A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO NO BRASIL E O DESEQUILÍBRIO EM CENÁRIO DE CRISE ECONÔMICA

Resumo

Este artigo consiste na apresentação de um estudo da negociação coletiva de trabalho no Brasil. Foram abordados fundamentos de direito do trabalho como um direito social, direito fundamental e constitucional, além dos princípios da dignidade da pessoa humana, irrenunciabilidade de direitos, princípio da norma mais favorável e da adequação setorial negociada. O tema justifica-se diante o cenário econômico e político que assola o país na atualidade, levando a flexibilização de importantes normas trabalhistas, toda crise que abate o instituto da negociação, como também o contexto histórico de surgimento das negociações coletivas como um dos fenômenos mais relevantes do Direito Coletivo do Trabalho. A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, como também artigos postados via internet. De todo o pesquisado, foi possível concluir que a negociação coletiva, teve origem com o intuito de dirimir os conflitos existentes entre as partes da relação laboral, e proteger os seus direitos conquistados, consubstanciado pelo mínimo existencial.

Artigo

 A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO NO BRASIL E O DESEQUILÍBRIO EM CENÁRIO DE CRISE ECONÔMICA

 

Alana Cristina Farias Cavalcante*

Magda Hruza Alqueres**

 

Resumo

 Este artigo consiste na apresentação de um estudo da negociação coletiva de trabalho no Brasil. Foram abordados fundamentos de direito do trabalho como um direito social, direito fundamental e constitucional, além dos princípios da dignidade da pessoa humana, irrenunciabilidade de direitos, princípio da norma mais favorável e da adequação setorial negociada. O tema justifica-se diante o cenário econômico e político que assola o país na atualidade, levando a flexibilização de importantes normas trabalhistas, toda crise que abate o instituto da negociação, como também o contexto histórico de surgimento das negociações coletivas como um dos fenômenos mais relevantes do Direito Coletivo do Trabalho. A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, como também artigos postados via internet. De todo o pesquisado, foi possível concluir que a negociação coletiva, teve origem com o intuito de dirimir os conflitos existentes entre as partes da relação laboral, e proteger os seus direitos conquistados, consubstanciado pelo mínimo existencial.

Palavras-chave: Negociação coletiva; evolução histórica; Constituição Federal; Consolidação de Leis do Trabalho; reforma trabalhista; Medidas Provisórias; crise econômica; princípios trabalhistas; princípios constitucionais; flexibilização de direitos.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto da negociação coletiva de trabalho no Brasil, desde 1930, quando ganhou notoriedade, demonstrando os momentos ao longo da história e suas variantes, até o momento atual diante o cenário de crise política, econômica e social do país que põe em desequilíbrio este importante instituto.

Após anos de esforço a negociação coletiva trouxe ao trabalhador o seu reconhecimento, de forma que conseguisse ter voz para que os seus direitos fossem colocados em prática, e a relação laboral se tornasse mais sólida e igualitária, e não mais fossem menosprezados e subjugados as vontades do empregador, pois as convenções e acordos coletivos de trabalho, os tornaram conhecidos como direito fundamental e consequentemente constitucional. A Constituição Federal traz em seu texto formas de proteção ao trabalhador, voltados principalmente ao princípio da irrenunciabilidade de seus direitos. Este princípio traz consigo a vertente de que, em momento algum o trabalhador poderá dispor de seus direitos, fazendo com que esta parte hipossuficiente fique protegida e consiga alcançar a dignidade da pessoa humana, por intermédio deste importante instrumento que é o trabalho. Esse mínimo existencial, o qual o direito do trabalho é baseado, o leva a dignidade, em que é o objetivo fundamental da Constituição. Este patamar existente do instituto da negociação coletiva é sobremodo importante, a fim de salvaguardar os direitos conquistados pelos trabalhadores, tornando o seu trabalho mais digno, e consequentemente transformador do seu meio social e de sobrevivência. Desta forma, a negociação coletiva tem uma grande relevância, pois além de dar voz as partes, deixa as relações mais equilibradas, valoriza os direitos trabalhistas, os traz segurança jurídica na sua operacionalidade e se alinha com o Estado Democrático de Direito, que norteia princípios importantes da ordem pública e vincula todos os trabalhadores a esses direitos.

A escolha do tema se deu em razão da atual crise no país, em decorrência da pandemia do COVID-19, em que se apresentou uma nova conjuntura das relações de trabalho e todas as medidas jurídicas constituídas para a o enfretamento desta crise. O ponto central destas medidas cria reflexos diretos na CLT e consequentemente na Constituição Federal, a respeito das negociações coletivas, e é preciso um estudo que apresente a sua construção histórica no decorrer das décadas para que seja entendido a dimensão das normas nos dias atuais.

A metodologia abordada consistiu na revisão bibliográfica de estudo com referência a renomados doutrinadores e artigos científicos.  É uma pesquisa descritiva do fenômeno e os principais aspectos da problemática foram levantados mediante a reflexão do tema.

Este trabalho foi sistematizado em três capítulos. Num primeiro momento foi apresentado o contexto histórico do instituto da negociação coletiva, desde o seu marco durante a chamada “Era Vargas”, perpassando pelas normas jurídicas, elaboradas para regulamentar os direitos coletivos, tais como, sindicatos, greve, convenção coletiva de trabalho, contrato coletivo, acordo coletivo, até o momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, elaborada como expressão máxima da democracia, que colocou os direitos coletivos em outro estágio. No segundo momento, abordados os aspectos da reforma trabalhista, Lei nº 13.467/2017, referentes a negociação coletiva e, os diversos debates de doutrinadores, como também jurisprudência, sobre a prevalência do negociado sobre legislado, da constitucionalidade e aplicabilidade de alguns artigos, levando em consideração a Carta Magna e os seus princípios.  Por último, foram observadas as medidas necessárias para o enfrentamento da crise decorrente da pandemia do coronavírus, que atinge diretamente o instituto da negociação coletiva e leva ao questionamento de sua matéria, confrontadas a Constituição Federal e Consolidação das Leis do Trabalho. É importante observar como, ao longo desses 90 anos, desde 1930, o país passou por diversos ciclos e como é evidente a relevância e evolução acerca das negociações coletivas.

  1. O instituto da Negociação Coletiva de Trabalho no Brasil

O instituto da negociação coletiva de trabalho no Brasil apresentado pela doutrina, se formou aos poucos, e apesar da maior parte entender que teria seu marco inicial em 1930, quando o país passou a ser governado por Getúlio Vargas e após a Constituição Federal de 1934.

