direitos básicos das pessoas humanas (como à educação, à saúde, ao trabalho digno, dentre outros). Nossa intenção, neste artigo, é a de esclarecer o alcance que tais expressões devem ter para os brasileiros, tendo como referência a Constituição da República Federativa do Brasil, com foco especialmente nos direitos titularizados por aqueles que vivem do trabalho.

Artigo

SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS

                                      Ellen Mara Ferraz Hazan

Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Mestra em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Advogada trabalhista e professora.

 

Resumo

 A maioria de nós, quando ouve a expressão “segurança pública”, pensa imediatamente em policiamento nas ruas contra os criminosos e “marginais”, que ameaçam os “não marginais”. Alguns termos da nossa língua, como “segurança pública” e “marginais”, nos levam a tomar seu sentido de forma rasa e a repeti-los sem realizar suas várias possibilidades. Isso também ocorre em relação à expressão “direitos humanos”, que tantos criticam, mesmo sendo humanos. Certamente essas superficiais caracterizações nos são impostas pelos meios de comunicação e decorrem da inefetividade dos direitos básicos das pessoas humanas (como à educação, à saúde, ao trabalho digno, dentre outros). Nossa intenção, neste artigo, é a de esclarecer o alcance que tais expressões devem ter para os brasileiros, tendo como referência a Constituição da República Federativa do Brasil, com foco especialmente nos direitos titularizados por aqueles que vivem do trabalho.

Palavras-chave: Segurança pública; Direitos Humanos; Direito do Trabalho.

Sumário: 1 Introdução. 2 Breves considerações sobre os Direitos Humanos. 3 Direitos Humanos e Direito do Trabalho. 4 A paralisação da força social e da segurança pública: a fragmentação da classe trabalhadora e a nova crise construída pelo capitalismo. 5 Em busca da segurança pública que queremos, não daquela que o capitalismo quer que busquemos. 6 Apontamentos finais.

 1 Introdução

             A segurança pública não pode continuar sendo entendida exclusivamente como o conjunto de medidas adotadas pelo poder estatal contra as pessoas que ousam descumprir a lei construída pelo próprio Estado. Ela deve ser pensada como a segurança de todos os seres humanos que vivem em determinado território, como, no nosso caso, o Brasil.

            Queremos segurança garantida pelos órgãos públicos, mas que segurança é essa?

Seria aquela com policiais invadindo as casas das pessoas pobres? Seria aquela com policiais armados, mas receosos em relação à possibilidade de serem surpreendidos e mortos em suas casas igualmente pobres? Seria aquela forjada em prisões lotadas para evitar que condenados escapem? Seria aquela que reprime os movimentos sociais e sindicais, defendendo a burguesia?

            Certamente não.

A segurança pública que nos é prometida pela Constituição da República Federativa do Brasil tem alcance amplo e afinado ao modelo de Estado instituído em 1988 (Estado Social e Democrático de Direito). Ela assegura o gozo dos direitos e o cumprimento dos deveres.

A segurança pública a que temos direito e devemos buscar, portanto, é aquela que garante a todos, sem distinção de raça, cor, estado civil, gênero ou condição econômica, o efetivo cumprimento dos direitos humanos, fundamentais e sociais. A inefetividade dos direitos à alimentação, à educação, à moradia, à saúde, ao trabalho digno, dentre outros, implica violação a toda a ordem jurídica e promove criminalidade e violência, gerando insegurança pública.

            A compreensão de que a segurança pública se concretiza pela prevenção e pela observância de direitos, não se resumindo a atos estatais de vigilância, repressão e policiamento, faz-se necessária. É exatamente a falta de segurança que tem construído a criminalidade, o enriquecimento ilícito, a não distribuição de renda, a corrupção, a divisão da sociedade entre pobres e ricos, enfim, a marginalização de milhares de pessoas.

            Segurança pública não existe para garantir que criminosos fiquem isolados do restante da sociedade, mas para impedir a existência de criminosos. Para se combaterem o crime e a violência é preciso que todos os seres humanos tenham seus direitos efetivados, pois aquele que possui saúde e oportunidade de trabalho, alimentação, educação e moradia dignas dificilmente carecerá de punição ou encarceramento.

            Também não podemos seguir com a ideia transmitida pela mídia de que marginais são criminosos. Nem todos os marginais são criminosos… e nem todos os criminosos são marginais.

            O termo marginal é comumente utilizado para fazer referência à pessoa criminosa, entretanto, na verdade, ele se conecta à posição social ocupada pela pessoa. Marginal é aquele colocado à margem, excluído da sociedade e da proteção prometida pelo ordenamento jurídico.

            E como se dá a marginalização?

A marginalização dá-se por meio da exclusão social perpetrada por aqueles que comandam o país (muitos dos quais, pelo que se tem visto, são criminosos, embora não marginais). Ela se realiza de várias formas, inclusive por chacinas, as quais promovem a exclusão definitiva – literal eliminação – do marginalizado da sociedade.

