A Não incidência do ISS na produção audiovisual

Resumo

Trata-se de um artigo cuja análise é feita com base nos precedentes judiciais relacionados aos Superior Tribunal de Justiça no que diz respeito à incidência do ISS sobre as atividades de Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres, previstas no item 13.01 da LC nº 116/2003, as quais foram vetadas pelo Chefe do Poder Executivo, e, portanto, estão fora do campo de incidência do aludido tributo, no entanto, são equiparadas à cinematografia por parte dos municípios através de um interpretação extensiva com o intuito de se promover a materialidade do tributo, logo, a sua incidência, o que deve ser rechaçado de imediato pelo contribuinte tendo em vista os precedentes nesse sentido com base no devido processo legislativo, bem como no princípio da legalidade.

Abstract

This is an article whose analysis is based on judicial precedents related to the Superior Court of Justice regarding the levy of the ISS on the activities of Production, recording, editing, subtitling and distribution of films, videotapes, , cassette tapes, compact discs, digital video discs and the like, provided for in item 13.01 of LC No. 116/2003, which were vetoed by the Chief Executive, and therefore are outside the scope of the aforementioned tax, however , are equated with cinematography by the municipalities through an extensive interpretation in order to promote the materiality of the tax, therefore, its incidence, which must be immediately rejected by the taxpayer in view of the precedents in this sense based on the due process of law as well as the principle of legality.

Key-words: Service tax, Presidential Veto, Legality, broad interpretation, legislative process.

Artigo

A Não incidência do ISS na produção audiovisual

                                                                                    

                                                                  Rafael Rodrigues Moreira da Silva[1] 

 

Resumo : Trata-se de um artigo cuja análise é feita com base nos precedentes judiciais relacionados aos Superior Tribunal de Justiça no que diz respeito à incidência do ISS sobre as atividades de Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres, previstas no item 13.01 da LC nº 116/2003, as quais foram vetadas pelo Chefe do Poder Executivo, e, portanto, estão fora do campo de incidência do aludido tributo, no entanto, são equiparadas à cinematografia por parte dos municípios através de um interpretação extensiva com o intuito de se promover a materialidade do tributo, logo, a sua incidência, o que deve ser rechaçado de imediato pelo contribuinte tendo em vista os precedentes nesse sentido com base no devido processo legislativo, bem como no princípio da legalidade.

Palavras-chave: Imposto sobre serviços, Veto Presidencial, Legalidade, interpretação extensiva, processo legislativo.

 

Abstract: This is an article whose analysis is based on judicial precedents related to the Superior Court of Justice regarding the levy of the ISS on the activities of Production, recording, editing, subtitling and distribution of films, videotapes, , cassette tapes, compact discs, digital video discs and the like, provided for in item 13.01 of LC No. 116/2003, which were vetoed by the Chief Executive, and therefore are outside the scope of the aforementioned tax, however , are equated with cinematography by the municipalities through an extensive interpretation in order to promote the materiality of the tax, therefore, its incidence, which must be immediately rejected by the taxpayer in view of the precedents in this sense based on the due process of law as well as the principle of legality.

 

Key-words: Service tax, Presidential Veto, Legality, broad interpretation, legislative process.

 

1 INTRODUÇÃO

 

            O Imposto sobre Serviços, com as feições ostentadas atualmente, só veio surgir com o advento da Reforma Tributária implantada pela Emenda Constitucional nº 18, de 10 de dezembro de 1965, que conferiu aos municípios o poder de instituir o imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados.[2]

            Com efeito, entende-se que, competência tributária é matéria constitucional. Sendo assim, verifica-se que o art. 156, inciso III, da CRFB/88 atribui tal competência aos Municípios, sendo, portanto, tais serviços definidos em Lei Complementar.

            No caso do ISS foi instituída a Lei Complementar n. 116/2003, no entanto a instituição do imposto é feita por cada um dos Municípios brasileiros, através de leis municipais, as quais devem ser aprovadas pelas suas câmaras de vereadores e sancionadas pelos seus prefeitos, devendo sempre observar a norma geral, qual seja, a Lei Complementar, repita-se, que dita as normas gerais.