“O decreto de 1931 previa a criação de Conselhos Mistos e Permanentes de Conciliação para a composição dos conflitos coletivos, precedendo a lei de contratos coletivos” (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 211, p. 89). O Decreto nº 19.770, também mencionava:

[…] Art. 7º Como pessoas jurídicas, assiste aos sindicatos a faculdade de firmarem ou sancionarem convenções ou contratos de trabalho dos seus associados, com outros sindicatos profissionais, com empresas e patrões, nos termos da legislação, que, a respeito, for decretada.

[…] Art. 10º Além do que dispõe o art. 7º, é facultado aos sindicatos de patrões, de empregados e de operários celebrar, entre si, acordos e convenções para defesa e garantia dos interesses recíprocos, devendo ser tais acordos e convenções, antes de sua execução, ratificados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. (BRASIL, 1931)

Como podemos observar, os comedidos avanços trazidos pelo referido decreto, mantinham a ausência da autonomia sindical, visto que tais entidades estavam subordinadas ao controle e direcionamento do poder público, por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as negociações coletivas não tinham efeito erga omnes, abrangendo apenas os filiados aos sindicatos.

No ano seguinte, expediu-se outro Decreto abrangendo a possibilidade de negociação coletiva, para outros níveis de categoria, empregados e empregadores do mesmo ramo de atividade profissional. Assim explica:

[…] O Estado aprovou lei (Dec. n. 21.761) em 1932 instituindo o direito de contratação coletiva do trabalho, apesar do contraste entre a regulamentação jurídica ampla que se efetivava e a ideia da auto elaboração das normas pelos próprios interlocutores sociais, inerente à negociação coletiva das condições de trabalho pelos sindicatos. […] A concepção observada pelo Decreto n. 21.761 foi a contratual, como resulta do nome atribuído ao instituto que disciplinou – contrato coletivo de trabalho -, atribuída a legitimidade para negociar, diretamente, aos empregados e empregadores, aos sindicatos ou a qualquer outro agrupamento de trabalhadores ou patrões, solução, como se vê, diferente da do modelo posteriormente adotado, de monopólio sindical. (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 89-90).

A Constituição de 1934 foi promulgada dois anos após o referido decreto, promovendo os direitos trabalhistas a um novo nível, dispondo em seu Artigo 120 o reconhecimento dos sindicatos e associações profissionais, e no parágrafo 1º do Artigo 121 elenca direitos e preceitos e já insere a expressão “além de outros que colimem melhorar as condições dos trabalhadores” e em sua alínea j promove o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Importante frisar que esta é a única Constituição a instituir o sistema de pluralidade sindical que não chegou a ser regulamentado mas garantindo o reconhecimento dos instrumentos firmados entre sindicatos e trabalhadores.

A Constituição de 1937 conservou os direitos da Constituição antecedente e ainda estabeleceu outros. Em seu artigo 137, consagrou os negócios contratos coletivos de trabalho, sob a denominação de contrato, atribuindo legitimidade as associações profissionais e econômicas, sindicatos legalmente reconhecidos pelo Poder Público, através do Ministério do Trabalho. “O texto constitucional em exame substitui o termo convenção coletiva por contrato coletivo, à semelhança do que ocorria no Direito italiano” (BARROS, 2016, p. 57).

Podemos perceber que ao longo dos anos, a legislação trabalhista era formada por leis esparsas, que dificultavam a integração entre elas como também a sua aplicabilidade. Com a institucionalização das leis trabalhistas, houve uma crescente elaboração de normas, para suprir as necessidades da classe trabalhadora, diante o cenário político e econômico do Brasil.

Diante essa necessidade, foi editado em 1943 o Decreto-lei n. 5.452, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Este código não criava um novo ordenamento justrabalhista, apenas sistematizava toda legislação vigente a época, estruturando-as e preenchendo as lacunas.

Como texto básico unificador das normas existentes, a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei n. 5.453, de 1º de maio de 1943, tem um significado que não pode ser desconhecido; porém, vista como meio de aperfeiçoamento do sistema legal sobre relações coletivas de trabalho, em nada contribuiu, não passando de mera reunião de textos já existentes com algumas pinceladas pouco ou em quase nada inovadoras. […] A negociação coletiva em nada se alterou, a não ser para ficar explícita a sua aplicação em nível de categoria, como convenção entre sindicatos, não previsto o acordo coletivo em nível de empresa e que só mais tarde, em 1967, foi admitido. (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 98).

Apesar da CLT não trazer nenhuma inovação acerca da negociação coletiva, ela não deixou de consagrar este instituto, como podemos observar no artigo 611, que assim definia: “Contrato coletivo de trabalho é o convênio de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições que regerão as relações individuais de trabalho, no âmbito da respectiva representação.” (BRASIL, 1943).

A Constituição Federal de 1946 ampliou os direitos dos trabalhadores e trouxe avanço “sob o prisma do Direito Coletivo, e o art. 158 reconhece o direito de greve, cujo exercício a lei regulará, e o art. 159 dispõe ser livre a associação profissional ou sindical” (BARROS, 2016, p. 58). O artigo 157 mantem a expressão “além de outros que visem à melhoria das condições dos trabalhadores e em seu inciso XIII reconhece as convenções coletivas de trabalho. A importância do texto constitucional de 1946 é a consagração do principio da isonomia salarial em seu inciso II vedando a diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil além de assegurar em seu inciso IV a participação obrigatória dos trabalhadores nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar, o que só ocorreu em…

Anos após, é elaborada a Constituição de 1967, que mencionava “o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho (art. 158, XIV). O decreto-lei n. 229, de 28 de fevereiro de 1967, modificou a expressão contrato coletivo de trabalho contida na CLT para convenção e acordo coletivo (arts. 611 a 625 da CLT)” (MARTINS, 2012). Com isso, a designação já conhecida, contrato coletivo, foi extinta, e o instituto da negociação coletiva foi desdobrado, surgindo então, ao lado da convenção coletiva, o acordo coletivo de trabalho.