A exclusão social, observada em grande escala no Brasil, decorre principalmente da institucionalização da pobreza. Essa se dá exatamente pela inobservância dos direitos humanos, fundamentais e sociais da classe trabalhadora (conduta também tipificada como crime em nosso ordenamento).

A exclusão social daqueles que, por não deterem o poder econômico, vivem exclusivamente de sua força de trabalho, fomenta a marginalização. A precarização das relações jurídico-laborais comandadas pelo poder econômico (que, por sua vez, comanda o Estado) enseja uma exploração do trabalho que degrada, ao invés de dignificar, o ser humano.

Assim, a insegurança pública é produto da marginalização, pelo Estado capitalista, dos que trabalham. O que queremos dizer é que o Estado Brasileiro, comandado pelo poder econômico, apesar de ser responsável pela promoção da segurança pública, optou, propositadamente, pela insegurança, para manter os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

2 Breves considerações sobre os Direitos Humanos

            Os direitos humanos são aqueles que garantem as liberdades básicas de todos os seres humanos, inclusive a de pensamento, a de expressão e a de viver bem, bem como a igualdade de todos.

            A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, e devem agir, uns para com os outros, em espírito de fraternidade.

Esse documento foi formulado e adotado após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, e seu objetivo foi, além de evitar guerras e tentar consolidar a paz social, conter a exploração capitalista realizada contra a classe trabalhadora e conter as lutas da classe trabalhadora contra o capitalismo. A ideia era conceder direitos aos até então marginalizados (trabalhadores) para que esses se sentissem inseridos na sociedade e no mundo jurídico, acreditando na igualdade de todos perante a lei e abandonando a ideologia da construção de uma sociedade justa e a luta contra o sistema capitalista.

Não se tem ao certo a origem do conceito filosófico de direitos humanos. Pode ser que ele esteja vinculado aos direitos naturais, que, de acordo com a fé cristã, teriam sido concedidos por Deus; pode ser, ainda, que sua origem esteja na luta da classe trabalhadora contra o sistema capitalista de exploração, que certamente engloba a luta contra a escravidão, o racismo e a pobreza.

O certo é que os direitos humanos foram proclamados em 1948, e, à época, vários países inseriram em suas Constituições, como fundamentais, direitos de cidadania e direitos sociais (reconhecidos como direitos humanos em âmbito internacional).

No Brasil, a Constituição promulgada em 1988 foi bastante clara ao afirmar os direitos humanos e ao declarar que em seu rol estão os direitos sociais da classe que vive do trabalho, além da educação, da saúde, da moradia, do lazer, da segurança, da previdência, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desamparados (art. 6º) – os quais foram integrados ao ordenamento jurídico interno com jusfundamentalidade reconhecida.

A Carta Constitucional também fez questão de apresentar, em seus arts. 7º, 8º, 9º, 10 e 11, um rol exemplificativo dos direitos humanos e sociais dos trabalhadores brasileiros, os quais, por sua jusfundamentalidade, foram transformados em cláusulas pétreas – ou seja, são insuscetíveis de abolição, ainda que por emenda à Constituição.

Não obstante, os donos do poder, que são também os donos do dinheiro, não se conformam com o reconhecimento de tais direitos. Desde 1988 vêm se utilizando da sua força econômica para se inserir no poder político e, a partir daí, impedir a efetivação dos direitos humanos e sociais da classe trabalhadora – e o projeto tem dado certo.

 A maioria dos direitos sociais dos brasileiros não se efetivou. A maior parte da população não tem saúde; moradia, alimentação e trabalho dignos; e acesso à educação, à previdência, ao saneamento básico e à água potável. O país vive uma total falta de segurança pública.

Os (criminosos) donos do poder econômico assumiram o poder político no Brasil e influenciaram negativamente grande parte do Poder Judiciário. Este acabou por se inserir na ordem capitalista, obstando a efetivação dos direitos humanos e sociais dos brasileiros.

Como se não bastasse, os veículos de comunicação, também manipulados pelos (criminosos) donos do poder econômico e controladores de todas as instituições do Estado e da grande mídia, diuturnamente destacam a necessidade de se construírem mais penitenciárias para a prisão dos marginais. Também insistem em difundir a ideia de que deve ser cada vez mais incisiva a repressão dos que lutam por seus direitos durante as greves, ocupações e manifestações de rua.

Para consolidar a insegurança pública decorrente da não efetivação dos direitos humanos e sociais dos trabalhadores empregados e desempregados, a mídia nos transmite diariamente a ilusão de que o Brasil está sendo passado a limpo com a “lavagem a jato” da roupa suja de alguns desses criminosos (não marginais)… e, enquanto isso, esses mesmos criminosos editam leis que extinguem os direitos humanos e sociais da população (marginalizada, dada a inobservância espontânea dos direitos reconhecidos), como se assiste com as propostas nefastas de reformas trabalhista e previdenciária.

