A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL APLICADA À ÁREA DE SAÚDE: PERSPECTIVAS E IMPLEMENTAÇÃO EM TEMPOS PANDÊMICOS

Artigo

A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL APLICADA À ÁREA DE SAÚDE: PERSPECTIVAS E IMPLEMENTAÇÃO EM TEMPOS PANDÊMICOS

 

 

MAGDA SANTOS BARISON1

INTRODUÇÃO

 

A contextualização na atualidade da noção e conceito de saúde sistêmica nunca se fez tão premente com o advento da pandemia global causada pela pandemia de COVID-19, que causou até agora mais de 4 milhões de mortes no globo. A possibilidade de infecção pelo novo Coronavírus, totalmente desconhecido da humanidade, gerou uma crise humanitária, econômica, sanitária e até social de proporções gigantescas, a partir de dezembro de 2019.

Para uma adequada apropriação da origem da palavra saúde, podemos aferir que SAÚDE, em português, deriva de salude, vocábulo do século XIII (1204), em espanhol salud (século XI), em italiano salute, e vem do latim salus (salutis), com o significado de salvação, conservação da vida, cura, bem-estar.2,

A ideia de bem-estar pessoal e social relacionados à saúde precisou se adequar aos desafios impostos pela pandemia do Covid-19, questionando paradigmas e posturas tradicionais dos agentes laborais que atuam na sociedade e na área.

A Organização Mundial da Saúde – OMS3 já em 2008 passa a revisar os protocolos de saúde, não só face às descobertas científicas, mas alarga os conceitos de saúde primária para responder aos desafios de um mundo em mudanças, buscando equidade numa cobertura universal da saúde e efetivas políticas públicas, que tem os governos como mediadores das reformas dos Cuidados de Saúde Primários.

Tal mudança de estado das coisas tem um condão de forte impacto nas relações sociais e na forma de condução do processo de resolução do conflito. Compreender o conflito como oportunidade de novas situações e como oportunidade de crescimento global representa uma mudança de atitude e por consequência de comportamento4, vital para a vida em sociedade nos dias de hoje. Retirar o caráter negativo da disputa implica em uma redefinição de leitura deveras significativa, fundamentalmente em tempos de crise global que enfrentamos.

E nesse escopo de desenvolvimento de novas abordagens, de maneira precursora, no final da década de 1970, nos Estados Unidos, o Multidoor Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas) surge dentro da organização judiciária, em razão de uma proposta do professor Frank Sander, objetivando trazer ao Poder Judiciário a função de resolução adequada dos conflitos.

Em síntese, “O Sistema de Múltiplas Portas” objetiva disponibilizar às partes métodos alternativos ao Poder Judiciário para que possam encontrar com mais facilidade uma forma de solução mais adequada ao conflito cerne da demanda. Assim, nota-se que os indivíduos sujeitos de uma demanda vislumbram mais opções, daí o nome múltiplas portas.”5

Vislumbramos uma crescente e galopante judicialização das questões de sáude, que aponta um aumento de 130% do número de demandas judiciais relativas à saúde entre 2008 e 2017, período esse anterior à pandemia de 2019 e que se registra em fevereiro de 2021 um aumento de 31,4% no número de reclamações nos canais de atendimento da Agência Nacional de Saúde – ANS6, certa a necessidade de utilização de meios adequados de resolução de conflitos.

A implementação em sede nacional dessa visão de coisas consolidou-se a partir da definição da Política Pública de tratamento adequado de conflitos através da publicação da Resolução n.º 125 do Conselho Nacional de Justiça em 2010, reafirmando a necessidade de disseminação e aprimoramento da prestação de serviços autocompositivos de qualidade.

Nesse diapasão, o instituto da mediação, criado pela lei n.º 13.140/2015, vem implementar um diverso paradigma, indicando a possibilidade de utilização da negociação assistida por um terceiro imparcial, que não tem poder decisório. O mediador opera para auxiliar os envolvidos em um conflito a restabelecerem o diálogo e refletirem sobre seus reais interesses e a identificarem, em co-autoria, alternativas que contemplem suas necessidades e possibilidades de resolução da contenda.

