1930, 34, 38, 42, VARGAS NÃO SAIU DO PODER, SEM VOTO, POVO, URNA, ELEIÇÃO. IDEM, IDEM PARA OS GENERAIS DE 1964

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1930, 34, 38, 42, VARGAS NÃO SAIU DO PODER, SEM VOTO, POVO, URNA, ELEIÇÃO. IDEM, IDEM PARA OS GENERAIS DE 1964

Por Helio Fernandes (in memoriam)

Getúlio Vargas não gostava de voto, urna, representatividade. Em 1930 tomou o poder, já perdera uma disputa para Julio Prestes, governador de São Paulo, eleito para suceder o também paulista Washington Luiz. Não havia eleição e sim escolha pelo partido único, o Republicano.

A prática era a mesma e funcionou (?) durante 41 anos da chamada “República Velha”. Os presidentes escolhiam o sucessor, mandavam telegrama aos governadores pedindo apoio. Todos apoiavam, respondiam afirmativamente.

João Pessoa não concordou

Governador da Paraíba, sobrinho do futuro presidente Epitácio Pessoa (que em 1919 ganhou de Rui Barbosa sem sair de Paris) respondeu ao telegrama do Presidente, apenas com uma palavra que fugia do habitual, trivial, normal.

A palavra usada pelo governador, está há mais de 50 anos na bandeira da Paraíba: “NEGO”. Washington Luiz ficou surpreendido, mas fez a eleição assim mesmo, com Vargas adversário derrotado por Julio Prestes.

Getúlio se conformou

Ninguém protestou, não se conspirou para uma revolução, golpe ou outra eleição. Acontece que pouco tempo depois, João Pessoa foi assassinado em Recife. Não por motivo político e sim por inimizade pessoal. Seus amigos não queriam que fosse a Pernambuco, foi morto covardemente numa confeitaria de luxo. Aí voltou a vontade do poder e do golpe.

1930: o poder sem eleição

Os que coordenavam a candidatura Vargas, passaram a se reunir e impedir a posse de Julio Prestes. Conseguiram no dia 3 de outubro, a posse seria em 15 de novembro, 42 dias depois. Vargas tomou posse em 24 de outubro, não como presidente mas como “Chefe do Governo Provisório”. Não se incomodou sabia que ficaria no poder, não passaria o cargo a ninguém.

De 1930 a 1945, sem parada para reabastecimento

Assumiu, logo cassou e prendeu muita gente. O país ficou sem Constituição. Em 1932 os paulistas fizeram o que foi chamado de “Revolução Constitucionalista”. Não era nem uma coisa nem outra. Em 1929 houve a quebra de Wall Street que atingiu vastamente os “barões do café” de São Paulo.

Nessa época o Brasil exportava 96 por cento de todo o café bebido pelo mundo, 92 por cento de São Paulo, 2 por cento pelo Estado do Rio, outros 2 pelo Espírito Santo. Com a miséria implantada, o mundo deixou de comprar, São Paulo em situação desesperada, fizeram esse movimento de 1932, quase uma guerra civil.

A Constituinte de 1933/1934

Espertíssimo, Vargas destroçou os “revolucionários” de 1932, mas convocou a Constituinte para logo a seguir. Fariam a Constituição e marcariam a eleição direta para 60 dias depois de promulgada a Constituição de 1934.

A Constituição saiu, mas não houve a eleição direta. Frustração geral. Vargas ficou no poder, transferiu a eleição direta para 1938. Como fez isso?

A ditadura do Estado Novo

Em 1934, Vargas “nomeou” para a Constituinte 17 deputados sindicalistas, chamados de “pelegos trabalhadores”. E a seguir outros 17, que seriam os “pelegos patronais”. Como a constituinte era formada por 143 parlamentares, Vargas já com 34 votos a favor, facilmente transferiu a “direta” para 1938. Escândalo, vergonha, despeito e desprezo democrático.

Tomou posse indireta nesse 1934, em 1935, 1936 e início de 37, preparando a consolidação do poder. No início de 1937, chamou o deputado Negrão de Lima, incumbiu-o da missão: consultar os governadores para apoiar o que chamava de “Estado Novo”.