Ao noticiar diariamente o andamento da operação midiática “Lava Jato” e os escândalos de corrupção que assolam o país, a mídia quer fazer com que acreditemos na ideia de que tudo ficará bem para o povo brasileiro depois da conclusão das investigações e da efetivação das reformas trabalhista e previdenciária. Quer nos levar a crer que os políticos e empresários corruptos irão para a cadeia e que o desemprego desaparecerá do cenário brasileiro.

Ledo engano!

Vemos que os empresários e políticos corruptos que são “pegos” não vão para a cadeia; quando vão, ficam por pouco tempo. A eles é dada, pelo Poder Judiciário, a possibilidade de seguir vivendo em suas casas e condomínios de luxo, sem efetivo controle ou vigilância. E ainda se gabam da certeza de que poderão, em futuro próximo, usufruir do dinheiro oriundo da corrupção.

Quanto às reformas trabalhista e previdenciária, elas não são necessárias para o acerto das contas públicas, muito menos se prestam a acabar com o desemprego. Tudo isso é mentira!

A reforma trabalhista serve para possibilitar que os empresários (donos do poder e do dinheiro) destruam as organizações sindicais dos trabalhadores e exijam que os trabalhadores trabalhem mais ganhando menos. Visa a escravizar os trabalhadores brasileiros para dar ao poder econômico mais lucro.

A reforma da previdência objetiva excluir a possibilidade de os trabalhadores se aposentarem para que o Governo siga utilizando as verbas destinadas à previdência para a corrupção – verbas essas que não são integralizadas só pelas contribuições dos empresários e dos trabalhadores (vide arts. 194 e 195 da Constituição). A seguridade social será entregue aos empresários via seguros de saúde e de previdência privados, acessíveis apenas por quem tiver dinheiro para custeá-los. Os que não tiverem dinheiro serão abandonados, excluídos do sistema de seguridade social.

Os trabalhadores brasileiros precisam lutar pelos seus direitos e deixar de acreditar no que a mídia lhes mostra diariamente como verdade. Só assim poderão construir uma sociedade justa, capaz de tornar real a segurança pública prometida pela Carta de 1988.

3 Direitos Humanos e Direito do Trabalho

             A partir da Revolução Francesa (1789), o mundo assistiu ao estabelecimento do sistema chamado de capitalista liberal, baseado na exploração sem limites do trabalho alheio, semelhante àquela vista na escravidão e na servidão. Em razão dessa superexploração, os trabalhadores se uniram e começaram a lutar não só pela melhoria das suas condições de trabalho, mas pelo fim do capitalismo e estabelecimento do projeto socialista.

            Desde então e até o ano de 1917, na intenção de construir uma sociedade não capitalista, justa e solidária, os trabalhadores lutaram contra o capitalismo, e milhares perderam suas vidas nesse embate. Com a Revolução Russa, percebeu-se que, efetivamente, era possível a existência de um Estado não controlado pelo capital e no qual as pessoas, dentro de suas condições e possibilidades, tivessem acesso aos direitos humanos e a uma vida digna.

            Esse marco histórico (Revolução Russa de outubro de 1917) culminou em várias tentativas, por parte do capitalismo liberal, de frear a ideologia socialista que se espalhava pelo mundo. Uma das medidas que traduzem tal tentativa foi a inserção, no texto de algumas Constituições, de direitos humanos e sociais daqueles que viviam do trabalho, como ocorreu no México (1917) e na Alemanha (1919).

            Não obstante o posicionamento dos dois países referidos, o sistema capitalista seguiu sua natureza de superexplorar os trabalhadores com o intuito de preservar seu poder e aumentar seus lucros, matando as direções dos movimentos sociais, marginalizando a classe trabalhadora e mantendo-a sem direitos e sem opção de sobrevivência.

Os gestores do sistema capitalista, desde o seu nascedouro (1789), vêm construindo supostas crises econômicas a fim de tentar justificar a necessidade de manter a classe trabalhadora à margem dos direitos humanos e sociais. Tudo em prol da permanência do capitalismo como modo de produção hegemônico.

Essa estratégia do sistema capitalista (criação de crises econômicas para preservar seu poder, superexplorando os trabalhadores), às vezes funciona, às vezes não. Não funcionou, por exemplo, no início e em meados do século XX, quando a classe trabalhadora, mesmo diante das supostas crises forjadas pelo capital que levaram à eclosão de duas grandes guerras mundiais, seguiu lutando contra o capitalismo e pela instauração do socialismo.

Em razão da força decorrente da união dos trabalhadores e de suas lutas contra a exploração, os mentores e gestores do sistema capitalista perceberam, diante das experiências russas e soviéticas e do risco de consolidação do socialismo, que talvez o melhor fosse mascarar a superexploração. Para tanto, confeririam direitos humanos e sociais à classe trabalhadora e a dividiriam em segmentos incomunicáveis entre si.

Assim, a pretensão do capital era dividir a classe trabalhadora em classe média alta; classe média média; classe média baixa; classe dos pequenos empresários; classe dos altos empresários; e assim por diante. A intenção era retirar dos trabalhadores o sentimento de classe que os unia na luta.

