A NOVA LINDB E O DIREITO DA INFRAESTRUTURA

Artigo

A NOVA LINDB E O DIREITO DA INFRAESTRUTURA

 Rafael Véras de Freitas[1]

 

Introdução

 Até bem pouco tempo, a lei continente das pautas de interpretação era a então denominada “Lei de Introdução ao Código Civil” (o vetusto Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942). A sinédoque da designação antiga refletia uma época em que a lei civil (mais até que a Constituição) era o eixo vetorial do nosso sistema jurídico. Tinha lugar o Direito Civil oitocentista, pautado em um Estado Liberal, que possuía seus pilares vincados nas figuras da família, da propriedade e da relação contratual – sob a orientação do então Código Civil de Beviláqua, de 1916. O tempo passou. E a Lei de Introdução foi rebatizada, por intermédio da Lei n°12.376, de 30 de dezembro de 2010, para refletir seu amplo espectro de incidência, passando a se designar “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.

Mas seu conteúdo seguiu restrito aos problemas de interpretação do século passado. O Direito hoje, porém, é bastante diferente. Quatro fatores ressaltam.

A legalidade contemporânea vai muito além da lei em sentido estrito. Hoje, convivemos com uma pluralidade de fontes normativas (leis, decretos, resoluções, portarias e com o próprio viés normativo que passou a ser conferido à Constituição), sendo mais correto se falar em um “Bloco de Legalidade”, ou no que se denomina de “Juridicidade”. É dizer, se, outrora, predicava-se a análise da observância dos quadrantes da legalidade simples (que traz limites para as atividades privadas) e da legalidade qualificada (que guia o atuar da Administração Pública), atualmente, o espectro de controle da conformidade normativa espraia sua incidência para todo o conjunto normativo (tendo como diretriz orientadora a Constituição).  As normas vinculantes, hoje, são muito mais diversas do que a lei estrita. A produção normativa infralegal transcende em muito o poder regulamentar atribuído ao Presidente da República pelo art. 84, IV, da CRFB. Temos normas editadas no âmbito de subsistemas jurídicos e que ora preenchem de conteúdo molduras definidas por leis-quadro, normas editadas no âmbito do processo de deslegalização (como ocorre, por exemplo, com as Agências Reguladoras) ou, ainda, normas de concretização editadas no âmbito de núcleos de competência normativa reservada, como ocorre com a Receita Federal

Disso decorre uma fragilização do conteúdo normativo. Nós assistimos a várias manifestações destes processos. A lei passa não mais a limitar, a fixar competências e a prescrever meios para atingir finalidades públicas. Ela passa a ir um pouco mais além, a incorporar bases, normas gerais, normas objetivas, dentro da ordem jurídica entendida não apenas enquanto legislação ordinária, mas também como base constitucional. É dizer, a textura normativa, para além de plurissêmica, é pontuada por termos técnicos e em grande medida impregnada de conceitos indeterminados, de forte conotação axiológica. Isso não apenas porque o legislador em si perdeu em técnica, mas fundamentalmente porque, de um lado, os temas e conflitos sobre os quais se normatiza são mais complexos e intrincados e, de outro, o arbitramento de interesses exige concessões normativas ou o recurso a prescrições abertas que deslocam a decisão do legislador para o intérprete. Daí surgirem prescrições como o direito de moradia, ao lazer, à vida saudável, ao meio ambiente equilibrado. Para isso, o Direito passa cada vez mais a recorrer a conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. Nesse processo de normatização crescente da vida social, passamos a assistir ao crescimento das contradições entre pautas normativas não solúveis.

Some-se a isso o fato de que a complexidade da regulação faz as prescrições serem mais abertas, menos precisas. A mudança da forma como Estado intervém no domínio econômico (de uma intervenção direta para uma intervenção indireta) contribuiu para ampliação dos seus lindes normativos. De fato, é um erro a afirmação de acordo com a qual a delegação das atividades para a iniciativa privada, seja por intermédio de contratos de longo prazo (concessões, parcerias público-privadas, arrendamentos, dentre outros), seja pela desestatização de empresas estatais, fez com que o Estado se demitisse da sua função normativa. A profusão normativa das últimas duas décadas bem retrata esse excesso interventivo (e muita vez, intrusivo) da função reguladora.

O quarto fator é a multiplicação de polos legitimados para aplicar o Direito.  Ocorre que ao tempo do Decreto-lei 4.657/42 quem tinha competência para interpretar o Direito com força vinculante era o Judiciário. Hoje, existem várias esferas com atribuição jurídica para interpretar e aplicar as normas de modo mandatório. Agências reguladoras, tribunais administrativos – como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN, o “Conselhinho”, consoante as Leis nº9.069/95, nº9.447/97, e, mais recentemente, a Lei nº13.506/17) e outros tantos – , os órgãos de controle – Tribunais de Contas, controladorias e corregedorias -, Árbitros, o Ministério Público, e outras tantas instâncias, aplicam o Direito diariamente em decisões que têm efeitos concretos. É dizer, se, de um lado, a Constituição de 1988, abriu um caminho fértil para a democratização (disciplinando, com grande detalhamento, instrumentos de participação popular, como o voto secreto, o plebiscito e o referendo), de outro, prestigiou a incidência de múltiplos controles.  E esse fato não é em nada alterado pela inafastabilidade da jurisdição judicial prevista na Constituição (art. 5º, XXXV).

As sobreposições de controles somadas à crise de legitimação democrática importaram na substituição do Administrador Público pelo controlador, destacadamente no exercício de sua atividade-fim. A atuação do Ministério Público é ilustrativa neste particular. A “doutrina do promotor natural”, por exemplo, confere ao promotor de justiça a possibilidade de escolher, discricionariamente, quais situações, entendimentos, intepretações ou interesses públicos serão privilegiados em detrimento de outros.  Na verdade, trata-se de uma forma de lassear o caráter institucional do parquet, outorgando uma individualização para cada membro que, para além de não ter amparo na Constituição, gera entendimentos contraditórios dentro da própria instituição, em prejuízo da segurança jurídica[2].

Para além de conflitos endógenos, a ampliação do espectro de competências dos controladores gera efeitos exógenos, interinstitucionais. Um exemplo ilustra o exposto. O art. 16 da Lei n° 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) – ancorado na experiência cooperativa vivenciada no âmbito do Sistema Brasileiro de Direito da Concorrência –– disciplinou o acordo de leniência, nos seguintes quadrantes: “A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte”. Tal previsão gerou uma crise institucional entre a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU), cada qual invocando, ancorado na respectiva competência institucional para combater a corrupção, a prerrogativa de celebrar tal ajuste.

Disso decorre a instabilidade das decisões definitivas. As decisões dos gestores públicos passam, pois, a ser provisionais – sobrestadas pelos órgãos de controle. Cuida-se de uma cambialidade que gera instabilidade, abala a segurança jurídica, interfere em políticas públicas de longo prazo, arrefece a confiança dos particulares na gestão da coisa pública. Mas não só. Atemoriza-se o gestor público, que, mesmo atuando nos quadrantes da legalidade, teme em exercer a sua discricionariedade. Gera o “apagão das canetas”. Ninguém decide mais nada, com o receio de ser responsabilizado, pessoalmente. Para além de uma seleção adversa para o cargo de gestor público, o contexto de sobreposições de controle não protege o gestor de boa-fé. Na verdade, o desprestigia, bem como o afasta do setor público.

Atentos a esses fatores, já há algum tempo, os professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Carlos Ari Sundfeld redigiram um anteprojeto de lei, endereçando soluções para essas questões. O Senador Anastasia encampou a iniciativa, dando impulso ao PLS n°3489/2015 no Senado. O Projeto tramitou, por mais de três anos, no Congresso, com audiências públicas e debates. Aprovado pelo Plenário do Senado Federal, em 19 de abril de 2017, a referida iniciativa foi enviada à Câmara dos Deputados, então sob a designação de PL nº7.448/2007. E, posteriormente, à sanção da Presidência, por intermédio da Mensagem n°10/2018.

Enviado à sanção, iniciou-se uma batalha renhida pelo veto. Alegou-se a falta de discussão, ser uma iniciativa ardilosa para ceifar o controle, havendo até quem afirmasse padecer de “inconstitucionalidade”. Muitas críticas foram dirigidas à lei argumentando que ela seria prenhe de conceitos também indeterminados e que trariam mais insegurança na aplicação jurídica.

A favor do projeto se uniram os nomes mais significativos do direito público e os principais economistas do país, de todos os matizes. As críticas se mostraram insustentáveis e o projeto, na sua essência, converteu-se na Lei n°13.655/2018, a qual é objeto do presente ensaio.  Cuida-se de diploma que produzirá relevantes externalidades positivas nos setores de infraestrutura. Explica-se. É lugar-comum a afirmação de que os setores de infraestrutura são predicadores de segurança jurídica. Nada obstante, nesse ensaio, pretende-se, em primeiro lugar, demostrar que se cuida de uma afirmativa que tem lastro em fundamentos econômicos e jurídicos. E, em segundo lugar, estabelecer os efeitos que alguns dispositivos da Lei n°13.655/2018 trarão para tal setor.

  1. Os fundamentos jurídico-econômicos para a incidência da segurança jurídica em contratos de infraestrutura

 Como dito, o contrato de infraestrutura se configura como uma relação jurídica complexa (por envolver uma plêiade de obrigações e de agentes). Essa relação é caudatária de uma lógica de sistema, da qual decorre um dever de solidariedade  entre as suas partes. De fato, o referido título habilitante transfere, por meio de relações jurídicas interligadas (v.g. o contrato de concessão, os contratos privados celebrados pelos concessionários, os contratos celebrados com os usuários), ao concessionário um plexo de posições jurídicas (econômicas e regulamentares) para o exercício de uma atividade que veicula um interesse público contratualizado.

Isso, contudo, não significa dizer que, ao fazer esta delegação, o Estado se demita de levar a efeito posturas comissivas favoráveis à adequada prestação do serviço. Muito ao contrário. O pacto concessório cria vínculos bilaterais (e sinalagmáticos) entre poder concedente e concessionária, a fim de que sejam alcançados objetivos comuns. Mais que isso, nas palavras de Egon Bockmann Moreira[3], “no âmbito do pacto concessório, são estabelecidos vínculos primários (entre concedente e concessionário); secundários (entre estes e os destinatários diretos da utilidade pública); e reflexos (para com terceiros detentores de posições jurídicas subjetivas em face da concessionária).”

Nada obstante, tais vínculos não colocam as partes contratuais em posições antagônicas. Não é essa a lógica dos denominados “contratos de investimento[4]”. Nessas relações contratuais, os interesses do poder concedente e do concessionário são distintos, mas convergentes. De um lado, o Poder Público visa a oferecer uma utilidade pública, por meio de uma relação contratual, a um maior número de destinatários; de outro, o agente privado busca desenvolver uma atividade empresarial vocacionada à obtenção do legítimo lucro – atividade esta que pressupõe que o serviço delegado seja prestado, e, se possível, expandido. E isso porque à medida que há o incremento do número de utentes, maior será a receita marginal do concessionário. Daí porque se está de pleno acordo com Floriano de Azevedo Marques Neto[5], para quem “o objeto da concessão apresenta, a um só tempo, um interesse público, correspondente à finalidade justificadora da delegação de uma atribuição sua, e um interesse privado. Embora movidos por finalidades distintas, concedente e concessionário convergem para atingir um objetivo comum: realizar um cometimento público”.

