A IMPORTÂNCIA DA PROFISSÃO DO MEDIADOR NA SOCIEDADE BRASILEIRA: RECONHECIMENTO E REMUNERAÇÃO

Resumo

Este artigo se destina a refletir acerca da Mediação de Conflitos que é um dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC’s) e tem na sua gênese a promoção de um espaço dialógico, no qual as pessoas envolvidas têm a oportunidade de juntas, construírem uma solução para seus litígios, o que não significa que o processo de diálogo resulte necessariamente em um acordo. Na mediação, os processos de transformação, revisão, troca de posições e pontos de vistas são mais importantes que o acordo. Neste viés, o Mediador é aquele que, através de técnicas específicas, permite o restabelecimento do diálogo. Essa atuação é fundamental para que o método autocomposivo seja eficiente no seu propósito ganha-ganha. É o Mediador quem vai conduzir essa conversa, sem dar solução ou sugestão, apenas fazendo perguntas que sirvam para reflexão para os próprios mediados chegarem nas suas conclusões. O trabalho do Mediador, portanto, é um trabalho de cura social. Com o reconhecimento da função do Mediador como profissão pelo Ministério do Trabalho, em fevereiro de 2021 (CBO 3514-35) é urgente que se faça um projeto único de lei (Lei Federal) com diretriz ao piso salarial mínimo, permitindo que Tribunais Estaduais tenham a competência para formatar as prerrogativas de remuneração, respeitando o orçamento de cada Região e assim garantir que profissional tenha reconhecimento, dignidade e respeito no cumprimento do seu ofício.

Artigo

A IMPORTÂNCIA DA PROFISSÃO DO MEDIADOR NA SOCIEDADE BRASILEIRA: RECONHECIMENTO E REMUNERAÇÃO

Aline Pacheco Patricio Silva [1]

RESUMO

Este artigo se destina a refletir acerca da Mediação de Conflitos que é um dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC’s) e tem na sua gênese a promoção de um espaço dialógico, no qual as pessoas envolvidas têm a oportunidade de juntas, construírem uma solução para seus litígios, o que não significa que o processo de diálogo resulte necessariamente em um acordo. Na mediação, os processos de transformação, revisão, troca de posições e pontos de vistas  são mais importantes que o acordo. Neste viés, o Mediador é aquele que, através de técnicas específicas, permite o restabelecimento do diálogo. Essa atuação é fundamental para que o método autocomposivo seja eficiente no seu propósito ganha-ganha. É o Mediador quem vai conduzir essa conversa, sem dar solução ou sugestão, apenas fazendo perguntas que sirvam para reflexão para os próprios mediados chegarem nas suas conclusões. O trabalho do Mediador, portanto, é um trabalho de cura social. Com o reconhecimento da função do Mediador como profissão pelo Ministério do Trabalho, em fevereiro de 2021 (CBO 3514-35) é urgente que se faça um projeto único de lei (Lei Federal) com diretriz ao piso salarial mínimo, permitindo que Tribunais Estaduais tenham a competência para formatar as prerrogativas de remuneração, respeitando o orçamento de cada Região e assim garantir que  profissional tenha reconhecimento, dignidade e respeito no cumprimento do seu ofício.

Palavras-chave: Mediação de Conflitos. Autocomposição. Mediador. Profissão.

1 Introdução

A Mediação de Conflitos é uma forma humana de execução da justiça. Isto porque privilegia a vontade das pessoas envolvidas em situações conflituosas. A necessidade de mudança de paradigma da sociedade se mostra em crescimento e os resultados têm sido, mesmo que a passos lentos, eficazes. A insatisfação com a morosidade e com a falta de visão ampliada das sentenças judiciais aplicadas fez nascer uma nova forma da sociedade buscar atender suas necessidades.

A II Jornada de Prevenção e solução extrajudicial de litígios é um evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários  vinculado ao Conselho da Justiça Federal que tem por objetivo gerir e disseminar o conhecimento científico, ela aconteceu nos dias 26 e 27 de agosto de 2021 e aprovou enunciados importantes, que sedimentam a potência deste método autocompositivo que é a Mediação.

Os enunciados, na Jornada, têm como finalidade apresentar à comunidade jurídica a natureza doutrinária de temas controvertidos servindo de orientação jurídica para advogados, juízes, promotores, defensores e operadores do direito.

Para se ter uma ideia, a II Jornada alcançou números ainda maiores que na primeira jornada, com 689 proposições de mais de 250 especialistas inscritos. Foram 129 proposições recebidas pela Comissão de Arbitragem, 210 de Mediação, 189 na desjudicialização e 192 na Comissão de novas formas de solução de conflitos e novas tecnologias. Foram, ao total, 143 enunciados aprovados por um quórum qualificado e de forma democrática, conferindo ao ato legitimidade às conclusões alcançadas.

O enunciado 161, por exemplo, traz em sua justificativa a ideia reduzida de acesso à justiça consagrada no Art. 5º da Constituição Federal em seu inciso XXXV, Cláusula pétrea da nossa Carta Magna. Nos convida a refletir sobre o que significa acesso formal à justiça, destinado a garantir direitos fundamentais e prevenção pacífica de controvérsias. Diz que não há dispositivo legal que que englobe toda a extensão e magnitude de acesso à justiça que deve ser entendida de maneira ampla e multiportas. Traz que o acesso à justiça de 1988 não se aplica no Brasil contemporâneo e propõe a consolidação dos Métodos Adequados de Soluções de Litígios sedimentando o direito de acesso amplo (e ampliado) à justiça.

