A EFETIVAÇÃO AO TRABALHO DIGNO DAS PESSOAS TRANSEXUAIS

Resumo

O presente artigo possui o escapo de observar a efetivação ao trabalho digno das pessoas transexuais e dos seus direitos fundamentais através da Lei 13.484/17 e o provimento n. 73/18 do CNJ. Para isto, no primeiro momento é esmiuçado o conceito da sexualidade humana que envolve quatro aspectos, que são eles o gênero, o papel, a identidade e a orientação sexual. Em um segundo momento, são trazidas as noções de trabalho e a inclusão das pessoas transexuais no mercado de trabalho formal. Em um último momento, são observadas as deficiências do estado democrático de direito que fazem com que esse grupo minoritário não esteja inserido devidamente no mercado de trabalho formal gerando desemprego, situações de rua, prostituições e doenças psíquicas.

Artigo

A EFETIVAÇÃO AO TRABALHO DIGNO DAS PESSOAS TRANSEXUAIS

Thais Azevedo Marins[1]

 

RESUMO

O presente artigo possui o escapo de observar a efetivação ao trabalho digno das pessoas transexuais e dos seus direitos fundamentais através da Lei 13.484/17 e o provimento n. 73/18 do CNJ. Para isto, no primeiro momento é esmiuçado o conceito da sexualidade humana que envolve quatro aspectos, que são eles o gênero, o papel, a identidade e a orientação sexual. Em um segundo momento, são trazidas as noções de trabalho e a inclusão das pessoas transexuais no mercado de trabalho formal. Em um último momento, são observadas as deficiências do estado democrático de direito que fazem com que esse grupo minoritário não esteja inserido devidamente no mercado de trabalho formal gerando desemprego, situações de rua, prostituições e doenças psíquicas.

 

Palavras-chave: Transexual. Trabalho. Dignidade. Lei 13.484/17. Provimento n.73/18.

 

INTRODUÇÃO

 Este artigo versa sobre um tema que é novo na sociedade e pouco discutido nos tribunais, nos centros acadêmicos e em coletividade de modo geral. Também, existem poucos doutrinadores que discutem o assunto, entretanto um tema que deve ser abordado de maneira urgente tendo em vista o apagamento que esse grupo tem sido tratado no Estado democrático brasileiro, a população transexual se encontra diante de um estado de total de vulnerabilidade social, econômica, psíquica e financeira.

O enfoque do trabalho é a inserção das pessoas transexuais no mercado de trabalho formal através da recente lei 13.484/17, que facilitou a mudança do registro civil e do sexo nos documentos oficiais de pessoas transexuais com o objetivo de facilitar a inserção social dessas pessoas, principalmente no mercado de trabalho. Acrescentamos nesta análise o provimento n.73/18 do CNJ que definiu que as alterações poderão ser feitas em qualquer cartório sem a necessidade de um advogado ou defensor público e sem a obrigatoriedade da cirurgia de resignação genital/sexual ou transgenitalização[2] ou de decisão judicial. Para as pessoas transgêneros que não possuem condições financeiras, existe a possibilidade de gratuidade de serviço a partir da comprovação de baixa renda, após preenchido o requerimento de uma declaração diretamente no cartório.

   Para entender o artigo, constata-se, então, que antes de vigorar a lei 13.484/17 e provimento n.73/18 do Conselho Nacional de Justiça essas pessoas não logravam êxito em serem contratadas em  processo seletivo para trabalhar em diversas empresas, pois tinham seus documentos de identidade e carteira de trabalho desatualizados, ou seja, o nome que estava inserido na documentação não correspondia ao nome social[3], ocasionando a ilegalidade do documento (em virtude da foto e o nome no documento apresentado ser de um homem e a pessoa que apresentava o documento ser uma mulher ou vice-versa) e gerando também constrangimento em situações que são requeridos os documentos oficiais tanto na entrevista de emprego, quanto nas relações com os colegas de trabalho e o empregador.

