A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras

Artigo

 A “modernização” da legislação trabalhista, o retrocesso das normas de proteção ao trabalho da mulher e a permanente luta pelos direitos das trabalhadoras.

 

Karina de Mendonça Lima

 Mestranda em Ciências Jurídico – Empresariais, menção em Direito Laboral da Universidade de Coimbra, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC/SP, Advogada integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/RJ Barra da Tijuca e Sócia no escritório Niemeyer Gentile e Mendonça Lima Advogados.

 Introdução

A reforma trabalhista, recentemente introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 13.467/2017, balançou as estruturas do Direito do Trabalho Brasileiro, suscitando uma série de questionamentos legais, constitucionais e principiológicos, ainda muito distantes de uma resposta satisfatória. Só o tempo dirá se este balanço serviu para aparar as arestas, modernizar e fortalecer a legislação trabalhista, como alegam os defensores da reforma, ou, se este balanço acabou por ruir as estruturas da legislação laboral, jogando por terra, direitos arduamente conquistados, e acarretando a precariedade das relações de trabalho em nosso país, como afirmam os opositores da reforma.

Contudo, desde já prevalece uma certeza, não podemos ser espectadores do tempo e aguardar resignadamente que os impactos da nova lei sejam experimentados na prática, que tomem a forma de demandas judiciais para que só então seja decidida qual norma possui ou não aplicabilidade por se harmonizar com o ordenamento jurídico laboral pátrio. É necessário lançarmos desde já, um olhar acurado para as mudanças introduzidas pela nova legislação, a fim de identificarmos seus pontos negativos, direcionando assim, nossos esforços para a exclusão destes, de modo a evitar retrocessos, preservar o equilíbrio das relações de trabalho e, sobretudo, a dignidade de nossos trabalhadores.

Esta necessidade se mostra particularmente urgente no caso das trabalhadoras brasileiras, pois a mulher ainda ocupa uma posição de inferioridade nas relações de emprego, encontrando-se ainda em um processo de conquista e efetivação dos direitos mais elementares, como, exemplificativamente, a igualdade de oportunidades e remuneração, razão pela qual está mais sujeita ao processo de supressão de direitos, vez que seus direitos ainda não estão fortemente consolidados. E sobretudo, porque

indubitavelmente, as mulheres são duplamente atingidas pela reforma trabalhista, na medida em que a Lei 13.467/2017 possui normas destinadas a todos os trabalhadores, homens e mulheres, o que evidentemente atinge também a estas, porém, possui normas cujas destinatárias são especificamente as mulheres, atingindo-as de forma direta, precisamente em razão de seu gênero.

Neste contexto, o objetivo do presente artigo é precipuamente identificar na nova legislação aqueles pontos principais, que afetam negativamente as mulheres, de forma direta e indireta, impondo a estas um retrocesso na luta de seus direitos. Não pretendemos com isso alardear um pessimismo jurídico e maldizer a reforma, muito pelo contrário, o objetivo é pinçar da nova legislação os pontos de retrocesso – preservando os pontos positivos que importam em avanço – expor suas falhas e insustentabilidades, permitindo uma maior conscientização destas alterações e contribuindo para que a luta pela conquista e preservação dos direitos das mulheres seja direcionada à extirpação destes retrocessos de nossa legislação. Então, mãos à obra!

  1. Dispositivos da reforma trabalhista que afetam diretamente as normas de proteção ao trabalho da mulher.

Iniciaremos pela análise das alterações legislativas que afetam de forma direta as normas de proteção ao trabalho da mulher, assim consideradas aquelas que alteram dispositivos do Capítulo III (Da proteção do trabalho da mulher), do Título III (Das normas especiais de tutela do trabalho), da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim vejamos.

II.1. Possibilidade das trabalhadoras gestantes e lactantes trabalharem em ambiente insalubre.

A Lei 13.467/2017 alterou significativamente o art. 394-A da CLT que versa sobre o trabalho da gestante e lactante em ambientes insalubres, sendo este, talvez, o ponto mais polêmico da nova norma e o que mais questionamentos levanta, assim, diante da impossibilidade de esgotarmos o tema, iremos aqui nos ater àquele que consideramos seu aspecto principal.