O enunciado 168, por sua vez nos presenteia com o entendimento de que os métodos autocompositivos são possíveis mesmo em situações com sentença transitada em julgado. Esse enunciado mostra a potência dos métodos como meio adequado para, inclusive, alterar decisão que não cabe recurso processual e nos coloca diante a constatação nua e crua de que a sentença põe fim ao processo, mas não dá fim ao conflito, possibilitando às partes imediatamente atingidas pela sentença processual que decidam com autonomia e protagonismo qual solução melhor lhes atende.

Sendo assim, dentro todos os enunciados aprovados, mister o engajamento social na busca dos seus direitos de maneira ampliada, bem como o comprometimento da comunidade jurídica em proporcionar às pessoas oportunidades autocompositivas.

Todo este viés que aos poucos vem se consagrando na sociedade civil vem a corroborar com a importância da profissão do mediador e na necessidade da sua dignificação remuneratória após o ofício ter sido reconhecido como profissão pelo Ministério do Trabalho. Através da mediação a sociedade encontra liberdade, autonomia e emancipação, sendo então o mediador, o meio da pacificação e cura do tecido social.

2 Da Contextualização do Método

Para iniciarmos este artigo é importante contextualizar as MASC’S (Métodos Adequados de Solução de Conflitos) no tempo e no espaço. Muito antes da estatização do conflito, os métodos consensuais já existiam. Quando, porém, o Estado tomou para si o monopólio da jurisdição estas formas perderam espaço criando a cultura da litigiosidade. Com o passar do tempo elas ressurgem, incentivadas pelo próprio Estado que percebeu sua incapacidade em prestar uma jurisdição rápida e a contento da sociedade, buscando então por soluções que “desjudicializassem” os conflitos.

A conciliação, por exemplo, já era prevista na Constituição de 1824 realizadas, na época, pelos chamados “juízes de paz”. A arbitragem, prevista no Decreto n. 737 e no Código Comercial, ambos de 1850 e, depois, no Código Civil de 1916 e no Código de Processo Civil de 1939.

Os Juizados de Pequenas Causas consagraram a conciliação através da Lei n. 7244/84 que depois foi substituída pela Lei n. 9099/95 e incrementada com os Juizados Cíveis e Criminais (crimes de menor potencial ofensivo) e ainda os Juizados Especiais Federais consagrados pela Lei 10.259/01.

A arbitragem chegou como método extrajudicial de solução de conflitos com a Lei n. 9307/96. Tanto os Juizados Especiais (em níveis Estadual e Federal) quanto a arbitragem socorreram o Poder Judiciário de uma enorme demanda que o Poder Público já não estava dando conta.

No âmbito do Direito do Trabalho, foram criadas Comissões de Conciliação Prévia, em 2000 através da Lei n. 9958. Ocorre que mesmo após consagração do acordo nas Comissões, os empregados ingressavam no Poder Judiciário com ação trabalhista. Os juízes entenderam não poder afastar do hipossuficiente a tutela Jurisdicional e assim essas comissões caíram em desuso. Tentou-se ainda fazer da Arbitragem um meio de solução extrajudicial, uma saída nas questões trabalhistas e na mesma linha, foram desqualificadas pelos juízes, perdendo então o sentido na manutenção do método.

Ainda no ano 2000, o mundo se movimentava para outros olhares. Era necessária a discussão da paz e da não violência, assim como as questões ambientais e de igualdade social em vários níveis como racial, sexual, de gênero, etc.

Em Paris, no dia 04 de março de 1999, foi aberto para assinatura do público em geral o “Manifesto 2000” (ONU, 2000) que se prestava a promover uma cultura de Paz e Não Violência para o próximo milênio, por ocasião das celebrações dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Escrito por um grupo de Prêmios Nobel da Paz no intuito de criar um senso de responsabilidade individual, colocar em prática valores, atitudes e formas de conduta que inspirassem uma cultura da paz. Eles vinham escrevendo juntos, anos antes do lançamento, algo que acreditavam fazer sentido para o Século XXI. Uma vez divulgado, a tentativa foi que os cidadãos pudessem contribuir com este objetivo adotando novas posturas de tolerância, de diálogo, de reconciliação, de não violência, de justiça e de solidariedade em atitudes do dia a dia dentro de suas casas, nos seus bairros, nos seus condomínios, nas suas cidades e Regiões. O “Manifesto 2000” teve mais de 100 milhões de assinaturas.

A UNESCO foi responsável pela distribuição do “Manifesto 2000” pelo mundo afora e lançou um apelo a todas as organizações, associações e governos no sentido de cooperarem. As escolas, universidades e associações que trabalham em articulação com a UNESCO no dia-a-dia, bem como junto a outras organizações das Nações Unidas, se mobilizaram para distribuir o “Manifesto 2000”; além disso, contou com a participação e o apoio de personalidades políticas, intelectuais e artísticas: prefeitos, membros de parlamento, jornalistas, músicos, diretores cinematográficos, cientistas e representantes de organizações religiosas e militares do mundo inteiro (ONU, 2000).

Como se vê, a cultura da paz já estava sendo pensada no mundo há bastante tempo antes da promulgação do “Manifesto 2000”. O Brasil, como país signatário das Nações Unidas não poderia deixar de participar ativamente desta proposta mundial.