Faz-se necessário desconstruir o pensamento social em razão do preconceito estrutural destinado para essas pessoas, viabilizando políticas públicas e sociais as quais terão o objetivo de promover a inserção desses grupos minoritários no meio social e eliminar a disseminação do ódio e finalmente dar dignidade para essas pessoas trabalharem com dignidade, com todos os seus direitos respeitos e protegidos.

 

 

  1. GÊNERO, PAPEL SEXUAL, IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL NO ÂMBITO JURÍDICO

Primeiramente, tendo em vista que buscamos compreender como as pessoas transexuais são inseridas no mercado de trabalho formal é necessário para esse entendimento esboçar o conceito da sexualidade humana que envolve quatro aspectos, que são eles o gênero, o papel, a identidade e a orientação sexual.

  • Gênero

O primeiro aspecto é o gênero. Podemos entender como gênero o sexo da pessoa. Assim, temos o sexo feminino e o masculino. As pessoas cisgênero são aquelas nas quais se identificam com o gênero que foi determinado no seu nascimento e as pessoas transgênero são aquelas nas quais não se identificam com o gênero, comportamento e papel imposto no seu nascimento, não se identificam com o seu corpo.

Encontram-se na natureza humana também as pessoas que apresentam características do sexo feminino e do sexo masculino ao mesmo tempo, essas pessoas são conhecidas como hermafroditas, quanto a estes, seu gênero costuma ser considerado de acordo com as características físicas predominantes – femininas ou masculinas. No entanto, em alguns países, são adotados como um terceiro sexo.

   Segundo Judith Butler:

O fato de a realidade do gênero ser criada mediante performances sociais contínuas significa que as próprias noções de sexo essencial e de masculinidade e feminilidade verdadeiras ou permanentes também são constituídas, como parte da estratégia que oculta o caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas de proliferação das configurações de gênero fora das estruturas restritivas da dominação masculina e da heterossexualidade compulsória. (BUTLER, 2010, p.201)

A autora complementa:

Em sua expressão mais complexa, [o travesti] é uma dupla inversão que diz que a “aparência é uma ilusão”. O travesti diz […]: “minha aparência externa é feminina, mas minha essência interna [o corpo] é masculina”. Ao mesmo tempo, simboliza a inversão oposta: “minha aparência externa [meu corpo, meu gênero] é masculina, mas minha essência interna [meu eu] é feminina (BUTLER, 2010, p. 195-196).

Para falarmos de pessoas transexuais, também é necessário refletir sobre o que é ser homem e o que é ser mulher em uma sociedade baseada em heteronormatividade ou heterossexualidade compulsória[4].  Sabemos que o normal e socialmente aceitável deve condizer com uma postura heterossexual de acordo com os papeis sociais atribuídos aos gêneros e onde se pressupõe uma continuidade entre sexo, gênero e sexualidade.

  • Papel Sexual

O segundo aspecto é o papel sexual. Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p.24)

o papel sexual está diretamente ligado ao comportamento de gênero que a pessoa desempenha na sociedade, é de cunho social, não biológico, e não necessariamente se apresenta relacionado à orientação sexual, tal como a priori possa parecer.

Modo de agir em determinadas situações conforme o gênero atribuído, ensinado às pessoas desde o nascimento, é basicamente associado a construção de diferenças entre homens e mulheres.

 

  • Orientação sexual

O terceiro aspecto é a orientação sexual, classificada como a atração que uma pessoa sente por outros indivíduos, está ligada a questões sexuais e sentimentais. Ou seja, se o indivíduo sente atração por pessoas do sexo oposto, falamos que é heterossexual (ou heteroafetiva). Se sente atração por aqueles do mesmo sexo, sua orientação é homossexual (ou homoafetiva). Há também aqueles que se interessam por ambos: os bissexuais (ou biafetivos). Pessoas do gênero masculino com orientação homossexual geralmente são chamados de gays, e as do gênero feminino, lésbicas.

    Existem também os assexuais, que seriam aqueles indivíduos que não sentem atração sexual por ninguém, os pansexuais que são pessoas cuja identificação com o outro independe de seu gênero, orientação, papel e identidade sexual, entre diversas outras orientações de gênero que surgem de acordo com o crescimento da sociedade contemporânea.