Portanto, correlacionar a lesão com o interesse prevalente na situação concreta passa a ser rogativo, sendo crucial desenvolver diversas habilidades comunicativas e de não violência que investiguem o pedido aposto, suprindo a real necessidade dos conflitantes, num contexto de colaboração. O discurso unicamente judicatório estimula relacionamentos polarizados, seja na área da saúde, seja em qualquer área: o dever de cooperação é um instituto jurídico que deve ser observado por todos os atores da atual sociedade.

No escopo da saúde mais impregnada está essa premissa: precisamos ponderar que a saúde é direito humano fundamental, garantido pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 em seu artigo 257, interpretando nessa linha os tipos de interesses estruturantes em vista da finalidade da garantia da saúde integral e social de todos os membros da sociedade de forma que todos possam ganhar.

Entretanto, como implementar o uso da mediação na área dos conflitos de saúde nesse contexto face à crise multifacetada imposta pelo Covid-19? Há alguns exemplos de atuação no Brasil? Qual seria o diferencial teórico que proporcionaria tão profunda transformação no estado dos envolvidos, buscando os profissionais de saúde, pacientes, entre outros entes a colaboração como vetor do deslinde da causa?

Descobrir e construir essas respostas durante a realização desse Trabalho de Conclusão de Curso foi instigante, demonstrando ser crucial a constante capacitação e renovação dos conhecimentos e práticas para o exercício mais multidisciplinar das soluções em saúde. É mister apresentar, frente a estas considerações introdutórias, brevemente, na sessão seguinte, o aporte teórico que assumimos como referência para a sustentação das indagações formuladas.

1.                  APORTE TEÓRICO

A potencialidade de se resolver um conflito por outras formas que não somente o da jurisdição estatal traz inúmeros benefícios aos envolvidos, e o mais importante deles reside na maior adequação do tratamento que cada um dos mecanismos podem proporcionar a resolução da controvérsia, resultando acima de tudo na satisfação mútua.

A melhor doutrina consagra o princípio da adaptabilidade como crucial para aperfeiçoar o procedimento de solução às peculiaridades de cada conflito, cada litígio, abarcado a função

de garantir um verdadeiro e efetivo acesso à Justiça, que busca o meio mais eficiente de compor a disputa, objetivando a verdadeira harmonização social.

A Mediação, como mais um meio de resolução de controvérsias autocompositivo, transcende à solução da controvérsia, dispondo-se a transformar um contexto adversarial em colaborativo. É um processo confidencial e voluntário, onde a responsabilidade das decisões cabe às partes envolvidas.

O caráter voluntário do processo da Mediação garante o poder das partes de administrá- lo, estabelecer diferentes procedimentos e a liberdade de tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo.

Inseridos nessa dinâmica estão os conflitos na área de saúde, que devem ser entendidos no contexto das características peculiares desta modalidade de resolução de conflitos. Assim, há uma postura própria demandada aos envolvidos em conformidade com os objetivos da autocomposição, de maneira a proporcionar a otimização de resultados no processo autocompositivo e consequente satisfação das partes.

Dado o notável crescimento da judicialização das questões de saúde, é natural que os envolvidos na disputa sintam-se incapacitados para a construção de opções de consenso. Estes passam a utilizar somente o debate como única via de comunicação, esquecendo que o diálogo enseja a escuta compreensiva e flexibilização de propostas na construção da solução conjunta. Nesse sentido, ensinamento primoroso de Fernanda Tartuce8 indica a mediação “como mecanismo que permite resgatar a responsabilidade pessoal dos envolvidos na situação conflituosa, a mediação proporciona a eles, logo após a ocorrência do evento danoso, a chance

de se comunicar e avençar sobre como minimizar os efeitos danosos”.

No contexto dos conflitos na área de saúde, lidar com a minimização dos efeitos danosos é fator crucial de atendimento, já que estamos diante de bem jurídico de essencial proteção, qual seja, a vida, a saúde, o bem estar.