Em 2004, a Secretaria da Reforma do Judiciário, órgão do Ministério da Justiça, apresentou um mapeamento de todos os recursos materiais e humanos existentes até então no Poder Judiciário do Brasil, este documento serviu de base para que no mesmo ano surgisse um “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e Republicano”, pois os três Poderes da República reconheceram as deficiências existentes e se comprometeram perante a nação em tornar o judiciário mais ágil, eficiente e humano.

Porém, somente em 2010 (10 anos depois), foi editada a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, trazendo uma nova política nacional de justiça com base nos Métodos Adequados de Resolução de Conflitos, as MASC’s, com ênfase na Mediação de Conflitos.

3 Da Profissão de Mediador como meio de difusão da paz e transformação social

Atualmente, para ser um mediador judicial, a pessoa deverá ser capaz, graduada há pelo menos dois anos em qualquer curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. Já a formação de mediadores extrajudiciais se dá por Instituições habilitadas e reconhecidas pelo CNJ, sem a necessidade de reconhecimento pelo MEC – Ministério da Educação. A formação pode variar entre 6 meses e 1 ano e meio, dependendo da Instituição, sendo obrigatório pelo menos 80h de parte teórica e 40h de parte prática (BRASIL, 2015b).

O mediador é um terceiro imparcial que não dá sugestão, nem solução para uma situação de conflito. Ele é um meio de facilitação do processo dialógico entre pessoas que, com técnicas aprendidas, consegue restabelecer o diálogo e se possível, conseguir o acordo.

Veja que a posição aqui adotada não é a obrigatoriedade da obtenção do acordo e sim do diálogo. Independentemente do tipo (escola) de mediação praticada, seja ela a Narrativa, de Harvard ou Transformativa, o intuito é o restabelecimento do diálogo. Fixar no desejo absoluto de se conseguir o acordo pelo acordo foge à natureza da mediação. Para isto se busca por outros métodos de solução de conflitos, como a Conciliação, por exemplo. Karl Popper diz que “a boa mediação é aquela que possibilita às partes enxergar pontos de contato em suas posições”, “que uma discussão proveitosa é quando os participantes são capazes de com ela aprender” e, ainda, “que quanto mais interessantes e difíceis tenham sido as questões levantadas, mais induzidas foram as pessoas a pensar respostas novas; mais abaladas terão sido nas suas opiniões porque foram levados a ver essas questões de forma diferente após a discussão”. (POPPER, 2009, p. 58).

Entendido que a mediação é um método voltado totalmente para o restabelecimento do diálogo, entendemos o porquê do mediador poder ser identificado como um terceiro, meio, pacificador. Aí, então, voltamos às reflexões iniciais deste artigo, quando vinculamos os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC’s) – em especial a mediação –, às novas maneiras de atender às necessidades humanas sem que haja necessidade de litígio, enaltecendo a cultura da paz.

Como bem pontuou o Professor Kazuo Watanabe (2011), é hora de mudança de paradigmas sociais trocando a cultura da sentença pela cultura da pacificação dos conflitos. É fato que a Mediação, assim como outros métodos, surgiu para desatravancar o Judiciário. Temos nós, em mãos então, a possibilidade de retirar a mediação deste estigma reduzido de olhar (garantir o acordo) e conceituá-la e elevá-la para além disto. Merecido é o condão pacificador deste rico processo dialógico transformador. Marshall B. Rosenberg (2006) em seu livro “Comunicação não Violenta” diz que por trás de toda manifestação violenta existe uma necessidade não atendida. Nesta linha podemos afirmar que em métodos heterocompositivos, alguém no conflito sairá com suas necessidades não atendidas. Já, após o processo de transformação pelo qual passam as pessoas na mediação, se o acordo houver, todos sairão com suas necessidades atendidas e com isso, então podemos dizer que chegamos no que vem sendo chamado de processo “ganha-ganha”.

Logo, prima-se pela capacidade de afetar e ser afetado; pela mudança de posicionamento e de paradigma. Para tanto, algumas questões podem ser levantadas para que este objetivo seja alcançado. Sair do papel da “vítima x culpado” e trazer a responsabilidade, autonomia e a emancipação como cerne da questão.

Observar sem julgar também é um exercício de transformação na busca da comunicação não violenta porque através desta proposta, reconhecemos em nós o quão vasto e poderoso é o pensamento ilusório (julgador). Ele é baseado nas construções e experiências individuais, ou seja, aquilo que intitulamos de “certo x errado” e por isto, o pensamento ilusório pode ser devastador. Através dele, impomos uma verdade a nós próprios, aos outros e às situações; um olhar quase míope do que realmente ocorre e se passa em situações de conflitos, quando outras partes também carregam as suas verdades.

O pensamento ilusório é criado com base nos nossas experiências, nossos julgamentos e não traduz a real situação, sempre escalando o conflito. Como o pensamento ilusório tem força, as pessoas em geral, passam a se agarrar às suas verdades, sem dar abertura aos demais modos de se observar as mesmas questões.

Neste sentido, Tânia Almeida enfatiza que em uma mediação é importante evitar os julgamentos, ela coloca que:

[…] em diálogos ricos e produtivos trata-se bem o outro e com severidade e seriedade as questões, neles os pontos de vistas são apresentados ou complementados, sem a intenção de comparar a qualidade destas contribuições que aportam, não havendo a intenção de desqualificar o interlocutor. (ALMEIDA, 2016, p.142).

