A ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E O DECRETO DO RIO DE JANEIRO

Artigo

A ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E O DECRETO DO RIO DE JANEIRO

 Flavio Amaral Garcia[1]

  

Introdução[2]

A utilização da arbitragem como mecanismo de solução de litígios que decorram de contratos administrativos, em especial das concessões e PPPs, é tema da maior importância no estudo do Direito Público.

O Brasil vivencia um momento crucial, no qual o desenvolvimento nacional – objetivo expressamente consignado no art. 1o da CF – depende de significativos investimentos no setor de infraestrutura, em especial nos segmentos de energia, telecomunicações, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos.

O risco de que todos os conflitos decorrentes desses contratos administrativos sejam obrigatoriamente submetidos à jurisdição estatal pode resultar no afastamento de potenciais investidores e empresas, ou mesmo na precificação do risco judicial no momento de elaboração da sua proposta econômica para participar da licitação.

 A flexibilidade do procedimento, com regras menos formalistas do que aquelas que pautam o processo judicial (desde que respeitadas garantias fundamentais do processo), a maior celeridade na resolução dos litígios, além do conhecimento técnico que orienta a escolha e a própria atuação dos árbitros, são vantagens comumente apontadas quando se adota a arbitragem e que, consequentemente, militam a favor da sua admissibilidade no campo das relações administrativas e de direito público.

A arbitragem revela-se um mecanismo de resolução de litígios de extrema importância em um mundo globalizado, conferindo maior segurança jurídica às partes, que consensualmente elegem essa solução como meio adequado de composição de seus interesses e conflitos.

A intervenção de especialistas e experts para julgarem os litígios, a celeridade na sua resolução e, como consequência, a possibilidade de desafogar o Poder Judiciário são virtudes que tornam a arbitragem um mecanismo que efetiva e realiza o Direito. O Estado não detém o monopólio da justiça, que pode ser concretizada por outros meios dotados de idêntica legitimidade.

Todas essas vantagens da arbitragem não devem ser negadas ao Estado, que cada vez mais recorre aos contratos administrativos para operacionalizar os interesses públicos que lhe cabe tutelar. Governar por contratos é um dos pilares que alicerçam a atividade administrativa no século XXI.

A legislação setorial brasileira já havia admitido a arbitragem nos contratos administrativos, como no caso das concessões comuns (art. 23-A da Lei 8.987/1995) e das concessões patrocinada e administrativa (art. 11, III, da Lei 11.079/2004).

Mas com a alteração da Lei 9.307/1996, decorrente da Lei 13.129/2015, as dúvidas que ainda poderiam existir foram dissipadas. A questão da arbitrabilidade subjetiva da Administração Pública foi superada com a inclusão do § 1o ao art. 1o, que prescreveu de forma expressa e categórica que “a Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados”.

Foi neste novo contexto que o Estado do Rio de Janeiro editou o Decreto Estadual n° 46.245, de 19.02.18[3], com o objetivo de regulamentar a adoção da arbitragem para dirimir os conflitos que envolvam o Estado do Rio de Janeiro e as suas entidades.

Passa-se a examinar os principais aspectos da referida norma estadual.

  1. Arbitrabilidade Subjetiva

Superada a controvérsia acerca da possibilidade dos entes públicos utilizarem a arbitragem para solucionar os seus conflitos, como referido no § 1°, do artigo 1°, da Lei n° 9.307/96, o Decreto Estadual n° 46.245/18 reconheceu, expressamente, que a possibilidade de admissão da arbitragem alcança não apenas o Estado do Rio de Janeiro, mas também as entidades da Administração Pública Indireta[4].

Para as sociedades de economia mista e as empresas públicas estaduais, em especial, esta alternativa de solução de litígios pode ser importante, mormente para os contratos de maior expressão econômica.

  1. 2. Arbitrabilidade Objetiva

O desafio contemporâneo é verificar os limites objetivos daquilo que pode ser arbitrável, considerando o núcleo do princípio da indisponibilidade do interesse público. É na denominada arbitrabilidade objetiva – a saber, o que pode ser arbitrável nas relações contratuais administrativas, ou não – que estará centrado o debate.

Em termos gerais, três são os critérios que delimitam as matérias suscetíveis à arbitragem no plano do Direito Comparado: (i) litígios ligados à ordem pública; (ii) a natureza patrimonial da pretensão; (iii) a disponibilidade do direito em causa.[5]

No Direito Brasileiro o art. 1o da Lei 9.307/1996 adotou o critério dos direitos patrimoniais disponíveis, promovendo, em certa medida, uma junção entre o segundo e o terceiro critérios mencionados anteriormente.

As relações jurídicas travadas pelas pessoas jurídicas de direito público são permeadas por diversos direitos patrimoniais disponíveis, os quais podem, portanto, ser submetidos à arbitragem. Para compreender o critério adotado, melhor examinar separadamente o que são direitos patrimoniais e o que são direitos disponíveis.

Direitos patrimoniais são aqueles economicamente avaliáveis, e se distinguem dos direitos não patrimoniais, que, ao revés, não comportam valoração econômica, como ocorre com os direitos da personalidade e os de família puros.[6]

Ora, os contratos administrativos tutelam essencialmente direitos patrimoniais. Preço, forma de pagamento e demais elementos que compõem a noção de equilíbrio econômico-financeiro do ajuste são direitos suscetíveis de valoração econômica.[7]

Tanto é verdade que a Lei 13.140/2015 – que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública – explicita, no seu art. 32, § 5o, que “compreendem-se na competência das Câmaras de que trata o caput a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela Administração com particulares” – o que reforça a premissa ora adotada.

Também são patrimoniais os direitos decorrentes do inadimplemento de uma das partes que integram a relação contratual e que sejam reparáveis a partir de indenizações economicamente mensuráveis.