Todos os atores que manejam essa realidade estão convidados a ressignificar sua atuação frente aos conflitos, conforme acertadamente aponta Professsora Dr. Dulce Nascimento, em artigo de sua autoria, intitulado “Mediação de conflitos na gestão da saúde (médica, clínica e hospitalar): humanização do direito médico”

Impõe-se a tomada de consciência de que as áreas clínica, médica e hospitalar passaram de uma prestação meramente assistencialista para uma atuação de prestador de serviços, passando a oferecer cuidados secundários (cura e tratamento), assim como terciários (reabilitação e reintegração), para além de ensino (hospital escola), pesquisa e investigação biomédica (cura de doenças raras).

Essa responsabilidade igualmente atinge o(a) advogado(a) do século XXI, que vai mais além do que apenas oferecer “remédios” a seus clientes ou armas processuais, tornando-se “heróis” e/ou “salvadores”. Não é mais possível tal percepção da atuação do(a) advogado(a).

O(a) advogado(a) contemporâneo precisa também saber manusear outras ferramentas, além da via judicial e cautelosamente escolher o tratamento mais adequado a cada caso, sendo ator que participa da mediação assessorando o cliente, estimulando a conciliação e prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.

Da mesma maneira que a Medicina vem adentrando no reforço da importância do conceito de Medicina Preventiva10, precisamos aportar na aplicação do Direito Preventivo, que é uma abordagem proativa da advocacia que enfatiza o papel do advogado como um planejador, no intuito de evitar altos custos de litigância.

Acolher abordagens autocompositivas, por meio da mediação e negociação, para resolução dos conflitos na área de saúde torna-se imperativo num contexto de pandemia da COVID-19, que estreita e acentuada as demandas em saúde, gerando mais e diversos conflitos na sociedade.

  • As peculiaridades dos conflitos de saúde e as ferramentas em mediação.

 

Pauta-se a mediação numa abordagem que, para obtenção de qualidade máxima, necessita uma visão holística e multidisciplinar do conflito. Estamos frente à questões humanas que não podem ser simplesmente polarizadas, exigindo um tratamento sistêmico.

Pessoas em conflito serão sempre pessoas em conflito, independentemente da natureza ou origem do mesmo. Entretanto, importante desvelar algumas peculiaridades dos conflitos de saúde, sabiamente apostas pela Dra. Dulce Nascimento11, que indica a necessidade de revisão dos modelos de gestão de vertical (autoritário/distributivo) para um modelo de gestão matricial (autonomia/restaurativo). Senão vejamos.

Há uma constante oposição entre a atuação médica e a estrutura organizacional administrativa hospitalar ou da Operadora de Saúde que atende ao paciente. Tal situação pode vir a gerar falta de transparência na comunicação, afetando a confiança do paciente, sempre vulnerável.

Portanto, confluir de forma a adequar essas subculturas, conforme ditame da autora, importa em adequar vários modelos de liderança, seja na seara médica e/ou administrativa, para que a gestão do processo de saúde seja sustentável e garantidor do bem jurídico a ser protegido, que é a vida e bem estar do paciente, como pode aferir do parágrafo abaixo transcrito:

De forma generalista, podemos concluir pela existência de duas grandes subculturas, que por vezes se chocam em termos de gestão (8), causando conflitos de interesse e que também podem ser conflitos de status, egos ou mera divergência de pontos de vista sobre o mesmo assunto. A subcultura médica realiza atividades em função do que considera tecnicamente correto, defendendo sempre a autonomia e maior a liberdade de atuação, justificando que as situações não podem ser catalogadas e, em consequência, deixa com frequência de seguir protocolos e padrões. Por outro, a subcultura administrativa, por regra sem conhecimento clínico ou médico, com dificuldade de reconhecer a influência histórica que a subcultura médica exerce no cotidiano de um hospital, tentando fazê-la seguir regras orientadas para o processo de profissionalização, em busca de controle de custos, aumento da produtividade e busca pela qualidade, por meio de padronização das operações, sem a participação prévia daqueles na tomada dessas decisões. 12

Como conclusão, percebemos com clareza a utilidade técnica de concomitância dessas realidades, que, ao utilizar ferramentas e técnicas de solução consensual, vão poder munir-se de elementos colaborativos que vislumbram o consenso e a manutenção de alto padrão de qualidade de atendimento em saúde.