Essa fragmentação se iniciou no nível econômico ou remuneratório de cada trabalhador, na capacidade de consumo de cada um. O “ter” começou a se estabelecer como status, e o “ser” passou a grassar pelo esquecimento.

Não obstante, a classe trabalhadora seguiu sua luta contra o sistema capitalista em todo o mundo. Contudo, por força de estratégias do poder econômico, a ideologia da classe trabalhadora, apesar de seguir contrária ao capitalismo, dividiu-se em várias correntes – umas sustentando a possibilidade de união dos trabalhadores ao capitalismo como forma de, um dia, se chegar ao socialismo (correntes reformistas); outras defendendo a impossibilidade de existência de acordo ou compromisso entre os trabalhadores e seus exploradores (capital), a qual conduzia à revolução proletária para tomada do poder e estabelecimento do socialismo (corrente revolucionária).

            Alain Bihr explica:

[…] a existência e a originalidade do modelo social-democrata está relacionada, em primeiro lugar, a seu curioso projeto que propõe ao proletariado, emancipando o Estado do capitalismo. Em outras palavras, esse projeto baseia-se na ideia de que o proletariado pode se libertar de sua exploração e sua dominação pelo capital (ou pode, pelo menos, em um primeiro momento, aliviar consideravelmente seu peso) conquistando e exercendo (por representantes políticos intermediários) o poder do Estado, tomando esse poder da burguesia e de seus aliados políticos. Ele apresentará sempre e por toda a parte o Estado como a via obrigatória e inevitável da emancipação do proletariado. E a sociedade supostamente resultante dessa revolução política (o socialismo) é então assimilada a um processo mais ou menos radicalizado de estatização do capitalismo.[1]

            Para o autor citado, o modelo social-democrata, reformista, se limitava a defender “reformas de estrutura segundo terminologia proposta por Henri de Man” para reduzir o peso da exploração do trabalho pelo capital. Já o modelo leninista, revolucionário,

[…] visa a expropriação da burguesia e de seus aliados (as outras classes proprietárias) pela estatização do conjunto dos meios de produção, destinada a lançar as bases de um desenvolvimento autocentrado, planificado pelo aparelho do Estado. Nessas condições, a conquista do poder de Estado supõe uma ruptura violenta com as formas institucionais da democracia parlamentar e na maior parte das vezes só pode ser efetuada pela via insurrecional, por meio de uma mobilização e de um enquadramento político-militares das massas populares (principalmente o proletariado e o campesinato)… ou seja, tomar o Estado e implantar o socialismo rumo ao comunismo de Estado.[2]

Com a divisão da classe trabalhadora e de suas organizações (sindicatos e movimentos político-partidários) quanto à forma de luta contra o capitalismo, este, sentindo que poderia perder seu poder político e econômico (governo), após a Segunda Guerra Mundial, vislumbrou a oportunidade de apoiar o movimento reformista. Isso retiraria a força do movimento revolucionário, introduzindo os trabalhadores no mundo do direito desde que a classe trabalhadora aceitasse a permanência do sistema capitalista no poder.

A ONU (órgão do Estado Capitalista), então, como já destacado, publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), levando o sistema capitalista a trocar sua roupagem originária liberal por uma roupagem social. Essa mudança levou a classe trabalhadora, a partir da Segunda Guerra Mundial, a desistir de lutar contra o capitalismo e em prol de uma sociedade mais justa em troca de segurança pública, seguridade social e da inserção dos despossuídos no mundo do direito. Vence a social democracia!

Para estabelecer o sistema como capitalismo social, os donos do capital transformaram o Estado Liberal em Estado Social. Adotaram nova forma de acumulação por meio do sistema fordista e inseriram os trabalhadores no mundo do direito com a promessa da melhoria gradual das suas condições sociais, de trabalho e de vida.

Assim, o Direito do Trabalho, que é parte integrante dos Direitos Humanos, é fruto das lutas coletivas dos trabalhadores contra o capitalismo. Entretanto, é também o resultado do chamado compromisso fordista, firmado entre a classe trabalhadora e o sistema capitalista logo depois da Segunda Guerra Mundial.

O compromisso vigorou com a participação dos movimentos sociais (inclusive os de esquerda, que acabaram por se adaptar ao capitalismo do Estado Social, deixando de lutar contra o sistema) até que o poder econômico, a partir da década de 1970, resolveu desenvolver novas crises para romper unilateralmente o pacto. O capitalismo voltou a assumir sua roupagem originária, a liberal, hoje denominada de neoliberal.

            Frente às novas crises construídas pelo capital a partir dos anos de 1970, a classe trabalhadora vê-se refém do capital. Deliberadamente, com a desculpa de que o sistema econômico mundial necessita manter seus lucros para pagar as supostas dívidas do Estado Social, passou-se a negar efetividade aos direitos humanos e sociais dos trabalhadores mediante instauração de novas formas de gestão, como terceirização e pejotização; fomento ao desemprego; encerramento de políticas sociais; e desconstrução da legislação social.