Sendo assim, tudo é considerado pelo Mediador, mesmo que seja ilusório. Nada do que é dito pelas partes é desqualificado até que os próprios mediados passem a desqualificar seus próprios posicionamentos anteriores por perceberem ser um pensamento ilusório eivado de julgamento. Isto é muito interessante porque a pessoa que carrega sua verdade, seu pensamento ilusório tende a desqualificar o modo de entender do outro, então essa observação da Professora Tânia Almeida (2016) é muito importante e deve ser considerada enquanto método humano.

Com o olhar na cura do tecido social, ao mediador é dado o lugar do “não saber”. Juan Carlos Vezzulla (2003, pp. 113-121) traz a reflexão acerca do posicionamento do mediador no seu artigo “Ser Mediador”. Para ele é fundamental que o mediador entenda que os protagonistas deste processo são as pessoas.

Ao mediador cabe nada saber. Ao mediador não é dado qualquer título, tão pouco de “especialista”. Todos procuram médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos com intuito de terem laudos, receitas, solução especializada para qualquer questão. Quando procuram um mediador é para que ele apenas restabeleça o diálogo e não defina ou determine o que vai ser dito, isto cabe somente às pessoas envolvidas no conflito. Por isto ele não pode mesmo saber de nada, ser especialista em nada, porque as pessoas que são especialistas nos seus conflitos pois elas mesmas os criaram.

Este lugar de “não saber” é desafiador para nós, nascidos e criados em uma sociedade juidaco-cristã, na qual a presença de um cenário paternalista favorece o discurso da vitimização, do julgamento, clamando, quase que instantaneamente por uma solução heterocompositva, por “alguém que decida por mim”, pelo Estado interventor que sabe mais de mim que eu mesmo. Esse posicionamento nos afasta da autorresponsabilidade e leva ao outro ou ao terceiro o rótulo de “culpado” ou “salvador”, respectivamente.

Nesse diapasão, o trabalho do mediador é trazer a consciência da emancipação e da autorresponsabilidade. É curar as pessoas da vitimização e do ranço que é depender de terceiros para resolver seus próprios problemas, é entregar-lhes a criatividade de solucionar a própria insatisfação. É dar-lhes resiliência ao entender suas capacidades, contribuindo para sua evolução. Ser mediador é, sobretudo, oportunizar às pessoas este espaço seguro de crescimento individual, permitindo que a pessoa extraia dela própria o melhor de si.

Em aula no IMAP – Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal, Juan Carlos Vezzulla (2003) usou uma expressão muito apropriada: “subir à galeria”, que consiste em tentar ver a situação de “cima”; dar uma pausa (quando dá vontade de intervir diretamente na solução dos conflitos alheios, julgar, opinar, dar pitacos). Esta consciência da importância de se dar uma pausa ou “subir à galeria” e permitir-se não saber traz ao Mediador conforto e até mesmo certo alívio. Não é dele a missão de decretar o fim do conflito com solução própria para problema alheio.

O neuropsiquiatra austríaco Viktor E. Frankl (1995) diz que entre o estímulo e a resposta existe um espaço: “neste espaço, está o poder de escolher nossa resposta e em nossa resposta está o nosso crescimento e nossa liberdade”. Dr. Alan Wallace e Dr. Paul Ekman, atendendo a um pedido direto de Dalai Lama, criaram o programa “Cultivating Emocional Balance” – ou em tradução livre, “o cultivo do equilíbrio emocional”. Neste programa, eles chamam o “subir à galeria” de “período refratário”; é o momento em que conseguimos observar nosso corpo, nossas sensações, nossos pensamentos, identificar nossos gatilhos e possíveis impulsos antes de darmos uma resposta reativa instantânea, que por vezes pode ser irretratável.

Por isto, a valorização do período refratário está fortemente ligada ao equilíbrio emocional. O referido programa tem o objetivo de ajudar as pessoas a terem uma relação mais saudável com suas emoções para cultivar uma felicidade genuína. Como se vê, a mediação não se restringe à apenas uma habilidade. Ao mediador cabe muitos saberes até que consiga se colocar no lugar de “não saber”.

Outra característica da mediação que merece ser dita é a multidisciplinariedade. Qualquer pessoa com formação profissional pode ser mediador. Isso traz uma diversidade incrível para a execução do método. Como diz Tânia Almeida (2016), cada profissional acrescenta seu “tempero” para que a mediação não se torne apenas um procedimento “jurídico”. Todos têm, enquanto profissional, o ofício de contribuir com uma sociedade mais justa e igualitária, basta que haja o desejo, o ímpeto, intenção, o propósito dentro do seu coração.

Muitos mediadores hoje são formados pela área Psi. Psicólogos, psicanalistas, terapeutas que estudaram cientificamente comportamento humano e a mente e eles vêm contribuindo muito na mediação. Longe de ser uma sessão de terapia, a mediação é enriquecida quando há olhares múltiplos. Isto serve para os filósofos, sociólogos e demais profissionais que entenderam que o diálogo pode ser uma das formas mais humanas de solução de conflitos.

Sendo assim, não há como não ter no mediador um veículo para a construção da paz e da cura da sociedade. A proposta de que o mediador é um agente de transformação social se dá neste viés e também quando se pensa que a ação do mediador em um conflito específico visa ação restaurativa das relações com visão e perspectiva de futuro.