Nesse ponto, não queremos apontar que a mediação sana todos os conflitos, não sendo a “Santo Graal” dos mesmos: ela é uma opção que merece e deve ser conhecida.

Basta uma desvendada em algumas ferramentas aplicáveis ao processo de mediação, que envolvem o uso e aplicação de teorias da comunicação, psicologia social, exercícios para o desenvolvimento de habilidades auto compositivas, teorias de negociação, entre outras, para a criação e disposição de ferramentas de uso na facilitação da construção do consenso.

Compreendemos, que o alargamento da percepção acerca do mapa mental do outro, proporcionado por perguntas baseadas nos passos da comunicação não violenta é ponto nodal  de condução do processo mediativo.

Dessa forma, a comunicação não violenta, consagrada por Marshall Rosenberg, em sua obra “Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, aponta a expressão com autenticidade e honestidade e a atitude empática como fatores fundamentais para o melhor diagnóstico das necessidades desatendidas.

Observar sem julgamento, legitimar os sentimentos nos faz detectar as necessidades dos envolvidos para chegarmos ao pedido. Com tal clareamento gera-se um quadro de maior aproximação entre as necessidades, evitando a polarização adversarial de pedidos inflexíveis e aparentemente incompatíveis.

Não é a toa que a mediação é um método auto compositivo de larga aplicação.

Tratando mais especificadamente das técnicas, estas servem como delimitadores de posturas eficazes à comunicação e negociação das diferenças: as ferramentas de comunicação e as ferramentas de negociação para facilitação do diálogo13.

As técnicas de manejo das diferenças visando gerar um processo de resolução construtivo da disputa são relativas às ferramentas de comunicação: legitimação de sentimentos e interpretações acerca do conflito; escuta ativa e empática (visitar o lugar do outro); reciprocidade discursiva (expressão da imparcialidade, todos tem voz e vez); conotação positiva (estimula a expressão das partes de forma positiva); assertividade (clareza afirmativa, esclarecendo o significado); elaboração de resumos (auxilia na percepção positiva do quadro geral e esquematiza os pontos da pauta); constante construção de rapport, entre outras ferramentas.

Já as ferramentas de negociação para facilitação do diálogo buscam centrar- se em técnicas de separar as pessoas do problema (ajudar a perceber que a relação e a questão podem ser tratadas em paralelo e não sobrepostas); construir uma pauta objetiva de discussão do conflito; iniciar a discussão pela pauta subjetiva (aquela que trata da relação, objetivando clarear as emoções); discriminar posições, interesses, necessidade e valores; identificar interesses comuns e complementares; ajudar e negociar os interesses comuns e complementares e os divergentes; facilitar a construção de soluções, através de critérios objetivos; não abandonar a solução ideal, imaginando cenários futuros e gerando reflexão; trabalhar no mínimo com três alternativas de propostas, entre muitas outras ferramentas.

Decerto que a apresentação sintética acima não engloba todo o entendimento e aprimoramento das ferramentas na mediação, sendo apenas indicativo básico.

Podemos apreender diversos e inúmeros benefícios dessa sistemática de resolução de conflitos consensuais, que incluem controle do tempo pelas partes, dada a flexibilidade do procedimento; mantém o sigilo sobre o conflito; há controle dos gastos; liberdade para decidir, favorece o fortalecimento das relações interpessoais; estimula a decisão informada; aumenta a responsabilidade e satisfação dos envolvidos; tudo isso num processo flexível e informal14.

Sem contar que podemos inaugurar uma nova e necessária forma de atuação profissional da advocacia no âmbito resolutivo: é uma prática profissional baseada em análises objetivas de probabilidade de êxito, identificação apropriada de interesses reais das partes, criação de valor em razão de abordagens integrativas, auxílio com a escolha procedimental adequada baseada em critérios objetivos e apoio as partes no desenvolvimento de competências emocionais que permitam o distanciamento de escolhas baseadas em paixões ou posições irracionais.

EXPERIÊNCIAS DO USO DA MEDIAÇÃO NA ÁREA DE SAÚDE.

