INCAPACIDADE ABSOLUTA E RELATIVA APÓS O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (EPD): REFLEXÕES A PARTIR DO RESP 1.927.423

Resumo

Ao contrário do que decidiu o Egrégio STJ no RESP 1.927.423, parece-nos possível haver incapacidade e nulidade do ato praticado por pessoa com deficiência mental após a redação dada pela Lei 13.146/2015. Muito embora o art. 3º do Código Civil realmente preveja, tão somente, a hipótese do menor de 16 anos como causa de incapacidade absoluta, é preciso reconhecer o caráter exemplificativo desse dispositivo, a possibilitar a existência de outras hipóteses de incapacidade, desde que previstas em Lei Federal. É o que estabelece o art. 84 do EPD, ao adotar a regra geral da capacidade em seu caput – afinal, sempre ensinou a doutrina civil que a capacidade se presume e a incapacidade deve ser demonstrada – e prever a possibilidade de curatela em seu § 1º, em circunstâncias minuciosamente descritas e que precisam forçosamente serem provadas em juízo, com a participação diligente do Ministério Público. E isso porque há incongruência em se reconhecer a curatela de pessoas capazes, pois esse instituto possui como função suprir a incapacidade, de modo que possa a pessoa desprovida de condições de conduzir-se por si só estabelecer uma atuação indireta – incapacidade absoluta, sendo representada – ou uma atuação direta – incapacidade relativa, sendo assistida. Esse raciocínio, pelo que se acredita, extrai-se da interpretação do art. 84 do EPD, não apenas com a coerência que o sistema deve preservar, mas, acima de tudo, com a promoção do princípio da dignidade da pessoa humana em sua função concreta e não meramente retórica, considerando que não se pode reconhecer o exercício de atos de autonomia para aqueles que, lamentavelmente, não possuem condições de discernimento. Em suma, o caput do artigo consagra a regra segundo a qual a capacidade se presume, mas, no parágrafo primeiro, se estabelece exceção, que precisa ser casuística e suficientemente demonstrada.

Artigo

INCAPACIDADE ABSOLUTA E RELATIVA APÓS O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (EPD): REFLEXÕES A PARTIR DO RESP 1.927.423

Fabio de Oliveira Azevedo

Sumário: 1. REFLEXÃO PROPOSTA; 2. GÊNESE DO EPD – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA; 3. O EPD E O MODELO DA INCAPACIDADE; 4. INTERPRETAÇÃO DO ART. 84, § 1º, DO EPD. 5. TOMADA DE DECISÃO APOIADA (TDA) 6. CONCLUSÃO

  1. REFLEXÃO PROPOSTA

O Egrégio STJ – Superior Tribunal de Justiça julgou e decidiu muito recentemente, especificamente em 27/04/21, ao apreciar o Resp. 1.927.4231, a impossibilidade de se reconhecer a incapacidade absoluta fora da única e exclusiva hipótese prevista pelo art. 3º do Código Civil – a do menor de 16 anos – com a redação que lhe deu a Lei 13.146/2015.

Muito embora essa posição seja dominante na doutrina civil, propõe-se, por este trabalho, refletir sobre a viabilidade dogmática que será aqui advogada, segundo a qual é admitida tanto a qualificação de incapaz absoluta, como de relativamente, fora dessa hipótese aparentemente excludente prevista pelo art. 3º do Código Civil.

Não se quer, com ela, discordar inteiramente do raciocínio adotado pelo Egrégio STJ, mas, tão somente, divergir do seu resultado, de sua conclusão. Na realidade, parte- se da acertada premissa seguida pelo acórdão, de acordo com a qual a invalidade de negócios jurídicos reflete uma escolha legislativa sancionatória, de modo que é realmente necessário haver previsão legal anulando ou nulificando um determinado ato jurídico, por desconformidade com a hipótese prevista em lei.

