Teoria da Captura: Deturpação de direitos fundamentais e desafios à função independente das agências reguladoras

Resumo

O presente artigo possui como primordial escopo discorrer, brevemente, acerca do fenômeno da captura nas agências reguladoras por parte de três grupos distintos: os usuários, os regulados e, por fim, o ente estatal. Tais premissas foram estabelecidas por Floriano Marques de Azevedo Neto em estreita análise do tema, que teve origem na Capture Theory norteamericana. Analisar-se-á, outrossim, o impacto que a captura exerce sobre os direitos fundamentais, não apenas dos destinatários de serviços públicos – principais lesados, por constituírem, muitas vezes, o lado mais frágil das relações de mercado –, mas também na iniciativa privada, cujas atividades são desfavorecidas em detrimento do que foi denominado de “mercado político”, gerando, consequentemente, falhas de mercado e prejudicando, primordialmente, o princípio da livre-iniciativa, que é garantido pela Constituição da República.

Artigo

Teoria da Captura: Deturpação de direitos fundamentais e desafios à função independente das agências reguladoras

Sobre a autora: Isabella Macedo Torres é advogada, formada pelo Centro Universitário de Volta Redonda e, atualmente, pós-graduanda em Direito e Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Resumo: O presente artigo possui como primordial escopo discorrer, brevemente, acerca do fenômeno da captura nas agências reguladoras por parte de três grupos distintos: os usuários, os regulados e, por fim, o ente estatal. Tais premissas foram estabelecidas por Floriano Marques de Azevedo Neto em estreita análise do tema, que teve origem na Capture Theory norteamericana. Analisar-se-á, outrossim, o impacto que a captura exerce sobre os direitos fundamentais, não apenas dos destinatários de serviços públicos – principais lesados, por constituírem, muitas vezes, o lado mais frágil das relações de mercado –, mas também na iniciativa privada, cujas atividades são desfavorecidas em detrimento do que foi denominado de “mercado político”, gerando, consequentemente, falhas de mercado e prejudicando, primordialmente, o princípio da livre-iniciativa, que é garantido pela Constituição da República.

Palavras-chave: Regulação, agências reguladoras, captura, livre-iniciativa, direitos fundamentais.

  1. Introdução:

“A essência do princípio oligárquico não reside na transmissão de pai para filho, mas na permanência de uma certa visão do mundo e certo estilo de vida, que os mortos impõem aos vivos. Um grupo dominante só é dominante enquanto conserva a capacidade de designar os seus sucessores. O importante para o Partido não é perpetuar o sangue, mas perpetuar-se a si próprio”.

(George Orwell, “1984”)

A origem do Direito Administrativo é comum à do Direito Constitucional: ambos os ramos visavam à diminuição da interferência estatal nas relações privadas, devido, primordialmente, à influência e ao advento do liberalismo1.

Como a história é notoriamente cíclica, verifica-se, ao seu decorrer, diversas alterações na relação entre agentes privados e o Estado, inclusive no que tange à prestação de serviços por entes estatais. Concluiu-se, porém, que o Estado não pode restar completamente ausente das relações econômicas, e, apesar das exceções constitucionais para sua interferência direta na economia, tem assumido, nas últimas décadas, postura fiscalizatória e normativa. No Brasil, isso ocorreu, principalmente, mediante a implementação de agências reguladoras.

O presente artigo possui como finalidade abordar os desafios enfrentados pelas agências reguladoras para sua atuação com independência, levando-se em consideração o conceito de captura. Para tanto, demonstrar-se-á a visão de dois doutrinadores pátrios acerca dos atores atuantes no cenário econômico que podem interferir na atuação das agências e, consequentemente, deturpar sua finalidade precípua, qual seja: garantir, de um lado, a concorrência e o livre mercado entre os agentes privados, e, de outro, preservar os direitos fundamentais dos destinatários finais de serviços, sopesando-se ambos os interesses a fim de encontrar um ponto de equilíbrio.

  1. A função regulatória nos cenários internacional e nacional:

Foi nos Estados Unidos do século XIX, no estado de Illinois, que ocorreu o primeiro caso paradigmático de intervenção regulatória do Estado, a partir da constatação de que o mercado está sujeito a falhas. Após disputa travada entre produtores de grãos sulistas, cujos lucros ficavam muito aquém dos produtores do norte devido a altíssimas tarifas que lhes

1 BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do Direito e suas repercussões no âmbito administrativo. P.

  1. In: Direito Administrativo e seus novos paradigmas. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

eram cobradas dos transportadores ferroviários, o caso foi levado à Suprema Corte, que decidiu favoravelmente aos reclamantes, asseverando que “quando uma empresa qualquer exerce atividade que afeta interesses públicos, em serviços de utilidade pública, dos quais a comunidade fica refém, caracteriza-se uma situação em que essa atividade está subordinada à regulação”2.