 

O caminho percorrido para a implementação de politicas de solução de conflitos em saúde perpassa pelo fator da crescente judicialização das questões de saúde. Mesmo percebendo que há fatores multifacetados que impõem esse novo prisma autocompositivo, a sustentabilidade das relações em saúde precisa ser o foco para que a satisfação dos envolvidos mitiguem os danos que emergiram com a pandemia do Covid-19.

Desde 2016 estudiosos sobre o tema apostavam na necessidade de implantação e capacitação dos entes envolvidos nos conflitos de saúde (colaboradores, profissionais de saúde, pacientes, entre muitos outros) acerca da resolução por meio de métodos consensuais, como podemos depreender da leitura do artigo intitulado “Mediação de Conflitos na Área da Saúde: experiência portuguesa e brasileira” escrito pela Dra. Dulce Nascimento15, que conclui pela notoriedade de programas de prevenção e gestão do conflito, com o devido alinhamento e colaboração de todos os intervenientes.

A mencionada autora aponta que os atores envolvidos nos conflitos em saúde detém um discurso voltado à atender linguagens técnico/ética, linguagem emocional ou linguagem financeira, sendo crucial a gestão técnica de um facilitador que venha a compatibilizar as questões advindas dessas relações/posições, que muitas vezes sequer são ventiladas em processo judiciais e/ou arbitrais.

Investir no diálogo para atender a particularidade de múltiplas partes é crucial para que a colaboração venha gerar novas e criativas opções aos desafios da rotina em saúde16:

Em uma ótica preventiva do conflito ou em uma ótica de resolução em tempo real just in time resolution, os profissionais da área da saúde têm todo o interesse e necessidade de conhecer e desenvolver técnicas que facilitem o seu trabalho diário, minimizando, assim, o número de situações de conflito que têm de  gerenciar  e resolver. Com  isso,  ganha-se, entre  outros  benefícios,   a  pacificação   e  satisfação,   bem  como a salvaguarda das expetativas no futuro e  redução do  tempo gasto com questões  que são estranhas à sua área de atuação: a saúde.

Importância argumentativa dessa análise está voltada para a função social do contrato, justamente num escopo processual insculpido no art. 421 do Código Civil17: o objeto do contrato de saúde deve ser revisto face à necessidade de manutenção de sua comutatividade, sempre com fim de proporcionar um projeto terapêutico médico coerente e atrelado às demandas do paciente.

Instrumentos para tal implantação estão em crescente aparição, relatados em artigo produzido por Wesllay Carlos Ribeiro18, sendo que podemos exemplificar como ações no Distrito Federal, a CAMEDIS, Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde, que foi instituída por uma ação conjunta da Secretaria de Estado e Saúde e da Defensoria Pública do Distrito Federal, que tem como missão “buscar a solução às demandas por serviços e produtos de saúde no intuito de evitar ações judiciais e propor soluções para aquelas em trâmite”.

E na conclusão atestada pelo artigo intitulado “Câmara Permanente Distrital de mediação: experiência do Distrito Federal19 restou claro:

após um ano de mediação, restou demonstrado que a alternativa encontrada para a resolução de conflitos (além proporcionar mais eficiência no atendimento) contribuiu para a redução das demandas judiciais. Assim, dos casos apreciados pela Camedis, mais de 85% obtiveram acordo.

Temos igualmente o Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (CIRADS), no Rio Grande do Norte, que, por meio de ação conjunta da Procuradoria da União no Rio Grande do Norte, da Defensoria Pública da União e de Procuradores (estaduais e municipais) e Secretarias de Saúde (estaduais e municipais) visam a solucionar, administrativamente, demandas envolvendo o cidadão e o SUS.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desde 201920, vêm buscando angariar esforços na implementação de nova ferramenta de conciliação/mediação para evitar que conflitos e divergências na esfera da saúde sejam judicializados, Apesar de não ainda conseguido implementar de fato a plataforma digital para mediação, o método prevê o apoio de peritos e facilitadores na condução das tratativas.

Em consonância com o processo de estímulo aos métodos autocompositivos, a leitura da Recomendação n.º 100 de 16/06/202121, exarada pelo Conselho Nacional de Justiça –CNJ, que recomenda o uso de métodos consensuais de solução de conflitos em demandas que versem sobre direito à saúde, vem coroar toda uma sistemática de implementação da mediação aos conflitos na seara da saúde.

