A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A BUSCA PELA REDUÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NA FASE FINAL DO CICLO DE VIDA DE UM PRODUTO

Resumo

O aumento da pressão humana sobre os recursos naturais impõe a necessidade de se repensar as relações estabelecidas com o meio ambiente em conjunto com as formas de administração do sistema econômico.
Nesse contexto ganha espaço uma ferramenta conhecida como Avaliação do Ciclo de Vida do Produto. Através dessa avaliação é produzido um relatório com todas as cargas ambientais de um determinado produto, desde a obtenção dos insumos até a destinação final do mesmo.
Em pese ainda existir trabalho a ser feito, como, por exemplo, o estabelecimento de metodologias padronizadas para comparação de estudos de ciclo de vida. Essa ferramentajá está hábil a ser utilizada e tem o condão de auxiliar a tomada de decisões, especialmente aquelas estratégicas.
Quiçá por isso a Avaliação do Ciclo de Vida foi prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos com ênfase na etapa final do ciclo de vida de determinado produto. A referida Política procurou incorporar ideias não apenas de redução de resíduos, reutilização e reciclagem, mas também relacionadas à logística reversa - imputando a toda uma gama de atores ao longo do ciclo de vida do produto a responsabilidade pela coleta e destinação final adequada de determinado produto.
A geração de resíduos aumenta em volumes alarmantes e instrumentos que possibilitem sua administração podem contribuir positivamente para a redução dos padrões atuais de geração.A Avaliação do ciclo de vida é um desses instrumentos e tem previsão nas NBR ISO 14.040 e NBR ISO 14.044.

Artigo

A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A BUSCA PELA REDUÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NA FASE FINAL DO CICLO DE VIDA DE UM PRODUTO

Patrícia Macedo Guimarães[1]

RESUMO: O aumento da pressão humana sobre os recursos naturais impõe a necessidade de se repensar as relações estabelecidas com o meio ambiente em conjunto com as formas de administração do sistema econômico.

Nesse contexto ganha espaço uma ferramenta conhecida como Avaliação do Ciclo de Vida do Produto. Através dessa avaliação é produzido um relatório com todas as cargas ambientais de um determinado produto, desde a obtenção dos insumos até a destinação final do mesmo.

Em pese ainda existir trabalho a ser feito, como, por exemplo, o estabelecimento de metodologias padronizadas para comparação de estudos de ciclo de vida. Essa ferramentajá está hábil a ser utilizada e tem o condão de auxiliar a tomada de decisões, especialmente aquelas estratégicas.

Quiçá por isso a Avaliação do Ciclo de Vida foi prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos com ênfase na etapa final do ciclo de vida de determinado produto. A referida Política procurou incorporar ideias não apenas de redução de resíduos, reutilização e reciclagem, mas também relacionadas à logística reversa – imputando a toda uma gama de atores ao longo do ciclo de vida do produto a responsabilidade pela coleta e destinação final adequada de determinado produto.

A geração de resíduos aumenta em volumes alarmantes e instrumentos que possibilitem sua administração podem contribuir positivamente para a redução dos padrões atuais de geração.A Avaliação do ciclo de vida é um desses instrumentos e tem previsão nas NBR ISO 14.040 e NBR ISO 14.044.

PALAVRA CHAVE:  Ciclo de vida; NBR ISO 14040; Resíduos Sólidos; Logística Reversa

SUMÁRIO: 1.Preâmbulo da gestão empresarial sustentável, em uma visão dos três pilares: econômico – social – ambiental;2. A Avaliação do Ciclo de Vida do Produto e sua regulamentação; 3. A metodologia básica para uma ACV – NBR ISO 14040; 4. Política Nacional de Resíduos Sólidos e a previsão do ciclo de vida; 5. Conclusão; Referências bibliográficas.

Preâmbulo da gestão empresarial sustentável, em uma visão dos três pilares: econômico – social – ambiental

            Um dos mais difundidos conceitos de desenvolvimento sustentável afirma que é “o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades“. Prevista no Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro Comum[2], tal conceituação pode levar a uma impertinente ideia de limitação absoluta da utilização dos recursos naturais. Todavia, pensar-seem uma limitação dessa escala não corresponde às necessidades inerentes ao desenvolvimento, sobretudo quando o próprio Relatório adverte que o conceito de desenvolvimento sustentável não implica em um limitação absoluta, mas uma limitação à época, imposta pela tecnologia, organização social em relação aos recursos ambientais e habilidade da biosfera absorver os efeitos das atividades humanas – já que o documento foi produzido na década de 80.