            A lógica do capitalismo neoliberal vai além da superexploração da classe trabalhadora. Ela vai ao encontro da eliminação de grande parte da população mundial despossuída de capital sob a publicidade de que o econômico deve ser sobreposto ao humano. Assim, propõem-se a inexigibilidade e a inexequibilidade dos direitos humanos e sociais, bem como a exclusão da sua jusfundamentalidade.

            O desmonte da seguridade social, do Direito do Trabalho e das Constituições democráticas de direito e sociais; a reificação do ser humano trabalhador, considerado como mera mercadoria ou mero insumo; e o desemprego generalizado, dentre outros, são consequências do rompimento do compromisso fordista pelo capitalismo.

            Só não tem consciência do rompimento desse compromisso a classe trabalhadora, que ainda insiste, talvez em razão de sua despolitização ou do equívoco de suas direções, em suplicar por direitos sociais e pela “humanização do capital”, como se esta fosse possível.

4 A paralisação da força social e da segurança pública: a fragmentação da classe trabalhadora e a nova crise construída pelo capitalismo

             A legalização da classe trabalhadora e de suas organizações efetivou-se por meio da dinâmica estabelecida pelo capitalismo de integração e da utilização do proletariado organizado como força do próprio capital e como instrumento de controle político para a manutenção do sistema (capitalista). Tomando a segurança pública na forma proposta na introdução deste estudo, podemos afirmar que essa legalização levou não só à fragmentação da classe trabalhadora e de suas organizações, mas à retirada, do repertório dos cidadãos, do conceito real de segurança pública (alimentar, educacional, de saúde, de trabalho digno). Hoje, os trabalhadores e suas organizações não possuem capacidade de reagir ao capital, e a segurança pública, institucionalizada e clamada por todas as estratificações da sociedade, é policialesca e repressiva.

            A estratégia do capitalismo de cooptação e integração demandou diversas medidas, dentre as quais as destacadas a seguir:

  • inclusão dos trabalhadores no mundo do Direito, controlando os patamares de remuneração, de organização e de mobilização tanto dos sindicatos quanto dos partidos políticos;
  • estabelecimento da negociação coletiva como meio de solucionar os conflitos de classe;
  • divisão das organizações dos trabalhadores em níveis distintos, com campos de atividade próprios e separados perante o empregador e o Estado, tornando-as mediadoras (e não agentes) dos conflitos;
  • integração dos partidos políticos da classe trabalhadora ao mundo de dominação do capital, tornando-os cogestores do processo de acumulação capitalista;
  • direcionamento da luta dos trabalhadores para a melhoria do compromisso fordista por meio da redução da jornada de trabalho, do aumento da remuneração, da garantia da assistência social e de outras questões imediatas, sempre dentro das possibilidades do capital;
  • transformação do sentimento de classe em sentimento de consumo, dividindo a classe trabalhadora em vários níveis de acordo com a capacidade de consumo (classe média alta; classe média média; classe média baixa; classes A, B, C e D; entre outras);
  • divisão das organizações sindicais por categorias, profissões ou ramos de atividade, de acordo com as atividades empresariais e sempre com vistas à negociação, negando o conflito;
  • estabelecimento de uma segurança pública voltada exclusivamente para a esfera criminal e que considera crime qualquer mobilização ou manifestação social contrária ao capital ou ao Estado capitalista.

            Foi assim que a classe trabalhadora mundial chegou à década de 1970, quando o sistema capitalista decidiu romper o compromisso fordista e estabelecer não só novos modos de acumulação, mas também novas estratégias de produção e de controle da classe trabalhadora. Construiu-se uma nova crise para justificar o retorno ao liberalismo clássico.

O mundo da fábrica mudou e vem se tornando cada vez mais um laboratório de experimentos. Os métodos de controle da produção, além de se mesclarem (construindo o “neofordismo”, o “neotaylorismo” e o “pós-fordismo”), apresentam novos modelos, como o japonês toyotista.

A produção em massa ou em série, garantida pelo modelo fordista e que sustentava o consumo em massa, altera-se para a flexibilização da produção, representada por novos métodos de busca de produtividade vinculados à nova lógica do mercado. Como sustenta Ricardo Antunes,

[…] a década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, na forma de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser […].[3]

Márcio Túlio Viana, analisando o antigo modelo de produção, leciona:

[…] o Estado dos tempos de Ford respondia aos seus anseios, pois se de um lado dava infraestrutura, com obras de todo tipo, de outro garantia o consumo, com políticas de bem-estar, tudo segundo as lições de John Maynard Keynes.

Naqueles tempos, o mundo se dividia em pedaços bem visíveis – o primeiro, o segundo e o terceiro – e a própria vida tinha muito de previsível. Se houvesse uma guerra, seria entre EUA e URSS. Se fosse prendada, a mulher teria sempre um marido. Um anel de doutor significa boa casa, casimira inglesa e viagens à Europa.