            Nesse sentido, vimos através do presente estudo demonstrar que a materialidade do ISS só é alcançada quando o fato atender a três conceitos: ser relação jurídica, ser serviço e estar descrito na Lei Complementar n. 116/2003.[3]

2 DO VETO PRESIDENCIAL ITEM 13.01 DA LISTA ANEXA À LC 116/2003 E DA INTEPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO À ATIVIDADE DE CINEMATOGRAFIA

 

            Dentre os conceitos retrocitados, nos apegaremos a possibilidade do serviço está descrito na LC 116/2003. De imediato cumpre-se observar o que determina o art. 1º da citada Lei, in verbis:

Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. (grifo nosso)

            Ora, veja que o comando nos remete a uma tributação numerus clausus, isto é, que só pode ocorrer quando da prestação dos serviços arrolados e não de qualquer serviço. Suas hipóteses de incidência são, portanto, taxativas.

            Nesse sentido, verifica-se que, havia na LC 116/2003 a possibilidade de incidência do ISS nas atividades relacionadas ao item 13.01 da lista anexa, cuja descrição era a seguinte: Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres.

Sendo assim, pela descrição das atividades ali previstas haveria subsunção do fato à norma, logo, a materialidade do tributo para sua incidência.

Ocorre que, o referido item foi vetado pelo Presidente da República antes da publicação da lei, de modo que a Lista de Serviços acabou por não prever a incidência do ISS sobre as atividades de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomendas específicas de terceiros. O principal motivo do veto consistiu no fato de que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, em sede de Recurso Extraordinário, RREE 179.560-SP, 194.705-SP e 196.856-SP sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão, que a comercialização de filmes seria abarcada pela incidência do ICMS, e não do ISS.[4]

Veja que, quando do veto presidencial, foi realizada uma distinção entre as empresas que se dedicam à comercialização de fitas por elas próprias gravadas, com a finalidade de entrega ao comércio em geral, e as empresas que realizam prestação individualizada do serviço de gravação de filmes, feita por solicitação de outrem ou por encomenda. Neste último caso haveria a incidência do ISS.

Ocorre que, em que pese haver o entendimento de que haveria a incidência do ISS quando da prestação individualizada do serviço de gravação de filmes, feita por solicitação de outrem ou por encomenda, repise-se. Verifica-se que em razão do veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção. O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se diversas vezes nesse sentido.

Nesse diapasão extraiu-se do campo de incidência tributária do ISS as atividades ali relacionadas.[5]

Sendo assim, apesar de haver o veto presidencial, e, portanto, a exclusão das atividades da Lista de serviços anexa à LC 116/2003, vários Municípios continuaram entendendo que o ISS seria devido pelas produtoras, gravadoras e distribuidoras de filmes, sob o fundamento de que deveria ser aplicada a tais atividades uma interpretação extensiva do conceito de cinematografia previsto em outro item da Lista de serviços.

Veja, sob esta ótica o ente Municipal estende o alcance semântico do conceito de cinematografia para abrigar genericamente os serviços de produção e gravação audiovisual, através de interpretação extensiva, compelida tanto pelos dispositivos legais como pelas decisões judiciais.

Isto porque, o artigo 108, I, do Código Tributário Nacional até permite que o recurso da analogia seja o primeiro instrumento a ser aplicado pela autoridade competente quando não houver qualquer outra disposição expressa na legislação tributária. Na sequência, entretanto, o §1º do mesmo artigo é manifesto ao determinar que:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para

aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I – a analogia; (…)

  • 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não

previsto em lei.

O princípio da legalidade tributária é um escudo do contribuinte, logo, o mesmo é imperativo e deve ser respeitado. Caso a analogia fosse irrestrita e não encontrasse óbice na própria lei, toda conduta ou fato poderiam ser analogamente sujeito a uma tributação.

            Contundente é a apreciação de tal fenômeno pelo Ministro Benedito Gonçalves na sua decisão no Recurso Especial nº 1.308.628/RS, no qual ele invoca decisão da emérita Ministra Eliana Calmon no REsp nº 1.027.267/ES, para afastar a interpretação extensiva do item de serviço 13.03 para os serviços antes previstos no item 13.01, conforme o teor de seu voto:

EMENTA

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. LC 116/03. PRODUÇÃO DE FITAS E FILMES SOB ENCOMENDA. NÃO INCIDÊNCIA, EM FACE DE VETO DO ITEM 13.01 DA LISTA QUE PREVIA A TRIBUTAÇÃO DESSE SERVIÇO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA PARA ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE DE CINEMATOGRAFIA, PREVISTA NO ITEM 13.03. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADES QUE, EMBORA RELACIONADAS, NÃO CORRESPONDEM À MESMA OBRIGAÇÃO DE FAZER.