Porém, antes de analisarmos o regramento atual, convém fazermos um recuo ao advento da Lei 13.287/2016, de 11 de maio de 2016, quando, então, foi incluído no rol das normas de proteção ao trabalho da mulher, mais especificamente nas normas de proteção a gestação, o art. 394-A da CLT que em sua redação originária proibia o

trabalho de gestantes e lactantes em ambientes insalubres, independente do grau de insalubridade, determinando que as mesmas fossem compulsoriamente afastadas e remanejadas para locais salubres.

O referido dispositivo sofreu duras críticas à época de sua aprovação, aliás, durante toda sua curta vigência esta norma foi atacada por críticos que alegavam, em suma, que apesar da boa intenção, a norma acabava por servir como um desincentivo à contratação de mulheres, sobretudo em determinados setores nos quais predominam atividades insalubres – o setor hospitalar é um dos grandes exemplos – uma vez que em muitos casos, o afastamento compulsório de gestantes e lactantes inviabilizaria as atividades, além de acarretar um custo adicional aos empregadores, pois não tendo a norma previsto alternativa ao remanejamento destas trabalhadoras para um ambiente salubre, inexistindo este ambiente, ao empregador restaria como única opção afastar a empregada da empresa e continuar pagando o salário, em uma espécie de licença remunerada custeada pelo empregador. Os críticos alegavam ainda que como a lei não previa a manutenção do adicional de insalubridade no período do afastamento da atividade insalubre, a trabalhadora sairia prejudicada, pois seus rendimentos sofreriam redução justamente em um momento no qual seus gastos aumentariam.

Os autores da reforma trabalhista, infelizmente, comungaram destas críticas e conferiram nova redação ao art. 394-A da CLT3, tangenciando todos estes questionamentos, porém, o resultado foi desastroso, qual seja, um novo regramento absolutamente lesivo às gestantes e lactantes e de constitucionalidade bastante duvidosa.

Com o nítido propósito de impedir o afastamento compulsório, a nova regra determina que apenas as gestantes que exerçam atividades em grau máximo sejam automaticamente afastadas (inciso I), as demais, ou seja, aquelas que exerçam atividades insalubres em grau médio ou mínimo, somente serão afastadas se apresentarem atestado de saúde emitido por médico de sua confiança recomendando o afastamento (inciso II). Já as lactantes podem exercer atividades insalubres em qualquer grau, sendo o seu afastamento também condicionado a apresentação de atestado de saúde de médico de sua confiança que o recomende (inciso III). Contudo, muitos são os desdobramentos negativos oriundos desta parte do dispositivo legal.

Em primeiro lugar, a regra transfere para a empregada gestante e lactante o ônus de comprovar que aquela atividade insalubre pode causar danos à sua saúde ou à saúde do nascituro e do bebê. Deste ônus se desincumbirá a trabalhadora mediante a apresentação de um atestado de saúde fornecido por médico de sua confiança, o que acarreta alguns problemas. É que para atestar que aquela insalubridade afeta a saúde da mulher, do nascituro ou do bebê, o médico de confiança da mulher teria de ir ao seu local de trabalho para analisar as condições e o ambiente de trabalho ou, pelo menos, ter acesso ao PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e ao PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), documentos que ficam sob a guarda da empresa. E mais, em regra, o médico de confiança da mulher não é um médico do trabalho, razão pela qual, pode não ter conhecimento técnico específico sobre segurança no trabalho que lhe permita fazer tal análise. Ademais, não podemos desconsiderar o fato de que muitas trabalhadoras fazem o acompanhamento de sua gestação através do SUS, não nos parecendo muito crível que um médico da rede pública de saúde tenha condições de ir até o local de trabalho das mulheres que atende ou de analisar tais documentos.

Estes são sem dúvida, dificultadores à emissão dos atestados de saúde a que a lei alude, e a consequência é uma só, sem os referidos atestados a gestante e a lactante continuarão trabalhando em atividade insalubre – com exceção da gestante em atividade insalubre de grau máximo – o que pode ser nefasto para a sua saúde e para a saúde de seu filho.