E também os operários seguiam – ao seu modo – esse modelo. Repetindo gestos, em jornada inteira, e sem trocar de patrão, suas vidas eram tão uniformes como os uniformes que vestiam. Tinham o destino traçado pela história de seus pais, e assim seria também com os seus filhos.

Aliás, tudo se articulava. Se os produtos eram previsíveis, pouco mutantes, também o trabalho era contínuo, estável, e a própria lei era rígida, abrangente. Fábrica e sindicato reuniam trabalhadores em massa. Um correspondia ao outro.[4]

Analisando os fatores da crise, sustenta o autor:

Como um animal sempre faminto, o sistema capitalista depende de porções crescentes de alimento. Seu verbo é acumular. Toda empresa quer crescer, dominar o vizinho, controlar o mercado. A concorrência parece buscar o monopólio.

Mas os lucros nascem da mais-valia, diferença entre o que se paga para que a força-trabalho se reproduza e o que se ganha com a venda do que ela cria. E essa diferença depende, em boa parte, do controle da mesma força. Isso implica não só reduzir espaços de resistência, como trocar, em grau crescente, o trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, o homem pela máquina.

Essa lógica não impede, entretanto, que de tempos em tempos aflorem contradições adormecidas. Fala-se, então, em crise; e embora, na essência, o sistema continue o mesmo, mudam as suas estratégias de domínio.

Uma das contradições do sistema decorre de sua própria eficiência: com o passar do tempo, a produção pode superar o consumo, e os lucros acumulados já não podem ser reinvestidos – o que os leva para o mundo dos papéis. Este desequilíbrio da dinâmica produção/consumo pode potencializar a resistência operária: afinal, a mesma fábrica que reúne os trabalhadores também os une na luta, e o resultado é o aumento nos custos.

Ao lado de outras tantas, essas duas contradições atingiram duramente o modo fordista-keynesiano de acumulação capitalista. Os primeiros sinais de alarme surgiram nos fins dos anos 60. Mas foram as crises do petróleo, de 1972-73, que acenderam o rastilho de pólvora, acentuando a retração do consumo […].[5]

Certamente, a crise do petróleo, inaugurada quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) elevou o preço do óleo cru de três para doze dólares (estratégia capitalista), estabelecendo um período de sucessivos aumentos e de retração do consumo, fez com que o sistema capitalista pudesse mudar sua estratégia de acumulação. A mudança ou mutação, como sempre aconteceu com o sistema, visou exclusivamente à manutenção dos índices de lucros, mesmo que o preço fosse a exclusão social.

Nessa lógica, era necessário consolidar uma estratégia para que os lucros em suas taxas elevadas fossem mantidos. Estabeleceu-se, com Thatcher na Inglaterra (1979) e Reagan nos Estados Unidos da América (1980), um novo pensamento, com pretensões hegemônicas, que teria como tática a redução dos custos com o aumento do desemprego e a precarização do trabalho. Deram-se a marginalização dos desempregados e a eliminação dos cidadãos de países não controlados pelo poder econômico ou que a este não se curvavam, então submetidos à “segurança pública para o sistema capitalista”, promovida por meio de guerras, invasões, bombardeios, abandono, fome, degradação e morte.

Consequências da nova estratégia são sentidas e observadas desde então. Márcio Túlio Viana destaca:

O Estado perdeu renda. O sindicato já não obtinha conquistas. A lei se recusava a avançar. E tudo isso comprimia ainda mais o poder aquisitivo. O círculo passou a ser vicioso. E como já não havia um mundo novo a explorar, era preciso, de algum modo, reinventar o que existia.

Uma das soluções foi invadir mercados alheios. E então, como nas guerras, uma a uma foram caindo as barreiras nacionais, embora sempre menos nos países de ponta que nos periféricos. Estava inventada a globalização.

E o mesmo fenômeno se repete com as finanças. Nas asas da informática, cria-se um mercado acionário sem fronteiras, operando em tempo real. Acontece agora que um comprador inglês pode ter uma hipoteca japonesa, um americano pode sacar em Hong Kong sobre a sua conta em Nova Iorque e um investidor japonês pode comprar ações de um banco escandinavo com sede em Londres e títulos expressivos em libras, dólares, marcos e francos […].[6]

Em tempos de globalização da economia capitalista e de liberalismo econômico e político, não existe lugar para direitos sociais. É nisso que o poder econômico tenta nos fazer crer. Só existe lugar para a repressão contra aqueles que lutam contra a insegurança pública

A estratégia do capitalismo a partir de 1970, da qual faz parte a inauguração, por ele próprio, de crises, acabou por diluir a classe trabalhadora – dos trabalhadores, antes concentrados nas empresas, foi retirada a já precária homogeneização. Por meio do desemprego, da precarização dos direitos sociais e do desmantelamento do Estado Social, a classe trabalhadora foi transformada em tecido fluído e inerte, incapaz de reagir – restou, enfim, marginalizada.