Essa noção de “cooperação” faz com que, por ocasião da modelagem dos contratos de concessão, sejam estabelecidas obrigações, ex ante, tanto para o Poder Concedente, como para o concessionário (artigos 29 e 31 da Lei nº 8.987/1995). Mas isso não significa dizer que, no bojo desta relação contratual, não possam ser avençadas outras obrigações para partes em prol da adequada prestação do serviço público delegado. Essa possibilidade decorre de uma imbricação de dois conceitos basilares atrelados a tal espécie de avença: o do “incremento dos custos de transação” e o da “incompletude” (ou “mutabilidade”) dos contratos de concessão.

Explico. De acordo com Oliver Williamson[6], os “custos de transação” nos negócios jurídicos têm lugar porque os agentes econômicos não adquirem bens, tão somente, por conta dos custos de produção, mas porque a todos eles estão agregados os custos de negociação, que são aqueles necessários à formação e à manutenção dos ajustes. Estes custos podem se materializar, ex ante, na fase pré-contratual; ou, ex post, posteriormente à sua celebração. Na fase pré-contratual, os custos de transação podem ser exemplificados: (i) pela redação do contrato; (ii) pelas negociações para obtenção de melhores condições e obrigações contratuais; e (iii) pelo estabelecimento de garantias para se mitigar os riscos da ocorrência de fatos supervenientes. Já os custos na fase pós-contratual, por sua vez, terão lugar, por exemplo: (i) na fiscalização do contrato; (ii) na manutenção das condições originalmente acordadas; e (iii) na sua renegociação pela ocorrência de fatos supervenientes.

Todavia, nos “projetos concessionários[7], às partes é impossível estabelecer, ex ante, todas as obrigações que serão necessárias à adequada prestação dos serviços públicos durante a vigência contratual. Isto porque, como ensina Flávio Amaral Garcia[8], os contratos de concessão são “incompletos, porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão uma tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante a sua execução.” Nesse quadrante, costuma-se afirmar que os contratos de longo prazo possuem uma incompletude deliberada.[9] Daí por que estou de acordo com Egon Bockmann Moreira[10], quando o referido jurista, com muita propriedade, assevera que “em tempos pós-modernos, nada mais adequado do que afirmar que a segurança advém da certeza da mudança”. Nos contratos de concessão, essa lógica fica ainda mais evidente, na medida em que se configuram como ajustes de longo prazo, sujeitos aos mais diversos tipos de riscos e de incertezas.

Essa “incompletude” dos contratos de concessão está ligada ao princípio da atualidade, consagrado no artigo 6º, §2º, da Lei nº 8.987/1995. Nos termos do referido dispositivo, o dever de atualidade deve ser compreendido pela: (i) utilização de técnicas modernas no que diz respeito aos equipamentos e às suas instalações; (ii) conservação dos direitos já adquiridos pelo concessionário; (iii) melhoria da qualidade dos serviços, durante a vigência do ajuste; e (iv) sua expansão para as pessoas ainda não beneficiadas pelo serviço. Diante disso, é possível se afirmar que as concessões se configuram como contratos relacionais. Nessa qualidade, há uma incomensurabilidade da equivalência de suas trocas projetadas para o futuro, vez que, como assevera Ronaldo Porto Macedo[11], em razão de “se tratarem de negócios jurídicos que se protraem no tempo, não se sabe, exatamente, o que as partes obterão ao término da relação contratual.”

Diante do exposto, a incidência da segurança jurídica desses ajustes decorre de um racional de cooperação que interdita posturas adversárias (e oportunistas) e mudanças abruptas de posicionamentos (violadoras da segurança jurídica).

  1. O art. 20 e a interdição das decisões principiológicas

Como visto, em 25 de abril deste ano, foi publicada a Lei nº 13.655, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, denominada “Lei da Segurança para a Inovação Pública”. Cuida-se de normativo que não foi aprovado de forma açodada. Na verdade, o projeto é resultado de pesquisas acadêmicas imparciais e empíricas. É um esforço para o incremento da segurança jurídica[12]. Aprovado com ampla maioria nas casas legislativas (desde a apresentação do PLS 349/2015 até a ampla discussão a propósito da aprovação do PL nº 7.448/2017). Foi permeado por audiências públicas e por debates a propósito de seus termos, em diversas instituições brasileiras (universidades, procuradorias, entidades públicas).

A Lei nº 13.655/2018 já observou, em sua gestação, o que prescreve. Ao invés de ser fruto de abstrações como os princípios da “supremacia do interesse público”, da “dignidade da pessoa humana” ou do “princípio da licitação”, resultou do trespasse de uma ampla fundamentação empírica para um diploma normativo. E é disso de que se cogita, a partir da vigência do seu art. 20, que ora se comenta. A ratio é a de interditar a utilização indiscriminada de abstrações nas razões de decidir – as quais, nos últimos anos, serviram para ampliar o espectro de poder de instituições.

Cuida-se de vicissitude, há muito, diagnosticada por Carlos Ari Sundfeld, como uma arma de “espertos e de preguiçosos[13]”. Como bem destacado pelo autor, a decisão com base em princípios jurídicos pode servir para que controladores decidam, sem enfrentar os fatos e analisar o ordenamento jurídico. Mais que isso, para que, por intermédio de indeterminações principiológicas, o controlador se substitua ao administrador público, seja para não ter de motivar, adequadamente, as suas decisões, seja para ignorar o ordenamento jurídico, seja para, sem uma análise consequencialista, resolver políticas distributivas.

Tal viés decisório, com base em conceitos abertos ou principiológicos, tem permeado as decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), notadamente na elaboração de editais de projetos de infraestrutura ainda não publicados. Para fundamentar tal intervenção, os tribunais de contas têm se valido, ao menos, dos argumentos de que: (i) a Constituição de 1988, diferentemente das anteriores, em seu artigo 70, caput, lhes atribui a competência para a realização de “auditoria operacional”, a qual legitimaria tal espécie de intervenção[14]; (ii) na atuação finalística das agências reguladoras, sempre haveria repercussão sobre o erário, o que submeteria os atos dessas entidades ao controle externo[15]; e (iii) lhe teria sido conferido um “poder geral” de cautela, que teria fundamento na ainda mais indeterminada “Teoria dos Poderes Implícitos”, com base no MS 24.510/DF, que foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cuidam-se de conceitos abertos e indeterminados que, na verdade, têm o desiderato de ampliar o seu espectro de Poder para além do que tal instituição conseguiu incluir na Constituição de 1988 – como demonstrado pela destacada pesquisa empírica realizada por André Janjácamo Rosilho[16].

Um exemplo dessa principiologia decisória foi o Acórdão nº 2.466/2013, no qual se examinava o primeiro estágio das concessões dos Aeroportos Tancredo Neves/MG (Confins) e Tom Jobim/RJ (Galeão). Duas previsões editalícias foram objeto de questionamentos pelo TCU. A primeira a que seria exigido dos licitantes, para fins de comprovação de qualificação técnica, a demonstração de experiência na movimentação de, no mínimo, 35 milhões de passageiros anuais; a segunda de que não poderiam participar das licitações empresas que já atuassem na operação de aeroportos brasileiros licitados na primeira rodada, ou de suas respectivas controladoras ou controladas. O TCU questionou tais exigências, com base nos seguintes argumentos abertos, como se extrai da seguinte passagem de sua decisão:

em observância aos princípios da motivação, da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa, aos arts. 37, inciso XXI, da Constituição de 1988, 14 da Lei 8.987/1995, 3º e 30 da Lei 8.666/1993 e à súmula TCU 263/2011, inclusão no processo de concessão, expressamente, dos fundamentos legais e técnicos (além daqueles constantes da Nota Técnica 001/DERC/DEOUT/SPR/SAC-PR) da exigência de experiência em processamento de passageiros e da restrição à participação no leilão de acionistas das atuais concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária, de forma a demonstrar, tecnicamente, que os parâmetros fixados são adequados, imprescindíveis, suficientes e pertinentes ao objeto licitado.

Assim também se passou no Setor Portuário. Ao apreciar as licitações para o primeiro bloco de arrendamentos portuários, por intermédio do Acórdão nº 3.661/2013, o TCU determinou, com base na sua competência para realizar “auditorias operacionais”, que o Poder Concedente: (i) instituísse tetos tarifários em todas as áreas portuárias arrendadas; e (ii) incluísse nas minutas dos contratos de arrendamento mecanismos de revisão tarifária compatíveis com as tarifas-teto instituídas.

Tal intervenção principiológica do TCU ainda é uma constante nos projetos de infraestrutura. Como dá conta balanço crítico parcial (jan/mar de 2018) sobre as decisões do TCU, elaborado pelo Grupo Público da FGV SP e da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), formado pelos pesquisadores André Braga; André Rosilho; Arthur Guedes; Conrado Valentini Tristão; Daniel Bogéa; Gilberto Gomes; Gustavo Maia Pereira; Julia Lillo; Matheus de Paula; e Yasser Gabriel, sob orientação da sempre firme e precisa Juliana Bonacorsi de Palma.  Dentre os achados do referido grupo, destaca-se o Acordão nº 672/2018, por meio do qual o TCU se imiscui em decisões relacionadas à exploração de blocos de petróleo; e o Acórdão nº 290/2018 – Plenário, por intermédio do qual referendou medida cautelar para determinar à ANTT a mudança de critérios aplicados em reajustes de pedágios, especificamente em virtude do impacto advindo da Lei nº 13.103/2015 (conhecida como Lei dos Caminhoneiros).

Nesse quadrante, o dispositivo que se comenta poderá interditar tais intervenções do Controle Externo, fundamentadas, única e exclusivamente, em conceitos vagos.

O referido dispositivo poderá interditar, também, o ajuizamento de ações coletivas, com pedidos liminares procrastinadores do devir dos projetos de infraestrutura, com fundamento em abstrações, tais como a de que teria sido ameaçado “o princípio da precaução”; a de que o empreendimento seria permeado por “atos lesivos ao patrimônio público”; ou a de que teria violado “os princípios da Administração Pública”. Cuida-se de investidas que poderão ser questionadas com base no artigo que ora se comenta. Claro que não se olvida que os quadrantes de um Estado Regulador (que resulta de substituição do government by law para o government by policies), pautado pela densificação técnica de políticas públicas, impõe a observância de matizes outrora consideradas como exógenas ao sistema jurídico (a exemplo de dados econômicos, e de imputs da sociologia e da psicologia). Porém, isso não importa dizer que todas as entidades públicas sejam reguladores ou que tenham a capacidade institucional para o exercício da função de equilibrar subsistemas jurídico-econômicos. Mais que isso, que possam se valer dessa função, sem os ônus que lhe são inerentes.