  1. Recurso especial que discute a incidência do ISS sobre a atividade de produção de filmes realizados sob encomenda à luz da LC 116/03. O acórdão recorrido, embora tenha afastado a incidência do tributo em face do item 13.01 (que previa expressamente tal atividade, mas foi vetado pela Presidência da República), manteve a tributação, mediante interpretação extensiva, com base no conceito de cinematografia, atividade prevista no item 13.03.
  2. A partir da vigência da Lei Complementar 116/03. em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção.
  3. Ademais, não é possível, para fins de tributação, enquadrar a atividade em questão em hipótese diversa, de cinematografia, pois:
  4. i) “Existindo veto presidencial quanto à inclusão de serviço na Lista de Serviços Anexa ao Decreto-lei 406/68. com redação da Lei Complementar 56/87, é vedada a utilização da interpretação extensiva” (REsp 1.027.267/ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29/04/2009);
  5. ii) Historicamente, a cinematografia já estava contida na lista anexa ao DL 406/68 (item 65) e nem por isso justificava a incidência do tributo sobre a gravação (produção) e distribuição de filmes, que estava amparada em hipótese autônoma (item 63);

iii) a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes. A produção cinematográfica é uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a ser produzido, a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem e, é claro, a própria cinematografia.

  1. Afasta-se, portanto, a incidência do ISS sobre a atividade exercida pela empresa recorrente.
  2. Recurso especial provido.

(DJe de 02.08.2012)

Vale ainda transcrever o trecho pertinente do voto proferido pelo Exmo. Ministro Benedito Gonçalves no julgamento do RESP n° 1.308.628

                                   […]

Primeiro porque, logicamente, não é possível aplicar interpretação extensiva para alcançar atividade específica que foi expressamente excluída da lista anexa em face de veto presidencial.

Segundo, historicamente, a cinematografia já estava contida na lista anexa ao DL 406/68 (item 65) e nem por isso justificava a incidência do tributo sobre a produção, gravação e distribuição de filmes, que, como visto, estava amparada no item 63.

Terceiro, a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes, mas,

certamente, a mais importante de suas etapas.

Com efeito, conforme o primeiro significado estampado pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa, cinematografia é “o conjunto de princípios, processos e técnicas utilizadas para captar e projetar numa tela imagens estáticas sequenciais (fotogramas) obtidas com uma câmera especial, dando a impressão ao espectador de estarem em movimento”.

Já a produção cinematográfica é uma atividade mais ampla que compreende, entre outras, o planejamento do filme a ser Produzido a contratação de elenco, a locação de espaços para filmagem, e, é claro, a própria cinematografia. E o que se depreende do conceito de produção de cinema contido na Enciclopédia Mirador Universal, in verbis :

12.6.1. Produção: compreende todas as providências relativas à realização dos filmes, assumindo características particulares em cada centro industrial na medida em que divergem as atribuições do produtor. Estas são bem mais amplas, por exemplo, no esquema norte-americano de Hollywood, onde a produção se inicia já na seleção cios argumentos a serem desenvolvidos em roteiros de filmes, onde a linha da produção é antecipadamente planejada.

12.6.2. Na chamada produção independente é o diretor que, com freqüência, assume esses encargos iniciais. Ao procurar um financiador e um administrador da produção, já tem idéias precisas a respeito do trabalho a ser feito. Eventualmente, pode, inclusive, apresentar o cálculo do orçamento aproximado, caso em que as atividades da produção só principiam com os trabalhos concretos de pesquisa sobre os locais 4:Ie filmagem, a contratação de técnicos e demais providências iniciais de organização dos trabalhos propriamente ditos.