           Importante ressaltarmos que sexo e sexualidade possuem significados diferentes que por muitas vezes, são utilizados como sinônimos, o que não é verdade, o sexo está diretamente ligado ao gênero da pessoa e a sexualidade diz respeito a orientação sexual da mesma.

De acordo com, Miriam Pillar Grossi, o sexo corresponde:

A Classificação biológica das pessoas como machos ou fêmeas, baseada em características orgânicas como cromossomos, níveis hormonais, órgãos reprodutivos e genitais. Ao contrário da crença popular, reiterada em diferentes discursos, a categoria sexo não se configura como uma dualidade simples e fixa entre indivíduos deste e daquele sexo (binarismo ou dimorfismo sexual), mas, isso sim, como um contínuo complexo de características sexuais.

Enquanto a sexualidade, corresponde:

A sexualidade envolve as práticas eróticas do ser humano, suas escolhas de relação afetiva e objetos de desejo. Do mesmo modo que gênero, a sexualidade é culturalmente estabelecida e tem distinções em diferentes grupos e culturas. O conceito de sexualidade, no ocidente, está intimamente ligado ao de gênero. Na hierarquia das sociedades ocidentais em geral, a heterossexualidade ocupa a posição superior e, logo, a homossexualidade é socialmente compreendida como inferior. Em outras palavras, na sociedade em que vivemos, considera-se normal ser heterossexual. Podemos falar então que a sexualidade é marcada por práticas heteronormativas. (GROSSI, 1998, p.50)

  • Identidade de Gênero

O último aspecto é a identidade de gênero, caraterizada como a forma como o indivíduo se percebe em relação ao gênero que possui e das suas relações com os outros gêneros.

Quando a pessoa de determinado gênero se sente mais como se fosse de outro, independentemente de sua orientação sexual (às vezes até mesmo de seu papel sexual), falamos que ela é transexual. Pontualmente falando, transexual seria aquele cuja identidade sexual não é a mesma que seu sexo biológico, sendo normalmente aquele que recorre a cirurgias de mudança de sexo ou não.

 Exemplificando: uma mulher transexual que se relaciona com homem cisgênero é uma mulher heterossexual; e uma mulher cisgênero que se relaciona com um homem cisgênero também é uma mulher heterossexual.  A proposta é explicar que a identidade de gênero não tem nada a ver com a orientação sexual, uma mulher cisgênero ou transgênero pode ser lésbica, bissexual, heterossexual entre outras denominações de sexualidade. Assim como um homem cisgênero ou transgênero pode ser gay, bissexual, heterossexuais entre outros.

Importante destacar que transexuais e travestis não são a mesma coisa. Os travestis possuem identidade de gênero mista, se sentem tanto homens quanto mulheres. Assim, costumam vestir-se e se comportar como se fossem do gênero oposto (papel sexual), equilibrando sua dupla identidade.

Judith Butler (2010) afirma que os corpos carregam um discurso, portanto, este interfere diretamente na admissão em uma entrevista de emprego, ou seja, o que é visto como adequado ou não na sexualidade são formas de normatividade, vinculadas à matriz heterossexual. que podem ou não fazer com que uma pessoa seja contratada em determinado trabalho.

Concluímos seguindo o seu conceito que o sujeito é aquele que presume ser a pressuposição no agenciamento e, ao mesmo tempo, permanece submetido a uma série de regras que o precedem, sendo assim, o mecanismo que regula o gênero é ele mesmo generificado, é o aparato pelo qual a produção e a normalização do masculino e do feminino se manifestam junto com as formas intersticiais, hormonais, cromossômicas, físicas e performativas que o gênero assume (BUTLER, 2010, p. 185-186).

A Transexualidade que engloba homens e mulheres ocorre quando há uma incoerência marcada entre o sexo biológico e a identidade de gênero. Neste caso, a pessoa pode buscar por mudanças corporais para que o físico coincida com o gênero que ela se identifica mentalmente.

Importante ressaltar que ao contrário que alguns pensam, o que determina a condição transexual é como as pessoas se identificam e não um procedimento cirúrgico.           Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p.9), “transexuais sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam e se sentem, e querem corrigir isso adequando seu corpo ao seu estado psíquico”.