5 Em busca da segurança pública que queremos, não daquela que o capitalismo quer que busquemos

             É típico do ser humano preferir as ficções à realidade, ou aceitar como realidade não o que enfrenta na rotina diária, mas o que diz estar enfrentando.  Talvez seja essa a razão de preferirmos acreditar naquilo que nos dizem os jornais televisivos ou mesmo algumas postagens (geralmente curtas e com afirmações categóricas) difundidas nas redes sociais.

            O que é verdadeiro, autêntico e concreto? Certamente o que estamos vivendo em nosso dia a dia, não o que relatado pela mídia.

            Não podemos ter como realidade o que nos dizem sobre a segurança pública, sobre a economia do mundo, sobre a inércia dos movimentos sociais, nem o que nos dizem os bancos sobre os mercados financeiros ou sobre os índices de desemprego. Todas essas informações nos são dadas pelo sistema capitalista, que, como já exposto, controla todas as instituições do Estado e a grande mídia, as quais acabam por expressar a mania do sistema especulativo, atuando sobre nossa vontade de fugir da realidade e de aceitar o que vivenciamos.

            Devemos ficar atentos às informações que nos são diariamente passadas pela mídia. Não é verdadeira a ideia de que a economia é detentora do saber sobre a realidade que vivemos, embora essa falsa ideia esteja (indevidamente) pautando nossa visão de realidade em razão do destaque dado à economia pelos veículos de comunicação.

            Precisamos desconstruir essa ficção, até porque já pudemos, em centenas de oportunidades, comprovar que a economia não sabe muita coisa. Não sabe prever nem seus próprios desastres ou compreender o que está realmente acontecendo com ela mesma. Não podemos mais considerar, como guardião da verdade, o discurso econômico realizado pelo Estado Capitalista.

            O que o poder econômico está dizendo sobre os direitos humanos afetos ao sistema previdenciário brasileiro é mentira! A previdência não tem déficit nenhum, não está falida. O problema é que o dinheiro que a ela deveria ser destinado pela União não a alcança – e a economia afirma, de forma mentirosa, que a previdência é sustentada somente pelas contribuições dos empregados e dos empregadores.

            Ora, basta uma simples leitura dos arts. 194 e 195 da Constituição para se constatar que a previdência social deve ser financiada também por recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O que ocorre é que nenhum desses entes federados prevê em seus orçamentos o financiamento do sistema previdenciário, deixando-o exclusivamente a cargo das contribuições dos empregados e empregadores. Assim, é claro que “a conta não vai fechar”, ainda mais quando o próprio Estado opta pelo desemprego.

            Se há mais aposentados do que trabalhadores ativos contribuindo, realmente a conta não fecha. Mas onde está a verba dos orçamentos que a Constituição determina que seja enviada para o sistema previdenciário? Por certo não está na seguridade social.

A mentira reitera-se em relação aos direitos humanos e sociais dos trabalhadores. Dizem que a reforma trabalhista proposta pelos empresários é necessária porque os nossos direitos estariam causando o desemprego e a falência das empresas. Mentira!

O que gera emprego não é o Direito do Trabalho, mas sim a adequada política social, econômica e fiscal.  A vertente econômica seguida pelo Governo brasileiro é a que gira em torno do sistema financeiro, o qual afirma que dinheiro faz dinheiro, sendo, então, desnecessária a criação de empregos.

            Em razão disso, entendemos que o discurso econômico utilizado para justificar o injustificável merece, no mínimo, a nossa dúvida. Caso contrário, tal discurso permanecerá atribuindo aos economistas de plantão o “dom da verdade”, o qual se tornará cada dia mais imperioso e opressivo.

            É de se questionar, ainda, a função dos escândalos em nossa sociedade. Poderíamos dizer que a economia fala mentiras sobre o nosso pão, e os escândalos nos fornecem uma pequena fatia da realidade, que acaba se transformando em nosso “circo”.

            Como destaca Alain Badiou:

O escândalo sempre se apresenta como a revelação de um pedacinho do real. Um dia ficamos sabendo, por nossa mídia preferida, que fulano foi à casa de ciclano e saiu de lá com uma mala cheia de dinheiro. E, aí, temos todos a impressão irreprimível de tocar em algo mais real do que tudo o que toda essa gente costuma contar. O escândalo é precisamente aquilo que vai, em termos de opinião, abrir a porta para uma espécie de desvelamento de um cantinho de real, mas desde que esse fragmento seja imediatamente tratado como uma exceção. Uma escandalosa exceção.

Se não houvesse esse toque de exceção, tampouco haveria escândalo. Se soubéssemos que todo o mundo vai à noite buscar malas de dinheiro na casa dos ricaços, nenhuma gazeta poderia causar sensação em seus leitores revelando isso. […]

A única força do escândalo reside, assim, na teatralização de um minúsculo fragmento do real enquanto denegação desse mesmo real.[7]

            É interessante notar que, desde a assunção da Presidência por Michel Temer em meados de 2016, os telejornais, sempre depois de veicular as notícias sobre os escândalos de corrupção (que se têm como verdades), veiculam notícias econômicas, normalmente afirmando que a previdência social brasileira está quebrada e que se faz necessária sua reforma; ou que os índices de desemprego estão altos demais a justificar a reforma trabalhista.