12.6.3 Independentemente das peculiaridades de cada centro de produção, esta sempre comporta o levantamento das locações, a verificação das exigências de filmagem em estúdio, o plano de trabalho para as filmagens, a contratação do pessoal necessário à realização, a aquisição de material, enfim, todas as providências concernentes à viabilidade da filmagem; a seguir, a realização propriamente dita se consubstancia nas tomadas de cena e sua articulação pela montagem, a partir do roteiro, compreendendo os trabalhos de laboratório.

Cabem, ainda, à produção as particularidades técnicas ao acabamento do produto a ser industrializado, bem como a preparação de cópias masters e também alguns recursos publicitários em torno da mercadoria que será oferecida ao público.

O item 13.03 permite, ao meu ver, a cobrança do ISS sobre os valores que o cineasta aufere para atuar na produção de determinado filme. Não se confundem, portanto as receitas obtidas pelo produtor e pelo diretor de filmes.

[…]”

A respeito, mostra-se pertinente o precedente indicado pela recorrente, assim ementado. Veja-se:

 

TRIBUTÁRIO – PROCESSO CIVIL – ISS – PARQUE DE DIVERSÕES – ITEM VETADO – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA – QUESTÃO SURGIDA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO – NÃO-OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

  1. Surgida a questão federal no julgamento do apelo, cumpre à parte interessada provocar o Tribunal local, por intermédio de embargos de declaração, para ver prequestionada a tese recursal. Precedentes.

  1. Existindo veto presidencial quanto à inclusão de serviço na Lista de Serviços Anexa ao Decreto-lei 406⁄68, com redação da Lei Complementar 56⁄87, é vedada a utilização da interpretação extensiva.

  1. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido (REsp 1.027.267⁄ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29⁄04⁄2009).”

“Segundo, historicamente, a cinematografia já estava contida na lista anexa ao

DL 406⁄68 (item 65) e nem por isso justificava a incidência do tributo sobre a

produção, gravação e distribuição de filmes, que, como visto, estava amparada

no item 63.”

           

Cite-se ainda:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. PRODUÇÃO DE VÍDEOS POR ENCOMENDA. VETO PRESIDENCIAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PROIBIÇÃO.

  1. O item 13.03 da lista anexa à LC n. 116/2003 não autoriza a tributação pelo ISSQN do serviço de produção de filmes/vídeos por encomenda, porquanto essa atividade não se equipara aos serviços de cinematografia.

  1. Não é adequada a interpretação extensiva de item da referida lista, tendo em vista a existência de veto presidencial ao item 13.01, referente especificamente à “produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, videotapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres”, de modo que não mais é adequado o raciocínio segundo o qual a encomenda do serviço de produção de vídeos atrairia a incidência do ISSQN (em vez do ICMS).

  1. Ressalvada a situação em que o próprio veto é objeto de questionamento judicial, haveria atuação indevida do Poder Judiciário caso se decidisse pela incidência tributária em hipótese vetada pelo Presidente da República.

  1. Caso em que o Tribunal de Justiça procedeu à interpretação extensiva de dispositivo que não a permite, porquanto, vetada a hipótese de incidência, o enquadramento do serviço correlato em outro item equivaleria à derrubada do veto, competência exclusiva do Congresso Nacional, o qual, caso assim entendesse, deveria ter agido em tempo próprio.

  1. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1627818/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 06/04/2017)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISSQN. LC 116/03. PRODUÇÃO DE FITAS E FILMES SOB ENCOMENDA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTE DO STJ. EMBARGOS ACOLHIDOS, MEDIANTE ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS.

  1. O acórdão embargado que se encontra omisso quanto ao fato de que se discute a incidência do ISSQN sobre a produção de vídeo por encomenda à luz da Lei Complementar 116/03, e não do Decreto-Lei 406/68.

  1. “A partir da vigência da Lei Complementar 116/03, em face de veto presidencial em relação ao item 13.01, não mais existe previsão legal que ampare a incidência do ISS sobre a atividade de produção, gravação e distribuição de filmes, seja destinada ao comércio em geral ou ao atendimento de encomenda específica de terceiro, até mesmo porque o item vetado não fazia tal distinção” (REsp 1.308.628/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, 2/8/12).

  1. Embargos de declaração acolhidos, mediante atribuição de efeitos infringentes.

(EDcl no AgRg no Ag 1353885/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 22/10/2013)

Assim sendo, não cabe qualquer outra perspectiva que não coadune no sentido de rejeitar a interpretação extensiva do termo cinematografia para o fim tributário pretendido. Em verdade, a cinematografia é mais uma de tantas outras atividades aportadas dentro de uma produção ou gravação de um filme.

