A ATUAL REINVENÇÃO DO ENSINO E DA PESQUISA JURÍDICA NA FACULDADE NACIONAL DE DIREITO: uma análise acerca dos projetos de pesquisa da Nacional

Resumo

A presente pesquisa tem o objetivo de analisar como a Faculdade Nacional de Direito (FND) reinventa seus modos de ensino a partir de projetos pedagógicos que ultrapassam as formalidades tradicionais de um curso de direito. Percebe-se que há uma tentativa de garantir uma educação plural e completa, que considere raça, classe, gênero, bem como outras questões atuais, para a formação de seus alunos. A Faculdade Nacional de Direito conta hoje com mais de 30 (trinta) grupos de pesquisas dentre diversas disciplinas e temas que visam justamente assegurar a reinvenção do ensino jurídico atual. Há uma tentativa de romper barreiras epistemológicas ao tratar de temas muitas vezes marginalizados pela comunidade científica.

Artigo

A ATUAL REINVENÇÃO DO ENSINO E DA PESQUISA JURÍDICA NA FACULDADE NACIONAL DE DIREITO: UMA ANÁLISE ACERCA DOS PROJETOS DE PESQUISA DA NCIONAL

Isabela Alves de Carvalho [1]

Isabelly de Jesus Farias**

Karina Braga do Almo***

Larissa Eliza Pereira Tavares****

Letícia Lessa Rodrigues Pereira *****

RESUMO: A presente pesquisa tem o objetivo de analisar como a Faculdade Nacional de Direito (FND) reinventa seus modos de ensino a partir de projetos pedagógicos que ultrapassam as formalidades tradicionais de um curso de direito. Percebe-se que há uma tentativa de garantir uma educação plural e completa, que considere raça, classe, gênero, bem como outras questões atuais, para a formação de seus alunos. A Faculdade Nacional de Direito conta hoje com mais de 30 (trinta) grupos de pesquisas dentre diversas disciplinas e temas que visam justamente assegurar a reinvenção do ensino jurídico atual. Há uma tentativa de romper barreiras epistemológicas ao tratar de temas muitas vezes marginalizados pela comunidade científica.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Pesquisa Jurídica. Faculdade Nacional de Direito. Epistemologia. Pensamento Crítico.

INTRODUÇÃO

            Inicialmente, mostra-se essencial destacar que a pesquisa científica possui grande influência no desenvolvimento de um aluno visto que é por meio dela que esse pode aprender determinada temática em um contexto mais amplo e, em muitos casos, mais relevante. Ressalta-se que a partir da pesquisa se torna possível acrescentar à educação do indivíduo pontos que, muitas vezes, não conseguem ser explicados numa sala de aula convencional, o que dá maior riqueza e versatilidade a temas tradicionalmente abordados em uma faculdade. Assim, o presente artigo buscou analisar como a Faculdade Nacional de Direito (FND), unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vem, nos últimos anos, reinventando sua Ementa por meio da propositura de projetos pedagógicos que vão além da usual formalidade de um curso tradicional de direito, com o objetivo de garantir uma educação mais plural, que considere raça, classe e gênero para a formação de seu alunado.

            Considera-se que é de interesse de toda instituição de ensino superior que o campo de pesquisa possa ser bem explorado por seus alunos, sendo de suma relevância que a faculdade seja um lugar que incentive de forma ampla seu alunado a ter um contato extraclasse com assuntos de seu interesse, a fim de garantir uma educação completa de maneira mais ampla, abordando não só temáticas tradicionais típicas do ensino superior, mas também temáticas atuais e mais pertinentes a realidade fática em que vivemos. Assim, resta evidente a relevância da análise que se busca elaborar no presente artigo.

            Dessa forma, a metodologia utilizada na pesquisa foi a qualitativa, tendo sido analisados alguns dos inúmeros projetos de pesquisa desenvolvidos na Faculdade Nacional de Direito com o objetivo já mencionado de observar as reinvenções da unidade quanto à pesquisa jurídica. Para tanto, fez-se, inicialmente, análise acerca da necessidade da pesquisa jurídica e, em seguida, abordaram-se os grupos de pesquisa Controle Estatal, Racismo e Colonialidade (CERCO), Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) e Direito, Espaço & Política (LABÁ), que visam principalmente a produção de novas epistemologias.

