SEGURO AMBIENTAL: O QUE A LEGISLAÇÃO PRETENDE E DO QUE O MEIO AMBIENTE PRECISA?

Resumo

No presente trabalho, trataremos do seguro ambiental e avaliaremos os efeitos, vantagens e desvantagens de torná-lo obrigatório. Trataremos também dos diferentes tipos de risco que a legislação existente sugere como objeto de um suposto seguro ambiental e traremos a distinção dos tipos de seguro que melhor se enquadrariam para cada um desses riscos. Assim, faremos a distinção entre o seguro de responsabilidade civil para cobertura dos riscos de poluição e do seguro garantia ambiental, para cobertura dos projetos de remediação de áreas contaminadas. Trataremos da diferença entre os produtos por poluição súbita, existentes, e um seguro para poluição contínua. Analisaremos a eficácia dos diferentes tipos de seguro ambiental para o incremento da proteção ambiental e apresentaremos alguns dos entraves legislativos que impactam o desenvolvimento do mercado de seguros ambientais facultativos.

Artigo

Seguro Ambiental: o que a legislação pretende e do que o meio ambiente precisa?

Luciana Vianna Pereira[1]

RESUMO: No presente trabalho, trataremos do seguro ambiental e avaliaremos os efeitos, vantagens e desvantagens de torná-lo obrigatório. Trataremos também dos diferentes tipos de risco que a legislação existente sugere como objeto de um suposto seguro ambiental e traremos a distinção dos tipos de seguro que melhor se enquadrariam para cada um desses riscos. Assim, faremos a distinção entre o seguro de responsabilidade civil para cobertura dos riscos de poluição e do seguro garantia ambiental, para cobertura dos projetos de remediação de áreas contaminadas. Trataremos da diferença entre os produtos por poluição súbita, existentes, e um seguro para poluição contínua. Analisaremos a eficácia dos diferentes tipos de seguro ambiental para o incremento da proteção ambiental e apresentaremos alguns dos entraves legislativos que impactam o desenvolvimento do mercado de seguros ambientais facultativos.

 Palavras-chave: Seguro – Seguro Ambiental – Meio Ambiente – Responsabilidade Ambiental – Seguro Obrigatório

 SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1. A responsabilidade ambiental no Brasil; 2. Seguro e o seguro ambiental. 2.1. Seguro de Responsabilidade Civil; 2.2. Seguro Garantia; 2.3. Risco ambiental tradicionalmente segurável; 2.4. Seguro Ambiental. 3. O seguro ambiental no Direito Brasileiro; 3.1. O seguro como instrumento de proteção ambiental; 3.2. Seguro obrigatório ou facultativo?; 4. A eficácia do seguro como instrumento de fomento da proteção ambiental; Considerações Finais; Referências Bibliográficas

  

Considerações iniciais

 O contrato de seguro tem por objeto a cessão de um determinado risco incorrido por diversos agentes a um terceiro que lhes garantirá o pagamento de um determinado valor caso o risco previsto se materialize.

As discussões sobre o seguro ambiental no Brasil aumentaram com a edição pela CETESB da Decisão de Diretoria 038/2017, que com base na Lei Estadual 13.577/2009 e no Decreto 59.263/2013, previu o seguro ambiental como um dos instrumentos para assegurar a conclusão do Plano de Intervenção para a remediação de áreas contaminadas. Em todo caso, a discussão sobre o seguro ambiental não é uma novidade e esteve presente em diversos momentos no Brasil e no mundo.

Em todo caso, salvo em alguns países, notadamente os Estados Unidos e alguns países europeus como França e Suíça, o seguro ambiental ainda não tem a aceitação e abrangência que poderia ter e isto se deve, em grande medida, pela diferença entre o que se espera de um seguro ambiental e o que o mercado segurador pode realmente oferecer.

De início, é importante que se diga que o seguro ambiental não é um produto único. Há diferentes tipos de seguro ambiental existentes no mercado internacional e há uma demanda represada no mercado nacional por produtos que possam dar mais segurança financeira a projetos que envolvem riscos ambientais.

Após muita discussão entre o mercado segurador e as agências ambientais, parece que começa a tomar forma modelos de produtos que irão conciliar o que o mercado pode oferecer e o que os agentes demandam. Quem ganha é, evidentemente, o meio ambiente.

  1. A responsabilidade ambiental no Brasil

A responsabilidade pode ser entendida como uma “posição jurídica consequente, derivada da relação jurídica anterior, onde a inobservância de uma obrigação, ou a ocorrência de um determinado fato previsto em norma legal [ocasiona uma] lesão ao bem jurídico tutelado, submetendo […] o violador (responsável) a deveres decorrentes dessa lesão”[2].

O artigo 225, § 3.º, da CF/1988[3] dispõe que a responsabilidade em matéria ambiental se dá em três esferas: civil,administrativa e penal, que são autônomas e independentes entre si, regidas por princípios e normas próprias.

As responsabilidades ambientais administrativa e penal são instrumentos de repressão, sancionatórios, enquanto que a responsabilidade civil ambiental temnatureza reparatória.

A responsabilidade civil ambiental éuma “espécie da responsabilidade extracontratual do direito civil, consubstanciadano dever de indenizar ou reparar a ser suportado pelo agente, que exerce atividade violadora dodireito fundamental da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”[4].

Diz-se que é objetiva porque independe de qualquer comprovação de culpa do agente, e solidária, por ser atribuível a todos os agentes que contribuíram direta ou indiretamente para o dano ambiental (art. 3º, IV, da Lei 6.938/81).

O STJ, especialmente a partir do seguinte julgado do Min. Herman Benjamin, ampliou significativamente o conceito de poluidor previsto na lei:

“Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz, quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe incumbe denunciar, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem[5].

Como se verá adiante, esta equiparação trazida pela interpretação extensiva promovida pelo STJ de quem é responsável pelo dano ambiental, junto com alguns dispositivos legais e previsões em projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, influencia diretamente o interesse de uma seguradora colocar no mercado um produto que cubra riscos decorrentes do dano ambiental.