Direitos disponíveis são, por sua vez, aqueles direitos que podem ser contratados e negociados pelas partes[8] e que encarnam suas respectivas vontades na composição dos seus interesses. Existem, ao contrário, relações jurídicas cuja constituição ou extinção não se encontra ao livre alvedrio das partes, tipificando direitos ou interesses indisponíveis.[9]

Por conseguinte, os interesses e direitos contratáveis e negociáveis pela Administração Pública são, a princípio, disponíveis e passíveis de composição por meio do procedimento arbitral. Seria incongruente e ilógico pressupor que os direitos são disponíveis para vincular as partes em uma relação contratual de índole administrativa pautada pela recíproca manifestação de vontade das partes acerca do seu conteúdo e indisponíveis para fins de adoção da solução arbitral.[10]

Não há por parte da Administração Pública qualquer renúncia de direito quando admite a arbitragem como meio de composição de litígio que decorra de um contrato administrativo. No exercício da sua autonomia da vontade, e observando os parâmetros legalmente fixados, simplesmente prefere o juízo arbitral à jurisdição estatal. A forma de composição do conflito é que assume feição distinta.

Em regra, se o direito é patrimonial (avaliável economicamente) e disponível (negociável a partir da vontade das partes), tem lugar a arbitragem como mecanismo legítimo de composição do conflito nos contratos administrativos.

Note-se que o princípio da indisponibilidade do interesse público não constitui óbice à adoção da arbitragem nos contratos administrativos. Seu conteúdo axiológico está intimamente ligado ao princípio republicano, na perspectiva de que o gestor cura um interesse que não é seu, mas de toda a coletividade, e, por isso, dele não pode livremente dispor.[11]

Mas o princípio da indisponibilidade do interesse público está longe de produzir como consequência a impossibilidade absoluta de a Administração Pública negociar ou transigir acerca daqueles direitos por ela tutelados e que sejam tipificados como patrimoniais disponíveis.

Enfim, elastecer o conteúdo valorativo do princípio da indisponibilidade do interesse público a ponto de bloquear ações ou condutas administrativas que se pautem pelo vetor da consensualidade é caminhar na contramão da dogmática do direito administrativo do século XXI. Posturas imperativas e unilaterais das autoridades administrativas cedem cada vez mais espaço para decisões consensuais e negociais, que, por isso mesmo, são dotadas de maior legitimidade, por recolocarem o administrado no centro do sistema.[12]

O litígio deve ser, tanto quanto possível, evitado, pois em nada contribui para o atendimento do interesse público instrumentalizado no contrato administrativo. A arbitragem é mecanismo processualmente justo para assegurar solução célere e técnica para as partes. Resolver o conflito é atender ao interesse público, que, em última análise, se beneficia do seu término, e não da sua perpetuação.[13]

Delimitar o alcance do que é arbitrável – e, portanto, não compreendido no conceito de interesse público indisponível – demandará esforço interpretativo de toda a comunidade jurídica.

Neste contexto, é preciso reformular entendimento firmado em oportunidade anterior,[14] quando aduzi que a estrutura tarifária não poderia, em nenhuma hipótese, ser objeto de arbitragem.

A tendência legislativa tem sido no sentido de considerar como passíveis de ser arbitráveis as controvérsias relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Essa foi a diretriz fixada no inciso I do § 4o do art. 31 da Lei 13.448, de 5.6.2017[15], que disciplina sobre a prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria definidos na Lei 13.334/2016 (Lei do PPI).

Os pleitos de recomposição da economia original do contrato perante juízo arbitral implicarão o seguinte percurso: (i) se houve desequilíbrio; (ii) quem causou o desequilíbrio; (iii) o quantum do desequilíbrio.

O juízo arbitral promoverá a interpretação do contrato concessional e, assim fazendo, definirá os aspectos econômicos e financeiros que poderão resultar em eventual contrapartida financeira a ser arcada por uma das partes.

E, na medida em que a estrutura tarifária integra o cerne do equilíbrio econômico-financeiro do contrato concessional, natural que o juízo arbitral dela se ocupe – não para praticar atos próprios do poder concedente ou mesmo da agência reguladora, mas para conferir concretude ao desequilíbrio.

O Decreto Estadual n° 46.245/18 não pretendeu definir o que poderia ser ou não arbitrável, fixando apenas parâmetros mais genéricos, sem prejuízo de que os contratos administrativos possam explicitar de modo mais objetivo em cada caso o que se considera como direito patrimonial disponível e, portanto, sujeito à arbitragem.

 3. A cláusula compromissória nos contratos administrativos

O Decreto Estadual n° 46.245/18 fixou que determinados contratos administrativos podem conter cláusula compromissória[16] independentemente do valor[17].  A premissa foi a de que o contrato de concessão de serviço público, as concessões patrocinadas e administrativas, bem como as concessões de obras, são ajustes que pela sua própria natureza comportariam a arbitragem como mecanismo natural de solução de conflitos.

Todos esses são contratos de investimento, ou seja, quando o particular assume o ônus de antecipar recursos privados para viabilizar a construção ou melhoramento da infraestrutura.  A arbitragem é, inegavelmente, um instrumento concretizador da segurança jurídica e bastante adequado para contratos de investimento.

A criação de uma ambiência jurídica capaz de viabilizar uma alternativa à solução de conflitos pela via judicial será, certamente, um incentivo para atrair mais operadores econômicos para contratarem com o Estado do Rio de Janeiro e as suas entidades.

Outros contratos que não sejam de investimento, mas de desembolso (ex: contratos de obras, prestação de serviços…) poderão igualmente conter cláusula compromissória, mas desde que o valor do contrato seja igual ou superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais)[18].

A arbitragem é um meio alternativo de solução de conflitos eficiente, mas reconhecidamente oneroso. Assim, não faz muito sentido prever cláusula compromissória para contratos cuja expressão econômica não seja relevante. O limite de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) não foi cogitado a partir de critérios subjetivos ou voluntaristas, mas observando o valor mínimo, à época em que o Decreto foi elaborado[19], para a celebração de uma parceria público-privada.