No caso concreto, embora o art. 3º não admita a possibilidade de incapacidade absoluta fora dessa exclusiva hipótese do menor de 16 anos, a compreensão da forma como surgiu o EPD pode contribuir para que a Lei 13.146/16 empreste fundamento para o reconhecimento da incapacidade absoluta de pessoa desprovida de condições – capacidade, com o perdão do truísmo – para autodeterminar-se. Se é certo que a autonomia compõe o conteúdo da dignidade da pessoa humana, não é menos correto que seu exercício pressupõe discernimento necessário e suficiente.

  1. GÊNESE DO EPD – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

No dia 06 de julho do ano de 2015 ingressou no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 13.146/15, autointitulada como Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), sendo estipulada uma vacatio legis de 180 dias. Pessoa com deficiência, de acordo com o seu art. 2º, é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Desse modo, o EPD não se refere apenas à deficiência mental, causa principal de divergência entre os civilistas. Alcança qualquer forma de impedimento de longo prazo que impeça a relação isonômica, incluindo o físico, razão pela qual a análise e as  críticas ao EPD devem distinguir os pontos de consenso, que são a maioria, da polêmica específica que envolve atribuir capacidade de fato a pessoas que eventualmente não possuam o discernimento necessário para exercê-lo, por alguma limitação absoluta e psíquica. Dito de outro modo, atribuir capacidade de fato a pessoa que por alguma razão mental não possua o discernimento mínimo e necessário para exercê-lo parece ser o ponto central de divergência. Com esse olhar, poupa-se uma crítica injusta e  generalizada ao EPD, ao mesmo tempo em que permite reflexões e debates pontuais sobre a alteração substancial imprimida no modelo da incapacidade até então adotado  no Brasil.

Referida lei teve como base a Convenção Internacional de Nova Iorque, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 , em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno. Em 13/12/06, em sessão solene na ONU, aprovou-se o texto final do tratado internacional.

De acordo com o § 3º do art. 5º da CF, “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

O DL 186/08 possui estrutura de Emenda Constitucional, ao contrário do que ocorre com a Lei 13.146/15, que é uma simples Lei Ordinária.

O propósito da convenção internacional aderida pelo Brasil é “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Para concretizar os direitos e liberdades, pauta-se a convenção por relevantes princípios, tais como (i) respeito pela dignidade inerente, autonomia individual e a independência das pessoas; (ii) a não-discriminação; (iii) a plena e efetiva participação  e inclusão na sociedade (iv) respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; (v) a igualdade de oportunidades; (vi) a acessibilidade; (vii) igualdade entre o homem e a mulher; (viii) respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Percebe-se, então, sem maior esforço, que a razão criadora do EPD é baseada em valor universal e moralmente legítimo, qual seja o reconhecimento da diversidade como elemento imanente à pessoa humana e a consequente necessidade dessa realidade plural merecer tutela diferenciada pelo ordenamento jurídico, de modo a promoveras personalidades das pessoas integrantes de minorias, possibilitando sua inclusão isonômica na sociedade e o respeito coletivo, sobretudo a partir de um Estado Democrático e que busca construir uma sociedade livre, justa e solidária, mas, acima de tudo, promovendo o bem de todos, sem preconceito e qualquer outra forma de discriminação.

Todavia, o EPD, ao contrário do DL 186/08, parece ter avançado com algum descomedimento, ao alterar profunda e indiscriminadamente o modelo da incapacidade antes existente, como se comentará em separado, para distinguir as louváveis alterações no direito público da polêmica gerada no direito privado, preservando-se, em última análise, o próprio e valoroso EPD.

  1. O EPD E O MODELO DA INCAPACIDADE

O DL 186/08, em seu art. 12, 2, estabelece que “os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida”.

Para isso, “tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal” (12, 3) e “assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa”.

(BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União de 10.7.2008).