A permeabilidade do sistema jurídico a normas de caráter mais aberto e a realidade da interpretação e aplicação do direito ser balizado por princípios é uma realidade. Contudo, a decisão baseada em “valores jurídicos abstratos”, ou seja, não apoiados em normas concretas ou em prescrições normativas cerradas, não pode servir como uma cláusula mágica, transcendente. Não podem se prestar a ser um argumento de autoridade hermenêutica, sem que o decisor tenha o dever (ônus) de perquirir os efeitos desta decisão.

Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo presta homenagem à responsividade da decisão. Prospectar os efeitos da decisão não é irrelevante. O dever de motivar (geral a toda decisão) passa a ser reforçado, nos casos de decisão baseada em valores abstratos, com o dever de indicar as consequências antevistas pelo decisor. Mais do que isso, o dispositivo obriga a que as consequências possíveis sejam avaliadas e sopesadas. E, assim exigindo, torna a decisão baseada na aplicação de princípio em decisão controlável (e censurável) quando falhar em vir acompanhada da análise das consequências.

Não se trata de prescrição antípoda aos entendimentos dos decisores. Cuida-se de uma motivação para além da exigida pelo disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/1999. A prescrição que ora se comenta é um tanto mais sofisticada. Estabelece um devido processo legal decisório, mais interessado nos fatos, por intermédio do qual os decisores terão de explicitar se: (i) dispõem de capacidade institucional para tanto, ou se, excepcionalmente, estão exercendo uma função que lhe é atípica, mas por uma necessidade pragmática, porém controlável; (ii) a decisão que será proferida é a mais adequada, considerando as possíveis alternativas e o seu viés intrusivo; e (iii) se as consequências de suas decisões são predicadoras de medidas compensadoras, ou de um regime de transição. Não se trata de um dever de utilização de uma “retórica das consequências”, como já se cogitou, nem, tampouco, tem o propósito de tornar o controle mais lasso. Quem exerce o controle não pode descurar do seu autocontrole.

Em ambas as hipóteses, o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 poderá servir de fundamento para questionar a validade de tais investidas, seja em âmbito administrativo (por intermédio de pedidos de reexame, por exemplo), seja em âmbito jurisdicional (por intermédio de demandas anulatórias, amparadas em vício de motivo). Na verdade, trata-se de dispositivo que visa a estabilizar e a conferir exequibilidade às decisões do controlador. E, de outro bordo, estabelecer parâmetros a partir dos quais tais decisões poderão ser controladas.

  1. O art. 21 interdita que sejam proferidas decisões anulatórias que desconsiderem os efeitos do “dia seguinte”

 O art. 21 ora comentado, por sua vez, visa a conferir uma racionalidade aos processos administrativos invalidadores. Em termos coloquiais, impõe que sejam consideradas as consequências do “dia seguinte” da decisão invalidadora. Tenho que o dispositivo em comento confere novos quadrantes consequencialistas à Teoria das Nulidades dos Atos Administrativos. Explica-se. Como é sabido, a invalidação de um ato administrativo, em razão de sua desconformidade com a ordem jurídica, pode ser levado a efeito pela própria Administração Pública (de ofício ou mediante provocação), ou pelo Poder Judiciário. Cuida-se do poder-dever de autotutela consagrado, há muito, pela Súmula n°473 do Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com a qual “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Cuida-se de provimento com eficácia ex tunc, com um viés retrospectivo – pois que a antijuricidade não poderia produzir efeitos válidos.

É assaz recorrente, por exemplo, a prolação de provimentos jurisdicionais, decretando a nulidade de contratos de concessão, sem que sejam explicitadas as consequências de tal decisão invalidadora. A questão não passou despercebida por Egon Bockmann Moreira, para quem “o tradicional regime brasileiro de rescisões e nulidades de atos e contratos, inclusive os de longo prazo, é eminentemente retrospectivo. Volta-se ao passado, sem atentar ao futuro. Isso instalou o exercício irresponsável de competências. Se os agentes que firmam os contratos respondem por seus atos, o mesmo não se pode dizer daqueles que os extinguem[17]”.

Nesse quadrante, o dispositivo que ora se comenta vai, justamente, na linha de coibir condutas desse jaez. Cria o ônus para que o controlador avalie as consequências – sob um viés prospectivo – das consequências da invalidação dos atos administrativos. Qualifica, pois, a motivação do processo administrativo invalidador por um viés consequencialista. Isto por que, como bem apontado por Thamy Pogrebinschi[18] “é, portanto, antecipando consequências futuras que se produz conhecimento no âmbito do pragmatismo. E estas consequências futuras devem ser permanentemente antecipadas para que se possa conhecer qual delas é melhor, a mais satisfatória, a mais útil e a mais benéfica”. A não ser quando olhar ao passado seja “metodologicamente interessante ao próprio estabelecimento do futuro[19].  Cuida-se de conferir pragmatismo ao processo administrativo invalidador. Como bem diagnosticado por Rafael Carvalho Rezende de Oliveira[20], o pragmatismo jurídico, nada obstante suas variações, apresenta, ao menos, três características básicas: (i) o antifundacionalismo, de acordo com o qual se rejeita a existência de entidades metafísicas ou conceitos abstratos, estáticos e definitivos no direito, imunes às transformações sociais; (ii) o contextualismo, conceito que orienta a interpretação jurídica por questões práticas; e (iii) o consequencialismo, característica de acordo com a qual as decisões devem ser tomadas a partir de suas consequências práticas (olhar para o futuro e não para o passado).

Aferir as consequências dos atos produzidos pelo Poder Público não é uma prescrição novidadeira. Já se trata de prática, relativamente, incorporada – ainda que sem tanta efetividade – na regulação brasileira, por intermédio do instituto da Análise de Impacto Regulatório.  Tal instituto, como já se teve a oportunidade de asseverar, configura-se como um procedimento administrativo participativo — que será aberto às contribuições do setor regulado —, e que, por meio de análises consequencialistas de dados empíricos, visa a conferir racionalidade aos “motivos” dos atos administrativos produzidos pelo regulador[21]. É que não se cogita mais que as normas jurídicas sejam consideradas como um fator exógeno ao sistema econômico. Muito ao contrário, cada vez mais, os agentes econômicos passam a comparar custos e benefícios, antes de tomar uma decisão – seja ela econômica, social ou institucional. Para além de fazer justiça, as normas jurídicas devem ter um viés de otimização (sob um critério de utilidade) da repartição de recursos escassos, o que legitima a sua interpretação à luz de critérios consequencialistas atrelados à eficiência e à racionalidade.

Ora, se já se vem sendo exigido que a Administração Reguladora lance mão de uma análise consequencialista antes da produção de seus atos, não há por que demitir o decisor de tal ônus. Assim é que, por intermédio do dispositivo que ora se comenta, pretende-se impor um racional ao processo administrativo invalidador que não incremente os custos de transação das relações travadas com o Poder Público – ou, ao menos, que tais custos sejam avaliados antes da prolação de invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa.

O STF, em algumas oportunidades, vem se valendo de aspectos consequencialistas em suas decisões. Como bem diagnosticado pelo robusto trabalho de Mariana Pargendler e Bruno Meyerhof Salama[22], o Supremo se valeu de um racional consequencialista antes de proferir as seguintes decisões sobre (i) a inconstitucionalidade da Lei n° 8.620/93, que responsabilizava o sócio de responsabilidade limitada pelo inadimplemento de contribuições previdenciárias pela sociedade, por violação ao princípio da livre iniciativa; (ii) a constitucionalidade do dispositivo da lei de falências que impõe limites quantitativos à prioridade concedida às dívidas trabalhistas; (iii) a exigência constitucional de estender-se os efeitos jurídicos da união estável às uniões homoafetivas; (iv) a constitucionalidade da adoção de cotas raciais por universidades brasileiras; e até mesmo (v) a inconstitucionalidade da criminalização de aborto de feto anencéfalo. Não é por outra razão que a Corte Suprema, notadamente em sede de controle abstrato de constitucionalidade, vem se utilizando de audiências públicas, com desiderato de se valer de substratos consequencialistas, antes de proferir suas decisões.

Do mesmo modo, não se trata de viés desconhecido ao controle externo. Como dá conta o profícuo trabalho de Bruno Araújo Ramalho[23], o Tribunal de Contas da União (TCU) em diversos julgados lançou mão de um racional decisório consequencialista.  São exemplos desse viés decisório, segundo o autor, dentre outros: (i) o Acórdão nº 2386/2010 (Ata 34 – Plenário), referente ao setor de energia elétrica, no qual se entendeu que o cálculo de risco regulatório estava embasado em um estudo empírico de alcance insuficiente para lastrear a premissa metodológica ora adotada pelo regulador; (ii) o Acórdão nº 1201/2009, também sobre o setor de energia elétrica, por intermédio do qual se criticou a ausência de dados técnicos para fundamentar o percentual de revisão tarifária, além da adoção de informações produzidas exclusivamente pela própria concessionária; e (iii) o Acórdão nº 0768/2005 (Ata 22 – Plenário), sobre o setor de transportes aquaviários, o tribunal concluiu não haver consistência documental para considerar atendido o item “manutenção do calado” e, em razão disso, exigiu que o regulador reforçasse a sua fundamentação no tocante a esta premissa

É se de registrar, nada obstante, que tal dispositivo não tem a finalidade de exigir do decisor que ele preveja todas as possíveis consequências da decisão invalidadora, sob pena de tal mandamento se tornar inexequível. É que, da decisão invalidadora, terão lugar um sem número de consequências diretas e indiretas. Razão pela qual temos que o art. 21 imporá o ônus de processualização para que sejam estabelecidas as consequências mais relevantes (econômicas e sociais). Cite-se, por exemplo, uma decisão que venha a anular um contrato de concessão de serviço público. Nessa hipótese, temos que a decisão deverá responder às seguintes indagações: Como será prestado o serviço para a população no dia seguinte? Quais são os prejuízos que serão experimentados pelos usuários (considerando o dever de continuidade dos serviços púbicos)? O Poder Concedente terá condições (econômicas, técnicas e operacionais) de retomar o serviço ou de relicitá-lo? O Poder Concedente terá recursos para indenizar o concessionário pelos investimentos ainda não amortizados?

Em conclusão aos comentários do art. 21 da Lei nº 13.655/2018, temos que se trata de artigo que pretende contribuir para que as decisões sejam permeadas por um viés de realidade. Que considerem os efeitos que serão produzidos após a sua prolação. No atual quadrante do Direito Público Brasileiro, “o papel não aceita mais tudo”. A decisão alheia à realidade não produz mais um ato jurídico lícito, nem, muito menos, justo. Disso decorre a possibilidade de se questionar a validade de decisões que não observem os mandamentos do referido dispositivo.  Assim é que, caso se trate de decisão na esfera administrativa, a inobservância dessas exigências poderá importar na sua invalidação, por ausência de motivos, como determina o disposto no art. 2º, alínea “d”, e parágrafo único, alínea “d”, ambos da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) ou por violação aos arts. 20 e 21. De outro lado, caso tal inobservância se dê em provimento jurisdicional, tratar-se-á de decisão considerada sem fundamentação, nos termos do art. 489, §1º, do CPC/2015, o que pode ensejar a sua nulidade (nos termos do art. 1.013, §3º, I, do CPC/2015).