Apesar da data remota, a regulação estabeleceu-se como doutrina durante a década de 60, também nos Estados Unidos. Modernamente, porém, dá-se destaque ao posicionamento do teórico Cass Sustein, que tentou “buscar as razões de legitimação da regulação, entendida, no contexto norte-americano, como qualquer forma de intervenção do Estado na economia e nas relações sociais”. Para Sustein “é possível reformar e interpretar as medidas regulatórias de uma maneira que seja fundamentalmente baseada nos compromissos constitucionais e promova, num ambiente radicalmente transformado, os objetivos centrais do sistema constitucional – liberdade e bem-estar”3.

Em decorrência da denominada crise no serviço público4, fenômeno relevante também ocorreu no Reino Unido dos anos 80: o New Public Management, período “marcado por novos padrões e formas de relacionamento entre Estado, mercado e sociedade”5.

Portanto, no final do século XX, percebe-se que a economia, outrora pautada na doutrina do Estado Social, com predomínio do monopólio estatal, iniciado no período pós- guerra, cambiou paulatinamente para o mercado concorrencial, tendo a “atividade de intervenção estatal em sentido estrito” sido “reduzida em contrapartida ao aumento da intervenção regulatória (ou normativa).” 6.

No Brasil, por sua vez, o cenário econômico sofreu intensa alteração no início dos anos 907, após período marcado por inchaço e monopólio estatal. A mudança foi legitimada com a promulgação da Constituição de 1988, a primeira a dedicar um capítulo específico à ordem econômica, prevendo em seu “artigo 2º, inciso IV, […] a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho […]” e a detalhar no artigo 170 os princípios a serem seguidos

2 Energia: o desafio das agências reguladoras. P. 8. Disponível em: http://www.iee.usp.br/sites/default/files/biblioteca/producao/2007/Monografias/paremteenergia.pdf

3 CYRINO, André Rodrigues. Direito Constitucional Regulatório. P. 43. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Processo, 2018.

4 NESTER, Alexandre Wagner. A inserção do regime concorrencial nos serviços públicos. In: Direito Administrativo e seus novos paradigmas. P. 414. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

5 GARCIA, Flávio Amaral. A mutabilidade e incompletude na regulação por contrato e a função integrativa das agências. P. 439. In: Alexandre Santos de Aragão e Floriano de Azevedo Marques Neto. Direito Administrativo e seus novos paradigmas. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

6 Ibidem.

7 Ibidem. P. 44

pelo Estado8, além de estipular hipóteses de intervenção direta na economia quando presentes os imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, conforme se constata no artigo 173, bem como a função fiscalizadora e regulatória, cuja previsão encontra guarida no artigo 1749.

A mudança de perspectiva foi responsável por diversas consequências no  cenário nacional, mas, principalmente, pela “diminuição expressiva da atuação empreendedora do Estado”. Sua responsabilidade foi, então, transferida para “o campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime especial”. Esse cenário foi campo fértil para a criação das agências reguladoras, inspiradas nos modelos das agencies norte-americanas10, consumando “a mutação do papel do Estado em relação à ordem econômica.”11.

Embora a Constituição não faça menção às agências como categoria abstrata, a EC nº 9/95 foi responsável pela inserção de duas delas no texto constitucional, quais sejam: a de telecomunicações (art. 21, XI) e de petróleo (art. 177, §2º, III)12. Ademais, tendo em vista a rigidez das normas constitucionais, houve maiores inclusões mediante legislação infraconstitucional, podendo-se citar como principais exemplos as leis: 9.427/1996 (Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL); 9.472/1997 (Agência Nacional de Telecomunicações

– ANATEL); 9.478/1987 (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP); Lei no 9.782/1999 (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA) e 11.182/2005 (Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC)13.

A atividade regulatória tem por objetivo precípuo ser um ponto de equilíbrio entre direitos fundamentais: de um lado, o direito à livre concorrência, perseguida pelos entes privados atuantes no mercado, visando à não ocorrência da concorrência desleal (por meio justamente   da   captura,   que   favoreceria   um   prestador   em   detrimento   dos   demais),

8 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil Estatal por Intervenção no Ordenamento Econômico.

  1. 183-204. In: Daniela Bandeira de Freitas e Vanice Regina Lírio do Valle. Direito Administrativo e Democracia Econômica. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Fórum, 2012.