  1. O Seguro e o seguro ambiental

Em que pese alguma divergência doutrinária sobre o surgimento do contrato de seguro[6], a maioria descreve que o seguro teria surgidono contexto da navegaçãomarítima.O seguro surge da necessidade dos primeiros navegadores de buscarem proteção pela ocorrência de um naufrágio que levaria o proprietário do navio à ruína. Daí seu caráter mutualista, essencial para o desenvolvimento do mercado securitário.

MENEZES CORDEIRO identifica a descoberta do primeiro contrato de seguro marítimo em Palermo, Itália, em 1287, tendo sido aperfeiçoado em Veneza, durante o século XV, quando o “subscritor (segurador) recebia um prêmio equivalente a uma percentagem do valor do seguro: entre 10% e 20%, dependendo dos riscos da viagem; como contrapartida, assumia os riscos derivados da natureza ou de inimigos”[7].

As primeiras normas sobre seguros teriam surgido na Idade Moderna, entre os séculos XV e XVI[8] e sua relevância e difusão decorrem, além da expansão da atividade marítima, também da revolução industrial e do incremento das atividades econômicas humanas, como também do desenvolvimento de teorias de probabilidades e da técnica atuarial.

No Brasil, a atividade de seguros também surge em conjunto com a atividade marítima e abertura dos portos, no século XIX, tendo em 24 de fevereiro de 1808 sido constituída a primeira seguradora no Brasil, chamada “Companhia de Seguros BOA-FÉ”. A primeira codificação a tratar dos seguros foi o Código Comercial brasileiro (Lei n° 556, de 1850), parcialmente em vigor até hoje, e a atividade passou a ser uma atividade regulada com o Decreto 4.270/1901 (Regulamento Murtinho), que criou a “Superintendência Geral de Seguros”[9].

O contrato de seguro foi regulado pelo Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), posteriormente revogado e substituído pelo atual Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002) e, segundo ele, é um contrato privado pelo qual uma parte (o segurador), se compromete a garantir um interesse legítimo de outra parte (o segurado), sobre uma pessoa ou coisa (objeto do seguro), contra determinados riscos e mediante o pagamento pelo segurado de uma contraprestação (o prêmio de seguro)[10].

Para ser segurável, o interesse do contratante sobre o objeto de seguro deve ser legítimo e os riscos cobertos devem se restringir aos que estiveremprevistos e expressamente delimitados nos clausulados daapólice.

A boa-fé é elemento essencial do contrato de seguro[11]. Tanto é assim que a legislação prevê que a prestação de informações imprecisas ou falsas pelo segurado, a prestação de informação tardia da ocorrência do sinistro ou a omissão em informar a seguradora de mudanças no risco coberto maculam o seu direito de receber a indenização[12]. Por seu turno, se o segurador tem ciência da inexistência do risco ao tempo da contratação da apólice e mesmo assim a emite, é punido com a obrigação de pagar em dobro o prêmio estipulado[13].

No contrato de seguros, o risco deve ser determinado e, nesse sentido, as definem o limite máximo de indenização, que consiste no valor máximo que a seguradora irá pagar ao segurado na ocorrência do sinistro. Sem o limite máximo de indenização e sem a estrita delimitação dos riscos cobertos e excluídos, não é possível à seguradora conhecero risco assumido, fazer o cálculo atuarial abrangendo as análises de probabilidade de ocorrência do risco e delimitar o prêmio a ser pago pelo segurado.

Segundo a circular SUSEP no 535/2016, são classificados 99 (noventa e nove) diferentes ramos de seguros, divididos em 17 grupos de seguros. Tendo em vista que os seguros de saúde são regulados pela ANS e não pela SUSEP, deve se somar a esses 99 ramos, o seguro-saúde, sendo, portanto 100 ramos, divididos em 18 grupos de seguros.

O seguro ambiental é um seguro de dano[14] e, portanto, destina-se a cobrir o interesse segurável sobre uma determinada coisa. Mas pode ser um seguro de responsabilidade civil ou um seguro-garantia.

Passemos então à análise de alguns conceitos básicos sobre os seguros de danos, responsabilidade civil e garantia.

Primeiramente é necessário que se afirme que no seguro de dano, o vício intrínseco da coisa conhecido mas não declarado pelo segurado não é coberto pelo seguro.

São tipos comuns de seguros de danos, os compreensivos empresariais, seguros de veículos, seguros de embarcações, etc. No seguro de dano há vedação expressa à cobertura de valor superior ao valor da coisa, sendo a inobservância do disposto prevista como crime.

  • Seguro de Responsabilidade Civil

Os seguros de responsabilidade civil são sub-tipos de seguros de danos, pelos quais é coberto o pagamento de indenização por perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros[15].

Segundo a Circular SUSEP no 437/2012, o seguro de responsabilidade civil geral tem por objeto a garantia do segurado quanto à responsabilização por danos causados a terceiros, mais especificamente o reembolso das indenizações que for obrigado a pagar, a título de reparação, por sentença judicial transitada em julgado, ou por acordo com os terceiros prejudicados, com a anuência da Sociedade Seguradora, desde que atendidas às disposições do contrato[16].

O pagamento poderá ser feito ao segurado, como reembolso pelas despesas incorridas a esse título, ou diretamente ao terceiro prejudicado e a apólice cobrirá também as despesas emergenciais efetuadas pelo Segurado ao tentar evitar e/ou minorar os danos causados a terceiros, atendidas as disposições do contrato[17].

Segundo o clausulado padrão o seguro de responsabilidade civil geral tem o seguinte objeto:

“Para cada cobertura contratada, a seguradora garante pagar as quantias devidas e/ou reembolsar as despendidas, pelo segurado, na reparação de danos materiais e/ou corporais causados a terceiros, e/ou nas ações emergenciais empreendidas para tentar evitá-los e/ou minorá-los, desde que:

  1. a) Tenham sido plenamente atendidas todas as disposições específicas da cobertura, particularmente a cláusula “risco coberto”;
  2. b) os danos tenham ocorrido durante a vigência deste contrato;
  3. c) Ovalor da reparação haja sido fixado por sentença judicial, transitada em julgado, exarada em ação de responsabilidade civil contra o segurado, ou por acordo, entre este e os terceiros prejudicados, com a anuência da seguradora;
  4. d) As despesas, realizadas pelo segurado ao empreender ações emergenciais para tentar evitar e/ou minorar os danos causados a terceiros, tenham sido comprovadas, ou, na ausência de comprovantes, confirmadas por vistoria e/ou perícia técnica efetuada pela seguradora; e
  5. e) A soma do valor da reparação com as despesas acima aludidas não exceda, na data de liquidação do sinistro, o valor então vigente do limite máximo de indenização.