Apesar da delimitação bastante objetiva sobre o cabimento da arbitragem no campo dos contratos administrativos estaduais, o Decreto não obstruiu a possibilidade de as partes celebrarem compromisso arbitral[20] para submeter as divergências à arbitragem no momento da ocorrência do litígio, independentemente da previsão no edital ou no contrato. Conferiu, assim, espaço discricionário para que o gestor possa avaliar – caso alcance um consenso com a outra parte – se aquele conflito melhor será solucionado pela via arbitral.

  1. A publicidade do procedimento arbitral

 Quando a arbitragem envolva a Administração Pública deverá observar o princípio da publicidade, a teor do disposto no § 3°, do artigo 1°, da Lei n° 9.307/96. Não poderia ser diferente, já que se trata de princípio que informa toda a atuação pública, a teor do disposto no artigo 37 da Constituição Federal.

A Administração Pública tem um dever de transparência dos seus atos, procedimentos e contratos que decorre do próprio princípio republicano. Significa dizer, a contrario sensu, que os atos, procedimentos e contratos não podem ser sigilosos, salvo em hipóteses excepcionais previstas em lei para proteção do interesse público.

Não obstante a lei tenha previsto a publicidade como pressuposto da realização da arbitragem envolvendo a Administração Pública, fato é que não detalhou ou regulamentou como isso se operaria na prática.  A lei não prescreve a quem cabe divulgar os atos do procedimento arbitral e nem mesmo quais os atos devem ser publicizados.

Com vistas a preencher essa lacuna, o Decreto Estadual n° 46.245/18 estabeleceu no seu artigo 13 que os atos do processo arbitral são públicos, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo, segredo de justiça e segredo industrial decorrente da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o Poder Público.

Definiu, ainda, os atos do processo arbitral que serão públicos, a saber, as petições, laudos periciais e as decisões dos árbitros de qualquer natureza, atribuindo à Procuradoria Geral do Estado a função de disponibilizar os atos mediante requerimento de eventual interessado.

De fato, as Secretarias das Câmaras Arbitrais poderiam ter a sua atuação comprometida caso fossem demandadas com pedidos de cópias de documentos, peças processuais e outras providências administrativas.  Atribuir esse dever às instituições arbitrais poderia criar um ônus adicional e uma certa prevenção na aceitação de arbitragens envolvendo a Administração Pública.

O que caberá à instituição de arbitragem, quando consultada, informar a terceiros sobre a existência da arbitragem, a data do requerimento, o nome das partes, o nome dos árbitros e o valor envolvido, a teor do disposto no § 5°, do artigo 13 do Decreto Estadual n° 46.245/18.  Nada obsta, inclusive, que o próprio Regulamento da instituição arbitral divulgue essas informações independentemente de requerimento, podendo-se utilizar, preferencialmente, os meios eletrônicos.

Compreendeu-se que esse é um dever inerente ao ente público e que, sempre que instado, poderá fazê-lo a pedido do interessado. Como a Procuradoria Geral do Estado representará o Estado nas arbitragens, inclusive as entidades da Administração Pública Indireta, a normatização atribuiu essa competência para a Advocacia Pública Estadual.

Também se estabeleceu, no § 3° do artigo 13 do Decreto n° 46.245/18, que a audiência arbitral respeitará o princípio da privacidade, sendo reservada aos árbitros, secretários do tribunal arbitral, partes, respectivos procuradores, testemunhas, assistentes técnicos, peritos, funcionários da instituição da arbitragem e demais pessoas previamente autorizadas pelo Tribunal Arbitral.

O objetivo é evitar que, a pretexto de atender a publicidade, a audiência arbitral seja transfigurada e desvirtuada, o que poderia acontecer se houvesse uma abertura geral e irrestrita para toda e qualquer pessoa; daí se conformar essa audiência a partir do princípio da privacidade.

  1. Sentença Arbitral

O artigo 31 da Lei n° 9.307/96 (lei que dispõe sobre arbitragem) determina que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

 Não obstante a sentença arbitral ostente caráter privado, fato é que a legislação equiparou os seus efeitos ao da sentença judiciária. Significa dizer que a execução forçada, caso se afigure indispensável, deverá obedecer ao regramento dos precatórios previstos no artigo 100 da Constituição Federal e no próprio Código de Processo Civil.

O Decreto Estadual n° 46.245/18 acolheu essa orientação e determinou no seu artigo 15 que “ressalvadas as exceções previstas em lei, em caso de sentença arbitral condenatória ou homologatória de acordo que imponha obrigação pecuniária contra o Estado ou qualquer entidade com personalidade de direito público, o pagamento será efetivado mediante a expedição de precatório ou de requisição de pagamento de pequeno valor, conforme o artigo 100 da Constituição da República.”

Assim, o que a norma estadual fez foi reconhecer a igualdade de tratamento que deve pautar os credores que executam judicialmente suas dívidas em face da Fazenda Pública, o que decorre da própria aplicação do princípio da isonomia e da inteligência do artigo 31 da Lei n° 9.307/96. Eventual perda de celeridade no processo arbitral não pode ser contornada pelo afastamento do artigo 31 da Lei n° 9.307/96.

  1. As despesas com a arbitragem

 O Decreto n° 46.245/18 prevê no artigo 9° que as despesas com a realização da arbitragem serão adiantadas pelo contratado quando for ele o requerente do procedimento arbitral, incluído os honorários dos árbitros, eventuais custos de perícias e demais despesas com o procedimento.