9 Ibidem. P. 183-204.

10 CYRINO, André Rodrigues. Direito Constitucional Regulatório. P. 43. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Processo, 2018.

11 BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do Direito e suas repercussões no âmbito administrativo. P.

  1. In: Alexandre Santos de Aragão e Floriano de Azevedo Marques Neto. Direito Administrativo e seus novos paradigmas. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

12 CYRINO, André Rodrigues. Direito Constitucional Regulatório. P. 45. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Processo, 2018.

13  MOREIRA, Egon Bockmann. Passado, presente e futuro da regulação econômica no Brasil. P. 108. Revista  de Direito Público da Economia – RDPE. Ano 11, nº 14. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

expressamente prevista no inciso IV do artigo 174 da Constituição14, e, de outro, a proteção aos direitos fundamentais dos destinatários dos serviços (os consumidores), haja vista ser o indivíduo alicerce e fundamento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que constitui o ápice da República Federativa do Brasil15.

  1. Teoria da Captura – deturpação de direitos fundamentais e desafios à função independente das agências reguladoras:

Sendo as agências reguladoras autarquias em regime especial, sua principal característica é a atuação com independência em relação ao poder que a instituiu e aos agentes por ela regulados, traço este que as distingue das demais autarquias. Ademais, possuem  alguns privilégios específicos, visando justamente ao exercício de suas funções sem interferência16, estando entre estes: mandato independente dos dirigentes das agências, cuja exoneração deve ser precedida de processo administrativo ou judicial (mandatos sucessivos e nomeação submetida à apreciação prévia do Senado Federal); autonomia orgânica e funcional (saliente-se que a controvérsia quanto ao recurso hierárquico impróprio será abordada adiante), contando com organização colegiada, e, por último, a independência decisória17.

Entretanto, inobstante a ideia de desenvolvimento e fim da interferência estatal dominante (apesar das exceções constitucionais outrora citadas), na prática, há casos emblemáticos que demonstram a deturpação e abandono dos objetivos precípuos das  agências, e é justamente nesse contexto que ocorre o que se denomina de captura (capture theory), constituindo “vinculação promíscua entre a agência, de um lado, e o governo instituidor ou outros entes regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência da pessoa controladora”18.

Tal teoria começou a se desenvolver nos anos 60 nos Estados Unidos19, e teve seu ápice a partir da constatação de George Stigler, nos anos 70, que partiu da premissa de que “a regulação é um produto cuja demanda é provocada pelos agentes de um determinado

14 NESTER, Alexandre Wagner. A inserção do regime concorrencial nos serviços públicos. P. 417. In:  Alexandre Santos de Aragão e Floriano de Azevedo Marques Neto. Direito Administrativo e seus novos paradigmas. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

15 BARROSO, Luís Roberto. Ibidem. P. 43.

16 GUERRA, Sérgio. Teoria da Captura da Agência Reguladora em sede pretoriana. P. 331. Disponível em https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42

475/41195

17 Ibidem. P. 213 a 220.

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. P. 520. 32º Edição. Rio de Janeiro: Atlas. 2018.

19 GUERRA, Sérgio. P. 331. Ibidem.

setor econômico, no sentido de que a intervenção estatal lhes fosse favorável, ou mesmo que lhes criasse um mercado antes inexistente”20, tendo tais estudos sido incorporados no Brasil em meio a um debate sobre a independência das agências reguladoras “que não podem estar simplesmente a serviço dos agentes econômicos regulados”21.

Egon Bockmann, ao discorrer sobre o conceito de captura, a descreve como bifronte, haja vista dar-se em relação tanto aos entes regulados quanto pelo Estado instituidor22, salientando assertivamente tratar-se de sofisticada ideia, uma vez que “ser capturado implica imaginar que se está regulando determinado mercado em favor da concorrência, consumidores e usuários quando, a rigor, o principal beneficiário é o próprio regulado (ou o governante de plantão, à procura de votos). A regulação a impor maiores custos à própria economia – e a vangloriar os agentes regulados e/ou eleger políticos”.

Por sua vez, Floriano Marques de Azevedo Neto refere-se a três blocos de interesses que podem interferir diretamente na regulação, quais sejam: os beneficiários (usuários, consumidores, cidadãos), os regulados (operadores econômicos) e o próprio poder político, “ficando protegido tanto dos interesses governamentais de ocasião, quanto dos interesses estatais diretamente relacionados ao setor regulado”23.

É esta visão que será considerada nos tópicos seguintes, em que abordar-se-ão alguns dos principais desafios enfrentados pelas agências reguladoras tendo em vista a noção de captura.

