Memória

1 – RESGATE DA HISTÓRIA DAS MULHERES NA ADVOCACIA BRASILEIRA – SÉRIE 1 – MYRTHES GOMES DE CAMPOS.

Amanda da Motta¹

            Apesar da Ordem dos Advogados do Brasil existir ha mais 86 anos, somente no início do século XIX, tivemos a primeira advogada, a exercer a profissão de advogada no Brasil, Myrthes Gomes de Campos (1906). Com isso, iniciou-se a desmistificação do conceito de que o ofício era privilégio somente dos homens.

            Apesar de enfrentar preconceitos, a advogada Myrthes nunca desistiu de exercer a profissão para qual formou-se, além de ter sido uma das pioneiras no Brasil na luta pelos direitos femininos, tais como, o exercício da advocacia pela mulher, o voto feminino e a defesa da emancipação jurídica feminina.

            Myrthes Gomes de Campos era funcionária da justiça, e foi a primeira mulher advogada a ingressar no antigo Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, atual Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Formou-se pela Faculdade Livre em Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, concluindo o bacharelado em 1898. Porém, em 1899, na sua primeira tentativa de ingressar no Instituto, ela foi orientada a se inscrever como estagiária, visto que a época era exigência do Estatuto da Instituição (IAB), que todos os advogados formados pelo menos há dois anos, tinham que se submeter a inscrição de estagiário.

            Naquele mesmo ano 1899, a Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência se pronunciou a favor da Dra. Myrthes Gomes de Campos, por meio da Revista do Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil (IOAB), tentando naquela época romper com o preconceito, sustentando que não haveria qualquer lei que impedisse a mulher de exercer o ofício da advocacia. Cito a decisão:

[…] não se pode sustentar, contudo, que o casamento e a maternidade constituam a única aspiração da mulher ou que só os cuidados domésticos devem absorver-lhe toda atividade; […] Não é a lei, é a natureza, que a faz mãe de família;[…] a liberdade de profissão é como a igualdade civil da qual promulga, um princípio constitucional;[…] nos termos do texto do art. 72, § 22 da Constituição o livre exercício de qualquer profissão deve ser entendido no sentido de não constituir nenhuma delas monopólio ou privilégio, e sim carreira livre, acessível a todos, e só dependente de condições necessárias ditadas no interesse da sociedade e por dignidade da própria profissão;[…] não há lei que proíba a mulher de exercer a advocacia e que, importando essa proibição em uma causa de incapacidade, deve ser declarada por lei […].[1]

            Mesmo tendo sido submetida às regras e tendo em seu favor um parecer da Comissão de Justiça, enfrentando o preconceito, não desistiu e continuou a sua caminhada na busca pelo seu direito de exercer a profissão a qual se formou, mas, por conta do machismo, somente em 1906 conseguiu legitimar-se profissionalmente, quando conseguiu ingressar de definitivamente no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil, cuja era condição necessária para exercer a advocacia.

            Apesar de ter parecer favorável, teve que passar por uma peregrinação para assim alçar seu objetivo e definitivamente exercer com louvor sua majestosa profissão.[2], Advogada Myrthes só podendo exercer efetivamente sua profissão 7 (sete) anos após obter decisão procedente ao seu apelo. Assim ela teve sua filiação aprovada em assembleia sendo finalmente aceita como membro pelo Instituto,

            Em sua luta Myrthes foi corajosa e tão intensa. Uma mulher destemida, forte e incansável. Uma mulher a frente de seu tempo. Teve sua grande recompensa, pela sua coragem e destemor, pois em sua primeira audiência, no dia do julgamento, havia uma verdadeira multidão para assistir sua estreia como advogada. E ela não decepcionou. Com uma belíssima atuação, surpreendeu o Juiz, Promotor e o Júri. Tendo assim, vencido a ação, pois derrotou o promotor que na época era considerado imbatível, e conseguiu a absolvição do réu (seu cliente). Em seu pronunciamento de abertura dos trabalhos, reafirmou a importância histórica de sua atuação, dizendo:

[…]. Envidarei, portanto, todos os esforços, a fim de não rebaixar o nível da Justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada.[…] Cada vez que penetrarmos no templo da Justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada.[…] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos.[3]

             A luta da Myrthes pela liberdade, respeito, e o direito da mulher estudar, bem como poder exercer com dignidade a profissão de advogada, foi um marco na trajetória da advocacia feminina em todo Território Brasileiro. Apesar, de vermos ainda hoje advogadas com dificuldades para exercer sua profissão com dignidade, mas com a certeza que o legado da Ilustre advogada Myrthes Gomes de Campos, trouxe para todas as mulheres do direito a possibilidade de poder se habilitar na OAB, e exercer a profissão de advogada, mesmo com as agruras em que ainda se vive nos dias de hoje.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Advogados_do_Brasil>. Acesso em: 20 jun.2016;

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 22 maio 2017.

PORTAL DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. História da OAB. Disponível em: <www.oab.org.br/hist_oab/index_menu;> Acesso em: 19 set. 2016;

PORTAL MIGALHAS. História Myrthes Campos. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI216736,31047-Dia+da+Mulher+conheca+Myrthes+Campos+a+primeira+advogada+do+Brasil>. Acesso em: 12 fev. 2016;

PORTAL DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DO BRASIL. História do IAB. Disponível em: <www.iabnacional.org.br>. Acesso em: 22 maio 2017.

Notas de Rodapé:

[1]Graduada pela Faculdade de Direito Estácio de Sá. Advogada. Pós-graduada em Direito Público e Privado pela Universidade Estácio de Sá.

[2]Revista IOAB, 6 jul. 1899.

[3]“vide nota 2”. Acesso em: 22 nov. 2016.

[4]O país, Rio de Janeiro, p. 2, 30 set. 1899;