Note-se que a solução do Estado do Rio de Janeiro não é idêntica àquela cogitada pela Lei do Estado de Minas Gerais n° 19.477/11, que determinou no seu artigo 11 que as despesas serão adiantadas pelo contratado quando da instauração do procedimento arbitral, e nem com o Decreto n° 8.645/15, que disciplinou a arbitragem no setor portuário, e estabeleceu o adiantamento das despesas pelo contratado como regra.  O risco dessa solução é que, no caso dos procedimentos arbitrais decorrentes de contratações públicas, a consequência econômica dessa imposição pode ser o aumento do preço ofertado pelos licitantes no momento da realização da licitação, precificando, ex ante, os custos e o riscos de assumirem integralmente as despesas da arbitragem.

No caso do Estado do Rio de Janeiro as despesas serão adiantadas pelo contratado apenas quando ele for o Requerente da arbitragem. Certamente, esse critério parece mais justo e harmônico com as premissas do procedimento arbitral, evitando que o contratado seja obrigado a arcar com as despesas mesmo na condição de Requerido.

Todo esse problema se coloca a partir das complexidades orçamentárias que a Administração Pública enfrentaria para concretizar as etapas da despesa pública, a saber, o empenho, a liquidação e o pagamento.

A incerteza quanto à ocorrência ou não da despesa decorrente de arbitragem – por natureza futura e incerta, inclusive acerca do quantum a ser despendido – e as próprias restrições e contingenciamentos que se sucedem durante a execução orçamentária são problemas cotidianos da gestão financeira dos entes públicos.

Talvez uma solução intermediária fosse a constituição de fundo orçamentário criado especificamente para essa finalidade, com a vinculação de determinadas receitas ao custeio das despesas das arbitragens das quais o ente público venha participar.

 7- A escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais

 Entrando a arbitragem, como se espera, no cotidiano da Administração Pública, uma outra consequência se avizinha: o despertar dos órgãos de controle para os processos de escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais e a discussão sobre a incidência ou não da licitação como o processo mais adequado para orientar a sua seleção.

Antecipa-se, desde já, a conclusão a que se pretende chegar: o processo de licitação formal não é o veículo adequado para promover uma escolha eficiente da Câmara Arbitral e muito menos dos árbitros. Se caminharmos no sentido de compreender a licitação como um antecedente lógico e obrigatório destas escolhas, estaremos aniquilando, por via oblíqua, a própria arbitragem na Administração Pública e os inegáveis benefícios que dela poderão ser extraídos nas relações jurídicas administrativas.

A conclusão acima antecipada não revela qualquer desprezo ou mesmo antipatia pelo instituto da licitação e pela ideia de promover a escolha dos particulares que contratam com a Administração Pública a partir de critérios isonômicos e alicerçados no mérito da proposta mais vantajosa.

Muito ao contrário. A licitação, com todas as suas vicissitudes e problemas crônicos que decorrem da sua interpretação e aplicação por vezes disfuncional no Brasil, é instrumental ao princípio republicano e um indispensável mecanismo de zelo com a coisa pública nos Estados Democráticos de Direito.

Mas o que deve ser compreendido são alguns dogmas e crenças que, ainda que no inconsciente coletivo, costumam habitar as mentes e corações dos órgãos de controle. Dentre tantos outros, dois devem ser destacados: (i) a licitação é o único caminho para o atendimento do interesse público e as hipóteses de contratação direta devem ser examinadas com desconfiança, pois presume-se maior discricionariedade na ação do gestor e, via de consequência, abertura para atos ilícitos e desvios éticos; (ii) processo seletivo e de escolha administrativa é sinônimo de licitação formal regida pela Lei 8.666/1993.

Ambas são generalizações equivocadas que acarretam inúmeros problemas na compreensão das questões que, diuturnamente, desafiam os operadores do Direito Público no país.

Sob o ângulo do atendimento do interesse público, a licitação é meio e não fim. Não pode ser interpretada ou indevidamente estendida como um dever universal e única salvação para inibir ilicitudes. Existem situações nas quais realizar licitação será um desserviço ao interesse público. Não se trata de retórica vazia, mas de previsão expressa na Constituição Federal e na Lei 8.666/1993, que delimitou as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.

A ninguém é dado desconsiderar esta realidade fática e normativa. Mas o dado concreto é que o gestor costumeiramente se sente mais “seguro” quando contrata pela via da licitação, eis que minora os riscos de futuras responsabilizações junto aos órgãos de controle, o que, a depender da situação, assegura-lhe tranquilidade pessoal, mas desatende os princípios da eficiência e economicidade e a própria finalidade de bem curar a coisa pública.

Por vezes, efetivar a mais eficiente contratação pública reclama uma dose de apreciação subjetiva do administrador público no processo de escolha do particular que com ela vai se relacionar. É ínsito a própria natureza e ao perfil da contratação direta uma margem de discricionariedade maior a ser conferida ao administrador, que pondera valores que não podem ser objeto de uma comparação a partir de critérios estritamente objetivos.

Conferir maior discricionariedade ao administrador nas suas escolhas é, de outro lado, uma das consequências da consensualidade, novo modelo de ação estatal que privilegia relações mais dialógicas com o administrado. Modernamente, a busca do consenso é referenciada como o meio mais legítimo de se promover a eficiência e uma moderna Administração de Resultados.

Existem múltiplas manifestações de consenso no Direito Administrativo contemporâneo que vem provocando profundas transformações no exercício das atividades administrativas, antes excessivamente hierarquizadas, imperativas e despropositadamente assimétricas e que tinham como único e exclusivo centro de gravidade o próprio Estado.

São exemplos os acordos substitutivos, os procedimentos de manifestação de interesse, os termos de ajustamento de conduta, a delação premiada, os acordos de leniência, a mediação, a conciliação e a arbitragem. Em maior ou menor grau, todos estes mecanismos consensuais do agir administrativo pressupõem maior discricionariedade para o gestor público, o que implica, por exemplo, em negociar, ceder e transigir.