A população transexual e travesti trava uma luta constante pelo reconhecimento da sua identidade de gênero e pelo direito de ser quem são, a despatologia[5] foi uma grade vitória dessas pessoas, a luta é também em relação a efetividade das leis que amparem a inserção de toda essa comunidade nos ambientes de trabalho, nas universidades, e principalmente na luta contra a transfobia.

A pessoa transexual e travesti diferencia-se dos padrões da dita normalidade que a sociedade elegeu, mas nem por isso essas pessoas devem ser consideradas anormais. Ao contrário, trata-se de um sujeito de direito e deveres como qualquer outra pessoa, tentando se inserir, de modo a poder desenvolver suas reais potencialidades, vez que apresenta um sexo psicológico diferente do sexo biológico. Sente-se como seu sexo psicológico, ojeriza sua genitália e a vontade de mudar seu sexo físico é inerente à sua pessoa.

A cirurgia de resignação genital/sexual ou transgenitalização é uma das soluções para minorar o sofrimento em que vive um transexual e este direito não pode ser negado pelo estado, a pessoa transexual que se submeteu a cirurgia tem o direito ao esquecimento[6] de seu estado anterior, precisa poder assumir sua nova vida sem ser rotulado e discriminado. Eventual prejuízo a terceiro, deve ser alegado em processo próprio, sem que o transexual tenha que levar para o resto da vida a marca de seu passado que tanto o fez sofrer.

Todos os direitos inerentes ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como o de ter uma vida normal, integrada a sociedade, como direito a se casar, direitos relativos à filiação e principalmente o direito de ter um trabalho digno, precisam e devem ser garantidos. Todo ser humano tem de ter garantida sua liberdade de buscar a própria felicidade, sendo da forma como escolheu, exatamente como todos aqueles considerados normais querem e merecem ser felizes.

  1. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO TRABALHO DIGNO

Após entendermos sobre os diversos aspectos da sexualidade na sociedade humana, é necessário pontuar sobre a noção de trabalho e seu desenvolvimento no Brasil.

De acordo o sociólogo Karl Marx (1985), o conceito de trabalho é a “atividade sobre a qual o ser humano emprega a sua força para produzir os meios para o seu sustento”, conforme a Constituição Federal de 1988, que dispõe em seu artigo 6º, caput, que versa sobre os direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados”, nota-se que para edificarmos a maior parte desses direitos sociais é necessário que o indivíduo esteja inserido em alguma atividade econômica, ocasionada pelo trabalho.

  O trabalho é elemento capaz de integrar e dignificar o ser humano em sociedade, pois estabelece modos de viver, hábitos, deveres e direitos. No exercício do trabalho, o ser humano pode encontrar sentido para a vida e para a realização de suas aspirações.

As normas internacionais do trabalho estabelecidas pela OIT, reconhecedoras da promoção dos direitos fundamentais do trabalho, guardam pertinência com a Declaração dos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe em seu artigo 23 que “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera trabalho digno aquele executado em condições de liberdade, equidade e dignidade. Para a OIT, o conceito de trabalho digno, resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho, proteção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens. (OIT, 2010)

A inclusão social das pessoas transexuais no mercado de trabalho brasileiro é centro de debates tendo em vista que a Constituição de 1988 assegura a igualdade entre as pessoas e a proibição de discriminação entre os trabalhadores. Desta forma, seria necessário políticas públicas para proporcionar a inserção dessas pessoas em empresas privadas e sociedades de economia mista, fora a base para a qualificação necessária para a profissão que essas pessoas almejam, a efetivação dos direitos fundamentais das pessoas transexuais, e consequentemente, a diretriz constitucional de inclusão social.

    Tendo em vista que o documento de identidade e a carteira de trabalho são itens essenciais na contratação de qualquer empregado, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, dispõe em seu artigo 13º, caput:

A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em carácter temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada.