Dito isto, é importante salientar que para além da formação do mediador, este profissional busca conhecimento contínuo em várias áreas, como negociação, Comunicação Não Violenta, métodos e técnicas de comunicação, escuta, psicologia, psicanálise, neurociência e, claro, o autoconhecimento, premissa básica para qualquer profissional que se dedique ao ser humano.

O Professor Pedro Morais Martins (2020), defende o autoconhecimento como habilidade fundamental do mediador. Em seu artigo intitulado “A importância do autoconhecimento para a função de mediador”, ele reflete acerca da importância do mediador estar consciente de suas emoções e ter entendimento sobre as suas próprias relações interpessoais para, a partir daí, ser capaz de oferecer escuta de qualidade às questões trazidas para mesa de mediação.

Logo, como se vê, não é fácil ser mediador. Mais desafiador ainda é se tornar um mediador e exercer o “não saber”. Confúcio deixou o seguinte legado: “Dê a um homem um peixe e vai alimentá-lo por um dia. Ensine um homem a pescar e vai alimentá-lo a vida inteira”. É neste sentido que o trabalho do mediador se embasa. Independência, autorresponsabilidade e emancipação.

 

4 Da Necessidade do Consenso – Questões Chave da mediação

Já refletimos quanto a necessidade de tratarmos os conflitos com um olhar humanizado, já vimos também que para ser mediador é necessário aperfeiçoamento constante, porém, nada disso terá efetividade se o Estado, o Poder Judiciário e as Instituições não se debruçarem em preservar a “alma” da mediação.

No artigo de Joseph P. Folger (2017) para o livro “Mediação: uma experiência brasileira”, de Adolfo Braga Neto, ele traça cinco diretrizes cruciais para o sucesso da prática da mediação no Brasil. São elas:

1 – Manutenção das características que definem a mediação e a diferencia de outros processos de gestão de conflitos. São eles: A AUTODETERMINAÇÃO DAS PESSOAS E O POTENCIAL HUMANIZADOR DO DIÁLOGO.

Para Folger (2017), se a mediação não preservar a autodeterminação das pessoas ela passa a ser um método intervencionista permitindo que o mediador avalie, lidere, controle ou determine os resultados e até, em última hipótese, redija o acordo. Da mesma forma, se o potencial humanizador do diálogo for rompido, não há que se falar em conexão humana entre as partes e a mediação acaba perdendo seu principal objetivo que é o restabelecimento do diálogo, a manutenção das relações e a construção do projeto futuro.

2 – Treinamento e processos de certificação são determinantes para manterem vivas as características da mediação citadas acima. Estes treinamentos devem perseguir rigorosamente os preceitos da autodeterminação das pessoas e o potencial humanizador do diálogo. As certificações, por sua vez, têm de englobar parte teórica e prática nas quais o mediador possa compreender seus pontos fortes e fracos e corrigir sua atuação a fim de preservar as características norteadoras da mediação.

3 – Judiciário alinhado com as características inatas da mediação. Sem que o Judiciário reconheça a especificidade do Método da mediação e respeite suas características, há o risco dos mediadores conduzirem uma prática não autorizada por lei, de haver uma confusão entre mediação e arbitragem trazendo riscos ao resultado da mediação.

4 – Processos de monitoramento e avaliação pelo Judiciário e em outros contextos institucionais é parte importantíssima na busca do correto exercício da mediação com base nas características chaves. Isso ajuda gestores e agentes públicos a adotarem uma abordagem mais construtiva ao lidar com os conflitos.

5 – Pesquisa avaliativa dos programas de mediação com base no apoio que o mediador oferece à autodeterminação são mais efetivos para que a mediação exerça o seu papel transformador. Avaliar os programas de mediação com base em acordos foge totalmente do que buscamos na mediação e ao seu propósito enquanto método.

Essas diretrizes traçadas por Folger (2017) foram muito felizes porque muitas pessoas não conhecem a mediação ou simplesmente não acreditam nela. Esse comportamento é visto nas mediações judiciais, muitas vezes por parte dos advogados que ainda têm a visão de serem operadores do processo e não do Direito e fora da esfera judicial, na sociedade civil de maneira geral. Em grupos de conversas, nunca se ouviu levantar a possibilidade de mediar algum conflito antes de pensar em procurar o Poder Judiciário.

Há, portanto, de se preservar e divulgar a mediação enquanto método pautado na autodeterminação das pessoas e no potencial humanizador do diálogo. É preciso que os órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, bem como ele próprio, mostrem a mediação como alternativa pacificadora eficaz no atendimento das necessidades humanas. É preciso dar valor ao grande esforço do mediador em querer construir pontes e não muros. Em tempos de pandemia, os profissionais do Brasil e do mundo uniram-se em grandes debates e estudos e há uma discrepância no tratamento da mediação dentro e fora do Brasil.

O Brasil enquanto nação membro da ONU – Organizações das Nações Unidas, tem o dever de não só divulgar a mediação como método eficaz e humanizado de solução de conflitos como deveria promover ações públicas de incentivo em diversas instâncias, ajudando a disseminar a mediação até que ela se torne um hábito, bem como dignificar a profissão de mediador- que até o presente momento (Novembro de 2021) – não possui sequer uma paridade salarial nos 26 Estados Brasileiros e no Distrito Federal. Há Estados no Brasil em que os mediadores não são remunerados e em outros recebem R$ 10,00 (dez reais!!!) por sessão de mediação realizada.