1.1.1 – Se danos múltiplos ou sucessivos forem causados a terceiros, decorrentes de um mesmo fato gerador, produzindo várias reclamações, e, em consequência destas o segurado reivindicar diversas vezes a garantia, sempre amparado na mesma cobertura, todos os pleitos considerados procedentes se constituirão em um único sinistro.

1.1.2 – Se os danos materiais e/ou corporais ocorrerem em data incerta, em consequência [sic] de fato gerador cuja manifestação tenha se dado de forma intermitente, periódica, ou contínua, fica estipulado, salvo acordo entre o Segurado e a Seguradora, que:

  1. a) a data de ocorrência de um dano corporal será aquela em que, pela primeira vez, o mesmo tiver sido diagnosticado por médico especializado, quando consultado pelo terceiro prejudicado;
  2. b) a data de ocorrência de um dano material será aquela em que o mesmo tiver ficado evidente para o terceiro prejudicado, mesmo que desconhecendo a sua causa.

1.1.3 – Se a soma da reparação e das despesas, aludidas nas alíneas (c) e (d), do subitem 1.1, Excederem, na data de liquidação do sinistro, o valor vigente do limite máximo de indenização, o excesso não competirá a este seguro.

1.1.4 – Os limites máximos de indenização das coberturas, básicas ou adicionais, são independentes, não se somando, nem se comunicando.

1.2 – Atendidas as disposições deste seguro, o segurado terá direito à garantia, ainda que os danos decorram de:

  1. a) Atos ilícitos, culposos ou dolosos, praticados por empregados do segurado, ou, ainda, por pessoas a eles assemelhadas;
  2. b) Atos ilícitos culposos, praticados pelo segurado, pelo beneficiário ou pelo representante, de um ou de outro, se o segurado for pessoa física, exceto no caso de culpa grave equiparável a atos ilícitos dolosos;
  3. c) Atos ilícitos culposos, praticados pelos sócios controladores, dirigentes, administradores, beneficiários e respectivos representantes, se o segurado for pessoa jurídica, exceto no caso de culpa grave equiparável a atos ilícitos dolosos.

1.3 – É obrigatória a contratação de pelo menos uma cobertura básica, podendo ser contratadas várias coberturas básicas simultaneamente.”[18]

  • Seguro Garantia

O seguro-garantia, por seu turno, caracteriza-se como o seguro destinado assegurar ao segurado o cumprimento de uma obrigação pelo tomador do seguro.

Regulado atualmente pela Circular SUSEP no 477/2013, divide-se em Seguro Garantia: segurado – Setor Público e Seguro Garantia: segurado – Setor Privado.

No primeiro tipo, estão os seguros garantia para assegurar o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o ente público (segurado)”em razão de participação em licitação, em contrato principal pertinente a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, concessões ou permissões […], ou ainda as obrigações assumidas em função de: I – processos administrativos; II – processos judiciais, inclusive execuções fiscais; III – parcelamentos administrativos de créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa; IV – regulamentos administrativos [bem como] os valores devidos ao segurado, tais como multas e indenizações, oriundos do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador”[19].

No segundo tipo, estariam os seguros cujo objeto seria garantir “o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador no contrato principal, firmado com o segurado, conforme os termos da apólice e até o valor da garantia fixado nesta, e de acordo com a(s) modalidade(s) e/ou cobertura(s) adicional(is) expressamente contratada(s)”[20].

Como em qualquer seguro, a apólice descreve o “Limite Máximo de Garantia”, que é o valor máximo pelo qual a seguradora irá responder em caso de ocorrência de um dos eventos descritos como cobertos na apólice.

A particularidade do seguro garantia é que nele existem três atores: (i) a seguradora, responsável pela cobertura do risco em caso de sinistro; (ii) o tomador do seguro, que é o devedor das obrigações assumidas perante o segurado e cuja inadimplência faz surgir no segurado o direito a indenização securitária; e o (iii) segurado, beneficiário da indenização de seguro e que irá pleitear perante a seguradora o pagamento da indenização, na inadimplência do tomador.

No caso do seguro garantia: segurado – Setor Público, o segurado será sempre o ente da Administração Pública com quem o tomador mantém relação jurídica e perante quem este assumiu obrigações cobertas pela apólice.

  • O risco ambiental tradicionalmente segurável

No caso da proteção ambiental, o risco a que está exposto o segurado é necessariamente a poluição, contaminação ou vazamento causada por sua atividade ao meio ambiente.

A poluição, nos termos do artigo 3o, III da Lei 6938/81,é “a degradação da qualidade ambiental[21] resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”, que pode sujeitar o poluidor (a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”[22]).

Para ser segurável, é necessário que haja possibilidade de conhecimento pela seguradora sobre sua ocorrência, risco de sua ocorrência e os custos gerais de sua indenização em caso de ocorrência. No caso dos danos ambientais, em muitos dos casos, não é possível conhecer ou antever o total dos custos incorridos para sua remediação. Assim, para ser segurável, o risco de poluição deve estar muito bem delimitado, inclusive e principalmente no que diz respeito ao valor máximo da indenização.

  • Seguro Ambiental

Genericamente, poderíamos considerar que o seguro ambiental seria o ramo do seguro cujo objeto seria garantir a cobertura dos riscos decorrentes da poluição ambiental ou decorrentes de descumprimento de obrigações de proteção ambiental.

É interessante notar que a cobertura pelos danos causados ao meio ambiente pode estar inserida em um seguro exclusivo – seguro de responsabilidade por danos ambientais – ou em seguros destinados a determinadas atividades, como ocorre no Brasil, nas coberturas por poluição decorrentes de derramamento de petróleo, nos seguros de petróleo, ou no despejo de produtos perigosos, no seguro de transporte de produtos perigosos.

Assim, entendemos que o seguro ambiental seria o contrato pelo qual uma seguradora garante ao segurado a indenização pelos danos causados ao meio ambiente, mediante o pagamento de um prêmio pelo segurado.

