A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Artigo

A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

 

Ana Lucia Pazos Moraes1 Alexandra Souza Nigri2

Nas ações de família há sempre a presença de diversos sentimentos inerentes aos conflitos relacionados a um divórcio, disputa de guarda de filhos, pensão alimentícia, partilha de bens, razão pela qual deve haver no direito de família um especial cuidado na prestação da tutela jurisdicional.

Na esfera familiar os conflitos não são dirimidos pela decisão imposta pelo julgador, que na maioria das vezes acaba por inflamar a animosidade das partes quando a decisão proferida pelo judiciário atender aos interesses individuais.

Com o avanço dos métodos de resolução de conflitos, especialmente a mediação, é possível perceber que a busca do consenso entre as partes para solução do conflito é de fundamental relevância.

A pioneira no estudo da mediação no Brasil, Águida Arruda Barbosa (2004, p. 09) afirma que:

a mediação familiar é o instrumento para a compreensão dos litígios de família, inserindo-se, definitivamente, no novo código, como expressão da principiologia norteadora das relações jurídicas privadas, com ênfase no Direito de Família.

A mediação nos Direitos das Famílias permite que os litigantes achem a resolução do conflito de forma pacífica, tendo como benefício o restabelecimento da harmonia a longo prazo, uma vez que a sentença não produz o efeito apaziguador, ao contrário, acaba estimulando o litígio em razão da sensação perde-ganha que a decisão causa aos litigantes.

Sobre as decisões judiciais, na área de direito das famílias, Maria de Nazareth Serpa, aduz:

as famílias operam de acordo com suas próprias leis e são rebeldes à imposição de padrões de terceiros. Quando são pressionadas, tomam a justiça com as próprias mãos e ignoram decisões, sejam profissionais ou judiciais.

Em sendo assim, quando os litigantes possuem a oportunidade de participar ativamente da tomada de decisão nos conflitos decorrentes da dissolução matrimonial constata-se a efetiva probabilidade de cumprimento as cláusulas acordadas.

A busca do consenso e o apaziguamento do conflito ensejam a redução do desgaste emocional e do custo financeiro que o litígio ocasiona. A mediação é ferramenta eficaz na busca de transformação do conflito e trazendo uma nova visão para a resolução dos conflitos.

Em trabalho desenvolvido perante as Varas de Família de Belo Horizonte, foi possível concluir que mediação além de restabelecer o diálogo, facilita a retomada da vida pessoal dos envolvidos no conflito, vejamos:

Demonstraremos que a mediação, após alguma resistência, é hoje fundamental e indispensável nas varas de Famílias de Belo Horizonte, como alternativa de composição de litígio e como retomada do diálogo pelas próprias partes em dissenso que sepultam, em definitivo, seus desencontros, numa demonstração de superação e de retomada de consciência. Perdas existirão sempre. Necessário é a absorção delas o mais rapidamente possível e ir adiante, deixando para trás mais um ritual de passagem, como o é, por exemplo, o divórcio, entre várias outras ações familiaristas.

É possível concluir que o benefício da mediação se estende aos ex-cônjuges, filhos e também dos demais familiares, na medida em que a existência de conflito enseja o efeito cascada no círculo familiar, atingindo a todos aqueles que estejam entorno dos litigantes.

Dentre os princípios da mediação, destacam-se no direito das famílias, o respeito aos sentimentos conflitantes, a privacidade, a economia e a reaproximação das partes, conjugado com princípios da efetividade, solidariedade social e do melhor interesse da criança.

Sob o aspecto das hipóteses de indicação da mediação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina elaborou interessante trabalho sobre a mediação familiar, onde destacamos as características do método:

  • Processo breve visando a solucionar amigavelmente a ruptura conjugal e a reorganização da vida familiar após a separação.
  • Problemas concernentes à separação, focalizados no presente e no futuro (acordo sobre as responsabilidades parentais e financeiras).
  • Identificar as reais necessidades do casal e de seus filhos no momento da separação.