Os dispositivos até agora comentados, portanto, não só são compatíveis com o sistema normativo já vigente, como, de resto, com ordenamento constitucional brasileiro. Exigir motivação robusta e compromisso com os efeitos é, no Estado Democrático de Direito, nada menos do que o mínimo essencial.

  1. Os arts. 23 de 24 proscrevem que a cambialidade das interpretações públicas importem na insegurança jurídica de projetos de infraestrutura

Ficou célebre a frase do então ministro Pedro Malan segundo quem “no Brasil até o passado é imprevisível”. Há, na cultura jurídica, uma deferência abstrata e um baixo compromisso prático com a segurança jurídica. Na verdade, sempre que a preservação de um ato ou contrato firmado no passado nos desinteressa, buscamos um bem jurídico maior para justificar que o passado seja reescrito, desconsiderado. No campo do Direito Público, isso é ainda mais comum. É constante a Administração Pública, o Poder Judiciário ou a esfera de controle reverem posicionamentos ou atos jurídicos perfeitos sob alegação da prevalência do interesse público ou outros valores abstratos. O que criou para nós um sistema um tanto estranho: a CRFB veda que a lei retroaja (artigo 5º, XXXVI), mas o ato administrativo e, pior, a interpretação da lei, pelo Executivo, pelo Judiciário ou pelos meros órgãos auxiliares do Legislativo podem retroagir, desconsiderando o que já se perfez juridicamente.

É, nesse quadrante, que passam a vigorar os bem-vindos artigos 23 e 24 da Lei 13.655/2018, da denominada “Lei da Segurança para a Inovação Pública”, que visam conferir maior racionalidade à aplicação da boa-fé nas relações das quais a administração é parte.

As referidas previsões se justificam, pois que tem por desiderato resguardar o particular dos efeitos das alterações das interpretações jurídicas dos poderes públicos. Explicamos.

A interpretação jurídica, sabemos, é a atribuição de sentido a textos normativos, conectando-os com fatos específicos e com a realidade subjacente. Como bem diagnosticado por Tércio Sampaio Ferraz Junior e Juliano Souza de Albuquerque Maranhão[24] o que “se busca na interpretação jurídica é, pois, alcançar um sentido válido não meramente para o texto normativo, mas para a comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa, dentro da comunicação, como um dever-ser vinculante para o agir humano”.

Daí a razão pela qual se firmou o entendimento de que a norma jurídica é resultado da intepretação do texto legal. Nesse sentido, Humberto Ávila[25], leciona que “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. Cuida-se de racional que se aplica até mesmo aos dispositivos que possuam uma significação unívoca.

Nada obstante, para o que aqui importa, é de se destacar os seus efeitos vinculantes. Hans Kelsen[26] já lecionava que, quando um órgão se pronuncia sobre o conteúdo de uma norma, por exemplo, o juiz quando determina o sentido de uma lei, no processo de aplicação, produz um enunciado normativo. Como qualquer norma, esse enunciado é vinculante. No mesmo sentido, Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Souza e Guilherme Jardim Jurksaits[27] asseveram que “o reconhecimento de que interpretações feitas pelas autoridades competentes são normas encontra-se, antes de tudo, na própria hermenêutica jurídica. Ou seja, a própria teoria de interpretação das normas jurídicas constata que as interpretações, quando emanadas de autoridade competente, têm valor de norma”.

Tanto assim é que o STF vem reconhecendo em sua jurisprudência a técnica da “interpretação conforme a Constituição”, prevista no art. 28, parágrafo único, da Lei n° 9.868/1999, por intermédio da qual se preserva a vigência de determinada norma, lhe conferindo a única intepretação compatível com a Constituição[28]; e às Mutações Constitucionais, que “nada mais são que as alterações semânticas dos preceitos da Constituição, em decorrência de modificações no prisma histórico-social ou fático axiológico em que se concretiza a sua aplicação[29]”.

Claro que isso não importa dizer que as autoridades decisoras restarão aprisionadas às suas interpretações. Até mesmo porque a cambialidade é da essência da interpretação jurídica. Na verdade, tal dispositivo só visa conferir previsibilidade para as suas mudanças interpretativas. E, na ponta, dar concretude à incidência da boa-fé nas relações administrativas. Para tanto, impõe o estabelecimento de um regime de transição, que pretende estabelecer um regime intermédio entre as relações constituídas com base na interpretação alterada e a nova interpretação. Trata-se de dispositivo que consagra o mesmo racional que vem sendo adotado, pelo Tribunal de Justiça da Corte Europeia – TJCE, para os casos de mudanças abruptas de regulamentos, como se passou, por exemplo, no caso Tomadini (84/78), trazido por Patricia Ferreira Baptista[30], no qual ficou assentando que “o respeito da confiança legítima proíbe as instituições comunitárias (…) modificar esta regulamentação sem combiná-la com medidas transitórias, salvo se um interesse público peremptório se opuser à adoção de tal medida”.

Do mesmo modo, o Direito Brasileiro é prenhe de exemplos nos quais as novas interpretações impõe o estabelecimento de um regime de transição, que seja serviente a salvaguardar a segurança jurídica das relações entabuadas sob a égide da intepretação superada. É o que prescreve o disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, de acordo com o qual “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. No Direito Tributário, por exemplo, em 2008, foi instituído o Regime Tributário de Transição – RTT, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei n° 11.638/2007.

O STF, do mesmo modo, em diversos precedentes, vem estabelecendo, a bem da segurança jurídica, regimes de transição para dar conta dos efeitos que poderão ser produzidos pelas suas mudanças de posicionamento. Assim se passou, por exemplo, no julgamento do MI n°670, a propósito do direito de greve dos servidores públicos, no qual ficou assentado que “em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria”. Do mesmo modo, ao apreciar o RE n° 597.994/PA, que consagrou a mudança de intepretação da Corte a propósito da atividade política dos membros do Ministério Público, deixou assentado que “ a ausência de regras de transição para disciplinar situações fáticas não abrangidas por emenda constitucional demanda a análise de cada caso concreto à luz do direito enquanto totalidade.”

O TCU, em algumas oportunidades, também vem reconhecendo um regime de transição a suas alterações interpretativas. Cite-se, por exemplo, a Decisão n° 481/1997-TCU, por intermédio da qual se consagrou o entendimento de que seria devida a incorporação do período de exercício de função comissionada (de uma fração 1/5 ou 1/10), para fins do percebimento de provimentos de aposentadoria. Posteriormente, o TCU, por intermédio da Decisão n°844/2001-Plenário, reviu tal posicionamento; nada obstante, por intermédio do Acordão n°2076/2005 – Plenário, com vista a preservar a segurança jurídica, deliberou no sentido preservar os atos de aposentadoria fundamentados na Decisão n° 481/1997, que foram pulicados até a Decisão n°844/2001-Plenário.

É, justamente, o racional do art. 23 da Lei n° 13.665/2018, que pretende impor esse dever da instituição de um regime de transição entre a interpretação superada e a nova interpretação.

Nada obstante, não é qualquer mudança de interpretação que resultará no direito a um regime de transição. Para os fins da exegese de tal dispositivo, temos como relevante, para a aplicação do viés subjetivo da segurança jurídica às mudanças de interpretação dos decisores, os requisitos expostos por Jesús González Pérez[31], para quem a confiança legítima tem origem quando é produzido um ato estatal que: (i) seja suficientemente conclusivo para gerar no administrado a confiança de sua juridicidade; (ii) gere a confiança do afetado de que as suas expectativas são razoáveis; e (iii) reconheça ou constitua uma situação jurídica individualizada.

Assim é que tal dispositivo não incidirá sobre interpretações que são presumidamente provisionais (como as proferidas em decisões das quais ainda caibam recursos); ou que sejam pautadas em dispositivos ou normativos, manifestamente, inconstitucionais (por erro grosseiro ou culpa grave do exegeta); ou que não produzam efeitos aleatórios no patrimônio do administrado. De fato, o objetivo da norma é o de proteger as relações jurídicas constituídas (e consolidadas), de boa-fé, sob a égide da interpretação superada, e não criar um “Direito Universal a um regime de transição” para todas as mudanças de interpretação das entidades públicas.

Temos, ainda, que o referido dispositivo terá a importante função de relativizar a jurisprudência, de natureza quase principiológica, do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “não há direito adquirido a regime jurídico” (RE nº 227755 AgR/CE). É que, se, para fins de alteração de regimes estatutários de servidores públicos, ela pode se mostrar parcialmente útil, para as demais relações das quais a Administração Pública é parte, ela é nefasta. Afinal, não pode desconsiderar que, no mundo dos fatos, a mudança de intepretação do Poder Público, ainda que resulte em um novo regime jurídico, produz efeitos nas situações já constituídas.

Não se trata, pois, de prescrição novidadeira nos setores regulados. No Setor Portuário, por exemplo, o art. 47, da Lei n° 10.233/2011 dispõe que “a empresa autorizada não terá direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da outorga da autorização ou do início das atividades, devendo observar as novas condições impostas por lei e pela regulamentação, que lhe fixará prazo suficiente para adaptação”. Do mesmo modo, no Setor de Telecomunicações, o art. 95, da Lei n° 9.472/1997, prescreve que “a Agência concederá prazos adequados para adaptação da concessionária às novas obrigações que lhe sejam impostas”. Assim é que o racional de tais prescrições passa a ser expandido, por intermédio do art. 23 da Lei n°13.665/2011, das “mudanças abruptas normativas” para as “mudanças abruptas interpretativas”.

Seguindo os quadrantes do disposto no art. 23, o art. 24 reconhece às interpretações conferidas pelas entidades públicas efeitos normativos. Razão pela qual impõe que tal alteração interpretativa deva deferência aos atos jurídicos perfeitos. Consagra, pois, a um só tempo,  a segurança jurídica como estabilidade; a segurança jurídica como previsibilidade; e a segurança jurídica como proporcionalidade.

Em primeiro lugar, porque interdita que o processo administrativo invalidador  se arvore na retroatividade das interpretações emanadas pelos Poderes Públicos. Nada mais isonômico. Explicamos.  De acordo com a jurisprudência do STF, as leis ordinárias e as normas constitucionais podem apresentar três graus distintos de retroatividade, a saber: máxima, média e mínima.  A retroatividade máxima – também chamada restitutória – se dá quando a lei nova retroage para atingir os atos ou fatos já consumados; isto é, aqueles protegidos pelo direito adquirido, ato jurídico perfeito ou até mesmo a coisa julgada. A retroatividade média, por sua vez, se opera quando a nova lei, sem alcançar os atos ou fatos anteriores, atinge os seus efeitos ainda pendentes. Por fim, a retroatividade mínima – também chamada de temperada ou de mitigada – se verifica quando a novel legislação incide imediatamente sobre os efeitos futuros dos atos ou fatos pretéritos. Portanto, nos quadrantes da jurisprudência da Corte Suprema, não se afigura constitucional nem mesmo o diploma normativo que produza efeitos atrelados à retroatividade mínima. (STF. ADI 493, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04/09/92). Ora, se a lei editada pelo parlamento se submete ao limite da irretroatividade, assim deve se passar também com as interpretações proferidas por entidades públicas.