Com relação a evolução da negociação coletiva é considerável observar os dados históricos:

O retrospecto da legislação brasileira nos leva ao quadro que passa a ser descrito: o Decreto n. 21.761, de 23.8.1932; a Constituição Federal de 1934, art. 121, § 1º, j, que reconhece as convenções coletivas; a Constituição Federal de 1937, art. 137, a, que estende os efeitos dos contratos coletivos a sócios e não sócios dos sindicatos estipulantes e fixa um conteúdo obrigatório mínimo para os mesmo, seguida pelo Decreto-lei n. 1.237, de 2.5.1939, art. 28, d, que organiza a Justiça do Trabalho e investe o Conselho Nacional do Trabalho de poderes para estender a toda categoria, nos casos previstos em lei, os contratos coletivos de trabalho; a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que regulou, de modo mais amplo, a convenção coletiva de trabalho como instrumento normativo de efeitos erga omnes sobre toda a categoria representada pelo sindicato único; a Constituição Federal de 1946, art. 157, XIII, que mantém o reconhecimento das convenções coletivas; o Decreto-lei n. 229, de 28.2.1967 […] que criou os acordos coletivos entre sindicato e uma ou mais empresas, com os quais os níveis de negociação passaram a ser dois, um, a categoria, único até então existente, outro, a empresa, ambos passando necessariamente, pelo sindicato profissional detentor exclusivo da legitimidade para negociar nos dois casos; a Constituição de 1988, que atribuiu à negociação coletiva, a função de administrar crises nas empresas, ao admitir a redução dos salários e da jornada por acordos e convenções coletivas (CF, art. 7º, VI e XIII) e condicionar, a propositura de dissídios coletivos, à prévia tentativa de negociação (art. 114). (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 130-131).

Em 1988 foi promulgada a atual Constituição Federal. Após anos de intervencionismo estatal, esta Carta Magna colocou o cidadão em sua essência, sendo ele a figura principal a ser protegida, por isso é conhecida como Constituição Cidadã. “A Constituição de 1988 trouxe, nesse quadro, o mais relevante impulso já experimentado na evolução jurídica brasileira, a um eventual modelo mais democrático de administração dos conflitos sociais no país” (GODINHO, 2017, p. 132).

A referida Carta trouxe enorme préstimo acerca dos Direitos Sociais, referenciado no Capítulo II, sendo responsável por um avanço democrático do direito coletivo brasileiro.

Os princípios da Constituição de 1988 (arts. 10 a 12) são, em resumo, os seguintes:

  1. o direito de organização sindical e a liberdade sindical;
  2. a manutenção do sistema confederativo com os sindicatos, federações e confederações, sem menção às centrais sindicais;
  3. a unicidade sindical com a autodeterminação das bases territoriais, não sendo, todavia, admitida a criação de um sindicato já existente outro na mesma base e categoria; a base territorial fixada pelos trabalhadores não poderá ser inferior à área de um Município;
  4. a livre criação de sindicatos sem autorização prévia do Estado;
  5. a livre administração dos sindicatos, vedada interferência ou intervenção do Estado;
  6. a livre estipulação, pelas assembleias sindicais, da contribuição devida pela categoria, a ser descontada em folha de pagamento e recolhida pela empresa aos sindicatos, mantida, no entanto, e além dela, a contribuição sindical imposta por lei;
  7. a liberdade individual de filiação e desfiliação em sindicato;
  8. a unificação do modelo urbano, e de colônias de pescadores;
  9. o direito dos aposentados, filiados ao sindicato, de votar nas eleições e de serem votados;
  10. a adoção de garantias aos dirigentes sindicais, vedada a dispensa imotivada desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato;
  11. o direito de negociação coletiva;
  12. o direito de greve, com maior flexibilidade;
  13. o direito de representação dos trabalhadores nas empresas a partir de um certo número de empregados por empresa. (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 106-107)

Como podemos observar, trouxe um novo paradigma para as organizações sindicais e as relações coletivas de trabalho, sendo estas duas estritamente conectadas. Nesse sentido, o art. 7º, XXVI, prevê o direito ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. E o art. 8º, VI, conceitua “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho” (BRASIL, 1988).

A negociação é tarefa maior dos sindicatos, a tal ponto que sua existência só se justificará na proporção da sua capacidade de negociar. Um sindicato sem força ou condição para conseguir contratos coletivos de trabalho razoáveis não tem nenhuma expressão, porque a sua presença na vida das relações de trabalho seria figurativa. Os interesses que segundo a Constituição devem ser defendidos pelo sindicato são os coletivos e os individuais, cabendo aqui, ainda que de modo sumário, uma referência a cada um desses dois tipos. O interesse coletivo situa-se entre o interesse público e o individual, com eles não se confundindo. (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 117)

Embora as Constituições anteriores mencionassem as convenções coletivas, e o decreto-lei n. 229, de 1967, se referisse aos acordos coletivos, foi com a Constituição de 1988 que elevou o status constitucional destes institutos e admitindo, ainda, uma flexibilização maior do que os textos constitucionais anteriores.

A negociação coletiva de trabalho assume relevância como forma de solução de conflito e está na base da formação do direito do trabalho, como uma de suas fontes de produção.

“A negociação visa solucionar divergências” (ZAJDSZNAJDER, 1988, p. 9). Toda negociação implica objetivos e presume concessões, de um ou de alguns objetivos com o fim de atingir um acordo. Dessa concepção de conceito em sentido amplo, compreende-se que a negociação é o meio utilizado para que um interessado obtenha de outro com interesse contrário uma solução que satisfaça as duas partes, resolvendo o conflito em questão.

Para o ramo do Direito do Trabalho, nas palavras de Victor Stuchi:

É a parte do Direito do Trabalho que cuida das relações coletivas de trabalho, ou seja, aquelas relações que se estabelecem entre os representantes dos empregados e dos empregadores. Esses representantes podem ou não se organizar nos chamados sindicatos, celebrando negociações coletivas de trabalho e solucionando conflitos coletivos de trabalho (STUCHI, 2018, p. 19).

A doutrina classifica as normas jurídicas em heterônomas e autônomas, sendo a primeira decorrente de produção sem a atuação direta dos interessados. São normas que decorrem diretamente do poder estatal, como a Constituição, leis, medidas provisórias, decretos, entre outros. Já as autônomas são elaboradas pelas próprias partes, conforme podemos extrair do conceito do jurista Mauricio Godinho:

Autônomas seriam as normas cuja produção caracteriza-se pela imediata participação dos destinatários principais das normas produzidas. São em geral, as normas originárias de segmentos ou organizações da sociedade civil, como os costumes ou os instrumentos da negociação coletiva privada (contrato coletivo, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho). As normas autônomas – caso coletivamente negociadas e construídas – consubstanciam um autodisciplinamento das condições de vida e trabalho pelos próprios interessados, tendendo a traduzir um processo crescente de democratização das relações de poder existentes na sociedade. (DELGADO, 2017, p. 150).