E as contra-indicações à realização mediação:

  • Desinteresse do casal em resolver o conflito
  • Desequilíbrio de poder entre as partes
  • Alguns casos de violência conjugal
  • Problemas de saúde mental, como por exemplo, alcoolismo, depressão, enfim, aqueles que provocam nas pessoas dificuldades momentâneas de tomar decisões
  • Desrespeito às regras de base da mediação

No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça editou o Ato Normativo 14/2017 e com apoio do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução dos Conflitos (NUPEMEC) implementou as Casas da Família em quatros Centros Judiciário de Solução do Conflito e Cidadania (CEJUSC) na capital, são eles: Leopoldina, Barra da Tijuca, Bangu e Santa Cruz.

As Casas da Família têm por objetivo valorizar a conciliação e a mediação, promover círculos de convivência e restaurativos, aplicar ferramentas de informação e sensibilização para buscar a solução de conflitos e evitar a judicialização3. Poderão ser utilizadas como medida pré processual, evitando o ajuizamento da ação, ou no curso no processo.

O Projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Oficinas de Parentalidade, também está disponível nas Casas da Família. Nas Oficinas, os pais comparecem conjuntamente ou em separado e recebem orientação para que o divórcio não cause traumas nos filhos, ressaltando que o casamento chegou ao fim, no entanto os laços de maternidade e paternidade são eternos. Busca conscientizar os pais que os filhos devem se sentir acolhidos e amados por ambos apesar do fim do matrimônio, e propõe

que tenham uma convivência amistosa e que os filhos sejam resguardados de eventuais dissensos entre os pais.

As mediações ocorrem nas Casas da Família, que ainda contam com brinquedoteca e sala de leitura para os filhos que acompanham os pais, buscando promover um ambiente acolhedor e seguro.

A mediação familiar está prevista no capítulo das ações de família, que se aplicam as ações de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Em todos os casos citados, a mediação ocorre na Casa da Família.

O artigo 694 destaca que “todos os esforços serão empreendidos para solução consensual da controvérsia” e dispor de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.

Nesse sentido Águida Arruda Barbosa dispõe que “a mediação familiar interdisciplinar é uma abordagem ética, exigindo responsabilidade não apenas dos envolvidos no conflito, mas também de todos os profissionais de Direito de Família”.

A norma inserta no artigo 695 expressa que o juiz ordenará a citação do réu e o comparecimento a audiência de mediação e conciliação.

Aqui surge a indagação: é obrigatoriedade ou faculdade a participação das partes nas sessões de mediação?

Tema polêmico que divide os juristas pátrios, para Humberto Theodoro Júnior a participação na audiência é obrigatória:

A audiência preliminar de conciliação ou de mediação é ato integrante do procedimento comum, só não sendo observado nas causas em que a autocomposição não for admissível nos termos da lei. (…) Assim, ainda que o autor manifeste expressamente na petição inicial desinteresse pela autocomposição, o juiz a despachará designando dia e hora para sua realização. Esse ato conciliatório somente não será realizado se o réu aderir ao desinteresse do autor em petição posterior à citação e anterior à audiência. O autor, portanto, não tem o poder de, isoladamente, impedir ou evitar a audiência. Sem a adesão do réu, a sessão ocorrerá necessariamente. Da mesma forma, o demandado também não tem poder de impedi-la pela só manifestação individual de desinteresse. Nem uma nem outra parte tem possibilidade de sozinha, escapar da audiência preliminar.

Contudo, alguns doutrinadores denominam a previsão de “mediação compulsória” e enumeram como razões para não imposição de participação nas sessões de mediação: a voluntariedade, a autonomia de vontade e a previsão constante no artigo 3° parágrafo 2° do Código de Processo Civil, a saber:

3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

  • 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

Sobre o tema, Fernanda Tartuce destaca duas exceções à designação da sessão de mediação:

Considerando a perspectiva de promover o respeito à autonomia da vontade, a expressão “se for o caso” remeterá diretamente às exceções à realização da sessão de conciliação:

  • desinteresse manifestado por ambas as partes quanto à composição consensual; e (ii) inadmissão da autocomposição.

Por tal percepção, apenas “será o caso” de designar data para audiência de autocomposição nas demandas de família quando não incidirem essas duas exceções.

Concluindo:

O interesse das partes à realização da audiência é um fator essencial a ser considerado: a voluntariedade tem um peso primordial na adoção do método consensual; evitando-se atos processuais infrutíferos quando o cenário evidenciar a ausência de qualquer possibilidade de autocomposição (pelo menos naquele momento).