Cuida-se de um característico intrínseco à segurança jurídica. Nesse quadrante, Luciano Ferraz[32]  aponta que duas das principais diretrizes impostas ao Poder Público, com o desiderato de proteger a esfera jurídica dos administrados, em face dos efeitos produzidos pela retroatividade dos atos estatais, são: (i) a irretroatividade das leis e demais atos estatais, bem assim de interpretações já realizadas pelos órgãos administrativos e judiciais acerca da legislação aplicável; e (ii) o dever de o Estado dispor sobre regras transitórias em razão de alterações abruptas de regimes jurídicos setoriais .

Ambas as vertentes são disciplinadas pelos arts. 23 e 24 da Lei 13.655/2018, que ora se comentam. O primeiro dispositivo, como visto, impõe o dever de o Poder Público instituir um regime de transição, que propicie que o particular possa se adaptar aos efeitos jurídicos produzidos pela nova interpretação. E o segundo interdita que a interpretação retroaja para o efeito de servir para a análise da validade de atos jurídicos.

Nada obstante, mais uma vez, não se trata de racional novidadeiro. O art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/1999, interdita a retroatividade das interpretações administrativas, dispositivo que tem sido, reiteradamente, aplicado pala jurisprudência pátria. Do mesmo, o art. 100, III, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, chega a determinar a exclusão das multas tributárias na hipótese em que o contribuinte confiou em práticas reiteradas da Administração Pública. E o seu art. 146, por sua vez, estabelece que a mudança de intepretação da Administração Pública só será aplicável para fatos geradores vindouros. A lógica que permeia os referidos dispositivos é a de interditar comportamentos contraditórios do Poder Público – non procedit venire contra factum proprium –, um dos consectários da segurança jurídica que, como destacado por Juan Carlos Cassagne[33] visa a rechaçar “la actuación de la Administración que pretende, para beneficiarse a costa del contratista, desconocer o contradecir sus actos o hechos anteriores legítimos”.

O referido dispositivo poderá ter lugar, por exemplo, nas hipóteses em que sejam conferidos efeitos normativos a interpretações com base em dispositivos legais, o que inquinaria a validade dos atos produzidos com base na sua interpretação superada. Cite-se, por exemplo, o disposto no §2°, do art. 1° da Lei n°8.443/1992 (Lei que dispõe sobre o regime interno do Tribunal de Contas da União), de acordo com o qual “A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto”. É que, como bem destacado por André Janjácomo Rosilho[34], caso o TCU revisse a sua posição sobre determinado tema, por diversas vezes, sem a devida fundamentação, ou revisse a sua resposta à consulta anterior, sem especificar se seu novo pronunciamento produziria efeitos ex tunc, ou ex nunc, poderia fomentar o entendimento de acordo com o qual os jurisdicionados que teriam agido com base na antiga resposta do Tribunal poderiam ser sancionados.

Estamos de pleno acordo com o referido jurista. Afinal, se no Direito vigora, com predominante aceitação, o brocardo tempus regit actum, no que respeita à vigência da lei no tempo, outro não pode ser o viés de exame da legalidade dos atos jurídicos arvorados na intepretação superada. Juliana Bonacorsi de Palma[35], ao comentar a referida previsão, assevera que sobre um mesmo fato pode incidir um conjunto de preceitos e orientações gerais em um momento inicial (t0) e outro conjunto marcadamente distinto em momento posterior (t1). De modo que o dispositivo “versa exatamente sobre um ato perfeito, válido e eficaz praticado no momento inicial (t0). Poderia ele ser controlado em momento posterior (t1) considerando as novas normas e orientações que sobrevieram, produzindo efeitos ex tunc? É isso o que está em discussão.”

É, justamente, o que pretende o art. 24 da Lei n° 13.655/2018, que ora se comenta. Mais que isso, cuida-se de dispositivo que introduz um novo racional decisório aos procedimentos administrativos invalidadores. De fato, como é cediço, um ato pode ser declarado inválido: (i) se afrontar diretamente a Constituição; (ii) se estiver em desacordo com o ordenamento jurídico em vigor – formado pelo “bloco de legalidade”, a que se submetem os atos e negócios jurídicos, atualmente. Mas isso não significar dizer que os atos jurídicos constituídos possam ter a sua validade questionada com base na mudança de intepretação do decisor a propósito da sua compatibilidade com a Constituição ou com o referido bloco de legalidade. E isso por suas ordens de razão. A uma, porquanto, consoante a garantia da irretroatividade prevista no art. 5º, XXXVI, CRFB, as novas interpretações das entidades públicas (em razão da sua força normativa) não  podem servir de fundamento para decretação de nulidade dos atos jurídicos perfeitos. A duas, na medida em que, com base na mesma garantia constitucional, integra o patrimônio das partes que celebraram negócios o direito de ter a sua validade aferida com base na intepretação vigente à época; cuida-se, pois, de um “direito adquirido” que o art. 24 visa a tutelar.

  A título exemplificativo, cogite-se da hipótese em que a determinado agente econômico foi conferido um título habilitante para a exploração de uma atividade de relevante interesse coletivo, com base em jurisprudência administrativa consolidada no sentido de que, para tal, seria desnecessária a realização de procedimentos licitatórios. E que, depois da exploração de tal atividade por dez anos, tal entendimento administrativo tenha restado alterado, por intermédio de decisão administrativa, a partir da qual se consagrou o entendimento no sentido de que o procedimento licitatório seria inerente a tal modalidade de autorização. Nessa hipótese, de acordo com o regime jurídico trazido pelo artigo em comento, o seu título habilitante não poderá ser declarado inválido, considerando que está em consonância com interpretação jurídica consolidada à época de sua celebração.

Mais um exemplo. É usual que decisores, anos após a celebração de contratos de concessão, questionem a modelagem de equilíbrio econômico-financeiro de tais ajustes, seja ao argumento de que a taxa de rentabilidade do concessionário seria exorbitante (frente a mudança das condições econômicas do país), seja desqualificando o Plano de Negócios – PN apresentado para o Concessionário, para fins de restauração do crivo de reequilíbrio (passando-se a impor a utilização da metodologia do Fluxo de Caixa Marginal, por exemplo). Em casos tais, o art. 24 criaria o ônus para o decisor de analisar a validade da conduta dos concessionários nos quadrantes das interpretações gerais da época de sua consumação, interditando-se a declaração de sua invalidade, com base na nova interpretação.

  1. O art. 26 e um novo regime para os acordos substitutivos

Não se desconhece que a doutrina é fonte do direito. Mas isso não importa dizer que o direito possa restar aprisionado a ensinamentos doutrinários. Nada obstante, assim se passou, com especial pujança, com o Direito Administrativo. A maior parte dos seus institutos teve os seus regimes jurídicos cunhados a partir das lições doutrinárias que tiveram origem no final do século XIX, lastreadas no racional de um regime jurídico-administrativo (caracterizado por relações verticalizas e pautado em prerrogativas publicísticas). É dizer, boa parte de seus paradigmas arvora-se em entendimentos doutrinários. O exercício do poder extroverso estatal, também conhecido como police administrative na França – que orientou os quadrantes do poder de polícia no Brasil – e, como police power, nos Estados Unidos, é um exemplo saliente dessa influência.

Malgrado a sua gênese esteja atrelada à submissão da Administração à legalidade (no auge de um Estado Liberal), as principais características que lhe foram atribuídas, pela doutrina, lhe conferiram um viés arbitrário. Ancorada no atendimento do indeterminável interesse público (decorrente do regime jurídico-administrativo), a Administração Pública estaria autorizada a limitar direitos individuais em prol dos interesses da coletividade. Isto porque, como destacado por Caio Tácito[36], “essa faculdade administrativa não violenta o princípio da legalidade, porque é da própria essência constitucional das garantias do indivíduo a supremacia dos interesses da coletividade. Não há direito público subjetivo absoluto no Estado moderno”.  Para tal desiderato, tal função pública seria detentora das características da discricionariedade (podendo ser exercida sob critérios de conveniência e oportunidade), da autoexecutoriedade (prescindindo, pois, a Administração Pública da interveniência do Poder Judiciário para o seu exercício) e da coercitividade (pelo que poderia ser imposta aos particulares, independentemente de sua anuência).

Outro paradigma atrelado ao exercício da função extroversa diz com a unicidade do regime jurídico dos títulos habilitatórios de consentimento estatal. É dizer, ao longo do tempo, defendeu-se o entendimento de acordo com o qual as autorizações seriam atos discricionários, unilaterais e precários, ao passo que as licenças seriam atos administrativos vinculados e estáveis. Mais que isso, chegou-se a defender, com muito vigor, o entendimento de que “o Texto Constitucional usa as expressões “autorização, concessão ou permissão”, por uma insuficiência técnica. Deveria ter-se referido a “concessão ou permissão”, pois a autorização diz respeito a atividades privadas que supõem, para seu exercício, prévia manifestação aquiescente do Poder Público”.

Cuida-se de entendimentos que não resistiram, em primeiro lugar, aos influxos trazidos pelos Direitos Individuais previstos na Constituição de 1988.

E, em segundo lugar, à função reguladora que passou a ser exercida, pela Administração Pública, seja em razão do seu viés de processualização dos interesses enredados em determinado sistema econômico, seja em razão da sua necessária estabilidade – por ser insulada de influências políticas (designada de regulatory commitment). Nesse quadrante, pautado pela densificação normativa da função reguladora, o ordenamento jurídico pátrio caminhou na firme trilha de desconstruir o dogma doutrinário de acordo com o qual as designações de um ato administrativo como licença e autorização seriam critérios prestantes a qualificar um ato de polícia como discricionário ou vinculado. São exemplos dessa “quebra de paradigmas” a autorização vinculada, serviente a franquear a exploração dos serviços de telecomunicações[37], no regime privado, prevista no art. 131 da Lei n° 9.472/1997, bem como a Licença Ambiental, prevista na Lei Complementar n°140/2011, que não poderia ser mais discricionária.

Nessa mesma direção da superação dos paradigmas construídos a propósito do exercício do poder extroverso, passa a vigorar o art. 26 da Lei n°13.655/2018, da denominada “Lei da Segurança para a Inovação Pública”, que ora se comenta. Cuida-se de relevante previsão da introdução do consenso no exercício do poder extroverso estatal[38]. Isto por que a consagração da consensualidade no direito brasileiro é um movimento que tem sido levado a efeito de forma segmentada. Nas últimas décadas, vários atos normativos previram formas de materialização da consensualidade administrativa, como a previsão de consultas e audiências públicas prévias à edição de normativos, bem como uma plêiade de dispositivos que disciplinaram espécies díspares de acordos substitutivos. A nova LINDB (Lei nº 13.655/2018), por intermédio de seu art. 26, dá um importante passo para a consagração definitiva desse vetor no Direito Brasileiro.