Outro tipo de seguro que é comumente chamado de seguro ambiental é o seguro para cobertura de uma projeto de remediação ambiental em um imóvel. Nesse caso, o que se pretende cobrir não é uma poluição súbita ou continuada, mas especificamente a correta e completa conclusão de um projeto de remediação por uma empresa conforme ordem e direcionamento do órgão ambiental competente, o que a nosso ver, se aproxima de um seguro-garantia, como acima descrito.

É importante reconhecer que o valor total da garantia dada pela seguradora(ou importância segurada) será sempre delimitada a um valor especificado na apólice, até porque, é com base nos riscos cobertos e no valor limite da indenização que a seguradora pode calcular a contrapartida devida pelo segurado para a assunção do risco por ela. Esse cálculo não é aleatório, mas baseado em teorias estatísticas e técnica atuarial.

  1. O seguro ambiental no Direito Brasileiro

Como já antecipado anteriormente, a discussão sobre seguro ambiental não é recente. Segundo POLIDO[23] ela surgiu em 1978, quando a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – FENASEG, iniciou um grupo de trabalhos para estudar o tema. O estudo concluiu pela existência de cobertura por poluição súbita / acidental, nas apólices de responsabilidade civil geral (cujo clausulado de 1960 não tratava da matéria nem para incluí-la nas hipóteses de cobertura, nem nas hipóteses de exclusão de cobertura, mas cujo clausulado de 1974 passou a excluir somente os danos decorrentes da “ação paulatina de temperatura, vapores, umidade, gases, fumaça e vibração”[24]). O estudo concluiu ainda pela impossibilidade de oferecimento de coberturas mais abrangentes pela ausência de parâmetros legais sobre os riscos de poluição e o tratamento jurídico dado a tais riscos à época.

Em 1981, o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, então detentor do monopólio de resseguro no Brasil e obrigado por lei a ressegurar os riscos de responsabilidade civil para indústrias químicas passou a exigir que as seguradoras apresentassem um parecer técnico de engenharia sobre a eficiência dos sistemas antipoluentes da empresa segurada[25]. Por seu turno, a SUSEP, através da circular 57/81, editou novo clausulado para o seguro de responsabilidade civil geral, que passou a excluir, além da poluição paulatina, também os danos causados por poluição, contaminação e vazamentos, passando assim a excluir também a poluição súbita. Mais especificamente, para a cobertura por responsabilidade civil geral de estabelecimentos comerciais e industriais, a exclusão da cobertura previa “poluição, contaminação ou vazamento, a menos que tal poluição, contaminação ouvazamento resulte de um acontecimento inesperado, súbito e não intencional ocorrido navigência deste Contrato“.[26]

Entre 1981 e 1991, a cobertura por poluição súbita foi incluída e excluída dos clausulados, mas foi em 1991, que por iniciativa do IRB e muito em virtude da Conferência Mundial Rio-92 que ocorreria no ano seguinte, foi elaborado o modelo brasileiro de seguro de responsabilidade civil – poluição ambiental, por meio da circular PRESI 052/91, que foi posteriormente substituída pela circular PRESI 023/1997.

Hoje em dia, a Circular SUSEP 473/2012 prevê a possibilidade de cobertura adicional para poluição, contaminação e/ou vazamento, súbitos, inesperados e não intencionais. Tal cobertura deve estar vinculada à contratação de seguro de responsabilidade civil geral e se sujeitará ao pagamento de prêmio adicional.

No clausulado de seguro de responsabilidade civil geral, anexo à circular SUSEP no 437/2012, o dano ambiental é assim definido:

“DANO AMBIENTAL

A tendência atual, no meio jurídico, é subdividir o dano ambiental em três subespécies, duas delas relacionadas com interesses coletivos, e a terceira com interesses individuais ou de grupos.

  1. a) Dano ecológico puro, ou dano ambiental “stricto sensu”, que abrange apenas os danos causados a elementos naturais de domínio público, sem titularidade privada, como o ar atmosférico, os rios, a flora, a fauna, etc., não estando incluídos eventuais danos causados a elementos culturais ou artificiais;
  2. b) Dano ambiental “lato sensu”, que abrange os danos causados aos elementos naturais, culturais e/ou artificiais, pertencentes ao patrimônio coletivo nacional e/ou humano;
  3. c) Dano ambiental individual ou reflexo, quando consideradas as perdas e danos causados ao patrimônio privado de um ou mais indivíduos, conseqüentes (sic) de danos ambientais “lato sensu”. “Por exemplo, a poluição de um rio por substâncias tóxicas, que, em virtude de acidente, vazaram de veículo que as transportava, poderia prejudicar pescadores que explorassem a pesca local.”

Por seu turno, o clausulado geral de seguro de responsabilidade civil geral prevê a possibilidade de contratação de cobertura adicional contra poluição, contaminação e/ou vazamento, súbitos, inesperados e não intencionais. O risco coberto nesse caso está adstrito à:

“Responsabilização civil do segurado por danos corporais e/ou materiais, causados a terceiros, ocorridos nos locais especificados na apólice, e decorrentes do seguinte fato gerador:

  1. a) Poluição, contaminação e/ou vazamento, súbitos, inesperados e não intencionais, provocados por substância tóxica e/ou poluente, e desde que satisfeitas, em conjunto, as seguintes condições:

I – A emissão, descarga, dispersão, desprendimento, escape, emanação e/ou vazamento da substância tóxica e/ou poluente deverão ter se iniciado em data claramente identificada, e cessado em até 72 (setenta e duas) horas após o seu início;

II – Os danos corporais e/ou materiais, causados a terceiros, deverão ter se manifestado em até 72 (setenta e duas) horas após a data de início aludida na alínea precedente;

III – A emissão, descarga, dispersão, desprendimento, escape, emanação e/ou vazamento da substância tóxica e/ou poluente deverão ter se originado de depósitos, dutos, tubulações ou quaisquer equipamentos localizados no nível ou acima da superfície do solo ou da água.”[27]

Vê-se que a responsabilidade nesse caso é bastante restrita, inclusive no que diz respeito à sua identificação e encerramento do evento causador da poluição em prazo bastante reduzido.