  • Captura pelos destinatários finais de serviços:

Ao adentrar nesse ponto, necessário se faz retornar ao raciocínio de George Stigler, de que a captura advém da demanda dos agentes do mercado em deturpar os reguladores a fim de que estes satisfaçam seus objetivos, pois a esta teoria se opõe Richard Posner, ao afirmar que a sociedade também pode se organizar a fim de criar instituições que influenciem na tomada de decisões dos reguladores. Segundo Posner: “várias características do direito e das políticas públicas desenhadas para manter um sistema de mercado são mais

20 STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica, in Regulação Econômica e Democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004.

21 LOSS, Giovani. Contribuições à teoria da regulação no Brasil: fundamentos, princípios e limites do poder regulatório das agências, in O Poder Normativo das Agências Reguladoras. P. 155. Rio de Janeiro: Forense,

2006.

22  MOREIRA, Egon Bockmann. Passado, presente e futuro da regulação econômica no Brasil. P. 113. Revista  de Direito Público da Economia – RDPE. Ano 11, nº 14. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

23 NETO, Floriano de Azevedo Marques. Agências Reguladoras Independentes – fundamentos e seu regime jurídico. P. 68. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

plausíveis se explicadas através da referência a um amplo interesse social em eficiência do que através de referência aos desenhos definidos por grupos de interesse restritos”24.

Apesar de os posicionamentos acima datarem da década de 70, ainda são primordiais e base de referência para o estudo das agências reguladoras, e é justamente a sociedade civil organizada que é considerada por Floriano de Azevedo Marques ao se referir à permeabilidade dos entes regulatórios, tanto aos interesses dos regulados, quanto dos operadores econômicos, haja vista ser “pressuposto da atividade que executam que sua atuação seja absolutamente condicionada pela abertura aos atores sociais”25.

Entretanto, embora a proteção aos direitos dos destinatários finais de serviços constitua um dos objetivos da regulação e a mencionada permeabilidade deva ocorrer, esta não deve ter a finalidade apenas de promover os anseios da sociedade, pois, como contraponto, tem-se que a regulação também há de se equilibrar com a promoção da concorrência do livre mercado.

Outrossim, destaca o autor que “o atrelamento exclusivo ao interesse do usuário pode levar, em situações limite, ao aniquilamento de parcela dos exploradores da atividade regulada, acarretando, a longo prazo, a redução da competição (com a oligopolização ou monopolização do mercado específico).” 26.

E, conforme fora ressaltado, deverá haver um equilíbrio entre os princípios da livre concorrência e os ditames da justiça social e da proteção ao consumidor. Desta feita, mesmo que um ato estatal seja praticado visando à defesa dos destinatários finais de serviço, se esta se mostrar prejudicial aos prestadores de serviço da iniciativa privada, restará caracterizada a responsabilidade civil do Estado.

Por fim, mesmo que visando à proteção de direitos fundamentais dos destinatários de serviços, se restar caracterizado ato do Poder Público praticado em detrimento da iniciativa privada sem que esta seja pautada no princípio da razoabilidade, sem que haja sopesamento adequado entre o meio adequado e a finalidade perpetrada, ou que tal medida interventiva tenha sido praticada à margem da lei, restará certeiro o dever de indenizar do Estado, desde que o suposto lesado comprove o dano e o nexo de causalidade, não obstante os termos do §6º do artigo 37 da Constituição Federal, que caracteriza a responsabilidade como

24 BAGATIN, Andreia Cristina. Teoria da captura: explicação necessária e suficiente para a existência de regulação?In: Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 07, nº 28, out./dez. 2009. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=64262

25 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. Agências Reguladoras – Instrumentos de fortalecimento do Estado. P. 27. Disponível em: http://abar.org.br/wp-content/uploads/2011/07/agencias-reguladoras.pdf

26 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. Agências Reguladoras independentes – Fundamentos e  seu Regime Jurídico. P. 71. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

objetiva. Em contrapartida, se o ato praticado pelo Estado não se mostrar razoável ou ultrapassar tempo determinado em regulamento, caberá a este ente, para eximir-se de sua responsabilidade indenizatória, comprovar os fatos excludentes da responsabilidade civil27.

  • Captura pelos entes regulados:

Giovani Loss salienta que, “no Brasil, o debate sobre captura foi inserido a partir dos estudos sobre a independência das agências reguladoras, que não podem estar simplesmente a serviço dos agentes econômicos regulados”28, aplicando-se, também aqui, o conceito de permeabilidade, pois não é porque “o operador haverá de se submeter ao regulamento, à licença, ao plano ou ao contrato que ele não deverá ser ouvido, participar, negociar e tentar fazer prevalecer seus interesses”, sempre se atentando à ressalva de que isto deve se fazer preservando-se os interesses de todos os que fazem parte do cenário regulatório e de forma indistinta, sem que haja favorecimentos29.