É preciso sempre relembrar, em conformidade com o art. 1º do DL 186/08 – definição acolhida no art. 2º do EPD -, que a pessoa com deficiência não se restringe aos impedimentos mentais de longo prazo, incluindo os físicos, sensoriais e intelectuais. Nesse sentido, considerar uma pessoa como deficiente, pura e simplesmente porque é  portadora de uma limitação física ou sensorial, encerraria graves e inconstitucionais violações.

Primeiro, porque a autonomia constitui um dos conteúdos do princípio da dignidade da pessoa humana. E por isso não se pode restringir genérica e indiscriminadamente tal conteúdo. Restringir genérica e indiscriminadamente a autonomia da pessoa, portanto, seria grave lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e deveria conduzir a inconstitucionalidade de qualquer previsão legal que a estabelecesse.

Seria o caso de restringir a autonomia de uma pessoa exclusivamente em razão de uma deficiência sensorial (ex. surdez ou cegueira) ou física (ex. cadeirante). Tal previsão seria desconforme com a tutela da pessoa humana e inexoravelmente conduziria a inconstitucionalidade material da regra que a previsse.

Segundo, porque a incapacidade é a regra, sendo a incapacidade uma exceção.

Apesar de tudo, pensamos que o estatuto merece críticas pontuais e não deveria impedir, em qualquer caso, a qualificação da incapacidade absoluta e relativa, especialmente em relação a alguns impedimentos mentais, embora excepcional e forçosamente verificando o caso concreto, submetendo-se a exceção ao controle jurisdicional e ouvindo-se o Ministério Público.

O exercício da autonomia privada, conteúdo da dignidade da pessoa humana, pressupõe discernimento mínimo, assim entendida a capacidade de compreender situações, de avaliar com clareza a realidade, para que, a partir daí, se possibilite a realização de escolhas existenciais e patrimoniais. Sem esse discernimento, corre-se o risco – sempre no caso concreto – de haver uma pseudoliberdade, um simulacro de autonomia, com o sério risco de a “escolha” ser realizada por um terceiro, a pretexto de se atribuir liberdade a quem não tem condições de exercitá-la.

O próprio DL 186/08, em seu art. 12, 2, prevê que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal, mas em “igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida”. Dessa forma, para que se atribua capacidade de fato – e não de direito ou gozo – à pessoa com deficiência, necessário considerá-la a partir do valor da isonomia em seu significado substancial e não meramente formal, o que pode significar tratar com desigualdade os desiguais. E lembra-se que o DL 186/08, embora com estatura de Emenda Constitucional, deve observância à Constituição da República, sobretudo ao substrato – discernimento – da autonomia que compõe a dignidade da pessoa humana e ao princípio da isonomia substancial.

Há uma crítica generalizada e contundente a expressão incapacidade. Todavia, é preciso lembrar que existe um complexo de regras protetivas, no ordenamento jurídico, de pessoas que não podem expressar livremente sua vontade, por impedimento mental, reunidas por eixo em comum que é a utilização dessa expressão incapacidade.

No Código Civil, por exemplo, são feitas diversas referências à incapacidade, na maioria dos casos protetiva do incapaz (ex. arts. 5º, 9º, 76, 105, 166, I, 171, I, 180, 195, 197, I, 310, 335, III, 471, 543, 641, 928, 934, 799, 824, 837, 917, § 2º e 1030, 1550, IV e 1555). Do mesmo modo ocorre no CPC (ex. arts. 245, caput e § 3º, 337, IX, 749, 447, 610, 626, 657, p.u., 671, II, 748, 757).

Dito de outro modo, a pretexto de proteger a pessoa com deficiência, a forma com que foi feita a alteração legislativa deixou de atrair, pela simples aversão à expressão incapaz, um conjunto de regras protetivas dos interesses dessa pessoa humana, o que não pode merecer aplausos.

Incapacidade, para o direito civil, não deve ser tomada como expressão pejorativa, sendo uma impossibilidade de exercer, por si só, os atos da vida civil, o que não torna ninguém mais ou menos humano, mais ou menos cidadão. Pelo contrário, considera a diversidade e a necessidade de proteção dessas minorias, tratando os desiguais de forma desigual.