            Nesse sentido, a fim de efetivamente abordar as reinvenções do curso de direito da UFRJ por meio de um novo padrão de pesquisa jurídica, foram realizados questionários que visaram entender como se deu a origem dos projetos de pesquisa, como se dá o funcionamento propriamente dito dos projetos mencionados, como eles se diferenciam da proposta tradicional do Direito, qual a importância da pesquisa na formação em Direito, qual a importância da ressignificação do ensino jurídico e da inclusão de novas epistemologias, quais seriam os principais frutos dos projetos e, por fim, qual o impacto que o grupo pretende alcançar com a pesquisa na sociedade.

            Posto isso, no primeiro tópico se discorreu a respeito da relevância e necessidade da pesquisa jurídica, bem como das reinvenções da pesquisa no contexto da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

            Em seguida, no segundo tópico fez-se uma análise acerca das iniciativas de pesquisa jurídica da Faculdade Nacional de Direito. Assim, foi feita uma abordagem sobre o resgate de epistemologias na Universidade Federal do Rio de Janeiro a partir da ampliação das noções do saber por meio da iniciativa Controle Estatal, Racismo e Colonialidade (CERCO). Nesse seguimento, avaliou-se, ainda, os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) e Direito, Espaço & Política (LABÁ).

I.                   A NECESSIDADE DA PESQUISA JURÍDICA E SUAS REINVENÇÕES

A Faculdade Nacional de Direito (FND), hoje, vai além do ensino jurídico centralizado e institucionalizado que manda a Ementa. A transmissão do conhecimento não se limita mais ao eixo professor-aluno dentro da sala de aula, sendo assim, urge-se a necessidade de se reinventar o ensino jurídico.

É na Universidade que podemos de forma privilegiada fomentar reflexões e conhecimentos das diferentes visões de mundo, da liberdade de pensamento e de criação (SOBRINHO, 2015, p. 582).

A pesquisa científica anda ao lado do ensino e da extensão, conforme proposto pelo novo modelo de ensino jurídico da Portaria nº 1986/94. Vale ressaltar que, apesar da pesquisa jurídica não ser tão evoluída no Brasil (SCHIEFLER, 2008), se comparada  às demais ciências humanas, a Faculdade Nacional de Direito vem tentando contornar esse cenário. A mencionada unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro conta hoje com mais de 30 grupos de pesquisas dentre diversas disciplinas e temas, que visam enriquecer o ensino dos estudantes da unidade.

Nesse embate, a pesquisa jurídica pode ser considerada como um dos principais mecanismos de produção do conhecimento jurídico e não se resume apenas a um espaço de produção com valor educativo, possuindo também um valor pedagógico. Sendo assim, o impacto do desenvolvimento de uma pesquisa jurídica não se limita apenas às problemáticas que a sociedade enfrenta, como também à vida do acadêmico e dos professores que a conduzem. Além de “desenvolver um pensamento crítico, forma pessoas com sentido cultural, moral e político’’ (SOBRINHO, 2015, p. 581-601), fazendo com que surja ainda mais a necessidade de contribuir para com a sociedade e problemas da coletividade.

A Faculdade Nacional de Direito vem tentando romper barreiras epistemológicas ao tratar de temas que muitas das vezes são marginalizados pela própria comunidade científica. Conforme será exposto adiante, a pesquisa feita com os professores responsáveis por alguns dos projetos de pesquisa da FND, como, por exemplo, os grupos de pesquisa e extensão Controle Estatal, Racismo e Colonialidade (CERCO), o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) e Direito, Espaço & Política (LABÁ), visam não apenas a produção de novas epistemologias, trazendo novos debates para dentro e fora da sala de aula, como também buscam uma forma de auxiliar a população mais vulnerável economicamente, como é o caso do NAJUP.