Toda pessoa, independente da sua identidade de gênero e da sua orientação sexual, tem o direito e a garantia fundamental de ter os seus direitos respeitados e preservados, pelo Estado Democrático de Direito, este princípio corresponde a Dignidade da Pessoa Humana, que versa sobre principalmente os direitos individuais e coletivos e os direitos sociais e está fundamentado na Constituição Federal de 1988, que dispõe em artigo 6º, inciso III:

Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

A previsão do fundamento no primeiro artigo da Constituição, reforça a ideia de que a dignidade da pessoa humana e o respeito aos direitos fundamentais são a base orientadora das ações do Estado, da interpretação e da aplicação das leis, sendo assim é de extrema importância o amparo do Estado na inclusão social das pessoas transexuais e na facilitação e promoção na inserção no mercado de trabalho, em respeito a este princípio basilar da Carta Magna.

Dessa forma, podemos observar que na Declaração Universal dos Diretos Humanos, está fundamentado no primeiro artigo que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espirito de fraternidade”, mais uma vez, podemos observar que a dignidade da pessoa humana é essencial para todo e qualquer indivíduo, independente do gênero no qual ele se enquadra, os direitos devem ser respeitados pelo Estado Democrático de Direito e também por todas as pessoas que estão inseridas nesse Estado.

É notório que essas pessoas encontram dificuldade para conseguir um emprego porque o nome social não está inserido nessas documentações gerando assim situações vexatórias e o desemprego eminente.

    Segundo Nelson Nery Junior (2017) dar tratamento isonômico às partes corresponde, “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”, haja vista que a proteção deve ser maior para grupos historicamente e socialmente vulneráveis como mulheres, negros, e pessoas transexuais.

Necessário discorrer sobre o tratamento diferenciado dado à mulher empregada em determinados trabalhos específicos, este tratamento não ofende a Constituição, pelo contrário, coloca a mulher em condição de igualdade com o homem no mercado de trabalho.

Existe uma outra corrente de operadores do direito que defendem que a proteção especial dada à mulher legitima a visão estereotipada do “sexo frágil”. Segundo essa corrente, eles reafirmam o texto constitucional que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (Art. 5º, I e 7º, XXX da Constituição Federal de 1988), por isso, equivocadamente, há quem defenda que não há que se falar em algumas “concessões” específicas à mulher, sob pena de incorrer em ofensa ao princípio da igualdade.

Diante do exposto, em detrimento ao princípio da isonomia, compreende-se que há necessidade de executar as normas de proteção ao trabalho da mulher às pessoas transexuais. Nas quais, essas normas foram historicamente conquistadas, como forma de propiciar a sua inclusão e manutenção no mercado de trabalho, levando-se em consideração aspectos biológicos e sociais vivenciados até hoje.

Tendo em vista que a mulher transexual parece merecer o mesmo tratamento especial e proteção destinado as mulheres cisgênero, que está exposto desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, no Capitulo III, que versa sobre a proteção ao trabalho da mulher, com o fim específico de coibir discriminações, preconceitos, situações vexatórias, e corroborar com a inserção de todas as mulheres no mercado de trabalho levando em conta suas características sociais e biológicas.

O Código Civil de 2002, dispõe em seu artigo 16º, caput, que versa sobre os direitos da personalidade, toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

De acordo com Maria Helena Diniz (2017):

O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade: daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente.

Observamos que com a promulgação da lei 13.484/17 que dispõe sobre as alterações que poderão ser feitas sem a obrigatoriedade da comprovação da cirurgia de mudança de sexo ou de decisão judicial, o pedido poderá ser realizado por meio do ofício do Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN), essa troca ocorrerá nos cartórios de registro de nascimento ou em outro cartório com requerimento encaminhado ao cartório de origem, por via administrativa.

Para as pessoas transgêneros que não possuem condições financeiras, existe a possibilidade da gratuidade do serviço a partir da comprovação de baixa renda, após preenchido o requerimento de uma declaração diretamente no cartório, sem que haja a necessidade de recorrer a outro órgão público (defensoria pública).