Novamente de volta à premissa de Stigler, o teórico assevera que tanto o Estado quanto as agências reguladoras podem tomar decisões que influenciarão diretamente na economia sem que haja qualquer interferência dos destinatários finais de serviços e, portanto, haverá a consequente formação do que o autor denomina de “mercado político”, em que as empresas poderiam adquirir benefícios advindos da regulação30.

Esta prática, porém, é expressamente vedada pelo §4º do artigo 173 da Constituição da República, que determina que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Apesar disso, observam-se, na prática, comportamentos que vão de encontro aos preceitos constitucionais31.

Egon Bockamann é assertivo ao ressaltar que, no caso de captura regulatória por agentes econômicos, a norma regulatória é vista como um produto, e passa a ser

27 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. Agências Reguladoras independentes – Fundamentos e seu Regime Jurídico. P. 71. 1ª Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

28 LOSS, Giovani. Contribuições à teoria da regulação no Brasil: fundamentos, princípios e limites do poder regulatório das agências, in O poder normativo das agências Reguladoras. P. 154. Rio  de Janeiro: Forense,  2006.

29 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo Marques. Agências Reguladoras – Instrumentos de fortalecimento do Estado. P. 27. Disponível em:http://abar.org.br/wp-content/uploads/2011/07/agencias-reguladoras.pdf

30 BAGATIN, Andreia Cristina. Teoria da captura: explicação necessária e suficiente para a existência de regulação?In: Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 07, nº 28, out./dez. 2009. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=64262

31 NESTER, Alexandre Wagner. A inserção do regime concorrencial nos serviços públicos. In Direito Administrativo e seus novos paradigmas. P. 417. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

“manufaturada pelos regulados […] em seu próprio price maker”, tornando-se os “regulados (e/ou governantes)” em regulation markers32, sendo esta “sofisticada técnica de conquista dos principais mercados de uma nação, sobretudo pelo manejo de assimetria de informações, que instala custos desnecessários e aumenta indevidamente os ganhos de alguns dos regulados”33.

Alexandre Aragão, ao citar Fabio Nusdeo, afirma que “os grupos de interesse tendem, desde logo, a capturar as agências reguladoras. Essas nem sempre se destinam a proteger o público, mas podem vir a significar uma defesa e proteção para os empresários do setor e, simultaneamente, a introdução ou elevação de barreiras de entrada para os que estão de fora”34.

Caso que se notabilizou por ter sido levado ao Supremo Tribunal Federal foi o que ocorreu com a ANATEL, que contava com dois ex-dirigentes de concessionárias na composição do Conselho Consultivo em detrimento dos membros da sociedade. Em Ação Civil Pública, o Ministério Público contestou a nomeação de José Fernandes Pauletti, como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, como representante da sociedade civil, por ser este, à época, Presidente da Tele Norte Leste Participações S.A., e da TELEMAR Norte Leste S.A., e a nomeação do apelante Cleofas Ismael De Medeiros Uchôa, Presidente da TELEBRASIL, ao menos quando da nomeação, como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, na qualidade de representante dos usuários.

Ressalte-se que tal possibilidade consta do artigo 34 da Lei no 9.472/97, o qual prevê que os membros da sociedade devem ser representados no Conselho Consultivo daquela agência35. O STF decidiu que, além de ferir a pluralidade representativa e o princípio democrático, tendo em vista a composição híbrida do conselho, o ato de nomeação caracterizou-se como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. Decidiu o Supremo, também, que a nomeação deveria observar “os princípios constitucionais norteadores da administração pública, sobretudo da moralidade e da legalidade, e considerada a qualificação do indicado, isto é, a compatibilidade da sua qualificação com as matérias afetas ao colegiado”36.

32  MOREIRA, Egon Bockmann. Passado, presente e futuro da regulação econômica no Brasil. P. 114. Revista  de Direito Público da Economia – RDPE. Ano 11, nº 14. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

33 Ibidem. P. 144.

34 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. P. 226. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

35 GUERRA, Sérgio. Teoria da Captura da Agência Reguladora em sede pretoriana. P. 331. Disponível em https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42 475/41195

36 Ibidem. P. 347.

Em relação a esse caso, José dos Santos Carvalho Filho observou que “tal decisão […] reflete inegável avanço no que tange ao controle judicial sobre atos discricionários, que, embora formalmente legítimos, se encontram contaminados por eventual ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”37.