Mesmo os órgãos de controle vêm aquiescendo favoravelmente a estas distintas manifestações de consensualidade, placitando a necessária discricionariedade administrativa para que sejam alcançados resultados mais eficientes e legítimos na ação dos gestores. Mas quando se trata de discricionariedade que envolva o afastamento da licitação e a escolha por meio de contratação direta, não se descartam interpretações mais rígidas que pretendam impor o dever de licitar, ainda quando impossível estabelecer padrões comparativos e quando, pela natureza da atividade, a escolha deva desvelar um maior conteúdo de carga discricionária, o que não significa, por óbvio, que tais escolhas possam ser arbitrárias e muito menos despidas de uma motivação adequada à luz do substrato fático presente.

Fixadas as premissas de que a licitação não é o único veículo de atendimento ao interesse público e que um Estado mais consensual é, naturalmente, um Estado com maior carga de discrição administrativa, passa-se ao exame da escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais.

Com efeito, a indicação de um árbitro é um passo decisivo para o êxito em qualquer processo arbitral, seja público ou privado. O sucesso da arbitragem depende da qualidade dos árbitros, que devem, dentre outros atributos, possuir experiência, conhecimento técnico na matéria arbitrada, idoneidade moral e elevados padrões éticos, não apresentando qualquer tipo de impedimento que possa macular a sua neutralidade e imparcialidade no julgamento da questão.

Para além do conhecimento técnico que o árbitro deve possuir na matéria arbitrável, dois aspectos positivos devem, ainda, ser destacados: (i) a possibilidade de as partes indicarem o árbitro, ou seja, a escolha do julgador a partir da sua qualificação profissional; (ii) a circunstância de que o árbitro, via de regra, não tem a quantidade de processos atribuídos a um juiz, o que permite conferir maior celeridade na solução do litígio.

Não obstante existam distintas formas e métodos de indicação dos árbitros, é possível asseverar que a forma mais tradicional e conhecida no processo de escolha dos árbitros é a indicação de um árbitro por cada parte e, em seguida, os dois eleitos e aceitos sem objeção escolhem o terceiro.

A opção pela arbitragem institucional é, sem dúvida, a mais recomendada para a Administração Pública. A arbitragem institucional é aquela instalada perante uma Câmara Arbitral, o que pressupõe aderir ao seu regulamento e contar com o apoio administrativo. A outra forma é a arbitragem ad hoc, na qual as partes escolhem os árbitros e definem as regras que nortearão o procedimento.

Quando uma das partes é a Administração Pública, o processo de escolha do árbitro deverá levar em consideração uma avaliação com inegável dose de discricionariedade e subjetividade, o que tornaria rigorosamente inviável a realização de uma licitação formal. Os resultados seriam simplesmente desastrosos, porquanto escolhas lastreadas na confiança não se amoldam a processos seletivos formais, que pressupõe padrões comparativos dotados de um mínimo de objetividade.

Bem vistas as coisas, nas licitações são os particulares que manifestam interesse em contratar com a Administração Pública. Seria razoável imaginar um edital de licitação para que os árbitros fossem escolhidos? Quais seriam os critérios de escolha? Haveria interesse dos árbitros em participar de processos desta natureza?

Parece cristalino que os processos licitatórios são rigorosamente incompatíveis com escolhas norteadas por critérios dotados de elevada subjetividade, não podendo o interesse público ficar refém de um processo no qual os árbitros supostamente acudiriam interesse em participar.

Enfim, a escolha é discricionária, mas devidamente motivada, a partir, preferencialmente, de parâmetros previamente fixados nos respectivos atos normativos dos entes públicos, com a indicação das razões de qualificação daquele profissional e da conexão das suas características com o perfil e natureza do litígio instaurado.

Sequencialmente, poder-se-ia dizer que se trata de inequívoca hipótese de inexigibilidade, seja pela absoluta inviabilidade de competição (art. 25, caput, da Lei 8.666/1993), ou por notória especialização, (art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993), dada a singularidade do objeto e os próprios atributos personalíssimos do árbitro e o seu conhecimento especializado na matéria.

Mas há uma indagação que precede a definição de uma suposta inexigibilidade de licitação na escolha do árbitro. A escolha do árbitro constitui uma relação de índole contratual com o ente público, a sujeitar-se ao regramento da Lei 8.666/1993?

A resposta parece ser negativa. Conforme anotado por MARÇAL JUSTEN FILHO[21], a escolha do árbitro não ostenta natureza contratual, porquanto a sua natureza pressupõe o exercício de uma função jurisdicional. No estudo sobre o tema, o renomado administrativista sustenta, com razão, que esta escolha se configura um ato jurídico unilateral de cunho discricionário.

Ao contrário do que ocorre, por exemplo, na contratação de um assistente técnico, de um perito ou mesmo de um leiloeiro, que prestam serviços para a Administração Pública, o árbitro, a despeito de ser indicado pelo ente público, não tem qualquer compromisso em sustentar a tese da parte que o indicou. A sua função é jurisdicional, ainda que não estatal, não se estabelecendo qualquer relação de comutatividade que sinalize para um contrato administrativo a ser celebrado com a Administração Pública.

Em sendo uma função jurisdicional, o seu compromisso é solucionar o litígio da melhor forma possível, sem qualquer aproximação em atender ao interesse da parte que o indicou, o que torna o exercício do seu mister totalmente estranho aos lindes dos contratos de prestação de serviços disciplinados na Lei 8.666/1993.

Não sendo contrato administrativo, não há que se cogitar de sujeição à Lei 8.666/1993 ou mesmo de qualquer hipótese de contratação direta, já que este diploma legal regula as situações de contratação pública, o que, como visto, não é o caso da relação que se instaura com o árbitro.