Nesse quadrante, temos que duas são as características de tal função que restaram superadas, a partir da vigência de tal dispositivo. A primeira de que o poder de polícia seria, necessariamente, coercitivo. É que, de acordo com o novel diploma, o administrado é chamado a participar da formação da decisão de polícia – o que, de resto, já poderia ser extraído da vertente da processualização, prevista no art. 5°, inciso LV, da CRFB e do parágrafo único, do art. 78 do CTN. Mais que isso, supera-se o entendimento (mais caracterizado como uma prerrogativa) de acordo com o qual o poder extroverso deveria ser exercido ao interno da burocracia.

A segunda de que tal função seria sempre discricionária. Assim já não se passava, já que casos há em que o exercício de tal função é predominantemente vinculado (a exemplo do regime jurídico do registro para o porte de armas, previsto no art. 4° da Lei n° 10.826/2003). Nada obstante, por intermédio do art. 26, cogita-se de que, à medida que a função de polícia passa a ser permeada pelos interesses dos administrados, da sociedade, pela realização de Consultas Públicas e pela manifestação do órgão jurídico competente (por intermédio, por exemplo, das Procuradorias Públicas) a sua discricionariedade passará a ser bem reduzida – ou, quando menos, os atos administrativos delas decorrentes passarão a ser, objetivamente, controláveis.

É de registrar, porém, que não é qualquer compromisso que terá de ser submetido à Consulta. É que, se, de um lado, tal instrumento opera conferindo maior legitimidade ao compromisso de que trata o dispositivo comentado, por outro, por importar em dispêndio de tempo e de recursos públicos, seja porque tal procedimento tem custos de divulgação e publicação, seja porque as contribuições dela decorrentes podem não ser relevantes para a celebração do instrumento negocial. Nesse quadrante, estamos de acordo com Sérgio Guerra e  Juliana Bonacorsi de Palma[39], para quem a realização de Consultas Públicas é recomendada nos casos de: (i) negociação de altos valores, como nos acordos de investimento bilionários; (ii) desenho de cláusulas com impactos concorrenciais, econômicos ou que importarem em escolha daqueles que se beneficiarão dos benefícios gerados pelo compromisso; (iii) sensibilidade social, política ou humanitária do compromisso, inclusive quanto à desconfiança ética das tratativas; e (iv) em casos cujo cenário do compromisso seja complexo e de difícil mapeamento dos interesses em jogo.

Ademais disso, o dispositivo em comento servirá como um permissivo genérico para a celebração de acordos, no âmbito da função de polícia administrativa. Explicamos. Como lecionam Floriano de Azevedo Marques Neto e Juliana Bonacorsi de Palma[40], o poder público dispõe de uma míriade de modelos de acordos dos quais pode se valer no seu atuar. Para o que aqui importa, é de se destacar os acordos integrativos, os acordos substitutivos e acordos complementação. Os acordos integrativos têm por desiderato viabilizar a edição de um ato administrativo unilateral, de modo mais harmônico, com as necessidades do caso concreto ou com as características de seu destinatário. Assim é que, nessa modalidade, há a negociação do conteúdo do ato unilateral com os particulares. Os acordos substitutivos, por sua vez, são vocacionados à substituição do processo administrativo sancionador ou à própria sanção, a depender do regime jurídico previsto em lei. Os acordos complementação, por sua vez, tem por objetivo complementar, por meio do consenso, o ato administrativo final que será produzido.

O art. 26 endereça soluções para essas três espécies de acordos. Em sua parte inicial, servirá como um permissivo genérico para a celebração dos acordos integrativos, ao permitir a celebração de compromissos “inclusive no caso de expedição de licença”.  Cuida-se de dispositivo com similar racional ao disposto no art. 135 da Lei n°9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), de acordo com o qual “a Agência poderá, excepcionalmente, em face de relevantes razões de caráter coletivo, condicionar a expedição de autorização à aceitação, pelo interessado, de compromissos de interesse da coletividade”. O objetivo de tal concertação de vontades é o de estabelecer condições para que particular possa exercer determinada atividade econômica (art. 170, paragrafo único, da CRFB), especialmente vocacionada às hipóteses em que, seja por razões econômicas, seja por objetivos constitucionalmente tutelados (a exemplo da proteção da concorrência), o consentimento administrativo terá de ser negociado.

Um exemplo ilustra o exposto. Cogite-se da hipótese em que a exploração de uma atividade industrial não comporte, pelas externalidades negativas por ela produzidas, diversos prestadores (por exemplo, pela instauração de uma concorrência predatória). Nesse quadrante, o poder público, por ocasião do procedimento de consentimento de polícia, poderá negociar condicionantes a propósito da atuação do particular (duração, regime de preços, parâmetros qualitativos do desenvolvimento de sua atividade), para o efeito de deferimento do titulo habilitatório – o que já ocorre, por exemplo, em procedimentos de licenciamentos ambientais, mas que passará a ser expressamente permitido em todo o procedimento de consentimento de polícia.

Mais que isso, o dispositivo comentado servirá como um permissivo genérico à celebração dos denominados “acordos substitutivos regulatórios”, que nos termos do art. 26 ora comentado, que o vocaciona a “eliminar situação contenciosa”. Explica-se. Muito já se questionou a juridicidade da celebração de tais acordos, quando inexistente autorização normativa prévia específica. Temos que sempre se tratou de controvérsia descabida considerando o disposto no art. 5°, §6°, da Lei n° 7.345/1985, que autoriza que autarquias (que é gênero, do qual são espécies as agências reguladoras) celebrem tal modalidade de acordo, desde que tenha suas finalidades vocacionadas a tutelar os valores protegidos pela Lei da Ação Civil Pública. Mas não só, para além de tal permissivo genérico, no âmbito da regulação setorial, as leis-quadro, em razão da sua baixa densidade normativa, deslegalizam o que é ou não punível para a normatização de segundo grau. Razão pela qual a celebração de tais espécies de acordos é, apenas, predicadora da sua disciplina em normatização da agência[41]. Porém, a inclusão de um permissivo genérico para a celebração de tais ajustes, em uma lei interpretativa, põe a termo a controvérsia a propósito da imprescindibilidade de sua previsão em normas de primeiro grau.

A segunda ordem de questionamentos que se esvaem com tal permissivo diz com o antigo (e em vias de superação) entendimento de que a chamada “supremacia do interesse público” interditaria a disponibilidade do procedimento administrativo sancionador e do valor da multa dele decorrente. Tal entendimento não nos parece o melhor.

Para além do chamado princípio da supremacia do interesse público (na qualidade de um valor metodológico) não ter previsão normativa, nem acolhimento pela maior parte da doutrina, tal adágio seria antípoda à própria legislação vigente, que autoriza a celebração de pactos negociais envolvendo o Poder Público. Nesse quadrante, tal espécie de acordo de que trata o art. 26, considerando a ponderação de todos os interesses públicos enredados no caso específico, tende a ser mais eficientes, seja porque os seus destinatários tendem a lhe emprestar maior deferência (por se tratar de um ato formado pelo consenso), seja porque a aplicação de uma sanção pode ser questionada, por longos anos, pelos administrados (em sede administrativa e judicial). Daí porque tal modalidade de acordo pode melhor atender o interesse público, no caso concreto, ao substituir a incerteza do cumprimento da sanção pelo adimplemento de uma obrigação superveniente. Daí por que o legislador se valeu, propositadamente, da expressão “razões de interesse geral” para substituir o adágio da “Supremacia do Interesse Público”.

Some-se isso o fato de que, no âmbito de uma função de polícia, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, a sanção deve ser a ultima ratio. É que, como já se teve a oportunidade de afirmar “dessa constatação parte outra de que a sanção não é um fim em si, mas sim um dos meios – e não o único – para se evitar o descumpri­mento de uma obrigação jurídica e para viabilizar a consecução das políticas públicas estabelecidas para um determinado setor[42]”. O simples ato de punir não está inserido como prioridade nas pautas administrativas. Na verdade, neste particular, a sanção só será legítima se for o instrumento mais adequado para equilibrar os interesses enredados em determinada situação concreta. Ademais disso, é de ressaltar que a função de polícia administrativa não deve ser orientada por um viés arrecadatório; se o for, produzirá um ato administrativo maculado pela pecha do desvio de finalidade. De fato, seria absurdo trazer à baila raciocínio lastreado em perda ou ganho econômico para a Agência em decorrência da celebração de acordo subs­titutivo. É evidente que essa preocupação não é legítima aos olhos da pauta regulatória, a ser observada e ponderada pelo órgão regulador quando de sua escolha com relação ao acordo[43].

A partir deste dispositivo, é de se investigar a natureza jurídica dessa espécie de acordo, que se apresenta controvertida em sede doutrinária. De acordo com um primeiro entendimento, tais acordos teriam natureza jurídica de negócios jurídicos bilaterais do direito privado, mais precisamente, como forma sui generis da transação prevista no art. 840 do Código Civil[44]. Já, para um segundo entendimento, “o ajustamento de conduta responde satisfatoriamente à natureza jurídica de contrato administrativo típico[45]”. E, para um terceiro entendimento, capitaneado por Vasco Dias Pereira da Silva[46], nem mesmo seria necessária a criação de uma nova categoria de ato administrativo, uma vez que os acordos celebrados pela administração não poriam em causa a sua natureza essencialmente unilateral. No entendimento deste autor, “a fonte de validade (e de eficácia) de tais decisões não é o consenso das partes, mas a manifestação de vontade unilateral da Administração, independentemente de se saber se as autoridades administrativas e os particulares se puseram ou não previamente de acordo acerca do seu conteúdo (em parte, ou no todo)”[47].

A natureza de negócio jurídico privado não se coadunaria com um instrumento que veicula a substituição do exercício do poder extroverso por uma entidade com personalidade jurídica de direito público. Do mesmo modo, o ainda vigente regime jurídico único dos contratos administrativos, com as exorbitâncias que lhe são salientes, mostra-se incompatível com a natureza negocial dos acordos substitutivos. Temos que os acordos substitutivos têm natureza jurídica de negócio jurídico processual, mas que produz externalidades exógenas. É dizer, de um negócio processualizado, permeado pelo consenso, que deve ser praticado com base em juízos pragmáticos e prospectivos, nos termos do que dispõe o art. 20 da própria Lei nº 13.655/2018. Nada obstante, como bem observado por Sérgio Guerra de Juliana Bonacorsi de Palma[48], “Lindb parece ter tentado suplantar essa questão por meio da disciplina  regulamentar suficiente, que afastaria a necessidade de aplicação subsidiária de normas outras que não as processuais administrativas”.

Não bastassem os efeitos da substituição do procedimento sancionador por atos negociais, em termos de eficácia, tais ajustes terão a vantagem de coibir, de forma imediata, condutas que ofendam a ordem jurídica. Com esse racional, o art. 26 da LINDB, em sua parte inicial, tem por desiderato “eliminar irregularidade”. Isto porque a suspensão ou a alteração da conduta do compromissário é parte integrante do próprio acordo.  E disso decorrem, ao menos, dois efeitos positivos. O primeiro é o de que o poder público terá menores custos para inibir o ilícito, já que a suspensão ou a alteração da conduta contará com a aquiescência do compromissário. O segundo é o de que, como a conduta é voluntária, à luz da lógica dos incentivos, o compromissário tende a lhe prestar deferência[49]. Não se trata de prescrição novidadeira. No âmbito do Sistema Brasileiro da Concorrência, com um racional similar, tem lugar o compromisso de cessação de conduta violadora da ordem econômica (art. 85 da Lei n°12.529/2011) e, na seara ambiental, o compromisso de cessação de infrações ambientais (art. 79-A da Lei n° 9.605/1998).