Os documentos necessários para a obtenção desse direito, sendo eles:

  • Certidão de nascimento,
  • Certidão de casamento (caso possua)
  • Registro de identidade civil nacional
  • Passaporte
  • CPF
  • Título de eleitor
  • Comprovante residencial
  • Certidão do distribuidor civil do local de residência,
  • Certidão de distribuidor criminal no local de residência,
  • Certidão de execução criminal
  • Certidão de tabelionatos de protesto de local de residência,
  • Certidão da justiça eleitoral no local de residência
  • Certidão de justiça no trabalho no local de residência
  • Certidão da justiça militar

Para reforçar a lei, o CNJ regulamentou o provimento nº 73/2018 que afirma que não é mais necessária a apresentação de laudos e atestados de transexualidade para a retificação no registro civil, garantia assegurada novamente pelo CNJ. Contudo, a população transexual ainda enfrenta grandes dificuldades na retificação do registro civil em cartório, em detrimento da falta de aprovação nos cartórios, importante ressaltarmos que o direito ao nome social é amparado na legislação internacional de direitos humanos, em especial, o Pacto de San Jose da Costa Rica, que impõe o respeito ao direito ao nome, no seu artigo 18º:

Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário, ao reconhecimento da personalidade jurídica liberdade pessoal e a honra a dignidade.

Sabemos que na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002 é assegurado o direito a alteração do nome e da identidade de gênero, existem decisões oriundas de partidos e políticos conservadores que insistem em rejeitar esse direito de todos os cidadãos. Imputando o princípio da imutabilidade relativa[7] do nome que não chancela qualquer pretensão do transgênero à mudança. Mas o tradicional princípio da indisponibilidade do estado[8] das pessoas não pode ser um obstáculo à mudança de sexo no registro civil. Não se trata de desestruturar o sistema, mas de adequar a complexidade da ordem jurídica à complexidade da ordem natural.

Importante destacarmos que antes da Lei 13.484/17 já se promulgava a Lei                    nº 6.015, de 31 de Dezembro de 1973 dos Registros Públicos, que diz respeito ao nome que o prenome é definitivo, mas pode ser substituído. Igualmente é admitida sua alteração, a pedido do interessado, contanto que não prejudique o sobrenome da família.

É com base nessas garantias constitucionais que o transexual tem o direito de fazer a operação de mudança de sexo, bem como, após, deve ter seu registro alterado, para que possa viver de forma integrada e feliz.

O Estado democrático deve ter como princípio básico a tolerância, atentar para a multiplicidade de vontades e respeitar as diferenças. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade que englobam o direito à integridade física e moral, a intimidade, a privacidade e ao próprio corpo, incluindo o direito a orientação sexual, são consagrados pela Constituição Federal, atribuindo ao transexual o direito de viver como quer ser. O Estado deve assegurar o respeito aos seus direitos, bem como promover a felicidade de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

CONCLUSÃO

Com esses breves apontamentos, verificamos que a Lei 13.484/17 e o provimento n.73/18 se fazem essenciais para a inclusão das pessoas transexuais na sociedade civil. Pois através dela, recupera-se a dignidade, fazendo com que o indivíduo possa transitar de maneira licita e cômoda no território nacional, facilitando assim, o ingresso no mercado de trabalho.

A facilitação da troca de nome e de sexo no registro civil é uma forma de dar, à um grupo normalmente excluído na sociedade, menores possibilidades de constrangimento em situações que são requeridos documentos oficiais.

 Entendemos que a retificação do nome e sexo no registro civil visa adequar sua identificação de gênero à sua verdadeira identidade e influirá de forma mais contundente na efetivação da cidadania e dignidade desses grupos, evitando situações vexatórias e garantindo a integridade dos cidadãos.  Faz-se necessário desconstruir o pensamento social em razão do preconceito estrutural destinado para essas pessoas, viabilizando políticas públicas e sociais as quais terão o objetivo de promover a inserção desses grupos minoritários no meio social e eliminar a disseminação do ódio e finalmente dar dignidade para essas pessoas trabalharem de maneira formal.