Com evidente tendência de contratualização, o Decreto 8.465/2015 – que dispôs sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário – estabeleceu no seu artigo 7º, § 3º, que a escolha do árbitro ou de instituição arbitral será considerada contratação direta por inexigibilidade de licitação, devendo ser observadas as normas pertinentes.

O artigo 17 do Decreto Estadual n° 46.245/18 explicitou que, quando a escolha do árbitro incumbir ao Estado, caberá à Procuradoria Geral do Estado, justificadamente, fazer a respectiva indicação, considerando o seu conhecimento técnico e a sua afinidade com a matéria a ser dirimida.

Note-se que a norma estadual não pretendeu contratualizar essa relação de índole jurisdicional, ainda que não estatal, haja vista que o árbitro não prestará um serviço à Administração Pública Estadual.  O que se exige é que essa escolha, naturalmente discricionária e unilateral, seja devidamente motivada e justificada.

Diverso é o enfoque a propósito da contratação da Câmara Arbitral. Nos casos em que a arbitragem institucional prevalecer, será necessário ter o apoio administrativo de uma Câmara Arbitral que possa dar suporte administrativo na condução do processo arbitral, além do próprio regulamento que orientará as regras do processo arbitral.

Aqui, ao contrário do que ocorre com a escolha dos árbitros, identifica-se uma prestação de serviços, porquanto a Câmara Arbitral se relaciona com as partes oferecendo um conjunto de serviços que envolvem desde o apoio administrativo até a disponibilização das regras e procedimentos. GUSTAVO FERNANDES DE ANDRADE[22] esclarece que as Câmaras Arbitrais não exercem qualquer função judicante, o que torna a sua situação jurídica completamente distinta do exercício jurisdicional não estatal cometido aos árbitros.

Em sendo a relação que se forma com a Administração Pública de índole contratual, é preciso avançar para saber se o contrato é administrativo (com a presença das cláusulas exorbitantes) ou se trata de um contrato da Administração (quando prevalece a horizontalidade entre as partes, com derrogações apenas formais para adequação do regime de direito público).

Não se vislumbra nenhuma razão para categorizar esta relação como sendo um contrato administrativo típico. Falece qualquer fundamento de interesse público que justifique a presença de cláusulas como a alteração unilateral do contrato ou mesmo aplicações unilaterais de sanções administrativas. A Administração Pública é uma contratante como outra qualquer, não havendo razão fática para desequilibrar esta relação. É o que ocorre com vários contratos celebrados por entes públicos em absoluta igualdade de condições com o particular, tal qual ocorre, por exemplo, com os contratos de locação, leasing e outros ajustes explicitados no artigo 62, § 3º da Lei 8.666/1993, cujo conteúdo é regido, predominantemente, por normas de Direito Privado.

Eventual entendimento que sinalize para o enquadramento deste contrato como sendo tipicamente administrativo, poderá acarretar o indesejável efeito de desestimular a arbitragem nas relações contratuais públicas, afastando o interesse das Câmaras Arbitrais em atuar junto aos entes públicos.

Avançando na compreensão do tema, não se identifica que a licitação seja o mecanismo apropriado para a contratação das Câmaras. Arbitragem pressupõe celeridade. A partida, paralisar o processo arbitral para promover o processo de licitação formal, parece contrariar a dinâmica da própria arbitragem.

Ademais, como escolher Câmaras a partir de critérios objetivos? Seria uma licitação por menor preço ou por melhor técnica ou técnica e preço? Licitar pressupõe uma ideia central de fixar critérios que permitam estabelecer parâmetros de competição que sejam objetivamente aferíveis.

Não se identifica que isto seja possível na escolha das Câmaras Arbitrais, sendo necessário reconhecer a existência de margens de discrição administrativa que deverão ser conferidas aos gestores no processo de escolha, o que pode resultar na sua contratação direta em razão da inexigibilidade de licitação. Essa é uma solução compatível com o ordenamento jurídico, desde que devidamente amparada e motivada.

A solução adotada pelo Decreto Estadual n° 46.245/18  foi a do cadastramento do órgão arbitral institucional junto ao Estado do Rio de Janeiro, devendo, para tanto, atender ao seguintes requisitos previstos no artigo 14: (i) disponibilidade de representação no Estado do Rio de Janeiro; (ii) estar regularmente constituído há, pelo menos, cinco anos; (iii) estar em regular funcionamento como instituição arbitral; (iv) ter reconhecida idoneidade, competência e experiência na administração de procedimentos arbitrais, com a comprovação na condução de, no mínimo, quinze arbitragens no ano calendário anterior ao cadastramento.

A ideia foi fixar requisitos mínimos garantidores de uma atuação eficiente, que examinasse a tradição e respeitabilidade da Câmara Arbitral, a sua especialização e a localização da sede, atraindo instituições gabaritadas e com experiência comprovada.

A disponibilização da representação no Estado não configura cláusula restritiva, devendo a arbitragem, naturalmente, transcorrer territorialmente no Estado do Rio de Janeiro.   Considera-se representação a existência de local apropriado, que funcione como protocolo para recebimento de peças e documentos da arbitragem.

Não se exigiu além do necessário, mas apenas que a disponibilidade de representação compreenda o oferecimento, sem custo adicional para as partes, dos serviços operacionais necessários para o regular desenvolvimento da arbitragem, tais como local para realização das audiências e secretariado.

A instituição arbitral não precisa ser proprietária do imóvel, bastando disponibilizar um local adequado para a prática dos atos necessários à realização da arbitragem. Pode, por exemplo, cogitar da celebração de convênios com instituições arbitrais já sediadas no Rio de Janeiro ou mesmo locação de um espaço que possa atender o mínimo indispensável para o transcurso do procedimento arbitral.

Outro aspecto fundamental é o da definição do momento da escolha da Câmara Arbitral e como esta decisão se processa, a saber, unilateralmente ou consensualmente com o contratado participando da escolha. Existem diversas alternativas que podem ser cogitadas e que devem ser disciplinadas nos respectivos atos normativos dos entes públicos e nas próprias cláusulas compromissórias.