Em segundo lugar, ao condicionar o afastamento da gestante e lactante ao grau da insalubridade, o legislador desconsiderou que a insalubridade importa por si só, na exposição do trabalhador, acima dos limites de tolerância, a agentes (químicos, físicos ou biológicos) nocivos à sua saúde4, ou seja, a nocividade existe independente do grau da insalubridade, o que pode variar é a sua extensão e a possibilidade de sua eliminação ou redução a níveis de tolerância ao organismo humano através da adoção de medidas de proteção individuais e coletivas. No caso das gestantes e lactantes, essa nocividade inerente à insalubridade ganha contornos ainda mais preocupantes, pois os riscos à saúde não atingem só a trabalhadora, mas também ao seu filho, e mais, muitas vezes estes riscos sequer são conhecidos durante a gestação, somente vindo a ser constatado depois, quando a saúde já foi comprometida.

Deste modo, se a redação anterior do art. 394-A pecava por uma generalidade, na medida em que não considerava o tipo de agente insalubre, seus possíveis impactos e a possibilidade de sua neutralização ou redução aos níveis de tolerância – quando então, em tese, seria possível a continuidade do exercício da atividade insalubre pela gestante e lactante sem que isso importasse em riscos à sua saúde e a saúde de seu filho – a redação atual peca pela mesma generalidade, pois também não faz tais considerações, apenas estabelece o grau da insalubridade como critério para o afastamento automático ou condicionado a apresentação de atestado médico, o que é um grande equívoco, pois como se sabe, determinados agentes insalubres, causam malefícios à saúde da mulher e de seus filhos, mesmo em grau médio ou mínimo.

A diferença essencial é que com a redação anterior, a generalidade conduzia a uma proteção efetiva da gestante e da lactante, em razão do afastamento automático de toda e qualquer atividade insalubre, o que a nosso ver se coaduna com o mandamento constitucional contido no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores o direito a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Porém, o mesmo já não ocorre com o regramento atual, pois aqui, a generalidade da lei acarreta a permissão para que gestantes exerçam atividades insalubres em grau médio e mínimo e, lactantes, em todos os graus, excetuando-se as hipóteses em que apresentarem atestado médico.

Deste modo, ao invés de reduzir os riscos à saúde da gestante e da lactante, assim como do bebê, a nova lei potencializa estes riscos, especialmente se considerarmos os dificultadores à elaboração do atestado médico já aduzido alhures, o que contraria a Constituição Federal e atrai a mácula da inconstitucionalidade para a esta norma.

O referido dispositivo deve ser analisado ainda em conjunto com o art. 611-A da CLT, através do qual, a reforma trabalhista passou a autorizar que o grau de insalubridade possa ser negociado através de convenção coletiva e acordo coletivo de trabalho, hipótese na qual, o negociado prevalecerá sobre o legislado. Assim, quando a norma autoriza que gestantes e lactantes possam exercer atividades insalubres, a depender do grau da insalubridade, ela está considerando não apenas aqueles estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, mas também aqueles negociados, o que aumenta ainda mais a possibilidade de riscos à saúde das trabalhadoras gestantes e lactantes. Seria pessimismo demais acreditar que negociações coletivas mal feitas, simplesmente reduziriam os graus de risco a médio e mínimo? Acreditamos que não.

Convém observarmos que o art. 394-A da CLT prossegue com normas que aparentemente são benéficas às trabalhadoras gestante e lactante, especialmente, a previsão de que o empregador é responsável pelo pagamento do adicional de insalubridade, enquanto durar a gestação ou a lactação, mesmo quando a trabalhadora tiver sido afastada da atividade insalubre (caput e §2º) e, ainda, a previsão de que não sendo possível o remanejamento para um ambiente salubre, a gravidez será considerada de risco e ensejará à percepção de salário maternidade (§3º). Ocorre que ambas as normas padecem de legalidade e sustentabilidade jurídica, o que certamente acarretará resistência e questionamentos por parte daqueles diretamente afetados por estas normas,

criando assim, uma insegurança jurídica desnecessária e prejudicial às trabalhadoras gestantes e lactantes.