A segunda exceção diz respeito à impertinência da solução consensual no caso em análise; nessa perspectiva, a expressão “composição inadmissível” pode retratar a hipótese de autocomposição quanto a sua inadequação à situação concreta.

Destaca, ainda, o Enunciado 187 (Fórum Permanente de Processualistas Civis):

No emprego de esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de aconselhamento sobre o objeto da causa. (Grupo: Procedimentos Especiais)

No tocante ao §1° do artigo 695, sobre o réu a ser citado “sem cópia da petição inicial”, ainda que assegurado o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo”, traz questionamentos em razão da insegurança ao demandado sobre as questões que o autor da ação pretende mediar.

Nessa hipótese, a ausência de informações acerca do conteúdo da petição inicial, fundamentos e pedidos, impedem a assimilação e amadurecimento das possibilidades de acordo e podem ensejar o desinteresse na participação da mediação.

Muitos juristas alegam ser inconstitucional o § 1o do art. 695 do Código de Processo Civil, devendo a citação ocorrer de forma tradicional sob pena de violação das garantias constitucionais: isonomia, contraditório e ampla defesa.

Na mediação judicial a presença de advogados ou defensores públicos na sessão consensual é obrigatória, enquanto na mediação extrajudicial a participação é facultativa.

Sendo cediço que a mediação pode ocorrer em mais de uma sessão, nas relações em que estão envolvidos o direito das famílias por certo são necessários alguns encontros, até que as partes possam dirimir questões pessoais e cheguem ao acordo.

Por certo a alcance de consenso pode não ser alcançado, mas é cediço que o restabelecimento do diálogo será de grande valia para os envolvidos. Nessa hipótese, caberá ao juízo apreciar a demanda e decidir as questões relativas à causa.

Concluímos com a reprodução do entendimento de Irène Théry por João Baptista Villela: “a justiça se ocupa do passado e do presente, a mediação se ocupa do futuro”.

Referências Bibliográficas

ÁVILA, Eliedite Mattos Ávila (M.Sc.). Elaboração e organização. Tribunal de Justiça de Santa          Catarina.                                            Medição           Familiar,           formação           de base. https://www.tjsc.jus.br/documents/936811/1474713/Apostila+de+Forma%C3%A7%C3%A3o+Base/e7c7be6f-6c27-4e7e-a63e-e7f576c47aea. Acesso em 13 nov. 2021. Acesso em 28 out. 2021.

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015.

BARBOSA, Águida Arruda. Prática de mediação: Ética Profissional. In:PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

SERPA, Maria de Nazareth. MEDIAÇÃO DE FAMÍLIA. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

TARTUCE, Fernanda. Ações de família. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/169/edicao-1/acoes-de-familia. Acesso em 10 nov. 2021

TEIXEIRA CARVALHO, Newton. Mediação no direito das famílias. Revista Amagis Jurídica, [S.l.], n. 6, p. 107-130, ago. 2019. ISSN 2674-8908. Disponível em: https://revista.amagis.com.br/index.php/amagis-juridica/article/view/167. Acesso em: 14 nov. 2021.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de processo civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. São Paulo: Método, 2008.

VILLELA,   João    Baptista.   Repensando   o   direito    de   família.    Disponível    em: https://www.direitodefamilia.adv.br/2020/wpcontent/uploads/2020/07/repensandodireit o.pdf. Acesso em 13 de Nov. 2021.

Notas:

1Advogada graduada pela UFRJ, Mediadora de Conflitos certificada pelo ICFML (Instituto de Certificação de Mediadores Lusófonos, inscrita no TJ/RJ, MBE em Meio Ambiente, Mestranda em Direito na Universidade Estácio de Sá, pós graduada em Mediação de Conflitos Escolares, Terceiro Setor e Responsabilidade Social, Processo Civil, Direito Público. LLM em Mediação, Gestão e Resolução de Conflitos.

2 Advogada graduada pela Universidade Santa Úrsula, pós graduada em Didática do Ensino Superior e Mestranda em Direito na Universidade Estácio de Sá.

3 TJ cria Casas da Família para mediação de Conflitos. Disponível em: http://www.adambrasil.com/tj-rj- cria-casas-da-familia-para-mediacao-de-conflitos/. Acesso em 01. nov. 2021.