A escolha da Câmara Arbitral e a sua definição na cláusula compromissória pode ser definida no momento da celebração do contrato, o que revelaria uma índole mais pragmática e célere, evitando que uma vez ocorrido o litígio as partes iniciem a discussão sobre qual será a Câmara Arbitral eleita. Uma vez prevista no contrato, presume-se a concordância de ambas as partes.

Nada obsta que se confira ao contratado a escolha, dentre aquelas previamente cadastradas, da Câmara Arbitral, porquanto a Administração Pública já terá feito a sua avaliação prévia por ocasião do cadastramento.

O Decreto 46.245 acatou essa linha, ao prever no artigo 8° que caberá ao contratado escolher, no momento da celebração do instrumento contratual, o órgão arbitral institucional encarregado da arbitragem, dentre aqueles previamente cadastrados.

Apesar de não ter sido essa a opção do Decreto n° 46.245, nada obsta que outro ente, ao regulamentar a matéria, defina que a escolha da Câmara Arbitral se aperfeiçoará no momento da ocorrência do litígio, podendo as partes, a partir da definição da controvérsia, dispor de mais elementos para a escolha da Câmara, fazendo uma avaliação que considere os dados concretos. O problema desta alternativa é que as partes podem estar em um grau mais agudo de divergência e animosidade que torne morosa e custosa a escolha da Câmara Arbitral.

  1. Conclusões

Com o advento da Lei 13.129/2015, que alterou a Lei 9.307/2006, não cabe mais qualquer dúvida acerca do cabimento da utilização da arbitragem pela Administração Pública, que poderá, a teor do disposto no seu artigo 1°, § 1º, utilizar este importante mecanismo de solução de conflitos para dirimir as questões relativas aos direitos patrimoniais disponíveis.

Trata-se de um inegável avanço e uma conquista importante para viabilizar a atração de investimentos para o país, em especial no setor de infraestrutura. A arbitragem é um instrumento que concretiza a segurança jurídica, porquanto permite que o conflito seja solucionado com maior celeridade, com árbitros especializados na matéria e dotados da indispensável neutralidade e imparcialidade.

A tendência natural, superada qualquer dúvida a propósito da arbitrabilidade subjetiva, será o incremento e a previsão de cláusulas compromissórias nos contratos administrativos mais sofisticados e de maior expressão econômica, a exemplo do que já ocorre nas concessões comuns e nas parcerias público-privadas (concessão patrocinada e administrativa), considerando que as respectivas legislações setoriais já admitiam a sua utilização expressamente.

Enfim, caberá a cada ente público, nos seus respectivos atos normativos próprios e nas cláusulas compromissórias, definirem os requisitos, parâmetros, métodos e processos de escolha, conformando previamente a discricionariedade do gestor.

Espera-se que a arbitragem entre em definitivo na órbita dos negócios públicos no país e que as suas virtudes e vantagens beneficiem as relações administrativas, conferindo maior segurança jurídica aos investimentos, o que será vantajoso para o próprio interesse público.

Mas, para tanto, é indispensável que o processo de contratação dos árbitros e das Câmaras Arbitrais não seja impregnado pela crença de que a licitação é a salvação, estendendo o dever de licitar para situações que, evidentemente, não se afeiçoam aos seus pressupostos. Consensualidade pressupõe discricionariedade. Discricionariedade pressupõe razoabilidade, transparência e motivação. Não devemos temer estas ideias, mas conformá-las com equilíbrio e moderação.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitragem e Administração Pública: Da Hostilidade à Gradual Aceitação. In: A Reforma da Arbitragem. MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato (Orgs.). Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Arbitragem e regulação. Revista de Arbitragem e Mediação 27/70, São Paulo, Ed. RT, outubro/2010.

CASSESE, Sabino. “La arena pública: nuevos paradigmas para el Estado”, in La Crisis del Estado, Bueno Aires, Abeledo-Perrot, 2003.

CARAMELO, António Sampaio Caramelo. A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio”, in Temas de Direito da Arbitragem, Coimbra, Coimbra Editora, 2013.

GARCIA, Flávio Amaral. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro XXVI/123-162, Rio de Janeiro, APERJ, 2016.

JUSTEN FILHO, Marçal. Administração Pública e Arbitragem: o vínculo com a Câmara de arbitragem e os Árbitros. São Paulo: Revista Brasileira da Advocacia, volume 1, nº 1, abr./jun. 2016.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 33a ed., 3a tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2018.

MENDES, João de Castro. Direito Processual Civil – Lições, vol. I, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986-1987.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “Arbitragem nos contratos administrativos”, in Flávio Amaral Garcia (coord.), Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro XVIII/33-34 (“Direito Arbitral”), Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006).

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil, 20a ed., vol. I, Rio de Janeiro, Forense, 2012.

TÁCITO, Caio. Arbitragem nos litígios administrativos”, in Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), vol. 3, Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

WALD, Arnoldo, André Serrão. Aspectos constitucionais e administrativos da arbitragem nas concessões”, Revista de Arbitragem e Mediação 16/11-32, Ano 5, São Paulo, Ed. RT, janeiro-março/2008.

Notas de Rodapé:

[1] Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Sócio do Escritório Juruena e Associados e Professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas.

[2] O presente artigo contou com a valiosa colaboração da Analista Processual da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Juliana Medina Matuque

[3] O Decreto foi elaborado a partir de um Grupo de Trabalho, instituído no âmbito da Procuradoria Geral do Estado por intermédio da Resolução PGE nº 3.929, de 17 de agosto de 2016 e Resolução PGE nº 3.951, de 04 de outubro de 2016 presidido pelo Procurador do Estado Sérgio Nelson Mannheimer e composto pelos Procuradores do Estado Aline Paola Correa B. Camara de Almeida, Carlos da Costa e Silva Filho, Gustavo Fernandes de Andrade, Lauro da Gama e Souza Junior, Tatiana Simões dos Santos e do subscritor do presente artigo, que tiveram o auxílio no Secretariado da Analista Processual Juliana Medina Matuque.