Visto que as fontes do direito não se esgotam apenas pelas fontes heterônomas, o constituinte de 1988 reconheceu a relevância das fontes autônomas, que possibilitam mais equilíbrio entre as partes envolvidas e instituiu a flexibilização com mecanismos tendentes a harmonizar mudanças de ordem econômica, tecnológica e social existentes na relação entre o capital e o trabalho, o que também pode provocar a criação ou alterações de normas positivas.   Além disso, a Carta Magna se preocupou em abrir espaço para que as partes incorporadas dentro daquela realidade, possam administrar as crises e necessidades na empresa, ao admitir a redução dos salários e da jornada de trabalho por acordos e convenções coletivas, conforme art. 7º, incisos VI e XIII, e condicionar a propositura de dissídios coletivos, à prévia tentativa de negociação, consoante art. 114.

As convenções coletivas, embora de origem privada (normas autônomas), criam regras jurídicas, isto é, preceitos gerais, abstratos, impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato. DELGADO, 2017, p. 173).

Transcorridos mais de 30 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, é possível se afirmar que a doutrina se encontra totalmente desenvolvida e capaz de entender e ensinar as bases constitucionais do Direito do Trabalho.

Como visto, o chamado Direito Sindical e o Direito Coletivo do Trabalho representam a expressão máxima de força histórica da sociedade civil na busca das instituições democráticas, tendo assim enorme relevância, permitindo inclusive que a sociedade civil organizada (por intermédio dos sindicatos) tenha força para buscar melhores condições e equilíbrio na relação garantindo-se maior autonomia e beneficios capazes de assegurar melhores condições de trabalho e de vida.

  1. A Reforma Trabalhista e a Negociação Coletiva

Em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017, conhecida pela doutrina como Reforma Trabalhista, a qual alterou diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, o que trouxe grande impacto em várias situações da relação de trabalho, desde a contribuição sindical, contratos de trabalho, condições de trabalho, negociações para criação de contratos, extinção de contratos, entre outros, e reflexos relevantes sobre o instituto da negociação coletiva.

Visto que a negociação coletiva desempenha funções de grande importância para a harmonia nas relações de trabalho e para o desenvolvimento social, as alterações trazidas pela Lei nº 13.467/2017, provocaram enorme debate no universo jurídico.

No sistema jurídico brasileiro, os contratos substituídos por instrumentos coletivos de trabalho são as convenções coletivas de trabalho e os acordos coletivos de trabalho, conforme o art. 7º, XXVI, Constituição Federal 1988.

A convenção coletiva de trabalho é definida no art. 611, caput, da CLT, como o “acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho” (BRASIL, 1967)

Já o acordo coletivo é definido pelo art. 611, § 1º, da CLT, como sendo o instrumento normativo que decorre da negociação coletiva, sendo firmado, em regra, pelo sindicato da categoria profissional com uma ou mais empresas.

A reforma trabalhista alterou o art. 611, acrescentando o 611-A que traz situações em que o que está sendo negociado tem prevalência sobre a lei e podem ser assuntos substituir por objetos da negociação coletiva, o que é chamado de prevalência do negociado sobre o legislado. Dispõe o referido artigo:

Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I-pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites      constitucionais;

II-banco de horas anual;

III-intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV-adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

V-plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI-regulamento empresarial;

VII-representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII-teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX-remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X-modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI-troca do dia de feriado;

XII-enquadramento do grau de insalubridade;

XII-(Vigência encerrada)

XII-enquadramento do grau de insalubridade;

XIII-(Vigência encerrada)

XIII-prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;

XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;

XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.

  • 1oNo exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3odo art. 8o desta Consolidação.
  • 2oA inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
  • 3oSe for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
  • 4oNa hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
  • 5o(Vigência encerrada)
  • 5oOs sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos. (BRASIL, 2017)

Acerca disso, surgiram diversas discussões no universo jurídico, a respeito da constitucionalidade do referido artigo, visto que diversos incisos vão na contramão do que determina a Constituição Federal. Podemos observar nas palavras do doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite:

Primeiro, porque o art. 7o caput, da CF só permite validamente a edição de regras (ou cláusulas) que impliquem melhoria da condição socioeconômica dos trabalhadores urbanos e rurais. Logo, nem mesmo por emenda constitucional seria possível restringir ou reduzir o núcleo duro do art. 7º da CF, já que este veicula normas de direitos fundamentais (CF, art. 60, § 4º, IV) que, por sua vez, são em regra, de ordem pública.

Segundo, porque as convenções e os acordos coletivos de trabalho são direitos fundamentais sociais dos trabalhadores (CF, art. 7º, XXVI) e devem ter por objeto o que consta do caput do mesmo artigo 7º do Texto Magno, ou seja, melhorar as condições sociais dos trabalhadores.

Terceiro, porque o próprio legislador constituinte originário estabeleceu as três hipóteses excepcionais em que os direitos fundamentais sociais dos trabalhadores podem ser reduzidos (ou flexibilizados) por meio de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, a saber: redução de salários (CF, art. 7º, VI), a compensação ou redução da jornada (CF, art. 7º, XIII) e o estabelecimento da jornada de turnos ininterruptos de revezamento (CF, art. 7º, XIV).

Quarto, porquanto o novel art. 611-A da CLT não faz distinção entre trabalhadores filiados e não filiados ao sindicato. E isso é de extrema importância, já que a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, deixando assim, de existir o principal fundamento para que ele seja atingido pelo ônus e bônus previstos em convenções e acordos coletivos. (LEITE, 2017, p. 701)

Ao tornar alguns direitos disponíveis, a lei consentiu que esses direitos fossem mitigados ou reduzidos. Enquanto alguns doutrinadores defendem que não pode haver restrições de direito fundamental garantido no ordenamento jurídico, outros, defendem que a negociação coletiva poderá ter maior amplitude, inclusive restringindo direitos e garantias fundamentais.

O termo presente no caput, entre outros, demonstra que o rol é exemplificativo, portanto, resulta na possibilidade de abranger outras matérias, ainda que o resultado da negociação seja desfavorável ao trabalhador, sendo necessário o seu cumprimento mesmo assim.

Para o jurista Gustavo Garcia não há que se falar em violação a Constituição Federal, visto que “segundo a interpretação constitucional, a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando estabeleçam de forma mais favorável ao empregado.” (GARCIA, 2018, p. 1134).

Importante observar, que mesmo com toda discussão doutrinária acerca do art. 611-A, da CLT, os tribunais têm tido suas decisões baseadas no princípio da norma mais favorável, sendo aquele decorrente da teoria do conglobamento, em que se aplica o instrumento que, no seu conjunto, for mais favorável ao trabalhador.

RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – DISSÍDIO COLETIVO REVISIONAL AFORADO PELO SINDICATO OBREIRO, SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17 – ACORDO HOMOLOGADO PELO TRT DA 4ª REGIÃO, COM RESSALVAS DO PARQUET – PLEITO DE EXCLUSÃO DA CLÁUSULA 10ª ALUSIVA À JORNADA DE TRABALHO – POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO POR NORMA COLETIVA – EXISTÊNCIA DE VANTAGENS COMPENSATÓRIAS – ADEQUAÇÃO DA REDAÇÃO DA CLÁUSULA EM APREÇO AO DISPOSTO EXPRESSAMENTE NO ART. 611-A, III, DA CLT – PROVIMENTO PARCIAL . 1. O art. 7º, XXVI, da CF estabelece o reconhecimento dos acordos e das convenções coletivas de trabalho, permitindo, inclusive, a redução dos principais direitos trabalhistas, concernentes ao salário e à jornada de trabalho. 2. A Lei 13.467/17, da reforma e modernização da legislação trabalhista, aplicável aos contratos vigentes a partir de 11/11/17, veio a traçar parâmetros específicos do que se pode (15 hipóteses), ou não (30 hipóteses), negociar e flexibilizar, em relação à legislação trabalhista (CLT, arts. 611-A e 611-B), inclusive no que respeita ao intervalo intrajornada, e nela também foi explicitada a teoria do conglobamento, bem como a natureza não ligada à medicina e segurança do trabalho das normas ligadas à jornada de trabalho. 3. In case, o TRT da 4ª Região , em 18/03/19, considerando a petição que noticiou o êxito na negociação direta entre as Partes, homologou o acordo avençado , com ressalvas do Parquet , que, no presente apelo, almeja a exclusão da Cláusula 10ª da CCT de 2018/2019, ao prever que “as empresas poderão adotar a jornada de trabalho ininterrupta de 07h20min diários, sem redução e sem acréscimo salarial e/ou gratificação de hora extraordinária”. 4. A matéria em apreço se resolve pela observância das disposições constitucionais e da novel legislação trabalhista, considerada, ainda, a ratio decidendi do precedente STF-RE 590.415-SC (Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 30/04/15) no sentido de se respeitar a autonomia negocial coletiva, nos termos do art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, da CF, nas ações anulatórias de cláusulas de ACT/CCTs, estabelecendo os parâmetros a serem seguidos em matéria de negociação coletiva, fixando a tese geral de que deveria ser respeitada a vontade coletiva dos trabalhadores e empregadores, plasmada em instrumentos normativos negociados, em face do princípio da boa-fé . 5. No voto do saudoso Min. Teori Zavaski nesse leading case, adotou-se explicitamente a teoria do conglobamento, segundo a qual o acordo e convenção coletivos são fruto de concessões mútuas, cuja anulação não pode ser apenas parcial em desfavor de um dos acordantes nem depender de explicitação de vantagens compensatórias à flexibilização de direitos. 6. Não bastasse tanto, ainda que superada a tese supracitada, do cotejo entre a proposta de revisão das cláusulas apresentadas na exordial pelo Sindicato obreiro e aquelas acordadas judicialmente, verifica-se a existência de vantagens compensatórias no instrumento coletivo referentes aos benefícios concedidos aos empregados, tais como: a) o plano de saúde previsto no caput da cláusula 26ª, no sentido de que “será concedido aos trabalhadores um plano de saúde individual – PLANO AMBULATORIAL PRATA (Saúde Maior) -, sem qualquer ônus aos obreiros”, o que representa custo significativo para as Empresas, porém, com inequívoca proteção à saúde do trabalhador, vindo ao encontro dos anseios da categoria profissional, como constou na justificativa inserta na exordial, no aspecto; b) o pagamento do “13º Vale Refeição”, o pagamento ao “funcionário afastado por auxílio doença, o correspondente vale alimentação do mês do início do benefício, acrescido de um mês complementar” e o pagamento do vale alimentação aos funcionários, “quando o mesmo estiver no gozo das férias” (cfr. cláusula 6ª, §§ 1º, 4º e 5º, respectivamente). Tal situação está alinhada ao precedente da SDC desta Corte (cfr. TST- RO-22201-91.2016.5.04.0000, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT de 22/03/19). 7. Por fim, não há de se falar na suposta afronta à Súmula 437 do TST, uma vez que: a) as suas disposições regem situação preterida à vigência da Lei 13.467/17, o que não se amolda ao presente caso, em que as cláusulas convencionais foram homologadas judicialmente em 18/03/19, daí porque tenho por constitucionalmente válida a cláusula 10ª da CCT em apreço, desde que adaptada à Lei 13.467/17; b) a Súmula 437, II, do TST contraria o precedente vinculante do STF, ao considerar infensa à negociação coletiva norma da CLT disciplinadora de jornada de trabalho. 8. No entanto, em que pese a possibilidade de flexibilização, in casu, merece ser dado provimento parcial ao recurso, determinando-se a adequação da redação da Cláusula 10ª da CCT em apreço, ao disposto no art. 611-A, III, da CLT, garantindo-se o intervalo intrajornada de 30 (trinta) minutos. Recurso ordinário provido em parte. (TST – RO: 220038320185040000, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 14/10/2019, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 04/11/2019) (TST, 2019)

O art. 611-B, incluído pela reforma trabalhista, prevê que constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão dos direitos ali elencados. Em seu § único, estabelece que as regras relativas à duração do trabalho e intervalos, não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Para Carlos Henrique Bezerra Leite este artigo é incompatível com “o entendimento jurisprudencial dominante no TST (Súmula 437, II)” (LEITE, 2018, p. 709).

Súmula nº 437 do TST

[…] II – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 e art. 7º, XXII da CF/1988), infenso à negociação coletiva. (TST, 2012)

Gustavo Filipe Garcia assevera:

A verdade é que as normas jurídicas sobre duração do trabalho e intervalos são, por natureza e essência, de ordem pública, pois há interesse social na sua limitação, em proteção da saúde, da segurança e da vida do trabalhador, com o objetivo de preservar e concretizar a sua dignidade como pessoa. […] Assim, cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata o Capítulo V, do Título II, da CLT, sobre segurança e medicina do trabalho, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre as matérias previstas no art. 200 da CLT. (GARCIA, 2018, p. 1161).

Outro ponto controverso da reforma trabalhista é o art. 444, da CLT. Nos termos do § único, foi denominado o trabalhador hipersuficiente, que seria aquele que possui diploma de nível superior e receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, atualmente fixado em R$ 12.202,12.

O art. 444, CLT, determina que:

As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção do trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo de benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Esse dispositivo levantou o questionamento de que um trabalhador que tem um salário mais alto e formação em curso superior possui efetivamente possibilidades de negociar condições de seu contrato de trabalho, com a mesma força legal e sobrepondo seus termos sobre o previsto em instrumentos coletivos, em igualdade de condições com o empregador?