Posto isso, o diferencial observado na Faculdade Nacional de Direito, quanto à reinvenção do ensino e da pesquisa jurídica, se dá pelo fato de que as disciplinas do curso de direito vêm sendo repensadas e vistas por diferentes grupos sociais, que vivenciam diferentes realidades e trazem, para o âmbito da universidade, novas perspectivas, com as quais se compreende o ensino jurídico, bem como se assegura um olhar mais crítico para problemáticas já existentes.

  1. ANÁLISE DOS PROJETOS DE PESQUISA JURÍDICA DA FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

A fim de analisar de maneira efetiva algumas das reinvenções da Faculdade Nacional de Direito quanto à pesquisa jurídica, que são proporcionadas pelos projetos de pesquisa existentes na unidade, segue abordagem sobre três grupos de pesquisa que saem do esperado em um ensino tradicional do Direito.

II.1. O resgate de epistemologias na Universidade: a ampliação das noções do saber em colaboração com o alunado por meio da iniciativa CERCO

            Abertamente discutida é a diversificação do corpo discente nas universidades federais após a implementação da Lei nº 12.711/2012, que prevê a estipulação de quantitativos de cotas para as vagas disponíveis. Muito já se foi falado sobre os impactos que a Lei de Cotas trouxe à vivência universitária brasileira (MELLO, SENKEVICS, 2019, p. 184-208), tendo como o mais emblemático a majoração de alunos racializados, com deficiência e em situação de hipossuficiência. Esse cenário constitui uma nova realidade à Universidade, que, ao se deparar com novas demandas do alunado, precisa se reinventar a fim de se adequar à pluralidade estabelecida.

            Afinal de contas, é o corpo estudantil o maior responsável pelo desenvolvimento da instituição, com a sua pulsão ao engajar em novas atividades e ao (re)pensar o direito. Isso se torna ainda mais evidente considerando o grande histórico de luta estudantil promovido pelo CACO – Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, da Faculdade Nacional de Direito, protagonista da história institucional durante a vigência do regime militar brasileiro. A luta pelos princípios democráticos é, dessa maneira, aspecto basilar da unidade de direito da UFRJ, e, naturalmente, se atenta aos novos fluxos que a contemporaneidade carrega.

            Repensar o direito, ao tempo em que se repensa a maneira em que se constitui o quadro do alunado da instituição, é consequência imediata. Logicamente, se os futuros operadores do direito mudaram, a maneira em que se enxerga esse direito, dogmático, teórico e fundamental, também se transmuta. Já não é mais possível encarar o panteão tradicional de juristas, canonizados nas ementas disciplinares, assim como os antigos alunos sacralizados em homenagens nas paredes e portas locais, e não reparar o descompasso representativo ao corpo discente atual.

            Ora, se os novos juristas em formação possuem realidades distintas da antiga composição institucional, urge a reflexão sobre possíveis descompassos educacionais referentes à metodologia pedagógica. É com base nessa premissa que o professor Philippe Oliveira de Almeida, docente adjunto do setor de Teoria do Direito da Universidade, elabora suas atividades de pesquisa.

            O início dessa empreitada começou de forma menos ambiciosa, mas extremamente promissora: a reformulação do cronograma disciplinar da matéria de Filosofia Geral, obrigatória ao primeiro período da graduação em direito. Com isso, um primeiro alerta aos novos estudantes é dado: a filosofia não tem como seu berço a Grécia antiga, como comumente é visto no tradicional ensino médio, mas remonta a epistemologias distintas anteriores e não-eurocêntricas. Além disso, filósofos pouco abordados e discussões esquecidas retomam o protagonismo das aulas.

            Existe, nesse sentido, a preocupação de se observar criticamente como a formação jurídica é estabelecida. Ao se incluir na ementa filósofos não-eurocêntricos, ainda, importante trabalho de resgate epistemológico é feito dentro da universidade. O que ocorre, dessa forma, é uma postura combativa ao esquecimento acadêmico, perpetuado nas salas de aula, que contribui para a exclusão de visões alternativas sobre o que é direito e como se é fazer direito. Em síntese, além de revitalizar a produção acadêmica, repensando a que papel se serve a academia ao manter o mesmo padrão de doutrinadores que pouco representam a maioria da população brasileira – e, em consequência, o alunado, que, cada vez mais, desconstrói a preponderância da branquitude, com sua supremacia nos pormenores – permite, ainda, uma formação jurídica mais atenta às necessidades brasileiras.