Basta lembrar a possibilidade de considerar uma pessoa portadora de deficiência como relativamente incapaz, com base no art. 4º, III, ao aludir “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”. Nesse caso, qual poderia ser a causa, transitória ou permanente, que conduziria a incapacidade? Um impedimento mental, conforme se apurar em perícia médica.

Enfim, embora seja meritório o EPD com um todo, a impossibilidade absoluta de reconhecer e qualificar uma pessoa com impedimento mental total como incapaz, e, com isso, atrair para si um complexo de regras protetivas, não parece ter sido uma boa opção do legislador.

  1. INTERPRETAÇÃO DO ART. 84, § 1º, DO EPD.

De acordo com o art. 6º do EPD, a “deficiência não afeta a plena capacidade civil”. Do mesmo modo, o art. 84 do EPD prevê que “a pessoa com deficiência tem  assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Com base nesses dois dispositivos, entende-se, majoritariamente, não ser possível, após o EPD, haver incapacidade absoluta de pessoa maior, podendo, no máximo, haver incapacidade relativa, com base no art. 4º, III, do EPD. Haveria, nessa linha de pensamento, se não fosse o caso de incapacidade, uma ação de curatela de pessoa como deficiência e não uma ação de interdição. Nos termos do EPD, um processo que define os termos da curatela.

O mérito desses dois dispositivos (arts. 6º e 84) consiste em pontuar expressamente a regra, ou seja, a capacidade se presume e a incapacidade é sempre exceção. Dessa forma, ao dizer que a deficiência não afeta a plena capacidade civil, o legislador caminha muito bem ao expressar a regra geral do sistema. Presume-se a capacidade, no caput do art. 84, porém de forma relativa, conforme afirma o seu § 1º, alinhando-se, no mais, com o que a doutrina majoritária já defendia em relação à capacidade ser presumida.

Porém, como reconhece expressamente o próprio art. 84 do EPD, em seu § 1º, “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Tal solução, diz o § 3º, “é medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”.

Resta saber se a hipótese é uma inovação, criadora de curatela para pessoa capaz?

Embora a maioria da doutrina entenda que sim, pensamos, respeitosamente, de forma diferente. Curatela, para pessoa capaz, encerra uma contradição dogmática e terminológica insuperável. Se há capacidade civil, assim entendida plena condição de exercer pessoalmente os atos da vida civil, nenhuma justificativa existiria para restringir a autonomia dessa pessoa humana. Se há curador, é porque falta capacidade civil, embora excepcionalmente. Daí a exceção localizar-se no parágrafo primeiro de artigo cujo caput afirma a regra.

O caput do art. 84 do EPD afirma a regra geral, de modo que a pessoa com deficiência é dotada de plena capacidade civil. Todavia, o § 1º do próprio dispositivo traz uma exceção, qual seja a possibilidade, muito embora rara, de sujeitar a pessoa com deficiência à curatela.

Curatela – do latim curator, significa cuidar, zelar – é uma categoria jurídica cuja função é suprir a incapacidade. Não se pode descontruir o significado de categorias jurídicas sem uma justificativa legítima para a ressignificá-la. Essa função da curatela, de meio de suprimento da incapacidade, já era conhecida pela Lei das XII Tábuas (Tábua V, em 450 a.c.), passou pelo período Justiniano do Direito Romano, até alcançar os Códigos Civis de 1916 e 2002. Esse também era o sentido empregado pelo art. 1183 do CPC/73, assim como ocorre no atual art. 755, I, do CPC/15.

Dessa forma, ao aludir à curatela, pensamos que o art. 84, § 1º, cria uma situação excepcional de incapacidade, que, ao nosso sentir, poderá ser tanto absoluta como relativa, conforme se apurar no caso concreto, por equipe multidisciplinar, excepcionalmente, reafirme-se.