Não podemos concluir a análise deste dispositivo, sem lamentar que o legislador reformista tenha sucumbido às críticas feitas a redação anterior e optado por combater o possível desincentivo a contratação de mulheres, com a supressão de um direito tão caro às trabalhadoras, o afastamento compulsório de gestantes e lactantes das atividades insalubridades, sobretudo quando nosso ordenamento jurídico fornece tantos dispositivos para este combate – a Constituição Federal proíbe critérios de admissão por motivo de sexo (art. 7º, XXX), a CLT proíbe atos discriminatórios em razão do gênero, tanto na fase pré-contratual, quando no curso do contrato de trabalho (art. 373-A) e a Lei 9.029/45 ao dispor sobre questões relativas ao trabalho veda práticas discriminatórias quanto à mulher (art. 1º), inclusive tipificando como crime o descumprimento da regra.

II.2. Supressão do período de descanso antes do período extraordinário de trabalho.

Dentre as normas de proteção do trabalho da mulher previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho, estava a garantia de um período de descanso, não inferior a 15 (quinze) minutos, antes do início do período extraordinário de trabalho, conforme previsão do art. 384.

Entretanto, também este dispositivo legal e, consequentemente, o direito por ele assegurado, suscitava um debate acalorado acerca de sua constitucionalidade, predominando dois entendimentos divergentes: de um lado, aqueles que defendiam que o art. 384 da CLT não fora recepcionado pela Constituição Federal, pois esta, ao consagrar o princípio da isonomia em seu art. 5º, I, afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, razão pela qual, não poderia este direito ser assegurado exclusivamente às mulheres7; de outro lado, aqueles que defendiam que o dispositivo em comento fora recepcionado pela Constituição, primeiro porque se coaduna com o art. 7º, XXII que, conforme já referimos, prevê a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”8, ressaltando que esta norma celetista é uma regra de saúde no ambiente do trabalho destinada a redução de riscos daquelas que, em regra, estão mais expostas a fadiga, seja em razão de sua capacidade física, seja em razão da dupla jornada que habitualmente exercem, razão pela qual, se harmoniza perfeitamente com o dispositivo constitucional e, segundo, por se coadunar sim, com o princípio da isonomia, posto que um tratamento isonômico pressupõe “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.

O segundo entendimento foi o adotado pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Em 2009, ao julgar o Incidente de Inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou a sua recepção pela Constituição Federal, tendo o Relator, Ministro Ives Gandra Martins Filho, assinalado que:

“levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT.”

Em 2014 foi a vez do Supremo Tribunal Federal confirmar a recepção do referido dispositivo pela Constituição Federal, sob fundamento jurídico bastante similar, tendo o Relator, Ministro Dias Toffoli afirmado:

“A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma. (…) Portanto, há que se concluir que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela atual Constituição, visto que são legítimos os argumentos jurídicos a garantir o direito ao intervalo”.11

Deste modo, as trabalhadoras vinham vencendo esta batalha, pois ao menos no âmbito judicial, conseguiam o reconhecimento do direito de descansarem por no mínimo 15 (quinze) minutos antes de iniciarem o período de trabalho extraordinário e, a inobservância deste direito, impunha ao empregador o dever de indenizá-la com o pagamento do tempo correspondente acrescido de 50% (cinquenta por cento).

A Lei 13.467/17 não ficou de fora desta celeuma, porém, sua intervenção foi absolutamente nefasta às trabalhadoras, vez que ignorando toda a construção jurisprudencial sobre o tema, emanada de nossas mais altas cortes, bem como, ignorando as peculiaridades inerentes à mulher e justificadoras da previsão celetista, simplesmente revogou o art. 384 da CLT, conforme previsão de seu art. 5º, I, m, privando as mulheres de uma das medidas protetivas à sua saúde e integridade física, em franco retrocesso legislativo.

II.3. Intervalo para amamentação.

Este direito é assegurado pelo art. 396 da CLT e consiste em um intervalo de 30 minutos, duas vezes ao dia, destinado a possibilitar que, neste período, a mãe amamente seu filho. Tal direito é assegurado até que a criança complete seis meses de idade.