            Partir dessa premissa, instiga questionar quais são as formas de organização social, arranjos empresariais e padrões de consumo e produção que podem alterar a pressão existente sobre os recursos naturais como insumos da produção ou sumidouros de resíduos.

            É, portanto, em vista dessas indagações a serem feitas, que o termo sustentabilidade passa a ter uma abordagem ampla, sem limitar-se na dualidade desenvolvimento  econômico e proteção ambiental.

            Sustentabilidade é um tema multifacetário, cujos limites conceituais se transmutam com o desenvolvimento da sociedade, das relações sociais entre indivíduos e destes com os recursos naturais, seja em termos de consumo ou para fins de produção. Logo, ao tratar de um assunto tão interdisciplinar, é preciso conceituar e fundamentar sua abordagem em três pilares: econômico, social e ambiental[3]; os quais se permeiam, provocando impactos reflexos: positivos e/ou negativos.

            No caso da gestão empresarial, tendo em mente que é a gestão adequada o ponto fundamental para alavancar o faturamento e/ou sustentar períodos de crise, observa-se um movimento na direção da gestão empresarial voltada para a sustentabilidadee fundamentada nos pilares já mencionados. Para Elkington (2012) a gestão empresarial sustentável deverá guiar as empresas na direção desses três pilares, de forma a entender melhor o capital social, humano e natural, e não apenas as formas financeira e física do capital.

            Elkington (2012) ressalta que é “preciso definir radicalmente novas visões do significado de igualdadesocial, justiça ambiental e ética empresarial“, e destaca, ainda, a opinião de Stuart Hart[4], de que não se deve pensar sustentabilidade apenas como controle da poluição, por esta não corresponder ao quadro completo.

            Uma gestão empresarial sustentável pode decorrer da relação de colaboração mútua dos aspectos ambientais e econômicos, mas isto somente quando essa gestão procura incorporar valores éticos na administração e objetivos empresariais que envolvam uma responsabilidade social. Uma atitude assim pode levar à redução de custos relacionados aos riscos de litígios trabalhistas, ambientais e tributários, promovendo eficiência na alocação interna dos recursos financeiros.

            É, portanto, inserido nessa perspectiva voltada para uma abordagem ampla de sustentabilidade, através de cuidadosa utilização dos recursos naturais, que a cadeia de valor de uma empresa pode se beneficiar da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) e esta deve ganhar notoriedade.

A Avaliação do Ciclo de Vida do Produto e sua regulamentação:

            De acordo com Elkington (2012) observa-se um movimento empresarial em concentrar o desempenho da empresa em toda cadeia de valor da produção, o que implica saber o ciclo de vida inteiro do produto: “Cada vez mais, as empresas devem entender toda a gama de efeitos causados pelos seus produtos existentes ou em desenvolvimento, considerando-se o ciclo de vida do produto por inteiro”. Para tomar conhecimento de todo esse ciclo a técnica utilizada é chamada de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV).

            Não se pode olvidar que atualmente as mídias sociais tem papel importante no marketing positivo ou negativo de determinado produto. A informação é levada ao conhecimento público de forma impressionantemente rápida. Por isso, o conhecimento sobre os fornecedores e os reais impactos ambientais de um produto permite antever ajustes na cadeia produtiva.

            Ademais, a avaliação da “sustentabilidade” de um produto deveria perpassar, necessariamente, pela análise do seu ciclo de vida. Caso contrário, o vácuo provocado pela falta dessa análise completa impede que se tenha o conhecimento da quantificação real dos recursos naturais consumidos pelo produto – da sua concepção a sua absorção pelo meio ambiente, e eventualmente impende a comparação justa entre produtos e formas de produção.

            Para a agência americana EPA – United States Environmental Protection Agency (EPA, 2015), a avaliação do ciclo de vida é uma ferramenta para avaliar os impactos potenciais de um produto, material, processo ou atividade. No Brasil a norma NBR ISO 14.040 (ABNT, 2009a) conceitua a avaliação como “uma técnica para avaliar aspectos ambientais e impactos associados a um produto, desde a aquisição da matéria prima, passando pela produção, uso e disposição”. Note que a EPA conceitua a ACV como uma ferramenta, enquanto a ISO conceitua como uma técnica. Seja como for, ela é a forma adequada de se apurar o “rastro” deixado por determinado produto, na utilização dos recursos naturais, desde sua aquisição até sua disposição final.