Porém, por ser medida protetiva extraordinária e excepcional, deve observar uma série de cautelas e exigências, assim previstas pelo próprio EPD: i. será proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso; ii. durará o menor tempo possível; iii. a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial; iv. na sentença, deverão constar as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado; v. preferência, na curatela, a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado; vi. antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando; vi. o juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador; vii. para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa, incluindo a curatela compartilhada; viii. as pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio.

  1. TOMADA DE DECISÃO APOIADA (TDA)

O art. 84, § 2º, do EPD, prevê que “é facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada”. Esse instituto foi inserido no CC pelo EPD, especificamente no art. 1783-A, passando a conviver ao lado da curatela e da tutela.

Define-se como um processo judicial, iniciado pela própria pessoa com deficiência, pelo qual elegerá ao menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade, de modo a permitir a realização de atos válidos.

Nesse caso, o apoiador e a pessoa com deficiência, conjuntamente, já apresentarão um termo contendo os limites do apoio que será prestado, o prazo e o detalhamento do apoio, prestigiando-se sempre a vontade do apoiado. Caso haja divergência entre os apoiadores e o apoiado, e havendo simples risco de prejuízo na realização do negócio jurídico, caberá ao juiz resolvê-la.

Como forma de proteção do interesse da pessoa com deficiência, será obrigatoriamente ouvido o MP, o próprio requerente e uma equipe multidisciplinar. E o MP, provocado pelo apoiado, poderá requerer a destituição e substituição do apoiador, uma vez demonstrada uma atuação inadequada e incompatível com os seus deveres. Tal apoiador terá o dever de prestar contas, nos moldes da curatela, cujas regras são aplicáveis por analogia legal.

  1. CONCLUSÃO

Como dito no início destas reflexões, partiu-se de uma incontestável premissa dogmática adotada pelo Egrégio STJ, no RESP 1.927.423, qual seja a de que não existe nulidade ou anulabilidade – espécies do gênero invalidade – sem que haja uma previsão legal sancionando um determinado fato jurídico, em relação ao objeto ou ao sujeito do ato jurídico.

Muito embora o art. 3º do Código Civil, com a redação dada pela Lei 13.146/2015, realmente preveja, tão somente, a hipótese do menor de 16 anos como causa de incapacidade, é preciso reconhecer o caráter exemplificativo desse dispositivo, a possibilitar a existência de outras hipóteses de incapacidade, desde que previstas em Lei Federal.

É o que estabelece o art. 84 do EPD, ao adotar a regra geral da capacidade em seu caput – afinal, sempre ensinou a doutrina civil que a capacidade se presume e a incapacidade deve ser demonstrada – e prever a possibilidade de curatela em seu § 1º, em circunstâncias minuciosamente descritas e que precisam forçosamente serem provadas em juízo, com a participação diligente do Ministério Público.

Porém, uma vez demonstradas, reconhece-se a incongruência de se reconhecer a curatela de pessoas capazes, pois esse instituto possui como função suprir a incapacidade, de modo que possa a pessoa desprovida de condições de conduzir-se por si só estabelecer uma atuação indireta – incapacidade absoluta, sendo representada – ou uma atuação direta – incapacidade relativa, sendo assistida.

Esse raciocínio, pelo que se acredita, conforma a interpretação do art. 84 do EPD não apenas com a coerência que o sistema deve preservar, mas, acima de tudo, com a  promoção do princípio da dignidade da pessoa humana em sua função concreta e não meramente retórica, considerando que não se pode reconhecer o exercício de atos de autonomia para aqueles que, lamentavelmente, não possuem condições de discernimento.

Notas:

1 Decisão unânime tomada pela 3ª Turma, sendo o recurso relatado pelo talentoso Min. Marco Aurélio Belizze.

Palavras Chaves

Incapacidade absoluta. Deficiência. Possibilidade.