 Nada obstante, temos que, para que o acordo de que cuida o dispositivo em comento seja eficaz, alguns quadrantes deverão orientar a sua aplicação. O primeiro deles é o de que do compromissário não poderá ser exigida a confissão da prática do ato violador do ordenamento jurídico, mas, tão somente, a adequação de sua conduta aos ditames fixados pela Administração Pública – do contrário, restar-se-iam violados os ditames da presunção da inocência (art. 5°, LVII, da CRFB) e da interdição da autoincriminação (previsto no art. 5°, LXIII, da CRFB e na Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário). O segundo diz com a necessidade do estabelecimento de um efetivo procedimento de negociação entre as partes, de modo que o particular possa, efetivamente, participar da formação do ato de polícia, interditando-se atos administrativos de adesão, nos quais o concurso de vontades seja um simulacro. O terceiro de que todas as entidades que possam ter competência para exercício do poder extroverso sobre as atividades exercidas pelos compromissários lhe devam deferência, sob pena de tal ajuste restar inviabilizado por conta de sua instabilidade – como ficou decidido no Mandado de Segurança n°35435, a propósito da possibilidade de revisão de Acordo de Leniência pelo TCU.

O referido dispositivo ainda prevê que tal “compromisso poderá ser celebrado com os interessados”. Disso decorre a sua natureza jurídica, também, de um permissivo genérico para a celebração dos acima referenciados acordos de cooperação. É que o legislador, ao invés de usar o termo  “partes” houve por bem ampliar o seu espectro para todos os interessados que possam ter seus direitos afetados pela situação jurídica contenciosa.  Trata-se da consagração do que Hamut Maurer[50] denomina de relações administrativas multipolares, as quais “se distinguem das relações bipolares pelo fato de não só o estado de um lado e o cidadão – ou mais cidadãos, mas com interesses no mesmo sentido – do outro lado estão face a face, mas de também do lado do cidadão são feitos valer interesses distintos e em sentido contrário”. Exemplificando essa relação, o referido autor apresenta uma hipótese em que o Tribunal Constitucional alemão considerou cabível a proteção jurídica dos interesses dos vizinhos em face de planos de urbanização (BVerwGE, 151, 154f.). Isto porque, como bem destacado Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva[51], “esses particulares, titulares de direitos subjetivos públicos, já não podem mais ser considerados terceiros em face da Administração, ou perante aqueloutros privados imediatamente destinatários da sua actuação”. Não se trata, porém, de racional desconhecido, considerando que o art. 9° da Lei n° 9.784/1999 (Lei de Processo Administrativo Federal), já reconhecia como interessados aqueles que não deram início ao processo, mas têm seus interesses afetáveis pela decisão final.

Cogite-se da hipótese em que o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, constatando a consumação de um dano ambiental, para além de propor um compromisso com o agente poluidor, inclui, no referido instrumento negocial, obrigações positivas para parcelas da sociedade diretamente afetadas pelo dano adotarem, de sorte a minimizar os impactos do dano ambiental que já foi conflagrado.

Por fim, o caput do artigo comentado, dispõe que o referido compromisso só “produzirá efeitos a partir de sua publicação”. Cuida-se de prescrição que visa a interditar a celebração de “acordos de gaveta”, assim considerados como os compromissos que são pactuados, mas que ficam sem produzir efeitos por anos, em razão da inércia da entidade pública celebrante.

Temos que, nos quadrantes do dispositivo comentado, tal compromisso poderá ser celebrado: antes da instauração do processo administrativo; no seu devir; por ocasião da prolação da decisão final, quando da interposição de recurso[52]. Porém, antes da constiuição de coisa julgada administrativa, caso que ainda será cabível a celebração de compromisso perante o Poder Judiciário.

O §1°, I, do referido dispositivo prevê que os compromissos deverão buscar “a solução jurídica proporcional”, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais”. A lógica de tal prescrição é a de que a obrigação veiculada por intermédio do compromissso não poderá ser superior à sanção cogitada em sede de processo administrativo sancionador; tudo sob a orientação de privilegiar a solucão que deve ser endereçada no caso concreto. Temos que um dos exemplos de que se pode cogitar a partir da vigência de tal dispositivo é da possibilidade de os valores que seriam arrecadados, a título de multa, serem reconduzidos à realização de novos investimentos, ainda não previstos em módulos concessórios – tema que restou, parcialmente, equacionado, por intermédio do Acordão nº 2121/2017, do TCU[53]. Isto porque, considerando a incerteza da arrecadação do valor multa em determinadas hipóteses, o interesse público, em concreto, restará mais bem atendido se tal numerário for revertido para o adimplemento de obrigações de investimentos não previstas no contrato de concessão – que não compunha, pois, o fluxo de despesas do projeto.

Até mesmo porque temos que, em determinadas hipóteses, a celebração dessa espécie de acordos pode ser a única escolha regulatória possível. Cogite-se, por exemplo, da hipótese em que: (i) o serviço concedido necessite da realização de investimentos não previstos, orginalmente, no contrato; e (ii) para fazer frente a tais investimentos, não seja mais possível se utilizar da variável prazo (por intermédio do expediente da prorrogação), da redução de obrigações de desempenho dos concessionários (sem prejuízo da adequada prestação do serviço público), nem aumentar a tarifa do serviço concedido (sem prejuízo da modicidade tarifária). Nessa hipótese, a celebração do acordo substitutivo de que trata o dispositivo em comento tratar-se-ia de um poder-dever.

Porém, é de se registrar, por oportuno, que tais investimentos não podem ser estipulados ao alvedrio do regulador. Muito ao contrário, a sua realização será fruto de uma concertação entre as partes. Isto porque, como é de conhecimento convencional, as cláusulas econômicas dos contratos administrativos só podem ser alteradas com a aquiescência do contratado, consoante dispõe o §1º, do art. 58, da Lei nº 8.666/93 (dispositivo aplicável, supletivamente, às concessões). Afora isso, tais investimentos terão de ser realizados em bens vinculados, direta ou indiretamente, ao serviço delegado. Não se poderia cogitar, por exemplo, que as multas que seriam aplicadas a um concessionário de rodovia fossem revertidas para o cumprimento das obrigações de universalização de uma concessionária de um Serviço de Telefonia Comutado – STFC. O nítido desvio de finalidade interditaria tal reversão. Ainda sobre tema, temos que tais novos investimentos teriam de observar a metodologia do Fluxo de Caixa Marginal, por intermédio da qual se busca reequilibrar contratos de longo prazo, nas hipóteses de inserção de obras e serviços não acordados quando da sua pactuação.

O §1°, III, do dispositivo comentado prescreve que tal compromisso  “não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral”.  Cuida-se de uma salutar limitação objetiva à celebração do compromisso de que trata o caput. Assim é que, se, de um lado, o caput tem por desiderato ampliar o seu espectro subjetivo (franqueando a sua celebração a todos os “interessados”), esse inciso III, de seu §1°, tem por escopo estabelecer uma limitação objetiva aos termos desse compromisso negocial. Uma espécie de checks and balances, por assim dizer, de tais compromissos. Segue daí que o seu racional é o de evitar desvios de fianalidade na sua celebração, o que, ao fim e ao cabo, preservará a segurança jurídica na celebração de tal instrumento, finalidade primeira da Lei n° 13.655/2018.

Alguns exemplos ilustram o quanto exposto.  À luz de tal inciso um acordo substitutivo celebrado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre-ANTT, com uma concessionária de rodovia que a desonerasse de observar o dever de modicidade tarifária, previsto no art. 6°, §1°, da Lei n° 8.987/1995, seria considerado inválido. Assim também se passaria com um compromisso celebrado pela Agência Nacional do Petróleo – ANP, com uma concessionária de E&P, que a desonerasse de observar as disposições da Lei n° 9966/2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

Por fim §1°, IV, do dispositivo comentado, prescreve que tal compromisso deverá prever, com clareza, as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento; a objetividade do acordo, a sua transparência e as reprimendas pelo seu descumprimento. Cuida-se de preceito que tem de ver com a eficácia e com a exequibilidade do referido instrumento. Eficácia, na medida em que, sem o cuidado redacional com as obrigações que serão estipuladas para os compromitentes, o pacto negocial poderá restar esvaziado. Exequibilidade, porquanto a ausência de uma previsão de comando-sanção, ainda que num instrumento negocial, poderá gerar incentivos para que as partes o descumpram.

Ambas as referidas diretrizes, uma vez mais, tem por escopo último a preservação da segurança jurídica do instrumento. Nesse particular, tem-se a aplicação, por analogia, do disposto no art. 104, III, do Código Civil, de acordo com o qual a validade do negócio jurídico predica de objeto lícito, possível, determinado ou determinável.  Nada obstante, é assaz relevante  o alerta de Sérgio Guerra e Juliana Bonacorsi de Palma[54], para quem “nos demais casos, as sanções se prestam simplesmente a estimular negativamente o descumprimento, podendo ser mais brandas”.

Dos referidos comentários, é possivel se inferir que a Lei n°13.655/2018, diferentemente do que ela foi acusada, não tem o desiderato de fomentar ilicitudes, ou de tornar o controle mais lasso. Muito ao revés, o racional da nova lei – do qual é saliente o seu art. 26 que ora se comenta – é o de conferir transparência às relações público-privadas. A história demonstrou que o arbítrio e a unilateralidade do exercício do poder extroverso, ao invés de reprimir, fomentaram a prática de ilegalidades.  Consagrou a nefasta lógica do “criar dificuldades, para vender facilidades”. A Lei n°13.655/2018 caminha no sentido oposto; processualiza e confere transparência ao consenso. É um novo caminho para os próximos anos da história sobre o exercício da função de polícia.

  1. Conclusões

A Lei nº 13.655/2018, ao trazer racionalidade aos controles e conferir publicidade ao consenso, poderá colaborar para a dissolução dos gargalos da infraestrutura brasileira. Incompletude não é sinônimo de indeterminabilidade. Riscos são precificáveis; incertezas, não. A estabilidade gera a previsibilidade dos investimentos (e dos seus retornos). E os projetos de infraestrutura brasileiros vêm se ressentindo disso. O ferramental trazido pela Lei nº 13.655/2018 poderá ajudar.

  1. Referências Bibliográficas

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 22. Vide, também: GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005.

BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Segurança jurídica e proteção da confiança legítima no direito administrativo: análise sistemática e critérios de aplicação no direito administrativo brasileiro. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Draª. Odete Medauar. São Paulo: USP, 2006.

CÂMARA, Jacintho Arruda. As autorizações da Lei Geral de Telecomunicações e a Teoria Geral do Direito Administrativo. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT. Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p. 55-68, jul./dez. 2007.