            Ainda nessa linha, o professor Philippe idealizou, em 2019, o grupo CERCO – Controle Estatal, Racismo e Colonialidade. Em primeiro momento, foi pensado um diálogo acerca das obras de Franz Fanon. A partir daí, o projeto pedagógico de repensar o direito e ensino jurídico toma forma como atividade de pesquisa na instituição. Como o nome sugere, são contempladas pesquisas acerca da relação jurídico-estatal com a manutenção do racismo no contexto brasileiro. Por meio de disciplinas eletivas, participações em congressos, elaboração de palestras e, principalmente, lives[2], dado o contexto pandêmico, o grupo se mantém na ativa, mesmo com as dificuldades trazidas pela pandemia.

            Particularmente, o CERCO atua com a adoção dos Estudos Jurídicos Críticos, surgidos no contexto setentista estadunidense, que teve como objetivo enxergar o direito como cenário antagônico de disputas. Como recorte, concentra-se na Teoria Racial Crítica, que pensa a influência jurídica na legitimação do racismo como estrutura, além de pesquisarem, também, a Teoria Crítica da Deficiência, que observa as interseções da Teoria Racial Crítica à experiência de pessoas com deficiência.

            Nesse sentido, o CERCO, em sua metodologia, ambiciona explorar uma multiplicidade de estratégias, contanto que estas se relacionem com as vivências concretas e situadas características dos sujeitos, além da incorporação da arte como meio de produção de saber jurídico. O que importa, aqui, é a desconcentração da noção de neutralidade e impessoalidade, normalmente atribuídos como característicos ao pensamento jurídico, mascarando posicionamentos ideológicos bem localizados. Assim, o Direito é encarado não a partir de uma noção pressuposta tecnocientífica e hegemônica, mas, sim, a partir das suas rupturas, fraturas, incongruências e dissonâncias com a realidade.

            Vale observar que, em tempos de ensino remoto, o grupo conseguiu se reinventar e persistir nas atividades acadêmicas. Surge, daí, o cineCERCO, ramificação do grupo CERCO, que, por três semestres, pretendeu discutir filmes que se conectavam com autores normalmente classificados como clássicos dentro do contexto filosófico e jurídico. Em seguida, o recorte passou a ser o de necropolítica, aprofundando-se em uma filmografia que tratava sobre temas como corpos, subalternidade, violência e racismo. Por fim, em seu último módulo, o recorte passou a ser a partir da obra “Dialética da Colonização”, de Alfredo Bosi, com películas brasileiras em foco.

            Atualmente, o CERCO se desenvolve como uma iniciativa de extensão, propondo ainda maior diálogo com a comunidade externa à faculdade. Seu primeiro projeto, nessa modalidade, é o curso ‘Aquilombando Direito & Arte’, por meio do núcleo de Escrevivências Jurídicas. O curso, por fim, se propõe a apresentar a produção de pesquisa de alunos egressos da instituição e seus eventuais resultados.

            Ainda que recente, haja vista seu início em 2019, resultados positivos já podem ser observados. Diversos trabalhos de conclusão de curso foram defendidos na Faculdade Nacional de Direito sob a orientação do CERCO, além da participação de pesquisas de iniciação científica no grupo terem seus resultados apresentados em iniciativas da faculdade, como nos congressos SIAC e JicJUR. Por prezar a participação democrática e livre, seus módulos são abertos, contando com integrantes e ouvintes de todo o país, além de possuir redes sociais a fim de proporcionar melhor veiculação de suas informações.

            O esforço do docente, somado à iniciativa CERCO aponta para a perspectiva de uma retomada dos holofotes da instituição ao alunado, que, paulatinamente, introduz novas formas de interagir com o âmbito acadêmico. Por meio disso, o ensino jurídico se transforma, se atualiza e, principalmente, se mantém atento às novas demandas sociais, atrelando-se à realidade fática da vasta maioria da população brasileira, desvinculando-se de uma concepção de direito para poucos.