A Lei 13.467/2017 acrescentou ao art. 396 um §2º, segundo o qual, “os horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser definidos em acordo individual entre a mulher e o empregador”. Esta mudança não é necessariamente prejudicial às mulheres, contudo, abre um precedente para que maus empregadores possam pressionar as trabalhadoras a realizarem acordos individuais sobre estes intervalos que atendam mais às necessidades da empresa do que às da mulher e da criança, desvirtuando assim, o objetivo do instituto, especialmente se considerarmos que estas negociações se darão, em regra, no período em que a estabilidade da gestante está chegando ao fim.

III. Dispositivos da reforma que afetam indiretamente os direitos das mulheres.

Neste tópico analisaremos as normas que afetam indiretamente os direitos das mulheres, assim consideradas aquelas que são dirigidas aos trabalhadores em geral e que, acreditamos, prejudicam a todos. Porém, são nocivas especialmente às mulheres, posto que tangenciam problemas ainda enfrentados cotidianamente pelas trabalhadoras brasileiras, razão pela qual, a sua nocividade para estas, é ainda maior.

III.1. Indenização tarifada do dano moral associada ao salário contratual do ofendido.

A Consolidação das Leis do Trabalho era absolutamente omissa quanto ao reconhecimento do dano moral nas relações de trabalho, porém, inexistem dúvidas quanto a esta possibilidade. Primeiro, porque os trabalhadores não se despem de sua cidadania ao ingressarem em seus ambientes de trabalho, de modo que carregam consigo os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal, dentre os quais estão à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, “assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X) e, ainda, o “direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, V). Segundo, porque o art. 114, VI da Constituição Federal, estabelece a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

Com a certeza constitucional da ocorrência do dano moral nas relações de trabalho, doutrina e jurisprudência há muito se debruçaram sobre o tema estando, atualmente, bastante consolidados os principais contornos do dano moral trabalhista.

Porém, evidentemente, sempre houve o anseio de que o silêncio da CLT fosse superado com a edição de uma lei que disciplinasse o dano moral especificamente no âmbito das relações de trabalho, elidindo assim os questionamentos ainda existentes e assegurando maior segurança jurídica.

Neste contexto, a Lei 13.467/17, mereceria em princípio, nossos aplausos, pois regulamentou de forma bastante específica o dano moral nas relações de trabalho, inserindo na CLT o Título II-A que trata exclusivamente do tema. O problema está no conteúdo destes dispositivos, cuja legalidade e constitucionalidade são altamente duvidosos, sendo indubitável, porém, o prejuízo causado aos trabalhadores pela generalidade destes dispositivos.

Para fins deste trabalho, contudo, nos limitaremos a apenas um destes dispositivos, qual seja, o art. 223 – G, cujo §1º estabelece a denominada indenização tarifada, na medida em que determina que a indenização por dano moral deverá ser fixada pelo juiz de acordo com os seguintes parâmetros: até três vezes o último salário contratual do ofendido, em casos de ofensa de natureza leve (inciso I); até cinco vezes o último salário contratual do ofendido, em caso de ofensa de natureza média (inciso II); até vinte vezes o último salário contratual do ofendido, em caso de ofensa de natureza grave (inciso III) e; até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido, em caso de ofensa de natureza gravíssima (inciso IV).

A nocividade desta regra para todos os trabalhadores é latente, pois ao atrelar o quantum indenizatório ao salário contratual do ofendido está o legislador positivando uma desigualdade vergonhosa entre trabalhadores com altos e baixos salários, na medida em que estes receberão indenizações menores que aqueles, ainda que o ato lesivo a sua moral seja o mesmo, pelo simples fato de receberem um salário menor, como se a moral e a dignidade humana dos trabalhadores que recebem salários mais baixos fosse menos valiosa.

Embora esta regra seja nociva a todos os trabalhadores, sua nocividade se potencializa no caso das mulheres trabalhadoras, em virtude da soma de dois fatores: as mulheres são as principais vítimas do dano moral nas relações de trabalho e recebem salários mais baixos que os homens.