Se já existe uma objeção sobre a constitucionalidade do predomínio do negociado coletivamente sobre o legislado, muito mais discutível, a prevalência do individualmente negociado sobre o coletivamente negociado e consequentemente sobre o legislado.

Para Carlos Henrique Bezerra Leite:

Esse dispositivo a nosso ver, é de induvidosa inconstitucionalidade por atritar com os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, 7º, caput, e XXXII, e 170 da CF, os quais enaltecem a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a função social da empresa e do contrato de trabalho, a proibição de discriminação de qualquer natureza e abominam qualquer distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual ou entre os profissionais respectivos. Na mesma linha, o Enunciado 49 aprovada na 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que acrescenta violação à Convenção 111 da OIT e enaltece que “negociação individual somente pode prevalecer sobre o instrumento coletivo se mais favorável ao trabalhador e desde que não contravenha as disposições fundamentais de proteção ao trabalho, sob pena de nulidade e de afronta ao princípio da proteção (artigo 9º da CLT c/c artigo 166, VI, do Código Civil)”                      (LEITE, 2018, p. 162).

Nesse sentido, podemos observar que a lei teve a intenção em determinar a autonomia individual da vontade, permitindo mais liberdade e flexibilidade para que as partes se adequem a melhor maneira a sua realidade, no entanto, é necessário cautela visto que o empregado, independentemente do seu grau de instrução e salário, presta serviços de forma subordinada ao empregador, e este exerce liderança sobre o trabalhador. Além disso, mesmo o trabalhador tendo um salário alto, ele precisa trabalhar para manter a sua subsistência e não é titular das decisões de gestão de seu trabalho, podendo correr o risco de ficar submisso as vontades de quem tem mais poder.

Diante o exposto, o Direito do Trabalho e o Direito Constitucional são intrínsecos, sendo que as normas trabalhistas devem estar alinhadas a Carta Magna, levando em conta não apenas as regras tradicionais de interpretação, mas também, todo o conjunto de normas e princípios constitucionais, como por exemplo, a vedação ao retrocesso social, que impede o legislador infraconstitucional de extinguir direitos e garantias sociais, como os direitos trabalhistas, adquiridas pelos beneficiários ao longo da história. Outro princípio a ser observado é o da dignidade da pessoa humana, sendo de suma importância nas relações de trabalho, para que seja preservado a integridade e dignidade, decorrentes de condições de trabalho dignas e com saúde.

  1. Negociação coletiva em cenário de crise econômica decorrente da pandemia

A história do Direito do trabalho passou por mudanças significativas nos últimos 100 anos. Presenciou a industrialização, máquinas que no início eram mecânicas, depois máquinas que possibilitavam maior produtividade, robôs programados para trabalharem em linha de produção em série, e por fim o grande avanço da rede mundial de computadores. Tecnologias que permitem o uso da imagem e voz, em alta velocidade, possibilitando o chamado teletrabalho, que é aquele realizado de forma remota, sem a presença do trabalhador no ambiente físico do local de trabalho.

Com a pandemia do COVID-19, essa realidade ficou ainda mais evidente. Foi necessário que em poucos dias, empregados e empregadores se adaptassem a essa nova forma das relações de trabalho e consequentemente a todo os direitos trabalhistas que permeiam este vínculo a partir da decretação do estado de calamidade pública pela adoção de medidas para manutenção de empregos e minimização de impactos econômicos, tanto para o país, quanto para empregados e empregadores.

Nesse sentido foi editada a Medida Provisória 927, em 22 de março de 2020. Esta MP tinha o intuito de preservar os empregos, evitar um cenário de demissão em massa de funcionários, sendo, portanto, uma forma de auxiliar empregados e empregadores a suportar este momento de crise.

O art. 2º previa que os empregados e empregadores podem formalizar acordo individual escrito com a finalidade de garantia de emprego, tendo esta preponderância sobre instrumentos normativos legais e negociais, respeitando, os limites constitucionais. Neste sentido, Vólia Bomfim menciona:

Sob este prisma, a MP 927/20 prevalece, temporariamente, enquanto estivermos vivenciando o estado de calamidade pública, sobre o artigo 611-A da CLT, revogando os dispositivos das normas coletivas que contrariarem o ajuste escrito formulado entre as partes. Este entendimento se coaduna com o princípio da prevalência da saúde pública sobre o interesse individual, princípio da prevalência do coletivo sobre o particular, da solidariedade, da preservação e função social da empresa, subprincípio da função social da propriedade (art. 170 da CF) (BOMFIM, 2020, on-line).

A respeito do referido artigo, houve muita controvérsia em especial quanto ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, que trata do reconhecimento de acordos e convenções coletivas, e o artigo 8º, III, o qual confere ao sindicato a defesa dos interesses coletivos e individuais da categoria. Menciono aqui as palavras do Ministro Marco Aurélio:

As normas editadas com o objetivo de permitir que o empregado e empregador possam estabelecer parâmetros para a manutenção do vínculo de emprego, estão de acordo com as regras da CLT e com os limites estabelecidos na Constituição Federal. […] No quadro de pandemia, não se pode cogitar de imprevidência do empregador e friso a necessidade de reconhecer que as medidas de isolamento social repercutam na situação econômica e financeira das empresas (STF, 2020, on-line).

Dessa forma, pelas considerações do Ministro, houve o entendimento no confronto entre princípios constitucionais diante da necessidade urgente de se manter os postos de trabalho, com a consequente preservação das empresas e renda dos trabalhadores.

O art. 170 da Constituição Federal deixa claro que o nosso Estado Democrático de Direito busca regular a economia como uma aliada para o alcance da justiça social, estipulando que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se os princípios que ali elenca, entre os quais encontra-se a função social da propriedade. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa estão tão interligados que compartilham o mesmo inciso IV, no rol de fundamentos da República Federativa do Brasil, que se encontra no artigo 1º da nossa Constituição. Dessa forma, a Constituição vê na empresa uma função social na medida que ela oferta, através do fornecimento de empregos, a oportunidade do trabalhador alcançar os direitos que o salário objetiva efetivar, direitos elencados no artigo 7º, IV da Carta Magna, sendo moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Sob outro ângulo, podemos observar que há um grande risco em se negociar com renúncia de direitos ou praticando atos não autorizados pela legislação, pois certamente a parte que se entender prejudicada buscará a anulação deste acordo via judicial.