  1. 2. O Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin

No contexto de rompimento de barreiras epistemológicas, em que se almejava a produção do conhecimento crítico, livre, e consciente da realidade brasileira, começaram a ser criadas na década de 1990 as Assessorias Jurídicas Universitárias Populares. Nessa perspectiva, através da organização estudantil, foi criado em 2012 o NAJUP Luiza Mahin, que carrega o nome católico de Kehinde, a qual simbolizou a resistência contra a escravidão.

Atualmente, o núcleo é um projeto de extensão da FND, sendo imprescindível ressaltar o fato do funcionamento do projeto estar à luz do princípio constitucional da autonomia universitária e indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, expressos no art. 207 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).  Dito isso, a base metodológica do projeto consiste na educação popular, na assessoria jurídica popular e na pesquisa militante.

Além disso, pode-se afirmar que o principal objetivo do projeto, ao considerar o seu compromisso em contribuir com o desenvolvimento de um ensino jurídico crítico e comprometido com as causas sociais, consiste em proporcionar ao corpo discente a oportunidade de desempenhar um papel ativo na resolução de conflitos sociojurídicos por meio da troca entre movimentos sociais e estudantes. Desse modo, o intuito do núcleo é que seja feita a análise da incidência do ordenamento jurídico em pessoas e casos concretos, não apenas refletindo sobre a realidade durante esse processo, mas operando efetivamente no campo das desigualdades para a transformação do cenário.

Nesse viés, nota-se que a atuação do projeto se diferencia da proposta de ensino tradicional de direito, uma vez que a assessoria jurídica popular possibilita a produção de conhecimento coletivo, cujo conteúdo é fruto da interação entre sociedade e universidade. Considerando-se, nesse sentido, as mais diversas fontes sociais para a construção de conhecimento, sem que haja qualquer hierarquia, tanto dentro do grupo, entre os professores e estudantes que constituem o mesmo, quanto fora, entre a academia e a comunidade.

Logo, a metodologia adotada pelo NAJUP é responsável por incentivar o rompimento do ensino dogmático e despreocupado com a realidade que assola as maiorias sociais presentes na sociedade em que se vive. Desse modo, o tipo de produção acadêmica proposta pelo projeto deve ser considerado de grande impacto, uma vez que vai contra os discursos que servem de alicerce para ações repressoras direcionadas às classes marginalizadas.

Ademais, essa ressignificação do ensino jurídico, através da horizontalização da produção de conhecimento, reflete diretamente na pesquisa militante desenvolvida pelo projeto, visto que os integrantes do NAJUP desenvolvem a mesma observando a fomentação da pluralidade de fontes de direito. Nesse caso, a pesquisa é elaborada junto dos movimentos sociais, e iniciada a partir das demandas dos grupos que se encontram em posição de vulnerabilidade, em virtude de a pesquisa produzida ser comprometida com a transformação da realidade social.

Logo, diante dos fatos supracitados, depreende-se que o projeto NAJUP Luiza Mahin tem forte impacto sobre a sociedade com sua pesquisa, através da produção acadêmica em conjunto com a sociedade, em razão de o seu conteúdo derivar de uma demanda real, proposta por pessoas com experiências concretas, e que podem colaborar para o processo de produção de conhecimento, como prega incisivamente a metodologia do projeto analisado. Desse modo, é promovida a escuta qualificada dessas pessoas envolvidas nos conflitos acompanhados pelo grupo, assim como através dessa produção é aberto um espaço onde é possível a proposição de medidas que transformem a realidade discutida.

Conclui-se, nesse sentido, que a atuação do projeto, além de solucionar conflitos iminentes por meio da assessoria jurídica, também contribui para a melhor formação de futuros profissionais, uma vez que essa interdisciplinaridade e troca de conhecimento junto aos movimentos coletivos corroboram para a construção do pensamento crítico. Sendo assim, essa mudança consistirá, também, nos direitos que serão assegurados, ou não, em determinados territórios pela via estatal, na medida em que isso é determinado por operadores do direito.