Questão relevante, e que também se refere à atuação independente das agências reguladoras, é no que tange à quarentena dos dirigentes de concessionárias. Instituto previsto genericamente no artigo 14 do Código de Conduta da Alta Administração Federal – CCAA, além de especificamente na lei orgânica de algumas agências reguladoras, impede que haja prestação de serviços junto às agências por determinado período (especificado pela lei criadora de cada agência) a fim de evitar “tráfico de influência ou exploração de prestígio pelos ex-dirigentes perante as agências reguladoras das quase se afastaram, no ulterior exercício de outras atividades”38.

Alexandre Aragão, novamente citando Fábio Nusdeo, afirma que medidas como quarentena são necessárias para que “seus titulares não atuem no interesse de grupos para os quais tenham trabalhado ou para os quais pretendam vir a trabalhar depois de deixarem a direção da entidade reguladora (o chamado “efeito porta giratória”)”. Porém, muito embora medidas como a quarentena se façam úteis, acabam por ser insuficientes, pois “por trás da burocracia podem estar agindo interesses outros além dos oficialmente invocados como suporte para as decisões”39.

O Estado, ao lidar com os diferentes agentes da iniciativa privada, deve pautar suas ações no Princípio da Igualdade, que tem por norte a função de proteger a livre concorrência entre os agentes da iniciativa privada. Inclusive, de acordo com Flávio Willeman, “privilegiar determinado tomador para o recebimento de um incentivo estatal representará não só a violação do princípio da igualdade, mas também configurará ato regulatório com desvio de finalidade, que, certamente, caracterizará captura do Estado regulador”40.

37 CARVALHO FIHO, José dos Santos. “Manual de Direito Administrativo”, p. 520, 32ª edição, Rio de Janeiro: Atlas, 2018.

38 NESTER, Alexandre Wagner. A inserção do regime concorrencial nos serviços públicos. In Direito Administrativo e seus novos paradigmas. P. 417. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

39 ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2ª Edição. P. 226. Forense: Rio de Janeiro, 2013.

40 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil Estatal por Intervenção no Ordenamento Econômico.

  1. 183-204. In: Daniela Bandeira de Freitas e Vanice Regina Lírio do Valle. (Org.). Direito Administrativo e Democracia Econômica. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Fórum, 2012.
  • Captura política:

O último ponto a ser abordado refere-se à interferência política na atuação das agências. Aliás, antes de adentrar no referido mérito, é oportuno que se mencione relevante passagem de Alexandre Aragão quanto à relação intrínseca entre as decisões políticas e o Direito:

“A relação entre o Estado e a economia é dialética, dinâmica e mutável, sempre variando segundo as contingências políticas, ideológicas e econômicas. Inegável, assim, uma relação de mútua ingerência e limitação: o Direito tem possibilidades, ainda que não infinitas, de limitar e de direcionar as atividades econômicas; e essas influenciam as normas jurídicas não apenas na sua edição, como na sua aplicação, moldando-as, também limitadamente, à lógica da economia”41.

Nesse contexto insere-se a captura política, que consiste na tomada de decisões por parte dos representantes do Estado visando à finalidade dos dirigentes estatais intrinsecamente relacionadas à ideologia política do partido que ocupa o poder em determinado momento.

Esse é um debate que se faz crucial, pois é das decisões políticas que se definem os delineamentos das agências reguladoras, ponto de partida para seu funcionamento. “O desenho estrutural e funcional das instituições responsáveis pelo exercício da regulação condiciona a conduta daqueles que venham a integrá-la. Logo, parece possível que, ao delineá-la, possam ser vislumbrados mecanismos que minimizam (ou, caso se prefira, não incentivem) a possibilidade de captura da regulação”42.

Diversas são as formas pelas quais um agente político pode praticar a captura. Eduardo Jordão e Maurício Portugal Ribeiro, com maestria, descrevem alguns dos principais exemplos ocorridos no país durante as últimas décadas43.

O primeiro deles refere-se ao enfraquecimento do corpo dirigente de uma agência. Para tanto, citam a Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências, e estipula que seus dirigentes só podem ser demitidos motivadamente. Entretanto, em caso notório no ano de 2004, houve pressão por parte do presidente da

41 ARAGÃO, Alexandre dos Santos, Curso de Direito Administrativo, p. 206. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

42 BAGATIN, Andreia Cristina. Teoria da captura: explicação necessária e suficiente para a existência de regulação?In: Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 07, nº 28, out./dez. 2009. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=64262

43 JORDÃO, Eduardo e RIBEIRO, Maurício Portugal. Como desestruturar uma agência Reguladora em passos simples. In Journal Of Institutional Studies (2017). Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1, 2017.