Neste sentido convém destacarmos que as pesquisas mais recentes revelam que esta continua a ser a triste realidade das mulheres. Em 2015, o IBGE realizou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e constatou que o rendimento médio dos brasileiros era de R$ 1.808, mas a média masculina era mais alta (R$ 2.012), e a feminina, mais baixa (R$ 1.522)13. Em maio de 2015, uma empresa do mercado de e-recruitment, realizou uma pesquisa através da qual foi revelado que 52% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter sofrido assédio moral em seu ambiente de trabalho, sendo 48% homens e 52% mulheres. A situação se mostra ainda mais alarmante quando considerado especificamente o assédio sexual, pois 9,7% dos entrevistados afirmaram terem sido vítimas, sendo que 80% das mulheres entrevistadas afirmaram ter sofrido assédio sexual e apenas 20% afirmaram o mesmo.

A análise do referido dispositivo legal a luz destes dados nos conduz a uma assertiva, o dano moral tarifado, positivado na reforma trabalhista, importa em retrocesso para os trabalhadores, especialmente para as mulheres trabalhadoras, pois estabelece uma hierarquia na moral e, consequentemente, na dignidade dos trabalhadores, em virtude do salário que estes auferem – a sua moral vale tanto quanto você recebe – o que enquadra as mulheres nos postos mais baixos desta hierarquia. Não podemos deixar de registrar que, nesta lógica perversa, sairia mais barato para o empregador assediar moralmente uma mulher que um homem, o que compromete o próprio caráter pedagógico das indenizações por danos morais.

Por fim, devemos observar a potencial inconstitucionalidade deste dispositivo, por violar o princípio da isonomia, exatamente por estabelecer uma diferença no valor da indenização em virtude do salário auferido pelo trabalhador, pelo que, esperamos seja tal dispositivo vetado de nosso ordenamento jurídico.

III. 2. Aumento da jornada de trabalho.

Muitos são os pontos da Lei 13.467/2017 que versam sobre a jornada de trabalho, todos possuem um traço comum, permitir e facilitar a jornada extraordinária de trabalho, conforme demonstram, ilustrativamente, os dispositivos legais a seguir aduzidos.

O art. 59-A permite que os trabalhadores possam estabelecer através de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, “observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”, e, o art. 59-B exime o empregador do pagamento de horas extras quando não cumpridas as exigências legais para compensação de jornada, desde que observado o limite máximo de 44 horas semanais. Antes deste dispositivo, era aplicada à espécie, a Súmula 444 do Tribunal Superior do Trabalho, que permitia a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, em caráter excepcional, estabelecida através de negociação coletiva, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. Deste modo, evidente que a reforma trabalhista banalizou a possibilidade desta jornada, que agora pode ser instituída por mero acordo individual e desonerou o empregador, que não está mais obrigado a pagar hora extra quando não cumprir as formalidades legais.

Os §§ 5º e 6º do art. 59 da CLT passaram a admitir que o banco de horas possa ser pactuado por mero acordo individual escrito, desde que a compensação das horas ocorra no período máximo de seis meses e, ainda, que o acordo individual, seja celebrado inclusive de forma tácita, desde que a compensação ocorra no mesmo mês. Considerando a tradicional vulnerabilidade do empregador, na prática, este banco poderá ser imposto aos trabalhadores e teremos uma jornada de trabalho habitual de 10h – inclusão das 2 horas extras autorizadas pelo caput do art. 59 – sem que essa habitualidade seja considerada hora extra e sem o reflexo nas demais verbas, ficando os empregados a mercê de seus empregadores.

O art. 58-A da CLT, disciplina acerca do trabalho em regime de tempo parcial e foi alterado, passando a ser considerado como trabalho em regime de tempo parcial, aquele cuja duração não exceda a 30 horas semanais sem possibilidade de horas suplementares semanais ou aquele cuja duração não exceda a 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até 6 horas suplementares semanais, ou seja, o trabalho em regime de tempo parcial, que antes não poderia exceder a 25 (vinte e cinco) horas semanais, com a reforma poderá chegar a 30 (trinta) ou 32 (trinta e duas) horas semanais. Este novo regramento compromete o caráter excepcional desta modalidade contratual, posto que os empregadores darão prevalência a esta modalidade, que agora se aproxima em muito da duração normal do trabalho (44 horas semanais), porém, com o atrativo da redução dos gastos com a folha de pagamento, vez que autoriza a percepção do salário mínimo, desde que respeitada a proporcionalidade.