Como então dar eficácia ao “Manifesto 2000” (ONU, 2000), citado no início do artigo? já se passaram 21 anos e, em nível de promoção dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos como veículo da promoção da cultura da paz, muito pouco foi feito. Não adianta que este esforço seja benéfico para poucos grupos de mediadores interessados no assunto que se reúnem semanalmente para discutir sobre mediação. É preciso que se faça notícia. Que seja falado nos meios de comunicação sobre a grande contribuição que a mediação vem trazendo na busca da estabilidade das relações sociais.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) órgão criado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pela Resolução n. 23/2011 (RIO DE JANEIRO, 2011), Colegiado Administrativo vinculado à Presidência do Tribunal de Justiça, é responsável pela proposição de iniciativas que estimulem e viabilizem práticas autocompositivas, nos moldes da Resolução CNJ n. 125/2010 (BRASIL, 2010).

Em relatório do biênio exposto no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2021b), vimos que o NUPEMEC em dois anos fez muitas ações para promoção e divulgação dos Métodos, em especial da mediação. Para o incremento da resolução alternativa de conflitos, desenvolveram um projeto estratégico, além de várias outras ações que abordaremos a seguir.

  1. Elaboração de normas regulamentadoras voltadas ao desenvolvimento da Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estabelecida pela Resolução CNJ n. 125/2010. Com o objetivo de atualizar as normativas voltadas para a efetivação da Política Pública o NUPEMEC elaborou minuta que culminou na aprovação pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro da RESOLUÇÃO TJ/OE/RJ Nº 02/2020, que consolidou o Plano Estadual de Autocomposição, reorganizou o funcionamento do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC);
  2. Projeto Estratégico de Aprimoramento dos Mecanismos de Mediação e dos Métodos Consensuais de Solução de Conflitos. Este projeto propõe o mapeamento dos processos de trabalho para apoio às atividades de mediação e de conciliação, garantindo maior presteza na entrega de resultados às demandas apresentadas, contribuindo para a pacificação social;

Nos anos de 2019/2020, foram realizadas várias ações do Projeto Estratégico, quais sejam:

  • Reestruturação e revisão dos atos normativos de regulamentação do funcionamento do NUPEMEC, dos CEJUSCs e das Casas da Família.
  • Criação de novos CEJUSCs e Casas da Família.
  • Mapeamento dos processos de trabalho das Unidades, CEJUSCs e Casas da Família, e elaboração de fluxos e RADs.
  • Acompanhamento da operação das Unidades e apresentação de relatórios qualitativos e estatísticos.
  • Aprimoramento do Sistema de Gestão de mediadores.
  • Desenvolvimento de funcionalidade para agendamentos das mediações da 2ª instância.
  • Capacitação de mediadores e conciliadores para atendimento as Unidades. Planejamento e implantação de projetos nas áreas: Mediação Comunitária, Mediação Escolar, Oficinas de Convivência, Justiça Restaurativa, Oficinas de Parentalidade e Oficinas de Educação Financeira (RIO DE JANEIRO, 2021b).

Muita gente foi beneficiada com essas ações, ocorre que o Poder Judiciário não divulga de maneira impositiva ou promove os resultados. O trabalho do mediador é um ofício que transforma mas que não é visto, nem dignificado.

No CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, foi oferecido aos mediados o “cantinho das crianças”, lugar destinado ao acolhimento dos filhos enquanto os pais participam da mediação. No CEJUSC regional de Bangu, no âmbito da Casa da Família, foi criado o Grupo de Apoio à Convivência e aos Cuidados Parentais (GACCP), para auxiliar pais e mães em conflitos envolvendo os filhos a lidarem de forma não violenta com suas disputas, acolhendo-os, facilitando a expressão de sentimentos e pensamentos, estimulando a evolução das relações parentais de modo a reduzir tensões e sofrimentos decorrentes dos conflitos vivenciados e possibilitando a emergência de outras maneiras de pensar, sentir e agir, dentro várias outras ações de suporte ao cidadão.

Resultado das Mediações realizadas no TJRJ no biênio 2019/2020

2019 – ESTATÍSTICA CEJUSCs

MEDIAÇÕES REALIZADAS: 10.698 (67%)
MEDIAÇÕES NÃO REALIZADAS: 5.158 (33%)
Total de mediações: 15.856 (100%)

MEDIAÇÕES REALIZADAS % (aproximado)
Realizadas sem acordo: 4.665 (44%)
Realizadas com acordo: 3.556 (33%)
Em andamento: 2.477 (23%)
Total de mediações: 10.698 (100%)

Fonte: RIO DE JANEIRO, 2021b, pp. 20 e 16.

Resultado das Mediações realizadas no TJRJ no biênio 2019/2020

2020 – ESTATÍSTICA CEJUSCs

MEDIAÇÕES REALIZADAS: 3.797 (70%)
MEDIAÇÕES NÃO REALIZADAS: 1.610 (30%)
Total de mediações: 5.407 (100%)

MEDIAÇÕES REALIZADAS % (aproximado)
Realizadas sem acordo: 1.396 (37%)
Realizadas com acordo: 1.079 (28%)
Em andamento: 1.320 (35%)
Total: 3.797 (100%)

MEDIAÇÕES NÃO REALIZADAS % (aproximado)
Adiada por paralisação nos serviços: 158 (10%)
Adiada antecipadamente: 104 (6%)
Outros motivos (ausência das partes,…): 1.348 (84%)
Total: 1.610 (100%)

Fonte: RIO DE JANEIRO, 2021b, pp. 20 e 16.