            Apesar de os escândalos nos mostrarem uma pequena parte da realidade, nos assombrando, eles nos levam a acreditar que tudo o que se diz no telejornal é verdadeiro – inclusive as falácias sustentadas pela economia afinadas à tentativa de desmanche dos direitos humanos e sociais dos trabalhadores. É assim que a mídia, controlada pelo poder econômico, age: destaca escândalos apurados pelo Poder Judiciário (supostamente imparcial) para nos convencer de que todas as demais notícias são verdadeiras.

A nós, o que resta? Acreditamos que seja duvidar! Precisamos realizar um exercício no nosso senso crítico.

Mas só duvidar não descortina nossa realidade. Como encontrar a verdade? O que fazer para que tenhamos segurança pública, direitos humanos e sociais efetivos? Em quem devemos confiar?

São perguntas para as quais não temos respostas simples e únicas.

Talvez a melhor forma de entender o que está acontecendo de verdade no mundo seja analisar o que está ocorrendo com nossos familiares, pessoas próximas, amigos, vizinhos e moradores do mesmo bairro. Talvez possamos confiar naqueles que estão perto de nós, vivenciando os mesmos problemas, sofrendo as mesmas necessidades.

Talvez a solução para os nossos problemas individuais não esteja na nossa ação individual, mas na ação coletiva, por meio da construção de debates e da organização da luta. Talvez a solução não esteja na eleição de determinado político, mas na mudança do sistema de governo.

6 Apontamentos finais

             Nunca foi fácil, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, defender a classe trabalhadora e seus direitos humanos e sociais. O ramo Direitos Humanos ainda é tido por muitos como um ramo jurídico menor, quase desprezível. Quando falamos em movimento operário, em greve, em lutas coletivas, em meio ambiente saudável, em direitos dos indígenas, o máximo que conseguimos é um desinteresse educado, e, na maioria das vezes, o que prevalece é a hostilidade, especialmente por parte dos empresários e dos membros da advocacia e do Poder Judiciário.

Os Direitos Humanos têm como fundamentos a dignidade da pessoa humana e a efetivação dos direitos sociais para se controlar um pouco a força do poder econômico. Assim, defender os Direitos Humanos, o Direito do Trabalho e a segurança pública significa defender o capitalismo social, não o comunismo.

O problema é que ninguém contou essa história para a classe trabalhadora. Os trabalhadores seguem pouco informados, tanto sobre a luta de sua classe (que levou à existência dos direitos humanos e sociais), quanto sobre o fato, hoje incontroverso, de que o capitalismo rompeu com o compromisso que fez com os movimentos sociais da década de 1940 e resolveu entrar em guerra contra os trabalhadores, tidos pelos economistas como os novos marginalizados.

Assim, os anos de vigência do pacto social realizado entre as classes burguesa e trabalhadora ensejaram a despolitização desta última a ponto de não mais entender o que significa fazer parte de uma classe, de não saber lutar pelos seus direitos e de aceitar que valores econômicos sejam mais importantes do que a dignidade do ser humano.

            As pessoas – que ainda não se dedicaram à compreensão dos Direitos Humanos e, principalmente, do Direito do Trabalho – comumente acreditam que aqueles que se ocupam das questões trabalhistas em favor da classe trabalhadora são verdadeiros dinossauros, ultrapassados, utópicos, prontos para perturbar a suposta paz constitucional ou civil/proprietária em prol do socialismo ou do comunismo. Ledo engano!

Por amor à verdade, deve-se compreender que os direitos humanos e, dentre eles, os trabalhistas são fruto do capitalismo e que foram inseridos na sociedade ocidental para proteger o capital contra a concorrência desleal, para controlar a luta dos trabalhadores pelo fim do capitalismo e para manter os patamares dos lucros empresariais por meio da exploração de uma classe por outra.

            A efetivação dos direitos humanos e sociais (especialmente dos direitos trabalhistas) e, portanto, da segurança pública prometida pela Constituição de 1988 é a única forma viável de impedir que a revolta e a luta dos trabalhadores brasileiros impulsionem um processo de ruptura com o capitalismo a partir da renovação do crédito no passado dado à luta pelo comunismo.

Referências

 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

BADIOU, Alain. Em busca do real perdido. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 1998.

VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. In: PIMENTA, José Roberto Freire (Coord.). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004.

 Notas de Rodapé:

[1] BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 20-21.

[2] BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 21.

[3] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 15.

[4] VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. In: PIMENTA, José Roberto Freire (Coord.). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 156-157.

[5] VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. In: PIMENTA, José Roberto Freire (Coord.). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 157-158.

[6] VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. In: PIMENTA, José Roberto Freire (Coord.). Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004, p. 158-159.

[7] BADIOU, Alain. Em busca do real perdido. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 15-17.

Palavras Chaves

Segurança pública; Direitos Humanos; Direito do Trabalho.