Ademais, o clausulado ainda prevê a exclusão da cobertura as “quantias devidas e/ou as despendidas, pelo segurado, para reparar, evitar e/ou minorar danos, de qualquer espécie, decorrentes de poluição, contaminação e/ou vazamento, causados: a) Pelo descumprimento de leis e/ou regulamentos relativos ao meio ambiente;  e b) A elementos naturais sem titularidade privada, de domínio público”[28].

É importante destacar que além do produto identificado na Circular em comento, as seguradoras, podem livremente estabelecer produtos de seguro para oferecer aos seus clientes, desde que sejam aprovados pela SUSEP. Assim, há produtos de seguro ambiental no mercado brasileiro com coberturas diversas das expostas acima.

Há, por exemplo, seguro soluções ambientais para projetos de infra-estrutura[29], que se trata de uma apólice a base de reclamação e comunicação, que prevê cobertura para valores pelos quais o segurado venha a se tornar legalmente obrigado a pagar em decorrência de poluição causada por suas operações de construção ouoperação e manutenção, seguro ambiental de transporte, para cobertura de custos de limpeza (clean-up), danos pessoais e danos materiais causados a terceiros em função de poluição pela carga transportada ou por derramamento de óleo do tanque combustível[30], seguros de responsabilidade civil por danos de poluição ambiental, cuja cobertura abrange perdas e danos causados a terceiros em função de condições da poluição ou custos de limpeza (clean-up) dos locais cobertos pela apólice[31].

É importante destacar ainda que as apólices dos seguros ambientais acima identificados sempre definem eventos ou itens cobertos, exclusões de cobertura, limites de cobertura e, em muitos casos, franquia. A cobertura, portanto, será sempre limitada ao que consta expressamente da apólice.

Por exemplo, os custos de limpeza e custos de poluição são definidos nos seguros identificados anteriormente, de forma mais ou menos similar. Assim,

“custos de limpeza (clean-up): significam os custos ou despesas necessárias e razoáveis, inclusive despesas legais ou correlatas, incorridas com o consentimento, prévio e por escrito, da seguradora, na investigação, saneamento, monitoramento e remoção da contaminação do solo, das águas de superfície, de lençóis freáticos ou de qualquer outra contaminação nas operações cobertas, em decorrência de reclamações oriundas das condições de poluição cobertas por esta apólice, desde que tais custos ou despesas decorram de exigência de leis ambientais ou de ordem de qualquer órgão ou agência governamental competentes para tanto. Fica expressamente excluído do conceito de custos de limpeza (clean-up) quaisquer custos não relacionados ao acima, incluindo, sem limitação, quaisquer custos realizados com o conserto, substituição ou restauração de bens móveis ou imóveis, ainda que danificados durante os trabalhos de investigação, saneamento, monitoramento e remoção de contaminação”[32]. (grifos nossos)

E, condições de poluição significam:

“o descarte, a dispersão, a liberação ou o escape de qualquer elemento irritante, poluente ou contaminador, sólido, líquido, gasoso ou térmico, inclusive, mas não limitado a fumaça, vapores, fuligem, exalações, produtos químicos ácidos, alcalinos, tóxicos, resíduos hospitalares e materiais de refugos, dentro do ou sobre o solo, ou em qualquer estrutura sobre o solo, na atmosfera ou em qualquer curso d’água ou em outros elementos aquáticos, inclusive lençóis freáticos, entre outros, desde que essas condições não estejam naturalmente presentes no meio ambiente, nas quantidades ou concentrações descobertas. condições da poluição não incluem material microbiano.”[33]

Apesar da existência de apólices e clausulados devidamente aprovados, o seguro ambiental ainda está longe de ser amplamente comercializado no país. Segundo a nota no site “tudo sobre seguro”, em matéria de 2014, “nos 12 meses findos em junho passado, os prêmios diretos somaram apenas 45 milhões, o que contrasta com a situação nos EUA nos quais tal seguro arrecada por ano algo entre 1,5 e 2 bilhões de dólares. Temos, portanto, um longo caminho a percorrer”[34].

Merece destaque ainda o fato de que via de regra, a poluição cobertura nas apólices comercializadas no país é a súbita e acidental.

Não identificamos apólices cujo objetivo seria garantir os danos decorrentes da poluição gradual ou, ainda menos, seguro-garantia ambiental, que atenderia a demanda por uma garantia financeira para conclusão de projetos de remediação ambiental, por exemplo, como requeridos pela Lei Estadual no 13.577/2009, do Estado de São Paulo.

  • O seguro como instrumento de proteção ambiental

O seguro ambiental é mencionado como instrumento de proteção ambiental em diversos normativos.

O art. 9o, XIII da Lei 6.938/81, na redação dada pela Lei 11.284/2006, expressamente contempla o seguro ambiental como um dos instrumentos da política nacional de meio ambiente.

A chamada lei da política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) prevê a possibilidade de os órgãos ambientais licenciadores de empreendimentos ou atividades que operem com resíduos perigosos possam exigir a “contratação de seguro de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública” que deverá observar a cobertura e os limites máximos de contratação previstos em regulamento (art. 40) e o regulamento (Decreto 7.404/2010, art. 67) remeteu a definição sobre cobertura e limites máximos para a regulamentação editada pelo conselho nacional de seguros privados – CNSP.

Na legislação estadual de São Paulo, merecem destaque os artigos 4o, X da Lei 13.577/2008 e art.3o, XXXIII do Decreto 59.263/2013, que situam o seguro ambiental dentre os instrumentos para a implantação do sistema de proteção da qualidade do solo e para o gerenciamento de áreas contaminadas. O Decreto define o seguro ambiental como o contrato que contenha cobertura para assegurar a execução do Plano de Intervenção aprovado em sua totalidade e nos prazos estabelecidos, no valor mínimo de 125% (cento e vinte e cinco por cento) do custo estimado.

O decreto paulista prevê que “nos casos em que sejam adotadas medidas de remediação por contenção ou isolamento, o responsável legal deverá apresentar garantia bancária ou seguro ambiental para o funcionamento do sistema durante todo o período de sua aplicação”. Ocorre que ao que consta, não existe, no mercado segurador, um seguro ambiental cuja cobertura atenda as definições do decreto.