[4] O artigo 1º do Decreto n° 465.245/18 explicita o seu alcance: “Este decreto regulamenta a arbitragem nos conflitos envolvendo o Estado do Rio de Janeiro e as Entidades da Administração Pública Estadual Indireta, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, nos termos da Lei nº 9.307/1996”.

[5]. Na forma didaticamente exposta por António Sampaio Caramelo. Para o autor, apesar de o Direito Português ter acolhido o critério da disponibilidade do direito, a teor do disposto no art. 1o, n. 1, da Lei 31/1986 – Lei de Arbitragem Voluntária –, o critério da patrimonialidade da pretensão é o que permite mais fácil identificação das matérias suscetíveis de submissão à arbitragem” (“A disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio”, in Temas de Direito da Arbitragem, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 81).

[6]. Cf. a lição de Caio Mário da Silva Pereira, Instituições do Direito Civil, 20a ed., vol. I, Rio de Janeiro, Forense, 2012.

[7]. Diogo de Figueiredo Moreira Neto pondera que: “São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que se constituem, por esse motivo e normalmente, como o objeto da contratação que vise a dotar a Administração ou seus delegados dos meios instrumentais de que necessitem para satisfazer os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado” (“Arbitragem nos contratos administrativos”, in Flávio Amaral Garcia (coord.), Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro XVIII/33-34 (“Direito Arbitral”), Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006).

[8] Esse é o entendimento de Caio Tácito: “Na medida em que é permitido à Administração Pública, em seus diversos órgãos e organizações, pactuar relações com terceiros, especialmente mediante a estipulação de cláusulas financeiras, a solução amigável é fórmula substitutiva do dever primário de cumprimento de obrigação assumida. Assim, como é lícita, nos termos do contrato, a execução espontânea da obrigação, a negociação – e, por via de consequência, a convenção de arbitragem – será meio adequado de tornar efetivo o cumprimento obrigacional quando compatível com a disponibilidade de bens. Em suma, nem todos os contratos administrativos envolvem, necessariamente, direitos indisponíveis da Administração” (“Arbitragem nos litígios administrativos”, in Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), vol. 3, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 87).

[9]. Na lição abalizada de João de Castro Mendes, Direito Processual Civil – Lições, vol. I, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986-1987.

[10]. Como explica Alexandre Santos de Aragão: “Não faz sentido entender que os direitos são disponíveis para efeitos de poderem ser estabelecidos mediante a celebração de um acordo de vontades (contrato administrativo) e, de outro lado, entender que são indisponíveis para vedar que controvérsias acerca dos direitos alegadamente constituídos por esse contrato possam ser voluntariamente submetidas à solução por arbitragem” (“Arbitragem e regulação”, Revista de Arbitragem e Mediação 27/70, São Paulo, Ed. RT, outubro/2010).

[11]. Celso Antônio Bandeira de Mello delimita o conteúdo do princípio: “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever (…). Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que na Administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela” (Curso de Direito Administrativo, 33a ed., 3a tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2018, pp. 76-77).

[12]. Sobre o tema, v.: Sabino Cassese, “La arena pública: nuevos paradigmas para el Estado”, in La Crisis del Estado, Bueno Aires, Abeledo-Perrot, 2003.

[13]. Assim remarcam Arnoldo Wald e André Serrão: “O acesso à segurança jurídica, à celeridade e à especialização técnica de um tribunal arbitral pode constituir um interesse público primário, cuja indisponibilidade, ao contrário de proibir a sua utilização, estaria a exigir que a Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” (“Aspectos constitucionais e administrativos da arbitragem nas concessões”, Revista de Arbitragem e Mediação 16/11-32, Ano 5, São Paulo, Ed. RT, janeiro-março/2008).

[14]. Flávio Amaral Garcia, “Arbitragem na Administração Pública. Arbitragem nos contratos administrativos: aspectos gerais e a problemática das tarifas nos contratos de concessão de serviço público”, Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro XXVI/123-162, Rio de Janeiro, APERJ, 2016.

[15] Assim dispõe o dispositivo: Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas à arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias. (…) §4º Consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, para fins desta Lei: I – as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.   II – o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e III – o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.

[16] A Procuradoria Geral do Estado editou minuta padronizada de cláusula compromissória por intermédio da Resolução n° 4.212, de 21 de maio de 2018,

[17] Art. 3º – Os contratos de concessão de serviços públicos, as concessões patrocinadas e administrativas e os contratos de concessão de obra poderão conter cláusula compromissória, desde que observadas as normas deste Decreto.

[18] Art. 3º – (…) § 1° – Poderá, ainda, conter cláusula compromissória qualquer outro contrato ou ajuste do qual o Estado do Rio de Janeiro ou suas entidades façam parte e cujo valor exceda a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

[19] Atualmente esse valor foi reduzido para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a teor da nova redação do § 4°, do artigo 2° da Lei n° 11.079/04, alterada pela Lei n° 13.529/017.

[20] Conforme prevê o § 2º, do artigo 3º do Decreto nº 46.245/18.

[21] JUSTEN FILHO, Marçal. Administração Pública e Arbitragem: o vínculo com a Câmara de arbitragem e os Árbitros. São Paulo: Revista Brasileira da Advocacia, volume 1, nº 1, abr./jun. 2016.

[22]ANDRADE, Gustavo Fernandes de. Arbitragem e Administração Pública: Da Hostilidade à Gradual Aceitação. In: A Reforma da Arbitragem. MELO, Leonardo de Campos; BENEDUZI, Renato (Orgs.). Rio de Janeiro: Forense, 2016.