  1. 3 – O projeto de pesquisa Direito, Espaço & Política (LABÁ)

            Para a docente Julia Ávila Franzoni, coordenadora do projeto de pesquisa Direito, Espaço & Política (LABÁ), a pesquisa, em termos já mencionados anteriormente, é um dos elos para a efetiva construção de uma formação jurídica completa, associada ao ensino e à extensão. Nesse sentido, a dimensão da pesquisa se destacaria pela importância que as universidades têm na construção de diagnósticos e de mapas para atravessamento do real, ou seja, dos problemas emergentes do cotidiano que precisam enfrentar, com capacidades de respostas efetivas.

Assim, para a formação jurídica, a pesquisa tem a importância de fazer fortalecer nos estudantes a dimensão crítica e reflexiva, entendendo que a razão jurídica estudada nos cursos e disciplinas é um saber que sabe precário, que deve ser desnaturalizado, politizado e conhecido nas suas raízes e nas suas relações. A pesquisa seria, portanto, um antídoto (ainda que parcial) à melancolia criativa do ensino bancário e um espaço de formulações que disputam a produção da verdade no campo jurídico em prol da emancipação social.

Com essa visão, o LABÁ, grupo de pesquisa da FND, nasceu no final de 2018  a partir de uma iniciativa de docente e estudantes interessados em construir projetos articulados com movimentos sociais populares, que experimentassem outros formatos e metodologias para enredar ensino, pesquisa e extensão no Direito. Hoje, existem 3 projetos de pesquisa, dos quais 2 são também projetos de extensão. Por meio desses projetos, vem se construindo repertórios teóricos e práticos que problematizam as abordagens tradicionais de ensino-jurídico e propõem outros experimentos técnicos e estéticos que tensionam o modelo bancário de ensino e buscam reelaborar as dinâmicas dentro e fora da sala de aula por meio da dialogicidade e da criticidade

O TRAMA (Teorias e Redes de Ação Materialista) é um projeto de pesquisa-ensino-extensão, formado também por um coletivo de estudantes, que funciona como espaço de acolhimento e de organização de estudantes ingressantes, tendo como principais objetivos construir outras perspectivas teóricas e práticas para o ensino e para o trabalho com o direito a partir da chamada Pedagogia Situada.

Além do TRAMA, o Cartografias Jurídicas: mapeando conflitos fundiários urbanos na cidade do Rio de Janeiro (Cartô), em parceria com o Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ) e o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública  (NUTH/RJ),  tem como atividades principais a coleta de dados, sistematização de informações e produção de estudos sobre conflitos fundiários urbanos, envolvendo territórios e comunidades ameaçados por remoções, na cidade do Rio de Janeiro, em parceria com o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e a incidência informada em casos de ameaças e violações de direitos e trabalho com comunidades vulnerabilizadas, em parceria com órgãos públicos, movimentos sociais populares e plataformas da sociedade civil. O projeto colabora, ainda, com a base cartográfica do Observatório Nacional de Remoções (FAU/USP) e integra a Campanha Nacional Despejo Zero.

Por fim, há o projeto Estudos Jurídicos Críticos (EJC) – ação que envolve os grupos LABÁ – Direito, Espaço & Política (coordenado pela Profa. Julia Franzoni), o CERCO (coordenado pelo Prof. Philippe Almeida) e o Pura Teoria do Direito (coordenado pelo Prof. André Coelho) – que tem como objetivo central divulgar, produzir, popularizar e atualizar conteúdos que atrelam teorias críticas e pensamento jurídico, puxando o centro de gravidade dos discursos e das práticas jurídicas para a perspectiva dos corpos, dos conflitos e da política que envolvem os fenômenos jurídicos.[3]

Nessa perspectiva, o processo, a maneira de fazer, importa tanto quanto o que se faz. Para além de estar construindo espaços de organização, de acolhimento, de produção de saber e de outras práticas, o LABÁ tem se engajado no desenvolvimento de trabalhos e de materiais com seus parceiros de dentro e de fora da universidade. De forma geral, podemos destacar: i) o engajamento com Campanhas e articulações da sociedade civil, como a Campanha Despejo Zero (em que integraram o Grupo de Trabalho Jurídico e de Comunicação) e o Tribunal Popular Internacional do Sistema de Justiça (em que integraram os Grupos de Trabalho de Formação e Metodologia, Comunicação e Denúncia); ii) a produção de materiais em parceria com essas redes (documentos, cartilhas, petições, postagens); iii) o levantamento de dados, relatórios analíticos e estudos circunstanciados aos campos de investigação dos projetos e iv) a incidência informada em situações de violações de direitos.