A Decisão de Diretoria da CETESB no 038/2017, ao tratar do Plano de Intervenção em áreas contaminadas, informa que o responsável legal pelo projeto deveria apresentar uma garantia bancária ou “seguro ambiental” para assegurar sua implantação nos prazos determinados e no valor de 125% do custo estimado pelo plano. Ademais, determina que para as medidas de remediação para tratamento, medidas de engenharia, de controle institucional e de contenção como medida emergencial ou de curta duração poderia ser apresentado seguro garantia em substituição ao “seguro ambiental”.

Ocorre que, na verdade, otal “seguro ambiental” descrito na legislação paulista não parece ter por escopo cobrir um evento de poluição em si, os custos de clean-up ou indenização por perdas e danos decorrentes de poluição. Ele tem por objetivo assegurar a adoção de determinadas medidas técnicas e de engenharia dentro de um prazo determinado. Assim, sob a ótica do mercado de seguros, o tal “seguro ambiental” pretendido pela legislação paulista se assimilaria a um seguro garantia exclusivamente.

Tal fato parece ter sido recentemente reconhecido pela CETESB quando, em resposta à uma consulta da Associação Brasileira de Empresas de Consultoria e Engenharia Ambiental – AESAS, a CETESB respondeu que as regras do seguro garantia estariam em discussão e seriam publicadas posteriormente[35].

É importante que se diga que diversos pontos estão em aberto, como muito bem pontuou a AESAS em sua consulta. Sendo um seguro garantia (não temos dúvida de que é) é preciso definir quem serão os atores da relação jurídica inerente a este produto. Assim, quem será o contratante do seguro? O empreendedor, proprietário da área contaminada, ou a empresa técnica contratada para a remediação? Quem será o beneficiário do seguro? A CETESB? Um fundo de meio ambiente? Em caso de indenização, a seguradora irá pagar para quem? A CETESB se responsabilizará pela continuação do plano de intervenção? Ou o delegará a uma nova empresa de remediação para fazê-lo? Nesse caso, como ente público, deverá licitar a continuação do projeto? Ou seria o empreendedor o beneficiário? Nesse caso, não haveria um certo conflito de interesses?

Como se vê, são vários os pontos que a regulamentação em discussãona CETESBdeverá tratar.

  • Seguro obrigatório ou facultativo?

Outra discussão que comumente se coloca a respeito do seguro ambiental é se este deveria se tornar obrigatório.

De início, é importante que se diga que a Constituição Federal, no art. 22, VII, dispõe que “compete privativamente à União legislar sobre […] seguros”.

Assim, em que pese o disposto no Decreto-Lei 73/66 sobre a possibilidade de criação de outros seguros obrigatórios além daqueles descritos no próprio Decreto-Lei, por lei especial, somente lei federal poderia tornar o seguro de responsabilidade civil ambiental (ou até o seguro-garantia ambiental) obrigatório.

O seguro obrigatório pode ser entendido como o tipo de seguro cuja contratação é imputada aos segurados que se coloquem nas hipóteses previstas legalmente para tal obrigatoriedade.

Os casos de seguros obrigatórios envolvem, dentre outros: seguro de danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais, responsabilidade civil do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo, responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas, danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada[36].

Com relação ao seguro ambiental, tramita noCongresso um projeto de lei que visaria tornar o seguro de responsabilidade civil ambiental obrigatório (PL 2313/2003), mas tal projeto está sem qualquer previsão de aprovação.

Nesse sentido, o seguro ambiental é hoje no Brasil facultativo.

Na doutrina, encontramos posicionamento para os dois lados. POLIDO, por exemplo, defende (a nosso ver acertadamente) que o seguro de responsabilidade civil ambiental deve continuar a ser facultativo por três motivos: (i) porque não é comum a obrigatoriedade nos mercados mais desenvolvidos e nos que foram definidos como obrigatórios, não tiveram sucesso; (ii) porque ainda que se tornem obrigatórios, tal obrigatoriedade pode se impor ao contratante do seguro, mas não se pode obrigar uma seguradora a aceitar a cobertura de qualquer risco; e (iii) já existem fundos financiados por multas e indenizações ambientais impostas aos poluidores quando atingem bens coletivos, o que tornaria desnecessária a criação de mais um instrumento de cobrança[37].

Sob a perspectiva do mercado internacional, WILDEacrescenta não haveria nenhum sentido em obrigar operadores a contratar um produto, se o mercado não provier adequadamente esse produto[38]. O autor entende ainda que nem sempre o mercado segurador oferece as melhores soluções e cita casos em que a indústria se organizou para assegurar seus próprios riscos, como no caso dos clubes de P&I no mercado de transporte marítimo[39]. Outra dificuldade prática seria a de que, para se criar um seguro obrigatório seria necessário especificar uma proporção dos custos com os danos a serem atendidas com o seguro, generalização impossível de ser feita para os riscos ambientais[40].

É possível adicionar mais um argumento: o que normalmente se pretende com a transformação do seguro ambiental em obrigatório é a transferência do dever de fiscalizar o gerenciamento ambiental dos segurados à seguradora, de certa forma como se pretendeu com a aprovação dos Princípios do Equador, do Banco Mundial em 2003[41], bem como do Protocolo Verde, pela FEBRABAN em 2009.

Por esses instrumentos, os bancos passaram a exigir dos clientes, para a concessão de financiamento de empreendimentos potencialmente poluentes, toda uma gama de informações ambientais e passaram os próprios bancos a acompanhar a gestão e o gerenciamento ambiental das plantas de seus clientes, inserindo a variável ambiental em seus projetos de financiamento.

Ocorre que os Princípios do Equador, assim como o Protocolo Verde, são documentos de adesão voluntária por parte das instituições financeiras responsáveis por financiamento de projetos.

No âmbito do mercado de seguros, mesmo nos seguros obrigatórios não existe (e nem pode existir) a obrigatoriedade de uma seguradora autorizada a operar no país de oferecer determinada cobertura para o mercado consumidor. Assim, como ocorre no mercado de seguros facultativos, atuam no mercado de seguros obrigatórios as seguradoras que assim o querem, no exercício de sua livre iniciativa, assegurada constitucionalmente (arts. 1o, IV e 170 da Constituição Federal).