Crucial a menção expressa contida nos arts. 1º e 2º da referida Recomendação que vem apontar o compromisso ético e de atuação do Magistrado nas demandas que versem sobre saúde. Senão vejamos.

Art. 1º- Recomendar aos Magistrados com atuação nas demandas envolvendo o direito à saúde que priorizem, sempre que possível, a solução consensual da controvérsia, por meio do uso da negociação, da conciliação ou da mediação.

Art. 2º- Ao receber uma demanda envolvendo direito à saúde, poderá o magistrado designar um mediador capacitado em questões de saúde para realizar diálogo entre o solicitante e os prepostos ou gestores dos serviços de saúde, na busca de uma solução adequada e eficiente para o conflito.

Importa aqui destacar que, em se tratando a mediação de um processo diferenciado e com    procedimental    particular    e    único    frente    aos    outros    métodos    de resolução  autocompositivos22, não buscamos enfatizar as diferenças entre os métodos ao realizar essa pesquisa de implementações de ações na área de saúde para resolução de conflitos, justamente para ilustramos o que ocorre na realidade atual.

CONCLUSÃO.

 Perceber o conflito como um fenômeno natural na dinâmica relacional de quaisquer seres vivos, para encará-lo de uma forma positiva é uma ferramenta muito útil para percebemos a crise como uma oportunidade de mudança, de ressignificação.

Tendo tido oportunidade e honra como profissional do direito de participar de mediações on line na área de saúde em dezembro de 2020, na XV Semana Nacional da Conciliação Virtual promovida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com mediações conduzidas por Câmara Privada, percebemos que existe uma longa trilha a ser desbravada na divulgação dos métodos adequados de solução de controvérsias.

Isso porque os atores envolvidos nos conflitos permanecem numa cultura de litigiosidade e falta de comunicação, fato que implica em necessidade de investimento em uma total ressignificação do conflito, que exige novas posturas e atitudes.

O conflito exige abandono de paradigmas polarizadores, aumento de uma comunicação assertiva mais voltada para o diálogo e a negociação, buscando uma corresponsabilização de todos os envolvidos frente à realidade.

De fato, mesmo ainda sendo necessários esforços mais veementes para a efetiva e irrestrita implementação da mediação como método de resolução de conflitos na área de saúde, temos uma exigência real aposta não só pela pandemia global do Covid-19, mas pelo esgotamento de estruturas de qualidade na gestão de saúde que impelem novos caminhos na abordagem dos conflitos.

Natural, portanto, a busca pelos diversos atores da sociedade e da área de saúde/médica de um embasamento teórico, sendo o mesmo importante agregador de consciência e conteúdo acerca dos processos e métodos aplicáveis à espécie da mediação, sendo certo de que a multidisciplinariedade é fator de importante nessa formação.

Que a finalidade precípua do instituto da mediação e dos métodos autocompositivos de resolução dos conflitos, qual seja de mudança de paradigma, mantenha-se na aplicação prática dos operadores da área da saúde, para justamente fornecemos maior sentido ético à atividade de fornecer saúde e bem-estar aos cidadãos.

NENHUM PROBLEMA PODE SER REALMENTE RESOLVIDO PELO MESMO

ESTADO DE CONSCIÊNCIA QUE O CRIOU

Albert Einstein

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Notas:

1 Advogada. Bacharel em Direito pela Uni-Rio desde 2000. Mediadora de Conflitos desde 2018 com mais de 400 horas de atuação. Mediadora de Conflitos Certificada pelo ICFML – Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos, Nivel 1. Pós graduanda – L.L.M. em Mediação, Gestão e Resolução de Conflitos pela ESA/OAB. Pós graduada em Propriedade Intelectual e Tecnodigital pela FGV/Rio, Curso de Capacitação e Formação de Mediador Judicial do TJRJ em 2017, ministrado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro-EMERJ.

2Disponível:http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/sau.html#:~:text=Sa%C3%BAde%2C%20em

%20portugu%C3%AAs%2C%20deriva,%2C%20cura%2C%20bem%2Destar.

3Publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2008 sob o título The World Health Report 2008 : Primary Health Care Now More Than Eve Disponível:https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/ https://www.who.int/eportuguese/publications/whr08_pr.pdf?ua=1

4Mudando a atitude, muda-se o comportamento, porque a atitude está na base do comportamento, sendo a mesma definida como uma predisposição mental.

5SALES, de Morais Maia Lilia e SOUSA, de Almeida Mariana. O Sistema de Múltiplas Portas e o Judiciário Brasileiro. In: Revista Direitos Fundamentais e Justiça, Ano 5, n.º 16, p. 204-220. jul./set.2011.

6Vilela, C. A. e de Raeffray, A.P.O (2021). A mediação como solução de conflitos para saúde  no  pós  pandemia. Disponível: https://www.conjur.com.br/2021-jun-17/opiniao-mediacao-solucao-conflito-saude-pos- pandemia.

7 “Art. 25: Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários. E tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”.

8 TARTUCE, Fernanda. “A Mediação nos Conflitos Civis”. São Paulo: Forense. 2018, fls. 341.

9 Nascimento D. Mediação de Conflitos na Gestão da Saúde (médica, clínica e hospitalar): humanização do Direito

10 Além de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, a medicina preventiva contribui para a redução dos gastos com tratamento de doenças, tanto para os cofres públicos como para o setor privado. Prevenir é melhor do que remediar, diz aquele ditado popular.

11 Nascimento D. Mediação de Conflitos na Gestão da Saúde (médica, clínica e hospitalar): humanização do Direito Médico. Cad. Ibero Am. Direito Sanitário Número 1 Vol 9/jan/mar 2020. Disponível: https://www.linkedin.com/pulse/media%C3%A7%C3%A3o-de-conflitos-na-gest%C3%A3o-da-sa%C3%BAde-m%C3%A9dica-e-do-dulce-nascimento

12 Nascimento D. Mediação de Conflitos na Gestão da Saúde (médica, clínica e hospitalar): humanização do Direito Médico. Cad. Ibero Am. Direito Sanitário Número 1 Vol 9/jan/mar 2020. Disponível: https://www.linkedin.com/pulse/media%C3%A7%C3%A3o-de-conflitos-na-gest%C3%A3o-da-sa%C3%BAde-m%C3%A9dica-e-do-dulce-nascimento

13 ALMEIDA, Tania. Caixa de Ferramentas em Mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2014.

14 https://www.mediacaonline.com/blog/5-vantagens-da-mediacao-de-conflitos-no-setor-de-saude/

15 Nascimento D. Mediação de Conflitos na Área da Saúde: experiência portuguesa e brasileira. Cad. Ibero Am. Direito Sanit. [Internet]. 30º de setembro de 2016 [citado 28º de julho de 2021];5(3):201-1. Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/333

16 Nascimento D. Mediação de Conflitos na Área da Saúde: experiência portuguesa e brasileira. Cad. Ibero Am. Direito Sanit. [Internet]. 30º de setembro de 2016 [citado 28º de julho de 2021];5(3):201-1. Páginas 207/208 Disponível em: https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/333

17 Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).

18 Ribeiro, W. C. (2018). A mediação como meio de resolução de conflitos na área de saúde. Revista De Direito Sanitário, 18(3), 62-76. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v18i3p62-76

19 Paim, P., Marqueto, A., Lopes, O. I. (2015). Câmara Permanente Distrital de mediação: experiência do Distrito Federal. Revista CONASS para entender a Gestão do SUS. Disponível em: https://www.conass.org.br › pdf › colecao2015

20 Notícia veiculada disponível em:http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/6137834

21 Recomendação n.º 100 do Conselho Nacional de Justiça disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original1443552021061860ccb12b53b0d.pdf

22 Os métodos autocompositivos de resoluções de controvérsias, conflitos e problemas visam simplificar, desburocratizar e informalizar os relacionamentos sociais e jurídicos. Estão inseridos num contexto de movimento global de acesso à justiça, em especial na chamada terceira onda ou terceiro estágio de sua evolução.