A preocupação com a supressão de direitos sociais e com a preservação da Constituição é completamente legítima, como ponderou o Ministro Ricardo Lewandowski:

Ora, a experiência tem demonstrado que justamente nos momentos de adversidade é que se deve conferir a máxima efetividade às normas constitucionais, sob pena de graves e, não raro, irrecuperáveis retrocessos. De forma tristemente recorrente, a história da humanidade tem revelado que, precisamente nessas ocasiões, surge a tentação de suprimir – antes mesmo de quaisquer outras providências – direitos arduamente conquistados ao longo de lutas multisseculares. Primeiro, direitos coletivos, depois sociais e, por fim, individuais. Na sequência, mergulha-se no caos! (STF, 2020, on-line).

Considerando a ponderação feita, a flexibilização das normas trabalhistas pode ser uma importante ferramenta para diminuição dos impactos da crise econômica causada pelo COVID-19 e para preservação de milhares de empregos, desde que atendidos os critérios supramencionados, respeito à Constituição Federal, aos fins sociais, às exigências do bem comum e aos princípios trabalhistas.

Com a possibilidade de pactuação de acordo individual, o legislador inverteu a lógica dos artigos 611-A e 619 da CLT, os quais colocam a negociação coletiva acima da lei ordinária e acima de disposições de contratos individuais de trabalho.

Importante notar que algumas medidas criadas estão dento do jus variandi do empregador, ou seja, podem ser por ele impostas, e outras dependem da concordância do empregado, sendo, portanto, de caráter comutativo. Estando o empregado visivelmente em situação de desvantagem, pois, o que ele mais precisa nesse momento é a manutenção do emprego e sustento de sua família, dessa forma, não resta outra opção a não ser aceitar todas as condições impostas pelo empregador.

O art. 30, da referida MP, também assinala que “os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo” (BRASIL, 2020, on-line).

Em 1º de abril de 2020, outra Medida Provisória foi editada, nº 936, com o objetivo de preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e emergência de saúde pública foram alcançadas com a implementação do pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, a redução de jornada de trabalho e de salários e a suspensão temporária do contrato de trabalho.

[…] Art. 3º São medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda:

I – o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;

II – a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e

III – a suspensão temporária do contrato de trabalho […]

Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

I – preservação do valor do salário-hora de trabalho;

II – pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e

III – redução da jornada de trabalho e de salário, exclusivamente, nos seguintes percentuais:

  1. a) vinte e cinco por cento;
  2. b) cinquenta por cento; ou
  3. c) setenta por cento.

Parágrafo único.  A jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos, contado:

I – da cessação do estado de calamidade pública;

II – da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado; ou

III – da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado […]

Art. 8º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias.

  • 1º A suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.
  • 2º Durante o período de suspensão temporária do contrato, o empregado:

I – fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados; e

II – ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo. […]

Art. 12.  As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:

I – com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais); ou

II – portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Parágrafo único.  Para os empregados não enquadrados no caput, as medidas previstas no art. 3º somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea “a” do inciso III do caput do art. 7º, que poderá ser pactuada por acordo individual. (BRASIL, 2020, on-line)

A MP 936/2020 estabeleceu em seus artigos 7º e 12º, a possibilidade de redução proporcional de jornada e de salário pelo período máximo de 90 dias, de modo que, para os grupos de trabalhadores indicados pela norma (que ganham salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 e para os que tem diploma superior e percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite dos benefícios do RGPS), essa redução pode ser efetuada mediante acordo individual escrito, nos percentuais e 25%, 50% ou 70%. Para os trabalhadores que não se encaixam nesses parâmetros, a redução pode ser de 25%, mediante acordo individual escrito.

A redução proporcional de jornada e de salário fica, ainda, possibilitada através da negociação coletiva, para todos os trabalhadores e em qualquer percentual a ser nela definido, conforme prescreve o § 3º do artigo 611-A da CLT e ratifica o artigo 11 da MP.

Outra possibilidade trazida pela MP, em seus artigos 8º e 12º, é a pactuação da suspensão do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias. Essa medida só pode ser pactuada por acordo individual escrito com os empregados que se enquadram nos parâmetros do artigo 12, I e II. Para os demais empregados, essa suspensão poderá ser pactuada apenas por negociação coletiva.

Como contraprestação pela redução ou suspensão do salário, o governo fornecerá ao trabalhador o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.

Diante disso, se a contraprestação oferecida pelo governo em razão da redução do salário ou da suspensão do contrato, não for capaz de completar integralmente o valor numérico do salário antes recebido pelo empregado, não há dúvidas de que, tanto a pactuação de redução salarial como a de suspensão contratual, gerariam a redução do salário e, como o art. 7º, VI, da Constituição Federal apenas permite a redutibilidade dos salários mediante negociação coletiva, a constitucionalidade dessas medidas é fortemente questionada.

Há de ser dar à norma operacionalidade. Se uma norma não consegue cumprir a sua finalidade, ela perde o sentido da sua criação e deixa desprotegido o bem jurídico que o legislador constituinte visou tutelar, no caso do citado inciso VI do art. 7º, se desdobram em dois: garantir a irredutibilidade salarial como regra, e permitir excepcionalmente a sua mitigação se assim for autorizado pela maioria dos trabalhadores, preservando com isso, o interesse público consistente na manutenção do vínculo empregatício.

Dessa forma, as determinações contidas nas medidas provisórias, que abrem espaço para acordo individual quanto ao teletrabalho, banco de horas, redução da jornada de trabalho, redução salarial, entre outros, buscaram assegurar as partes que ao fim de toda essa crise, permaneçam com os seus empregos e postos de trabalho, no entanto, com um cenário tão delicado e de tantas incertezas, muitas indagações surgem. Nas palavras de Vólia Bomfim questiona-se:

[…] em termos de Direito do Trabalho, a antinomia entre as normas é resolvida pelo princípio da primazia da norma mais favorável ao trabalhador. Pergunta-se: em tempos de grave crise econômica e de calamidade pública ainda prevalece o princípio de proteção ao trabalhador ou as regras de exceção que protegem a empresa?

Colocando um grão de sal a mais em nosso debate, acrescenta-se que algumas normas coletivas foram confeccionadas após a MP 927/20 para regular as relações trabalhistas e flexibilizar a lei de forma diversa daquela prevista na MP. E neste caso, que norma prevalecerá: o pacto individual ou o coletivo? Muitos são os questionamentos e variadas serão as respostas dependendo do interlocutor. (BOMFIM, 2020, on-line)

A MP 927/2020 perdeu sua validade em 19 de julho de 2020, por não ter sido votada pelo Congresso Nacional e, portanto, não foi convertida em lei. Com isso, as incertezas e questionamentos das situações ocorridas durante a sua vigência, poderão ser refletidas num futuro próximo, em que o sistema judiciário brasileiro deverá ser bastante acionado para solução das possíveis controvérsias.