República para que o dirigente da ANATEL renunciasse, pois havia sido indicado pelo presidente da República anterior44.

É fácil concluir-se, dessa forma, que os cargos de dirigentes servem meramente para atender a finalidades partidárias. A FGV/SP produziu importante estudo em que se constatou a ausência de qualificação técnica dos dirigentes indicados em relação à área de atuação, o que compromete efetivamente suas decisões, conforme se depreende:

“A expertise técnica dos dirigentes é em muitos casos questionável. Foi realizada uma análise curricular de todos os dirigentes das agências selecionadas. Constatou-se que apenas 58% têm trajetória profissional conexa com a função de dirigente da Agência Reguladora. Há relação com a trajetória profissional ao cargo de direção quando o dirigente tenha dedicado parcela substancial  de  sua experiência profissional ao tema relacionado com a função da agência ao qual foi nomeada.”45.

Outro fator que certamente está atrelado à manutenção da independência das agências reguladoras é sua autonomia financeira e orçamentária, outrora citada como um de seus requisitos. “As agências seriam autossustentáveis, mediante cobrança de taxas de fiscalização, multas, outorgas dos seus regulados, e teriam orçamentos independentes dos ministérios aos quais estão vinculadas”. Porém, não obstante a previsão legal sobre a cobrança de taxas por parte das agências (a exemplo do artigo 8º, §2º, da Lei 9.472/97, que regula a ANATEL), visando à independência de seu orçamento, há estudos que comprovam que tais receitas, na realidade, estariam vinculadas à União, retornando às agências apenas após realocação orçamentária. Desta feita, não há dúvidas de que uma agência enfraquecida em seu orçamento estará mais facilmente sujeita ao livre alvedrio tantos dos dirigentes do governo (como também dos entes regulados), já que, com o corte, as agências precisariam cortar gastos e descontinuar serviços46.

Eduardo Jordão e Maurício Portugal Ribeiro novamente referem-se a exemplos catastróficos relacionados a cortes de orçamentos e consequente enfraquecimento da agência: o primeiro, relacionado à ANEEL, cujo orçamento pautado em R$ 120 milhões foi reduzido, no ano de 2016, a R$ 44 milhões, fazendo com que a agência suspendesse serviços de

44 Ibidem. P. 185.

45 JORDÃO, Eduardo e RIBEIRO, Maurício Portugal. Como desestruturar uma agência Reguladora em passos simples. In Journal Of Institutional Studies (2017). Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1, 2017.

Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/GRP_arquivos/sumario_executivo_grp_-_pep_01.pdf 46 JORDÃO, Eduardo e RIBEIRO, Maurício Portugal. Como desestruturar uma agência Reguladora em passos simples. P. 187. In: Journal Of Institutional Studies (2017). Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1, 2017.

atendimento ao consumidor, bem como atividades relacionadas à fiscalização47. Outro caso citado pelos autores, e que é relevante ser sobressaltado, é o caso do “apagão aéreo”, consequência de cortes de gastos da ANAC.

A última polêmica que vale ser ressaltada quando se trata de interferência política, é no que se refere ao recurso hierárquico impróprio. Embora as leis específicas de algumas agências reguladoras sequer prevejam a possibilidade de interposição de recursos de qualquer natureza, e o DL 200/67, aplicável às agências no que não for contrário às leis específicas, também seja silente quanto a esta hipótese, há precedentes administrativos em  que este fato foi ignorado.

No ano de 1995, o então Ministro da Justiça Nelson Jobim acolheu recurso hierárquico impróprio interposto contra ato do CADE, sob o argumento de que “questões concernentes a políticas públicas relevantes não devem escapar à análise da Administração Central e que o fato de o artigo 5º, LV, CF garantir o contraditório e a ampla defesa”. Tal decisão foi, inclusive, corroborada, à época, pelo Parecer Normativo AC – 051, da AGU48.

Alexandre Aragão, ao se referir ao fato acima, é assertivo a dizer que este ato “contraria as leis das agências reguladoras que lhes assegura a posição de última instância administrativa”, referindo-se, ainda, ao MAS 2002.43.00.033475-0/DF do TRF 1ª Região, que, ao decidir caso envolvendo recurso hierárquico impróprio interposto contra ato do CADE, se posicionou no sentido de que “a independência dessas entidades deve ser afirmada em relação em relação à própria AGU e a seus órgãos”, pois, caso houvesse subordinação, “a autarquia antitruste estaria na contingência de sofrer abalos – no que tange à necessária e imprescindível autonomia e independência da seus julgamentos”49.