CARDOSO, David Pereira. Os acordos substitutivos no Direito Administrativo. Negócio jurídico privado, contrato de direito público ou ato administrativo bilateral?. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 13, n. 49, p. 59-77, jan./mar. 2015

FERNANDES, Rodrigo. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Função pragmática da justiça na hermenêutica jurídica: lógica do ou no direito? Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ. Belo Horizonte, ano 1, n. 5, jan./dez. 2007.

FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada: interpretação, decadência e prescritibilidade. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p. 19-42, jul./set. 2010.

[1] CASSAGNE, Juan Carlos. El contrato administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1999. p. 72 – 73.

FREITAS, Rafael Véras de. A Análise de Impacto Regulatório (AIR) no setor de ener­gia elétrica. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 12, n. 46, p. 177-200, jul./set. 2014.

GARCIA, Flávio Amaral. A mutabilidade e incompletude na regulação por contrato e a função integrativa das Agências. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 59-83, mar./ago. 2014.

GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26 Novo regime jurídico de negociação com Administração Pública. RDA – Revista de Direito Administrativo. Lei de introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lei n° 13.655/2018), p. 149.

GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El principio general de la buena fe en el Derecho Administrativo. 4ª ed., Madrid: Civitas, 2004

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luiz Carlos Borges. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MACEDO, Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos subs­titutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Biblioteca Digital – Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Entre a independência institucional e neopatrimonialismo: a distorção da doutrina do promotor natural. In: RIBEIRO, Carlos Vinicius (Org.). Ministério Público: reflexões sobre princípios institucionais. São Paulo: Atlas, 2010.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Juridicidade e Controle dos Acordos Regulatórios: O Caso TAC ANATEL. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4296871/mod_resource/content/1/Juridicidade%20e%20Controle%20dos%20Acordos%20Regulat%C3%B3rios%20-%20O%20Caso%20TAC%20ANATEL.pdf  – Acesso em: 22/11/2018.

MARRARA, Thiago. Regulação consensual: o papel dos compromissos de cessação da prática no ajustamento de condutas. Revista Digital de Direito Administrativos).

MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. Tradução de Luís Afonso Heck. São Paulo: Manole, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

MOREIRA, Egon Bockmann. Direito Administrativo da escassez, contratações públicas e segurança jurídica: o que temos a aprender com a crise permanente. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 16, n. 61, p. 55-76, jan./mar. 2018.

MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviços público. São Paulo: Malheiros, 2010.

MOREIRA, Egon Bockmann. O Contrato Administrativo como instrumento de Governo. Coimbra: Março, 2012.

NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

NÓBREGA, Marcos. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ativismo judicial, pragmatismo e capacidades institucionais: as novas tendências do controle judicial dos atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 10, n. 39, p. 9-36, out./dez. 2012.

PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil: em busca de um discurso sobre o método. RDA – Revista de Direito Administrativo. Belo Horizonte, v. 262,  jan./abr. 2013.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

POGREBINSCHI, Thamy. Pragmatismo: teoria social e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005.

RODRIGUES, Walton Alencar. O controle da regulação no Brasil. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 7, n. 33, p. 345-358, 2005.

ROSILHO, André Janjácamo. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas da União. Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP, em 2016.

SCHIRATO, Vitor Rhein; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 7, n. 27, out./dez. 2009.

SILVA, Vasco Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 1998. p. 474. No mesmo sentido: KATO, Mariana Almeida. Os Acordos Substitutivos o termo de ajustamento de conduta. RDA – Revista de Direito Administrativo, v. 277, p.101-105/abril de 2018.

SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p. 133-151, abr./jun. 2011.

SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. Interpretações administrativas aderem à lei?. RDA – Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 260, p. 97-132, maio/ago. 2012.

TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo (RDA), v. 27, p. 2, 1952.

WILLIAMSON, Oliver. Economics of Organization: The Transaction Cost Approach. 1981.

Notas de Rodapé:

[1] Professor da FGV Direito Rio. Coordenador do Módulo de Concessões e de Infraestrutura da Pós-Graduação da FGV Direito Rio. Mestre em Direito da Regulação pela FGV. Advogado.

[2] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Entre a independência institucional e neopatrimonialismo: a distorção da doutrina do promotor natural. In: RIBEIRO, Carlos Vinicius (Org.). Ministério Público: reflexões sobre princípios institucionais. São Paulo: Atlas, 2010.

[3] MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviços público. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 281.

[4] Os contratos de investimentos diferem dos contratos de despesa. Nos primeiros, a Administração Pública recebe investimentos dos particulares – por exemplo, os contratos de concessão e de PPPs; nos segundos, a Administração despende recurso, como ocorre nos contratos de empreitada tradicionais.

[5] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 164.

[6] WILLIAMSON, Oliver. Economics of Organization: The Transaction Cost Approach. 1981. p. 552.

[7] Feliz expressão cunhada por Egon Bockmann Moreira, que retrata a natureza consensual nesta relação jurídica de longo prazo.

[8] GARCIA, Flávio Amaral. A mutabilidade e incompletude na regulação por contrato e a função integrativa das Agências. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 59-83, mar./ago. 2014.

[9] Nesse sentido, v. NÓBREGA, Marcos. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009.

[10] MOREIRA, Egon Bockmann. O Contrato Administrativo como instrumento de Governo. Coimbra: Março, 2012.

[11] MACEDO, Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 131.

[12] Como demostrado por Juliana Bonacorsi de Palma – disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf

[13] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. op. cit. p. 215.

[14] RODRIGUES, Walton Alencar. O controle da regulação no Brasil. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 7, n. 33, p. 345-358, 2005. p. 346.

[15] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 340-341.

[16] ROSILHO, André Janjácamo. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas da União. Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP, em 2016.

[17]  MOREIRA, Egon Bockmann. Direito Administrativo da escassez, contratações públicas e segurança jurídica: o que temos a aprender com a crise permanente. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 16, n. 61, p. 55-76, jan./mar. 2018.

[18] POGREBINSCHI, Thamy. Pragmatismo: teoria social e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005, p. 39.

[19] POGREBINSCHI, Thamy. Ibdem.

[20] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ativismo judicial, pragmatismo e capacidades institucionais: as novas tendências do controle judicial dos atos administrativos. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 10, n. 39, p. 9-36, out./dez. 2012.

[21] FREITAS, Rafael Véras de. A Análise de Impacto Regulatório (AIR) no setor de ener­gia elétrica. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 12, n. 46, p. 177-200, jul./set. 2014.

[22] PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil: em busca de um discurso sobre o método. RDA – Revista de Direito Administrativo. Belo Horizonte, v. 262,  jan./abr. 2013. Eis os julgados a que se referem os autores. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 526.276. Tribunal Pleno. Rel. min. Ellen Gracie Northfleet. J. 3/11/2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.934. Tribunal Pleno. Rel. min. Ricardo Lewandowski. J. 27/5/2009.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277. Tribunal Pleno. Rel. min. Ayres Britto. J. 5/5/2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186. Tribunal Pleno. Rel. min. Ricardo Lewandowski. J. 26/4/2012.

[23] RAMALHO, Bruno Araújo. O dever de motivação administrativa no contexto das escolhas regulatórias: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). In: I Seminário de Integração FGV Direito Rio e Faculdade de Direito da UERJ, 2016, Rio de Janeiro. Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias. v. 1. p. 123-155, Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2016.

[24] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Função pragmática da justiça na hermenêutica jurídica: lógica do ou no direito? Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ. Belo Horizonte, ano 1, n. 5, jan./dez. 2007.

[25] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 22. Vide, também: GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005. p. 80-82; PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 26.

[26] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luiz Carlos Borges. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 236.

[27] SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. Interpretações administrativas aderem à lei?. RDA – Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 260, p. 97-132, maio/ago. 2012.

[28] ADI 4277 / DF – DISTRITO FEDERAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a):  Min. AYRES BRITTO Julgamento:  05/05/2011 Órgão Julgador:  Tribunal Pleno).

[29] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 152. STF – MS 26.602, Voto do Min. Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 04/10/2007.  STF – ADI 5081, Relator: Min: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 27/5/2015, Data de Publicação: DJe 19/8/2015.

[30] BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Segurança jurídica e proteção da confiança legítima no direito administrativo: análise sistemática e critérios de aplicação no direito administrativo brasileiro. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Draª. Odete Medauar. São Paulo: USP, 2006.

[31] GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El principio general de la buena fe en el Derecho Administrativo. 4ª ed., Madrid: Civitas, 2004. p. 69-74.

[32] FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada: interpretação, decadência e prescritibilidade. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p. 19-42, jul./set. 2010.

[33] CASSAGNE, Juan Carlos. El contrato administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1999. p. 72 – 73.

[34] ROSILHO, André Janjácomo. op. cit.

[35] PALMA, Juliana Bonacorsi de. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf.

[36] TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo (RDA), v. 27, p. 2, 1952.

[37] Sobre o tema, V. CÂMARA, Jacintho Arruda. As autorizações da Lei Geral de Telecomunicações e a Teoria Geral do Direito Administrativo. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT. Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p. 55-68, jul./dez. 2007.

[38] SCHIRATO, Vitor Rhein; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 7, n. 27, out./dez. 2009.

[39] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26 Novo regime jurídico de negociação com Administração Pública. RDA – Revista de Direito Administrativo. Lei de introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lei n° 13.655/2018), p. 149.

[40] Floriano de Azevedo; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Juridicidade e Controle dos Acordos Regulatórios: O Caso TAC ANATEL. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4296871/mod_resource/content/1/Juridicidade%20e%20Controle%20dos%20Acordos%20Regulat%C3%B3rios%20-%20O%20Caso%20TAC%20ANATEL.pdf  – Acesso em: 22/11/2018.

[41] SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p. 133-151, abr./jun. 2011).

[42] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos subs­titutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Biblioteca Digital – Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.

[43] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. op. cit.

[44] NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 156.

[45] FERNANDES, Rodrigo. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 77-78.

[46] SILVA, Vasco Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 1998. p. 474. No mesmo sentido: KATO, Mariana Almeida. Os Acordos Substitutivos o  termo de ajustamento de conduta. RDA – Revista de Direito Administrativo, v. 277, p.101-105/abril de 2018.

[47] Tal pesquisa observa a ordenação de CARDOSO, David Pereira. Os acordos substitutivos no Direito Administrativo. Negócio jurídico privado, contrato de direito público ou ato administrativo bilateral?. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 13, n. 49, p. 59-77, jan./mar. 2015.

[48] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi. op. cit., p. 149.

[49] (MARRARA, Thiago. Regulação consensual: o papel dos compromissos de cessação da prática no ajustamento de condutas. Revista Digital de Direito Administrativos).

[50] MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. Tradução de Luís Afonso Heck. São Paulo: Manole, 2006. p. 191

[51] SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. op. cit. p. 234.

[52] GUERRA, Sérgio. PALMA, Juliana Bornacosia. op. cit. p. 149

[53] Sobre o tema, V. Floriano de Azevedo e PALMA, Juliana Bonacorsi de. Juridicidade e Controle dos Acordos Regulatórios: O Caso TAC ANATEL. Op. cit.

[54] GUERRA, Sérgio. PALMA, Juliana Bonacorsi. op. cit. p. 149.