Negrão correu o Brasil inteiro, recolhendo entusiasmo. Apenas três governadores discordaram. Lima Cavalcanti, de Pernambuco, recusou com veemência, diante do que Negrão lhe contou, 48 horas depois viajou para a Europa, não voltou mais.

Flores da Cunha resistiu

Governador do Rio Grande do Sul, conversou apenas cinco minutos com Negrão, mandou o recado a Vargas: “Lutarei pela democracia com os “Provisórios”. (Era a tropa do estado).

Com Juracy Magalhães, da Bahia (apesar de cearense) conversa rápida e a resposta: “Diga a Vargas que não serei problema, mas vou conversar com ele pessoalmente”. O Juracy oportunista de sempre, ainda foi importante no golpe de 64.

O Estado Novo, ditadura como sempre torturadora

No dia 10 de novembro o Congresso foi fechado, centenas de pessoas presas, Prestes preso desde 1936, transferido para prisão pior e mais isolada. Negrão de Lima foi feito embaixador, ainda não havia a “carreira”. O Instituto Rio Branco seria criado em 1938, a primeira turma de diplomatas surgiria em 1941.

Flores da Cunha, que fugira para o Uruguai, foi chamado

Julgado por ordem do já ditador, Flores foi condenado a 2 anos de prisão, fugiu para o Uruguai. 1 ano depois, Vargas mandou Batista Luzardo, (amigo dos dois) comunicar a Flores que “poderia voltar, estava tudo esquecido”. Flores voltou, foi preso assim que desembarcou, teve que cumprir os dois anos da condenação. Esse era o Vargas de sempre.

Valadares substitui Negrão

Os dois eram mineiros, espertíssimos e altamente governistas. Todos os governadores foram transformados em interventores, incluindo Valadares. Para interventor de São Paulo, Vargas nomeou Armando Salles de Oliveira, genro do doutor Julio Mesquita, dono do “estadão”.

Acreditaram que não aceitariam, o que fizeram com a maior satisfação. Só que Vargas era como os elefantes, “não esquecia”. Na noite do próprio dia 10 de novembro, o doutor Julio Mesquita foi asilado em Portugal.

O que ninguém entendeu foi o asilo do ex-presidente Artur Bernardes. Grande nacionalista, como governador de Minas, acabou com o monopólio da Hanna Mining. E como presidente da República, liquidou a multinacional.

O asilo foi tido como medo de uma possível candidatura de Bernardes. Como se Vargas era um ditador, apoiado “mil por cento” pelos militares?

Stalin manda pedir a liberdade de Prestes

Em 1940 chegou ao Brasil um alto membro do Politburo Soviético. Recebido logo por Vargas, transmitiu o recado de Stalin: “Manda dizer ao senhor, que agora que somos aliados, gostaria de ver Prestes em liberdade”. Rapidíssimo no que lhe interessava, disse que precisava de um tempo.

Compreendeu logo o “trunfo” que tinha na mão. Transferiu Prestes para a Penitenciária da Frei Caneca. Construíram para ele, uma casinha de madeira, dois quartos e uma sala. Liberdade total para receber amigos e correspondência.

E manteve contatos com ele, através de amigos. Até que no fim de 1945, libertou Prestes que imediatamente lançou o slogan: “Constituinte Vargas-Prestes”. Mas seu fim havia chegado, não percebera.

No dia 29 de outubro de 1945, às 5:10 da tarde saiu preso do Catete. Às 9 da manhã nomeara o irmão “Beijo”, estroina, bêbado que varava as madrugadas nos cassinos, para o cargo de Chefe de Polícia. Foi um ato de desespero, civis e militares retiraram o apoio o apoio a ele. Mas durou 15 anos.

O absurdo da volta, a tragédia do suicídio

Dutra que durante 15 anos era chamado de “condestável do Estado Novo”, mantendo o apoio dos militares, herdou o Poder. Em 1950, empossado em 1951, Vargas devia ter ficado no Rio Grande do Sul. Além do mais não sabia “governar democraticamente”.

Criou tantos problemas, que os militares ficaram contra ele. Pouco mais de 3 anos da posse, não tinha mais condições de continuar. Depois de uma reunião ministerial tumultuadíssima, subiu, deu um tiro no coração, “deixo a vida para entrar na História”.