A correção do voto proferido pelo Ministro Benedito Gonçalves no Recurso Especial nº 1.308.628/RS merece toda honraria de servir como uma veraz referência ao tema pela completude de sua análise, que abarcou inclusive uma digressão semiológica do termo cinematografia, concluindo que “a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes, mas, certamente, a mais importante de suas etapas” (grifo nosso)

Ora, o que se extrai em uma breve síntese dos fundamentos adotados em relação aos precedentes citados são os seguintes:

A atividade de “Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres” foi retirada da lista de serviços sujeitos ao ISS por veto expresso do Presidente  da República;

Tal atividade não pode ser equiparada a outro item da lista de serviços, em especial ao de cinematografia, porque:

A jurisprudência do STJ veda a interpretação extensiva em hipótese de veto do chefe do Poder Executivo; Tal possibilidade em hipótese de veto expresso do Chefe do Poder Executivo, nas palavras da Ilustre Ministra ELIANA CALMON em seu voto referente ao já citado RESP nº 1.027.267/ES, reflete o seguinte raciocínio, “(…) Destarte, julgo que este serviço não pode ser objeto de interpretação extensiva para enquadrá-lo como serviço de diversões públicas, pois se estaria descumprindo o processo legislativo e a vontade do povo assim manifestada, resultando em atuação vedada do Poder Judiciário como legislador positivo, consoante expressa a Súmula 339 da Suprema Corte.”

A referida atividade não se confunde com a atividade de cinematografia;

Tanto é assim, que a antiga lista de serviços (Decreto-lei nº 406, de 31/12/1968, com redação dada pela LC nº56, de 15/12/1987) previa ambas as atividades em itens distintos, vide:

DL nº 406/68, com redação dada pela LC nº 56/87:

“(…)

  1. Gravação e distribuição de filmes e “vídeo-tapes””;

(…)

  1. Fotografia e cinematografia, inclusive revelação, ampliação, cópia, reprodução e trucagem;”

LC nº 116/2003 (texto original aprovado pelo Congresso Nacional):

“13 – Serviços relativos a fonografia, fotografia, cinematografia e reprografia.

13.01 — produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeotapes,

discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres;

13.03 — Fotografia e cinematografia, inclusive revelação, ampliação, cópia,

reprodução, trucagem e congêneres.

Ademais, há que se observar que a pretendida extensão por parte dos Municípios é ilegal, eis que deve-se atentar ao comando exteriorizado no art. 110 do Código Tributário Nacional, vide:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Isto posto, legitimar a incidência do ISS sobre produção de filmes como se cinematografia fosse, tornaria letra morta o mencionado artigo 110 do Código Tributário Nacional, eis que possibilitaria que os entes políticos alterassem o alcance de qualquer norma jurídica tributária.

            Além disso, repise-se, tais atividades estão fora do campo de incidência do ISS, sob pena de ofensa aos arts. 150, I e 156, III da CRFB/88, e ao art. 97, I e III do CTN.

3 CONCLUSÃO

Isto posto, verifica-se que os litígios entre as municipalidades e os contribuintes têm chegado, inclusive,  ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que se divide internamente em órgãos especializados para julgar a maioria das matérias, de modo que os processos evolvendo impostos são analisados pela Primeira e Segunda Turma.

Assim sendo, a Primeira Turma do STJ tem se manifestado sobre o tema e mantido uma postura favorável aos contribuintes, concluindo pela não incidência do ISS sobre tais atividades. O argumento para tanto é o de que não é possível enquadrar as atividades de produção, gravação e distribuição de filmes, para fins de tributação, na hipótese de cinematografia, eis que, primeiro houve o veto presidencial, extraindo-se as atividades previstas no item 13.01 da lista anexa à LC 116/2003, de forma que não se aplicaria a interpretação extensiva de outro item da lista para enquadrar essas atividades como tributáveis pelo imposto municipal. Ademais, na visão do STJ, a atividade de cinematografia não equivale à produção de filmes em si, mas somente a uma de suas etapas, dado que a produção cinematográfica se caracteriza por ser uma atividade bem mais ampla que a cinematografia e compreende, dentre outras atividades, o planejamento do filme, a contratação do elenco, a locação de espaços para filmagem e, certamente, a própria cinematografia.