O mesmo sucedeu-se com a ANTAQ, no ano de 2005, em que uma decisão  desta agência que versava sobre a legalidade de taxa denominada TCH2 sobre a movimentação e entrega de contêineres destinados a outros recintos alfandegários foi modificada pelo Ministério dos Transportes, também mediante recebimento de recurso hierárquico impróprio50.

Desta feita, percebe-se que, apesar das características que têm por intuito preservar a autonomia das agências reguladoras, estas não estão imunes a atos do próprio governo tendentes apenas a impor certa ideologia partidária, mesmo que tais atos sejam

47 Disponível em http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/aneel-retoma-servicos-cortados-apos- orcamento-subir-r-120-milhoes.html

48 ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Curso de Direito Administrativo. P. 219-220. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

49 Ibidem. P. 222. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

50 Ibidem. P. 190.

prejudiciais às agências, que têm seu funcionamento paralisado, aos entes da iniciativa privada, que sofrem prejuízos em decorrência da interferência governamental, e, principalmente, aos consumidores, que constituem a parte mais frágil da relação econômica.

  1. Conclusão

Após o que fora exposto, conclui-se que a independência constitui requisito fundamental para a atuação de uma agência reguladora, e esta deve dar-se em relação a três atores que podem interferir no cenário econômico, quais sejam: destinatários finais de serviços, agentes da iniciativa privada e, por fim, ao próprio ente estatal que as instituiu. Caso haja influência dominante de algum interesse, restará caracterizada a captura, consistente na deturpação da finalidade precípua do papel de uma agência reguladora, que consiste em equilibrar os direitos fundamentais dos entes envolvidos.

Quanto aos destinatários finais de serviço, embora estes constituam o alicerce do princípio da dignidade da pessoa humana e demais princípios fundamentais atrelados ao direito do consumidor, uma atuação voltada exclusivamente à sua proteção pode gerar riscos de monopólio, oligopólio e arbitrariedade do Estado para com os atores da iniciativa privada, devendo, portanto, haver sopesamento com os demais interesses conflitantes.

No que tange à iniciativa privada, apesar da previsão do §4º do artigo 173 da Constituição, acerca da repressão do abuso do poder econômico, na prática, conforme fora citado, observam-se comportamentos que vão de encontro à finalidade das agências. A atuação do Estado Regulador quanto a estes entes deve ter como tônica “dirimir as diferenças entre os agentes do mercado e […] promover a concorrência nos setores onde ela se mostrar adequada e desejável”51, vigorando “a crença de que a concorrência, devidamente monitorada pelo Estado, consiste no melhor caminho para atingir os ideais de justiça social, sacramentados desde a consagração dos direitos e garantias fundamentais do ser humano”52.

Por fim, por mais que a princípio soe contraditório, a captura pode ser praticada pelo próprio ente estatal, a partir de atos que interfiram na gestão das agências, em sua corporação e até mesmo em sua autonomia orçamentária e financeira, conforme demonstram os exemplos abordados neste trabalho.

51 WILLEMAN, Flávio. WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil Estatal por Intervenção no Ordenamento Econômico. P. 183-204. In: Daniela Bandeira de Freitas e Vanice Regina Lírio do Valle. (Org.). Direito Administrativo e Democracia Econômica. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Fórum, 2012.

52 NESTER, Alexandre Wagner. A inserção do regime concorrencial nos serviços públicos. In Direito Administrativo e seus novos paradigmas. P. 417. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

Nota-se que, apesar de a lei e a doutrina preverem requisitos intrínsecos às agências a fim de manter sua autonomia, tais como vedação de demissão ad nutum de seus dirigentes, quarentena, autonomia orçamentária e organizacional, há, na prática, reiteradas burlas praticadas de formas sofisticadas (usando a expressão de Egon Bockmann), que acabam por comprometer o funcionamento da agência e as mantêm aparelhadas à ideologia partidária dominante em determinado momento.

Importante ressaltar, outrossim, que o poder judiciário exerce papel primordial em alguns casos, visando à preservação dos atos das agências e dos princípios constitucionais reiteradamente citados. Apesar dos requisitos do ato administrativo pautarem-se pela conveniência e oportunidade, caberá a análise de mérito quando da constatação de conduta arbitrária e lesiva aos direitos protegidos, tendo em vista a preservação de princípios fundamentais ameaçados.

Por conseguinte, para a manutenção da independência das agências, é necessária ação concomitante entre os atores do cenário econômico, com comprometimento aos valores constitucionais, perseguindo-se o equilíbrio entre liberdade econômica e bem-estar, em conformidade com as premissas de Cass Sustein.

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Palavras Chaves

Regulação, agências reguladoras, captura, livre-iniciativa, direitos fundamentais.