Como se vê já foram feitas algumas ações importantes, porém, muito ainda se tem a fazer.

Com isto, vemos que todo este trabalho feito pelo Poder Público acima exposto amplia o resultado benéfico das MASCs levando às pessoas que não têm condições financeiras de pagar por uma mediação extrajudicial a terem uma experiência tão transformadora quanto, dentro do Poder Judiciário.

Dito isto, passaremos a falar de remuneração.

5 Da Dignidade do Mediador

O Brasil é um país enorme, com demandas dos mais diversos tipos. Necessidades desassistidas, pessoas em situação de vulnerabilidade, desamparo. Por certo que todas as questões não possam ser atendidas de pronto, mas certamente as pequenas e contínuas ações já iniciadas podem diminuir em muito o sofrimento das pessoas.

Como já colocado, é notória a importância e a necessidade do trabalho do Mediador na contribuição de uma sociedade mais pacífica, independente e emocionalmente mais forte. Mas e a remuneração? Os mediadores são remunerados?

Eles não têm uma regulamentação única de paridade salarial no Brasil. Em alguns Estados são remunerados com dignidade e em muitos não. A grande maioria ainda presta serviço de forma voluntária e não há um Conselho regulador. O que existe é um Conselho das Instituições (privadas) de Mediação e Arbitragem, chamado de CONIMA, que tem como objetivo principal congregar e representar as entidades de mediação e arbitragem, visando a excelência de sua atuação e o desenvolvimento e credibilidade dos MESCs (Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias).

Por que é importante dizer isto? Porque um mediador no Sul não recebe o mesmo valor que o mediador da Bahia pelo mesmo trabalho e tempo prestado/dispensado.

A Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2010), o Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a) e a Lei de Mediação (BRASIL, 2015b) consistem nos principais diplomas que regulamentam e incentivam o uso da mediação pelos tribunais do País, enquanto política pública. Esses normativos, em sua totalidade, estabelecem a necessidade de remuneração dos conciliadores e mediadores judiciais.

O art. 12, §5º, da Resolução n. 125/2010 do CNJ, assim dispõe:

  • 5º Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, do Novo Código de Processo Civil, o conciliador e o mediador receberão, pelo seu trabalho, remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pela Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania ad referendum¹ do plenário. (Incluído pela Emenda n. 2, de 8/3/2016).

Já o CPC prevê que o tribunal poderá criar quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público, ou então que os referidos auxiliares da justiça deverão receber remuneração pelo seu trabalho de acordo com tabela fixada pelo tribunal:

Art. 167, §6º. O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo.

Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, §6º, o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho, remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

(1ª Parte das atribuições conferidas à extinta Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania foram absorvidas pela Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos, nos termos da Resolução n. 296, de 19 de setembro de 2019, do CNJ, publicada no DJe/CNJ n. 213, de 9/10/2019, p. 2-5.)

5.1 Remuneração dos mediadores e dos conciliadores judiciais

Na Lei de Mediação (BRASIL, 2015b), o tema da remuneração dos mediadores judiciais está previsto no art. 13: “Art. 13. A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no §2º do art. 4º desta Lei”.

Como se observa, a remuneração dos conciliadores e mediadores judiciais foi tratada em todas as legislações, deixando evidente a sua importância para os profissionais que possuem a devida capacitação. Contudo, além de haver discrepância na forma de regulamentação levada a efeito pelos tribunais, algumas Cortes ainda não regulamentaram ou definiram a forma de pagamento dos referidos auxiliares da justiça, ou seja, cada Estado está autorizado a fazer da forma que quiser. O problema disso é que nem os Tribunais nem os Estados querem destinar parte do seu orçamento para remunerar os mediadores e os conciliadores. Este custo então deveria ser repassado às partes que em sua maioria pedem assistência judiciária gratuita e, neste caso, o mediador também não pode cobrar (BRASIL, 2010).

Resta a mediação extrajudicial, que é benefício de poucos, limitando muito o alcance do resultado social que se almeja com o exercício da profissão. Seria então a mediação um benefício apenas daqueles que podem pagar?

Não é essa a intenção. Porém, os mediadores, assim como qualquer outro profissional, não podem trabalhar de graça. Precisamos encarar essa questão com muita seriedade para que a mediação e não se esvazie e acabe por desaparecer. Temos agora esta oportunidade de mudar o paradigma da sentença. Muito embora as próximas gerações já venham dispostas a colaborar para uma sociedade menos litigante é neste momento que o movimento a favor dos Métodos Adequados pode ganhar força.

Importante mencionar ainda, que a mediação privada ou extrajudicial também depende diretamente para se desenvolver e ganhar força da qualidade da mediação praticada no Judiciário. Isso porque, sendo o Poder Judiciário, até o momento, a principal porta de entrada dos conflitos, a maioria dos cidadãos apenas irá conhecer os métodos consensuais de solução, através dele, sendo que, caso sejam mal atendidos no serviço, não recebendo as informações ou tratamento adequados, dificilmente irão procurar por eles em outro lugar.