  1. A eficácia do seguro como instrumento de fomento da proteção ambiental

É importante lembrar que o seguro tem por finalidade assegurar que uma perda seja efetivamente indenizada. Seu surgimento está intimamente ligado com a mitigação dos efeitos de uma perda sofrida por um indivíduo em decorrência de um fato fora de seu controle que pudesse leva-lo à ruina e impactar um mercado como um todo. A essência do seguro é o mutualismo. A repartição entre um grupo de pessoas (ou empresas) sujeitas a um risco específico, dos custos de indenização por uma perda sofrida por uma pessoa (ou empresa) pela materialização daquele risco.

Nesse sentido, se pensarmos em um mercado de seguro ambiental desenvolvido, é evidente que sua existência poderá incrementar a proteção ao meio ambiente. É evidente que para a seguradora aceitar a cobertura de um risco, além de necessariamente precisar existir um grupo de pessoas sujeitas a esse risco, ela precisará mensurá-lo e avaliar o pretenso segurado para calcular o prêmio que cobrará pelo produto.

Ademais, a seguradora poderá ser mais uma entidade a assegurar a indenização por um evento de poluição, ou no caso do seguro garantia, assegurar financeiramente a conclusão de um projeto de remediação.

Não é demais lembrar que a atividade de seguros é uma atividade estritamente regulada e há diversas normas que obrigam as seguradoras autorizadas a operar no país a manterem sua solvência, como por exemplo, a constituição de diversas reservas e a manutenção de capital mínimo, o controle em investimentos possíveis.

Entretanto, para que essa proteção se efetive de fato, é necessário que o mercado se desenvolva, o que no nosso entendimento só pode ocorrer de forma natural. Para que o mercado se desenvolva é necessário que haja uma demanda e a demanda não se cria artificialmente, com a imposição aos segurados de contratação de um seguro ambiental.

Isto porque, como já aduzido acima, embora seja possível obrigar o segurado a contratar um seguro, não é possível obrigar uma seguradora a assumir um risco que não seja segurável. Assim entendido como um risco em que seja possível mensurar tecnicamente, definir atuarialmente o prêmio cabível.

Ao invés de se discutir a criação de um seguro obrigatório, talvez seria melhor olhar para a legislação brasileira e para os exemplos de sucesso do seguro ambiental no mundo e identificar quais os entraves regulatórios existentes e porqueapesar do gigantesco mercado nacional, o seguro ambiental ainda não é tão desenvolvido.

PINHEIRO PEDRO, por exemplo, é um dos autores que aponta alguns desses entraves. O autor entende que um deles seria a generalidade da imputação da responsabilidade ambiental objetiva, inscrita no artigo 14, §1o da Lei 6938/81[42], pelo qual “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

A norma conceitua o poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”[43].

Como se não bastasse à generalidade dos dispositivos acima, a jurisprudência, já citada do STJ, entende que:

“Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz, quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe incumbe denunciar, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem“. RESP nº 1.071.741-SP – Relator Ministro Herman Benjamin

Diante do exposto, não é possível assegurar (ousaria dizer que é bastante arriscado, aliás) que as limitações de cobertura e exclusões de cobertura incluídas em uma apólice de seguro ambiental (sobre as quais, vale lembrar, a seguradora calcula seu risco e o prêmio cobrado do segurado) seriam eficazes a ponto de evitar que na insolvência do segurado a seguradora não seria obrigada a arcar com a remediação integral do passivo existente.

Diante de tal incerteza, é razoável supor que os prêmios no mercado de seguros brasileiro deveriam ser elevados.

Assim, talvez, ao invés de se discutir a edição de lei nova que transforme o seguro ambiental em obrigatório, nos parece mais eficaz e melhor para o desenvolvimento do mercado do segurado ambiental,regulamentar o seguro ambiental de forma que se assegure que os eventuais limites impostos contratualmente prevalecerão e serão observados como limitação da responsabilidade da seguradora[44].

  1. Considerações Finais

Pelo exposto, entendemos que os seguros ambientais, para cobertura de responsabilidade civil decorrente de eventos de poluição ou seguro-garantia ambiental, para assegurar a conclusão de um projeto de remediação, podem ser grandes aliados da proteção ambiental.

Por sua natureza, a contratação do seguro pressupõe uma avaliação criteriosa das práticas ambientais do segurado, de forma que a seguradora possa avaliar e mensurar o risco para aceita-lo e precifica-lo, além de permitir a ela incluir o segurado no grupo com que o segurado tenha características parecidas, princípio basilar do mutualismo.

Por consequência, é evidente que em um mercado desenvolvido, o seguro ambiental servirá como um instrumento de fomento de uma maior preocupação ambiental, seja pelas avaliações prévias realizadas pelas seguradoras, seja pelo incentivo de o segurado contratar um produto com um prêmio reduzido, em decorrência da adoção de práticas de gestão ambiental mais cuidadosas.

Mas não acreditamos que o mercado possa se desenvolver de forma eficaz por um imposição legal.À semelhança do que ocorre nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, é recomendável que a responsabilidade da seguradora seja clara na ocorrência de um dano ambiental coberto e que não pouse sobre”a cabeça” das seguradoras “a espada de Dionísio”[45]. Para que a atuação no mercado seja atrativa é necessário que as seguradoras consigam avaliar a dimensão correta do risco para o qual oferecerão a cobertura e para a definição de um prêmio que também seja atrativo ao segurado.

Não há lugar para surpresas no mercado de seguros. Os riscos são avaliados e prêmios calculados atuarialmente. Quanto maior a incerteza, menor o estímulo a comercialização do produto pelas seguradoras e, maior o prêmio cobrado por aquelas que se aventurarem a navegar em águas turbulentas.

  1. Referências Bibliográficas

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SITE: http://www.tudosobreseguros.org.br/portal/pagina.php?l=382.

Notas de Rodapé:

[1] Membro da CDA/OAB-RJ. Pós-graduada em Direito Ambiental Brasileiro, pela PUC-RIO, em 2009, pós-graduanda em Gestão Ambiental, pela COPPE-UFRJ (créditos concluídos) e mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa. Advogada associada ao escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, é e integrante da União Brasileira de Advocacia Ambiental – UBAA.

[2]MARCONDES, Ricardo Kochinski e BITTENCOURT, Darlan Rodrigues. Lineamentos da responsabilidade civil ambiental. RDA 3/111.

[3]Art. 225, §3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

[4] PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. RDA62/2011, p. 57-114 (Abr-Jun, 2011).