Nada improvisado, o texto já estava escrito pelo jornalista Maciel Filho. Entrou realmente na História, mas o país no mais completo caos.

JK quase não toma posse

Eleito em 1955, para tomar posse, teve que receber o apoio militar, enquanto outro grupo de militares decidiu que não poderia tomar posse. Seu grupo militar era mais forte, governou os 5 anos, passou o cargo a Jânio, “tréfego peralta”.

Este “garantido” por generais, queria dominar para sempre. Não conseguiu. 10 anos depois de Vargas sair de cena de forma magistral, outro golpe que duraria 21 anos.

***

Homenagem ao jornalista HELIO FERNANDES, falecido dia 10/03/2021 aos 100 anos.

 

Publicado no site TRIBUNA DA IMPRENSA SINDICAL em 16/06/2014

https://tribunadaimprensasindical.blogspot.com/2014/06/1930-34-38-42-vargas-nao-saiu-do-poder.html

 

HELIO FERNANDES – Jornalista, decano da imprensa brasileira. Seu primeiro emprego foi na revista O Cruzeiro, quando tinha 13 ou 14 anos de idade, onde entrou a pedido do tio, gráfico de profissão, e lá permaneceu por aproximadamente 16 anos, junto com seu irmão mais novo Millôr Fernandes. A seguir, foi chefe da seção de esportes do Diário Carioca, onde chegou ao cargo de secretário, semelhante ao atual editor. Quando o jornal fechou, foi ser diretor da revista Manchete. Após o final do Estado Novo, em 1945, cobriu a Assembleia Constituinte de 1946, onde conhece o jornalista Carlos Lacerda, com quem teve longa relação profissional e de amizade. Trabalhou como jornalista no recém-lançado jornal Tribuna da Imprensa. É o único jornalista ainda vivo que participou da cobertura da Assembleia Constituinte de 1946. Foi assessor de imprensa de Juscelino Kubitschek durante a campanha deste à presidência da república em 1955, quando viajou por todo o pais acompanhando o candidato. Após a campanha, polêmico como sempre, volta ao jornalismo de oposição ao governo que ajudara a eleger. Trabalha também na televisão, num programa onde comenta a situação política, com sucesso. No começo da década de 1960, Helio Fernandes adquire o jornal Tribuna da Imprensa, fundado alguns anos antes por Carlos Lacerda agora governador do estado da Guanabara. Vários jornalistas importantes dessa época ganharam destaque com ele, como Paulo Francis e Sebastião Nery. Jornalista sempre polêmico e com ideias de esquerda, já era perseguido antes do Golpe Militar de 1964, preso pela primeira vez em julho de 1963 por ordem do Ministro da Guerra de João Goulart, general Jair Dantas Ribeiro. Após onze dias preso, quatro deles incomunicável, foi libertado por ordem do Supremo Tribunal Federal. Foi o redator do manifesto pela Frente Ampla, lançado por Juscelino, Lacerda e João Goulart e chegou a ser candidato a deputado federal pelo MDB, mas teve seus direitos políticos cassados em 1966. Com a violenta censura à imprensa imposta principalmente com o AI-5 em 1968, foi preso várias vezes, inclusive no DOI-CODI, foi afastado compulsoriamente do Rio de Janeiro e obrigado a passar períodos de exílio interno em Fernando de Noronha e em Pirassununga(SP). Ao contrario de outros donos de jornal, nunca aceitou a censura e nunca deixou de tentar publicar as notícias do período. Seu jornal foi o que mais sofreu intervenção durante o Regime Militar: teve mais de vinte apreensões e censores instalados dentro de seu prédio por dez anos e dois dias. Em 1973 foi preso por seis dias no quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita. A sede do jornal chegou a ser alvo de um atentado a bomba, poucos dias antes do Riocentro, já na época final da ditadura militar, em 1981, mas no dia seguinte o jornal estava nas bancas. Além de irmão do Millôr, Helio Fernandes é pai dos jornalistas Rodolfo Fernandes e Hélio Fernandes Filho (fonte: Wikipédia)