Ampliam-se os repertórios de ação dos estudantes e forjam-se subjetividades políticas capazes de produzir respostas coletivas de enfrentamento ao quadro crônico de violações de direitos no país. Nesse sentido, a professora Julia ressalta as condições materiais em que os projetos têm se reproduzido: atualmente possuem poucos recursos financeiros e bolsas de pesquisa, o que torna ainda mais significativa a energia docente e discente.

As faculdades de Direito mais tradicionais no Brasil, como a FND, de modo geral, contam a história da reprodução, na academia, dos espaços sociais de prestígio, direcionados às elites econômicas e culturais. O ensino jurídico, de forma hegemônica, estaria orientado para formação de jovens destinados a ocupar altos postos de comando, na esfera pública e na iniciativa privada. A alteração paulatina desse quadro deve-se, sobretudo, às lutas sociais que, nos últimos 20 anos, lograram institucionalizar políticas de ação afirmativa e de reforma curricular que alteraram o perfil de ingresso dos estudantes e de parte dos conteúdos ensinados. Contudo, ainda é marcante a distância entre o corpo docente e o corpo estudantil, no que diz respeito às representações raciais e de classe. O objetivo costuma ser introduzir os estudantes à racionalidade jurídica moderna, tornando-os capazes de encaixar os conflitos teórico-práticos da vida jurídica nos marcos normativos instituídos. No trato desses temas, a teoria jurídica contemporânea fica circunscrita à lógica do consenso e da normalização, e não do conflito e da disputa. Métodos e abordagens tradicionais de ensino jurídico, normalmente enfadonhos, mais afastam que aproximam os estudantes.

Como lembra Paulo Freire, divinizar ou diabolizar a técnica ou a ciência é uma forma perigosa de pensar errado. A rejeição parcial do formalismo e do tradicionalismo importa, sobretudo, porque eles desativam, no processo do ensino-aprendizagem, a fagulha do entusiasmo criativo que estimula o pensamento e a ação para a construção de outros mundos e de futuros melhores. Transgredir, pedagogicamente, implica levar a sério o compromisso libidinal de pactuar verdades e técnicas – exercícios de ficção jurídica – para construir outras e melhores verdades e técnicas. Este esforço requer problematização dos saberes e dos seus repertórios tradicionais, não para negá-los totalmente, mas para absorver suas qualidades de maneira situada nos problemas radicais do nosso cotidiano, evidenciados, também, pelas experiências compartilhadas pelos estudantes.

Ao fomentar o engajamento dos estudantes com setores militantes e organizados da sociedade civil, os projetos do LABÁ contribuem i) para fortalecer esses espaços de fora da universidade e produzir redes e coalizações; ii) para construir melhores respostas para problemas concretos envolvendo situações e violações de direitos e iii) para politização da formação jurídica tradicional.

O caminho teórico-prático do LABÁ tem sido recontar histórias que cruzam pensadores, pensamentos e experiências, construindo redes de conexões parciais que buscam traduzir conhecimentos entre sujeitos-estudantes muito diferentes. Isso uma vez que, pessoas diferentes também vivenciam de maneiras distintas conceitos descritos em categorias jurídicas (casamento, cidadania, crime, direitos humanos) que, muitas vezes, são tratadas por meio de abordagens genéricas e objetificantes na doutrina jurídica. Portanto, a negação desse tradicionalismo é uma escolha ético-política, que reposiciona os pontos de partida conceituais e práticos do LABÁ.

CONCLUSÃO

              Conclui-se que a reinvenção do ensino e da pesquisa jurídica pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, por meio da propositura de projetos pedagógicos que vão além da usual formalidade de um curso tradicional de direito, fomentam uma educação plural para os estudantes da Gloriosa.