[5]STJ. RESP nº 1.071.741-SP – Relator Ministro Herman Benjamin.

[6] O site http://www.tudosobreseguros.org.br, por exemplo, aponta o surgimento do seguro ainda antes de Cristo quando, nas caravanas que atravessavam os desertos do Oriente para comercializar camelos, os cameleiros firmariam um acordo no qual pagariam para substituir o camelo de quem o perdesse.

[7] CORDEIRO, António Menezes. Direito dos Seguros. 2a ed. Lisboa: Ed. Almedina, 2016. p. 61.

[8] Para maiores detalhes sobre a história dos seguros, vide CORDEIRO, Op. Cit., pgs. 59-102.

[9] Vide www.tudosobreseguro.com.br

[10] Vide art. 757. do Código Civil.

[11] O princípio da boa fé objetiva em matéria contratual hoje tão difundida no Código Civil de 2002 surge em matéria contratual com o contrato de seguro.

[12] Vide Arts. 765, 766, 768, 769 do Código Civil.

[13] Vide Art. 773 do Código Civil.

[14] É comum dividir os seguros em seguro-saúde, seguros de danos e seguros de pessoas.

[15] Art. 787, Lei 10.406/2002.

[16] Art. 5o da Circular SUSEP 437/2012.

[17] Art. 5o, §§1o e 4o da Circular SUSEP 437/2012.

[18] Clausulado do Seguro de Responsabilidade Civil Geral, Processo No. 15414.001870/2005-24, disponível em << http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=4&codigo=29548>>.

[19] Art. 4o da Circular 477/2013.

[20] Art. 5o da Circular 477/2013.

[21] Nos termos do art. 3o, II, da Lei 6938/81, a “degradação adversa da qualidade do meio ambiente”.

[22] Art. 3o, IV, da Lei 6938/81.

[23]POLIDO, Walter. Op. Cit., p. 207 et. seq.

[24] Condições Gerais da apólice de responsabilidade civil geral segundo POLIDO, Walter. Op. Cit., p. 208 e 209.

[25] POLIDO, Walter. Op. Cit., p. 209.

[26] Circular SUSEP No. 57/81, Anexo IV, item 2, alínea d.

[27] Circular No. 437/2012.

[28] Idem.

[29] Condições gerais soluções ambientais para projetos de infraestrutura apólice a base de reclamação e comunicação. Disponível em <<https://www.aig.com.br/content/dam/aig/lac/brazil/documents /brochure/condicoes-gerais-ambiental-eis-brochure.pdf>>

[30] Disponível em: https://www.aig.com.br/content/dam/aig/lac/brazil/documents/brochure/condicoes-gerais-ambiental-eis-riscos-ambientais-transporte-brochure.pdf

[31] Disponível em https://www.aig.com.br/content/dam/aig/lac/brazil/documents/brochure/condicoes-gerais-ambiental-rc-por-danos-de-poluicao-ambiental-pll-brochure.pdf

[32] Definição constante da Apólice de riscos responsabilidade civil por serviços prestados por empreiteiros e prestadores de serviços profissionais por danos de poluição apólice a base de reclamação.

[33] Definição constante da Apólice de riscos ambientais transporte.

[34] http://www.tudosobreseguros.org.br/portal/pagina.php?l=754&c=1300

[35] Vide Despacho 254/17/CAAR, de 21/7/2017.

[36] Decreto Lei 73/66, art. 20.

[37]POLIDO, Walter. Op. Cit., p. 592.

[38] WILDE, Mark. Civil liability for environmental damage. The Netherlands: Ed. WoltersKluwer, 2013, p. 299.

[39] Idem.

[40] WILDE, Mark. Op. Cit. p. 300.

[41] Para maiores detalhes, ver Princípios do Equador, disponível em http://www.equator-principles.com/resources/equator_principles_portuguese_2013.pdf<<acesso em 04 de fevereiro de 2017>>.

[42] PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro. Op. Cit. parágrafo 17 et. seq.

[43] Art. 3o, IV, Lei 6938/81.

[44]A título exemplificativo, trazemos a seguir alguns excertos de notícia veiculada em 22 de outubro de 2016, no site do IBAMA: “Brasília (22/10/2016) – O IBAMA e o Ministério Público Federal (MPF) iniciaram na última quarta-feira (19/10) operação de combate ao desmatamento na Amazônia com objetivo de punir empresas que comercializaram, financiaram ou intermediaram produtos agrícolas oriundos de áreas onde a floresta foi suprimida ilegalmente, além de produtores rurais que tenham descumprido embargos ambientais. […]A lista pública de áreas embargadas e autuações ambientais é um instrumento para que instituições financeiras possam verificar se beneficiárias de crédito não apresentam irregularidades, e para que o mercado possa consultar se o produto comercializado é proveniente ou não de área desmatada ilegalmente. […]’Uma das estratégias que o IBAMA está empregando para proteger a floresta amazônica é punir os elos da cadeia produtiva do desmatamento ilegal. Assim, quem adquirir, financiar, transportar, comercializar ou intermediar produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente, também é responsável pela devastação da floresta, inclusive bancos, tradings, transportadoras e empresas de beneficiamento’, diz o coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do IBAMA, Jair Schmitt. Segundo ele, essa estratégia é importante porque obriga o mercado a controlar melhor a origem dos produtos, reduzindo oportunidades de negócio para quem desmata ilegalmente. […]Além das punições administrativas, o MPF irá propor na Justiça Federal ação civil pública para obrigar os infratores a reparar os danos ambientais. ‘O MPF, a partir dos relatórios de inteligência e trabalho de campo agora realizado pelo IBAMA, avaliará as ações cabíveis para a responsabilização de todos os agentes envolvidos na atividade causadora do dano ambiental, o que incluiu os adquirentes, financiadores e demais participantes da cadeia produtiva’, diz o procurador da República Marco Barbosa. (http://ibama.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=395:ibama-e-mpf-responsabilizam-empresas-por-financiar-desmatamento-na-amazonia&catid=58&Itemid=271 <<acesso em 04 de fevereiro de 2017>>

[45]Vide https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A2mocles<<acesso em 20 de outubro de 2017>>.

Palavras Chaves

Seguro - Seguro Ambiental - Meio Ambiente - Responsabilidade Ambiental - Seguro Obrigatório