  Já a MP 936/2020 foi votada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei nº 14.020/2020 e tem os mesmos objetivos previstos na MP, no entanto, trouxe uma nova disposição, que ameniza um dos questionamentos que a comunidade jurídica tanto indagou, que é quanto a possibilidade de um acordo ou convenção coletiva serem pactuados depois dos acordos individuais já vigentes. Nesses casos, o art. 12, menciona que se houver celebração de negociação coletiva com cláusulas conflitantes com do acordo individual, terá que observar se no período anterior ao acordo coletivo, prevalecem as regras do acordo individual; após a celebração do acordo coletivo, as novas regras devem ser aplicadas, desde que sejam mais favoráveis ao trabalhador e se o acordo coletivo for menos favorável ao trabalhador, prevalece o acordo individual.

Com todas essas mudanças recentes, tanto no ordenamento jurídico, quanto no país, com relação a economia, social, saúde e política, como também no novo formato de relações de trabalho, podemos ver que estamos vivenciando mais uma fase de transição dos direitos trabalhistas. É necessário que o direito acompanhe a evolução da sociedade, atendendo as suas necessidades, mas sem esquecer de todos os direitos conquistados ao longo da história, que permitem equilíbrio entre as partes envolvidas, empregado e empregador.

Conclusão

O presente artigo possibilitou o estudo do instituto da negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, desde o seu marco inicial, em 1930, até os dias atuais. Foi demonstrado que, embora no governo de Getúlio Vargas, tenha aberto a possibilidade para Direitos Coletivos, o início foi bastante tímido e marcado por um período centralizador e autoritário, em que permitia a total interferência e controle do Estado sobre os sindicatos, afastando dessa realidade a sua principal função, a representação de empregados e a defesa de seus direitos. Neste período, iniciou uma enorme inquietude nas classes trabalhadoras, o que levou a greves que paralisavam as produções e impactavam diretamente na economia, causando prejuízos ao país. Com esse movimento trabalhista, o governo à época começou a mudar sua postura e passou a uma intensa produção de normas trabalhistas, mas como podemos observar, essa institucionalização do Direito do Trabalho tinha a prevalência de uma formação justrabalhista heterônoma. Diante a grande quantidade de leis produzidas, em 1943, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho, que nada mais era do que um compilado de todas as normas anteriores. Talvez à época, ninguém pudesse imaginar que esta CLT, com todas as alterações que teve ao longo dos anos, passaria a ser um diploma tão importante para o trabalhador como é nos dias de hoje. Durante as Constituições seguintes, percebia-se sopros de democracia trabalhista. A cada Carta Magna emitida, era possível perceber que o Brasil se desprendia daquelas características ditadoras e interventoras do Estado.

 Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal, surgindo como a mais democrática de toda a história brasileira. Esta elencou fundamentos importantes que norteiam as relações trabalhistas, como princípio da proteção, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da vedação ao retrocesso social, princípio da norma mais favorável, entre outros. E foi de encontro a estes fundamentos, que em 2017, foi elaborada a reforma trabalhista, que colocou em questionamento a constitucionalidade dos artigos referentes as negociações coletivas de trabalho. Após anos de evolução, a Lei nº 13.467/2017, trouxe impactos quanto a configuração dos sindicatos, aos contratos de trabalho, as condições de trabalho e ao chamado negociado sobre legislado. É de extrema importância que a legislação se preocupe em dar autonomia as partes envolvidas para se adequarem as suas realidades, e de fato a negociação coletiva é um importante instrumento para esse fim, no entanto, não podemos esquecer que a Constituição Federal está no topo da pirâmide das normas, e todas as outras legislações têm que estar compatíveis com os seus princípios.

Em 2020 o mundo passa por uma crise global em decorrência da pandemia do COVID-19, e o Brasil que já estava vivendo uma fragilidade política, econômica e social, sentiu esses reflexos imediatamente. Com tantas empresas decretando falência, o país começou a perder milhares de postos de trabalho, dessa forma foi necessário que o Presidente da República e Congresso Nacional agissem rápido para amenizar os impactos dessa crise. Em março de 2020 foram editadas duas Medidas Provisórias (uma delas, a MP 936/20 foi convertida em lei e a outra perdeu sua validade em julho de 2020), que possibilitavam a negociação individual de diversos assuntos que, conforme consta na CLT e Constituição Federal, só poderiam ser negociados coletivamente. Principalmente em um momento de crise como o que assola o país, os direitos têm que garantir máxima efetividade, e assegurar principalmente àqueles que são a parte mais frágil na relação trabalhista, os empregados. Após anos de evidente evolução das negociações coletivas, percebemos hoje que este instituto corre enorme risco de retrocesso. Logicamente, temos que ponderar que sim, é importante a adoção de medidas para enfrentamento da crise, pois, terminada ela, precisamos que as empresas tenham se mantido e continuem com os seus postos de trabalho, que são estes que possibilitam gerar economia e consequentemente trazer o mínimo civilizatório aos trabalhadores. No entanto, toda e qualquer medida, principalmente no momento de crise, em que tudo se torna tão vulnerável, precisa obedecer aos fundamentos da Magna Carta, pois se estes ditames não são observados, suas normas podem incorrer em “folhas ao vento” e perder toda a sua efetividade e operacionalidade nas relações de trabalho, regressando a períodos de desequilíbrio e desproporção entre empregados e empregadores. E assegurar  a economia,  os investimentos, as empresas e os postos de trabalho são elementos da missão a ser enfrentada, com todas as habilidades e ferramentas que perpassam os melhores resultados nas negociações coletivas, sobretudo quando  do cessamento do estado de calamidade pública e quando deverão ser enfrentados novos fatores internos e externos.

Referências

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2016

BOMFIM, Vólia. Breves Comentários à MP 927/20 e aos Impactos do COVID-19 nas relações de emprego. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2020/03/25/mp-927-impactos-do-covid-19/>. Acesso em: 12 ago. 2020.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19770-19-marco-1931-526722-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 15 jun. 2020.

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ZAJDSZNAJDER, Luciano. Teoria e Prática da Negociação. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio. 1988

 

Palavras Chaves

Negociação coletiva; evolução histórica; Constituição Federal; Consolidação de Leis do Trabalho; reforma trabalhista; Medidas Provisórias; crise econômica; princípios trabalhistas; princípios constitucionais; flexibilização de direitos.