Com efeito, por meio desse artigo foi possível observar a função social que a Faculdade Nacional de Direito exerce mediante as práticas e estudos desenvolvidos. Ao mesmo tempo em que mantém o prestígio e renome atrelados a 130 anos de tradição, a instituição permanece na vanguarda, à frente de temas relevantes para uma sociedade mais harmônica e consciente.

Não há dúvidas de que a pesquisa é considerada mecanismo de inserir temáticas atuais coerentes com a realidade e as demandas do mundo em que vivemos. Em decorrência disso, há uma maior identificação do alunado com os temas abordados, especialmente após a implementação da Lei nº 12.711/2012 que promoveu uma diversificação do corpo discente.

Com a descentralização do ensino jurídico é possível dar uma maior visibilidade às minorias, àqueles que estão à margem da sociedade, entendendo que as circunstâncias nas quais estamos inseridos têm raízes históricas. Nesse sentido, os grupos CERCO, NAJUP e LABÁ são essenciais na construção de um ensino que quebra paradigmas.

A Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro forma operadores do Direito cientes do compromisso da advocacia para com a sociedade e segue construindo a sua história perpassando pelos mais variados contextos e cenários, fazendo-se sempre presente. Sobretudo, segue exercendo o papel fundamental de ser grande provedora e exemplo de um ensino público, gratuito e de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

SCHIEFLER, Gustavo. Pesquisa Científica Jurídica – Limites E Perspectivas. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 22 Mai. 2008.

SENKEVICS, Adriano Souza e MELLO, Ursula Mattioli. O PERFIL DISCENTE DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS MUDOU PÓS-LEI DE COTAS?. Cadernos de Pesquisa [online]. 2019, v. 49, n. 172 [Acessado 5 Outubro 2021] , pp. 184-208. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/198053145980>. Epub 10 Jul 2019. ISSN 1980-5314. https://doi.org/10.1590/198053145980.

SOBRINHO, José Dias. Universidade Fraturada: reflexões sobre conhecimento e responsabilidade social. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 20, n. 3, p. 581-601, novembro de 2015.

Notas:

[1] *Isabela Alves de Carvalho é graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ; Membro do grupo de pesquisa em Direito Econômico, Propriedade Intelectual e Sustentabilidade (DEPIS); Estagiária na 27a Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ); Foi monitora bolsista de Economia Política.

**Isabelly de Jesus Farias é graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ; Membro do Grupo de Direito Econômico, Propriedade Intelectual e Sustentabilidade (DEPIS); Atualmente, encontra-se realizando intercâmbio de Estudo e Trabalho nos Estados Unidos.

***Karina Braga do Almo é graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ; Assistente Jurídica no escritório de advocacia Barbosa Müssnich Aragão (BMA); Membro do Grupo de Direito Econômico, Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Sustentável (DEPIS); Membro do Center for M&A Studies (CM&A).

****Larissa Eliza Pereira Tavares é graduanda em Direito pela UFRJ, monitora bolsista de Métodos e Técnicas de Pesquisa e, atualmente, integrante do grupo Direito Econômico, Propriedade Intelectual e Sustentabilidade. Foi pesquisadora PIBIC de políticas públicas e teve experiência com iniciação científica júnior em Filosofia Política.

*****Letícia Lessa Rodrigues Pereira é graduanda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ; Membro do Grupo de Direito Econômico, Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Sustentável (DEPIS); Atualmente, é estagiária na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ).

[2] Como, por exemplo, o curso de Introdução aos Estudos Jurídicos Críticos (Critical Legal Studies). Disponível em: https://doity.com.br/cls.

[3] O projeto tem se engajado em trazer para o debate da teoria do direito no Brasil, autores, teorias e perspectivas conscientes de raça, gênero, classe e sexualidade. O dossiê “Estudos Jurídicos Críticos” na revista Direito & Praxis é resultado desse esforço, trazendo publicações e traduções inéditas de trabalhos fundamentais para os estudos críticos no direito (https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/issue/view/2462/showToc).

Palavras Chaves

Educação. Pesquisa Jurídica. Faculdade Nacional de Direito. Epistemologia. Pensamento Crítico.