Vide a recente decisão do Resp 1.888.008 em fevereiro de 2022, onde o Ministro Benedito Gonçalves conheceu em parte o recurso especial e, nesta extensão, deu parcial provimento para reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue as associadas a recolher o ISS sobre os serviços de produção, gravação, edição, e legendagem de filmes/vídeos sob o fundamento de que tais atividades se equiparam ao serviço de cinematografia (item 13.03 da lista anexa à LC 116/20 03).[6]

Sendo assim, entende-se que dos conceitos mencionados em nossa introdução, ser relação jurídica, ser serviço e estar descrito na Lei Complementar n. 116/2003 para que haja a materialidade do ISS, verifica-se que os mesmos não estão de fato inseridos no contexto apresentado, e diante das circunstâncias apontadas não há que se falar em incidência do aludido imposto sobre as atividades de Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, video-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital video disc e congêneres, visto que não há relação jurídica entre as partes, uma vez que não há previsão legal para tanto.

REFERÊNCIAS

PAULSEN, Leandro; MELO, Omar Augusto Leite. ISS: CF e LC 116 comentadas. 1. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

BERGAMINI, Adolpho. Curso de ISS. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.267 – ES (2008/0020574-9), Min. ELIANA CALMON – SEGUNDA TURMA, Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=4841965&num_registro=200800205749&data=20090429&tipo=51&formato=PDF, acesso em 23/06/2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1.308.628/RS, RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=24547882&num_registro=201100205378&data=20120917&tipo=5&formato=PDF al=4841965&num_registro=200800205749&data=20090429&tipo=51&formato=PDF, acesso em 20/06/2022.

            BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1888008 – SP (2020/0138871-4), RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES, Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=5&documento_sequencial=129816649&registro_numero=202001388714&peticao_numero=202000695393&publicacao_data=20210803&formato=PDF, acesso em 23/06/2022.

BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

            BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966 Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

Notas:

[1] Mentorado, Rafael Rodrigues Moreira da Silva, advogado.

[2] HARADA, Kiyoshi. ISS: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008. P. 1-3

[3] DÁCOMO, Natália de Nard. Hipótese de incidência do ISS. São Paulo: Noeses, 2006. P. 48.

[4] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-iss-sobre-a-producao-gravacao-e-distribuicao-de-filmes-31012019. Acesso em: 16 jun.2022

[5] Mensagem nº 362, de 31 de julho de 2003.

“ Itens 3.01 e 13.01 da Lista de serviços.

“3.01 – Locação de bens móveis.”

“13.01 – Produção, gravação, edição, legendagem e distribuição de filmes, vídeo-tapes, discos, fitas cassete, compact disc, digital vídeo disc e congêneres.”

Razões do veto

Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:

(…)

O item 13.01 da mesma Lista de serviços mencionada no item anterior coloca no campo de incidência do imposto gravação e distribuição de filmes. Ocorre que o STF, no julgamento dos RREE 179.560-SP, 194.856-SP, cujo relator foi o Ministro Ilmar Galvão, decidiu que é legítima a incidência do ICMS sobre comercialização de filmes para videocassete, porquanto, nessa hipótese, a operação se qualifica como de circulação de mercadoria. Como consequência dessa decisão foram reformados acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que consideraram a operação de gravação de videoteipes como sujeita tão-somente ao ISS. Deve-se esclarecer que, na espécie, tratava-se de empresas que se dedicam à comercialização de fitas por elas próprias gravadas, com a finalidade de entrega ao comércio em geral, operação que se distingue da hipótese de prestação individualizada do serviço de gravação de filmes com o fornecimento de mercadorias, isto é, quando feita por solicitação de outrem ou por encomenda, prevalecendo, nesse caso a incidência do ISS (retirado do informativo do STF no 144).”

[6] https://www.migalhas.com.br/quentes/359668/stj-nao-incide-iss-sobre-atividade-de-empresa-de-audiovisual

Palavras Chaves

Imposto sobre serviços, Veto Presidencial, Legalidade, interpretação extensiva, processo legislativo.