Assim, incentivar a remuneração digna de conciliadores e mediadores judiciais, que tem como consequência direta, sua formação adequada e a qualidade do serviço prestado, da mesma forma que o estímulo ao uso dos métodos consensuais de solução de conflitos, conforme previsto no art. 3º do CPC, é dever de todos: magistrados, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público e cidadãos (LAGRASTA, 2021).

O desafio está em se criar uma Lei Federal que permita que os Tribunais Estaduais destinem parte do seu orçamento ao pagamento dos mediadores respeitando um valor mínimo justo definido previamente por esta Lei, para que não haja discrepância de tratamentos na remuneração de mediadores. Neste caso, não se poderia falar em interferência entre os Poderes, pois a Lei Federal daria apenas uma diretriz e lançaria um valor mínimo digno aos mediadores, ficando a cargo dos Estados a definição do valor final, respeitando as especificidades de cada orçamento.

Muitos casos que chegam ao Poder Judiciário são de Justiça Gratuita e por isso não é possível onerar as partes que já se eximiram das custas. Nestes casos, os mediadores trabalham gratuitamente. Muitos Tribunais ensejam passar esse custo integralmente para as partes, outros dividem e ainda alguns sequer pagam.

Sabendo que o trabalho do mediador alivia a carga judicial, nada mais apropriado do que se dignifique este profissional.

6 Conclusão

Na esteira do movimento mundial para promoção da cultura da paz, os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos se mostram eficientes. A mediação, em especial, abriu uma nova possibilidade de atendimento das necessidades humanas em consonância com o exercício do direito de liberdade de escolha. Abriu-se então uma nova perspectiva de exercício das ciências jurídicas e sociais de forma que as partes saem satisfeitas mutuamente. A cultura do litígio começa a ser transformada e por consequência, a sociedade também.

Esta é uma realidade que está crescendo a cada dia por estarmos formando cada vez mais mediadores, conciliadores, negociadores e advogados colaborativos hábeis a exercer esses papéis. Cada profissional que é despertado para se tornar um curador do tecido social traz sua expertise das áreas regressas, enriquecendo o método.

A formação do mediador é contínua e multidisciplinar. Não é só o saber jurídico que importa e sim, o saber humano. Direito, Sociologia, Psicologia, Medicina, Administração, Economia, Neurociência, Filosofia, Antropologia, História, Pedagogia, enfim, tudo que conversa com o humano abarca a formação de mediador. Isto porque ao mediador cabe ter um olhar amplo, um ouvido aguçado e interessado, uma capacidade de executar perguntas que façam as pessoas refletirem e, a partir de então, transformarem seus posicionamentos para decidirem o que melhor lhes atendem para solução da situação conflituosa. A posição de não saber é desafiadora e exige múltiplos conhecimentos e habilidades.

Ocorre que, infelizmente, por mais que queiramos que o método seja reconhecido e difundido muitas vezes isto não é feito por total falta de conhecimento das pessoas sobre seu poder transformador, há de se dar publicidade ao método e dignidade ao Mediador. É fundamental que esse profissional seja bem remunerado. Não adianta termos políticas públicas que as definam, mas não as dignifiquem. Se a Mediação, no âmbito do Poder Público está sendo realizada dentro do Poder Judiciário, é dele a obrigação de chancelá-la. Ao Poder Legislativo cabe a formatação de uma legislação única e eficiente de que haja uma diretriz para que os Tribunais Estaduais e Federais arquem com um valor mínimo por sessão/hora, pois se trata de mais um servidor/ operador da Justiça. Pode ser também das partes essa obrigação em consonância com o valor atribuído pelo Tribunal. Pode também ser pago pelas partes e em caso de Justiça Gratuita que o valor seja totalmente absorvido pelos Tribunais. Não diferente do árbitro, do Oficial, do Serventuário da Justiça de modo geral. Definir pagamentos de valores irrisórios além de ser aviltante àquele que se dedica a este ofício com amor, é fadar o método ao fracasso. Como dito acima, o extrajudicial necessita do exemplo judicial para se manter, já que é pelo Poder Judiciário que as demandas são colocadas.

Dito isto e, na esperança em ver um futuro promissor para os Métodos Adequados de Solução de Conflitos, em especial para a Mediação, cabe reflexão acerca da importância e da dignidade deste ofício, da necessidade da sociedade buscar pelos métodos autocompositivos em detrimento da via judicial, da importância deste tipo de abordagem e, sobretudo, do quanto ainda teremos de avançar para que este método tão potente não se perca no tempo e no espaço. É necessária a mudança da cultura acerca do litígio, da emancipação social e da saúde emocional da sociedade, só assim poderemos vislumbrar um país melhor para nossas crianças. Alguém tem de fazer esse movimento. Que sejamos nós.

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Notas:

[1]     Advogada formada pela PUC/RS, Pós Graduada em Relações Internacionais na UCAM/RJ, Mediadora Extrajudicial pelo Centro de Mediadores, com capacitação em Mediação Familiar pelo IMAP – Instituto de Mediação de Portugal, Advogada Colaborativa pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas (IBPC),Capacitada em Psicologia Positiva pelo INap- Instituto de Neurolinguística Aplicada/RJ e EUPPA- European Positive Psychology Academy, Associada ao Mediare e ao IBPC, Membro da Comissão de Mediação da OAB-RJ, Barra da Tijuca.

Palavras Chaves

Mediação de Conflitos. Autocomposição. Mediador. Profissão.