Toda mudança em favor da justiça e da igualdade começa quando entendemos melhor quem são as outras pessoas, e o que elas vivem, superando mitos e medos. Sem respeito à identidade de cada um(a), não garantimos a cidadania das pessoas e, silenciosamente, calamos sonhos, esperanças, aumentamos os desafios que as pessoas têm de enfrentar na vida. Cada ser humano tem múltiplas formas de vivenciar sua identidade, e isso não muda para as pessoas transgênero: não são todas iguais. A identidade de gênero não esgota a subjetividade de uma pessoa, nem sua subjetividade se restringe ao fato de ser transexual o estado democrático de direito precisa intervir positivamente para finalmente proteger e promover o acesso dessas pessoas em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Consolidação das leis do trabalho (CLT) (1943)

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).

BRASIL. Lei 13.484/17, de 26 de Setembro de 2017. Retificação do registro civil e do sexo nos documentos oficiais de pessoas transexuais.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014

MARX, K.  O Capital: crítica da economia política. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1985a. Livro 1, v.1, t.1. ( Os economistas)

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil.2017

DUDH. DECLARAÇAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, 1948

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: Aula Inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 2006.

GROSSI, M. P. Identidade de Gênero e Sexualidade. Coleção Antropologia em Primeira Mão. PPGAS/UFSC, 1998.

JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de Gênero Conceitos e Termos. Guia técnico sobre transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opiniões. 2ª edição, 2012.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios na Constituição Federal atualizado até 23 de novembro de 2017. 13ª edição. Editora Revista dos Tribunais, 2017

OEA. PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969

OIT. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO,2010

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. 20(2), p. 71-99, 1995

Notas:

[1] Advogada, negra, nascida e criada na Baixada Fluminense, recém-formada em Direito pela Universidade Iguaçu (UNIG). Participei do Projeto “Justiça Negra Luiz Gama” que é responsável pela inserção de jovens juristas negros na advocacia. Atualmente estou escrevendo a dissertação para o mestrado e buscando me inserir cada vez mais na seara acadêmica e principalmente na advocacia trabalhista.

[2] Procedimento cirúrgico por meio do qual se altera o órgão genital da pessoa para criar uma neovagina ou um neofalo. Preferível ao termo antiquado “mudança de sexo”. É importante, para quem se relaciona ou trata com pessoas transexuais, não enfatizar exageradamente o papel dessa cirurgia em sua vida ou no seu processo transexualizador, do qual ela é apenas uma etapa, que pode não ocorrer.

 [3]O nome social corresponde ao nome pelo qual as pessoas transexuais, travestis ou qualquer outro gênero se identificam e preferem ser identificadas cotidianamente, em contraste com o nome oficialmente registrado, que não reflete sua identidade de gênero. A identidade do nome social é vinculada com a identidade civil original.

[4] Crença na heterossexualidade como característica do ser humano “normal”. Desse modo, qualquer pessoa que saia desse padrão é considerada fora da norma, o que justificaria sua marginalização.

[5] Conceito introduzido por uma campanha internacional pela exclusão da transexualidade, da travestilidade e das manifestações de gênero escapam à noção binária homem/mulher da Classificação Diagnóstica e Estatística de Doenças – CID, da Organização Mundial de Saúde, e do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais – DSM, da Associação Psiquiátrica Americana. Em nível nacional, a campanha se estende à reformulação do processo transexualizador no Sistema Único de Saúde, tendo em vista a adoção de uma concepção de saúde que reconheça a pluralidade de identidades de gênero como uma manifestação natural dos seres humanos e que atenda as demandas das pessoas transexuais sem a necessidade de condicionar esse atendimento a um diagnóstico psiquiátrico e/ou psicológico.

[6] Direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.

[7] Este princípio versa sobre a capacidade que tem a pessoa que praticou certo ato, definido como crime, de entender o que está fazendo e de poder determinar se, de acordo com esse entendimento, será ou não legalmente punida relativamente.

[8] Este princípio implícito. Trata-se das sujeições administrativas. As sujeições administrativas são limitações e restrições impostas à Administração com o intuito de evitar que ela atue de forma lesiva aos interesse públicos ou de modo ofensivo aos direitos fundamentais dos administrados.

 

Palavras Chaves

Transexual. Trabalho. Dignidade. Lei 13.484/17. Provimento n.73/18.