A permissão e a fomentação legislativa para o aumento da jornada de trabalho atinge, particularmente as mulheres, pois são estas que em regra se submetem a dupla jornada, aqui incluído os trabalhos domésticos não remunerados. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2016) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brasileiras trabalham, em média, cinco horas a mais por semana que os homens – enquanto a jornada semanal das mulheres é, em média, de 55,1 horas, a dos homens fica em torno de 50,5 horas. O mesmo estudo indica ainda que considerado apenas o trabalho remunerado, os homens acumulam mais horas de trabalho – a jornada de trabalho dos homens fora de casa foi de 40,8 horas em 2015 e a das mulheres, de 34,9 horas.

Ora, se a lei permite que a mulher estenda a sua jornada de trabalho ainda mais e se a mulher continua a cumprir sua dupla jornada com o trabalho doméstico não remunerado, é evidente que o somatório destas jornadas será extenuante, o que além de representar riscos à saúde da mulher, interfere em sua socialização e integração familiar.

  1. Conclusão

Ao longo deste trabalho buscamos identificar as principais alterações legislativas oriundas da reforma trabalhista que importam em retrocesso na luta pelos direitos das trabalhadoras brasileiras, seja porque suprimem direitos já conquistados, seja porque abrem precedentes nocivos, seja porque agravam problemas cotidianamente enfrentados e que, infelizmente, ainda não foram erradicados. E, conforme dito anteriormente, a finalidade é contribuir para a conscientização destes pontos de retrocesso, permitindo que a luta contínua pela proteção ao trabalho da mulher seja canalizada na direção correta: a supressão destes pontos de retrocesso.

E o momento é bastante propício, pois apesar da reforma trabalhista já ter sido aprovada, o afã do legislativo e do executivo para aprovarem a reforma acabou por originar dispositivos juridicamente insustentáveis, eivados de ilegalidades e inconstitucionalidades, o que facilita a não recepção dos mesmos pelo ordenamento jurídico; as disposições legais introduzidas pela reforma são ainda bastante embrionárias e os debates sobre estes dispositivos legais estão na pauta do dia, cabendo a todos nós, lutar para que tais dispositivos não criem raízes.

Acreditamos que o sucesso desta luta está fortemente condicionado a sua objetividade, assim, façamos um esforço para fugir das questões político-partidárias que esvaziam ou pelo menos comprometem essa luta, vejamos a questão de forma juridicamente objetiva: a permissão para que gestantes e lactantes está maculada de inconstitucionalidade, assim como a indenização tarifada do dano moral, então, vamos utilizar as vias próprias para que estas inconstitucionalidades sejam declaradas e os referidos dispositivos não sejam recepcionados; a supressão do período de descanso antes do período extraordinário de trabalho viola direito legalmente assegurado e é lesivo às trabalhadoras, pressionemos o legislativo para que o reincorpore em nossa legislação; a negociação sobre os intervalos para amamentação pode ter a sua finalidade desvirtuada prejudicando a adequada alimentação da criança, assim como a fomentação irrestrita da jornada extraordinária pode ser demasiadamente prejudicial às mulheres, então, que estas se unam, se mobilizem continuamente, especialmente em sindicatos, protegendo-se individual e coletivamente contra negociações lesivas.

A luta é grande, certamente, mas a história nos mostra que as mulheres nunca esmoreceram diante dos desafios impostos pela conquista e efetividade de seus direitos. Temos certeza que agora não será diferente.

  1. Bibliografia

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr., 15ª edição, São Paulo, 2016.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, Editora Saraiva, 32ª edição, São Paulo, 2016.

MAIOR, Jorge Souto. Os 201 ataques da “reforma” aos trabalhadores, maio 2017. Disponível em ˂http://www.jorgesoutomaior.com/blog>.