            Assim, a ACV permite avaliar de forma ampla os aspectos inerentes ao produto e essenciais para lastrear a tomada de decisões de forma ambientalmente apropriada, dando-se o peso adequado às peculiaridades local/regional.

            A NBR ISO 14.040 destaca alguns benefícios da ACV como: (i)identificação de oportunidades para melhorar os aspectos ambientais dos produtos em vários pontos de seu ciclo de vida; (ii) na tomada de decisões na indústria, organizações governamentais ou não-governamentais – auxiliando na definição de prioridades, projeto ou reprojeto de produtos ou processos; e(iii)seleção de indicadores pertinentes de desempenho ambiental, incluindo técnicas de medição; e no marketing através de uma declaração ambiental, um programa de rotulagem ecológica ou uma declaração ambiental de produto.

            Nesse contexto, destaca-se a posição de PIEKARSKI et al. (2013) de que a “característica única da ACV em focar sua aplicação na perspectiva do ciclo de vida do produto (FINNVEDEN et al., 2009) faz com que se forneça grande parte de informações ambientais necessárias para interpretar, prever e gerar soluções sustentáveis para diferentes sistemas (BLENGINI et. al., 2012)”[5].

Apesar de todo esse potencial de análise e produção de conhecimento sobre um produto, a utilização dessa técnica é incipiente no Brasil. Além disso, verifica-se ainda uma necessidade de padronização da metodologia de coleta de dados de forma a  possibilitar a comparação entre relatórios de ACV.

            Por fim, ainda sobre a regulamentação da ACV, a NBR ISO 14.044 (2009) detalha requisitos para a condução de uma Avaliação do Ciclo de Vida, mas tal detalhamento técnico não será analisado por esse artigo, apenas a metodologia básica constante da NBR ISO 14.040.

A metodologia básica para uma ACV – NBR ISO 14040:

            A elaboração de um relatório de ACV não é, em regra, mandatória. Todavia, em um mercado global competitivo cujo consumo assume padrões éticos e ambientais mais comprometidos com a sustentabilidade de um produto, a utilização dessa técnica ou ferramenta proporciona melhores condições de competitividade, até mesmo pelo volume de conhecimento acumulado da análise detalhada do processo produtivo.

            Inicialmente é preciso destacar que, de modo geral, uma ACV deve possuir contornos bem delineados, uma definição precisa do seu escopo, além de transparência nos objetivos e público-alvo.

A avaliação dos aspectos ambientais através da ACV pode ter seu escopo amplo ou reduzido, a depender do objetivo daquele que utilizará o estudo. Toda ACV possui a mesma estrutura, mas com um leque ampliado de aplicações, que podem ser voltadas para a eficiência energética, utilização de recursos hídricos, emissões etc. Ressalva-se aqui o cuidado que deve haver ao se analisar uma ACV voltada apenas para a gestão de determinados recursos naturais, pois podem acabar sobrecarregados demais recursos excluídos do estudo, fora do escopo de análise.

            Toda ACV, baseada da NBR ISO 14.040, é estruturada em conformidade com a figura abaixo, desde a definição do objetivo e escopo, passando pela análise de inventário até a avaliação do impacto. Note que todas as etapas estruturais de uma ACV demandam interpretação, a qual deve ser sempre orientada em direção ao objetivo da ACV.

Além disso, é importante considerar que a ACV é indissociável do tratamento de dados, razão pela qual as fronteiras da ACV devem ser bem delineadas para não gerar uma interpretação equivocada dos dados e, consequentemente, do resultado.

Figura 1: Fases da ACV e seus interações, segundo a NBR ISO 14040. Fonte: ABNT (2009a).

O escopo de uma ACV deve determinar as categorias de impacto selecionadas, a metodologia para avaliação de impactos, bem como a interpretação subsequente a ser utilizada.

Por sua vez, é relevante destacar a etapa de análise de inventário. Isso porque, é nessa etapa que se encontra a semente dos resultados a serem gerados. O inventário de ciclo de vida (ICV) envolve a quantificação de entrada e saídas dos recursos naturais analisados. Ora, fica evidente, então, que a base de uma ACV é o Inventário do Ciclo de Vida (ICV): uma aferição quantitativa de todas as cargas ambientais ao longo do ciclo de vida de um produto (JOHN et al., 2008).

            Por sua vez, a etapa da avaliação do impacto demanda entender e avaliar a intensidade e o significado dos alterações potenciais em relação ao método de avaliação de impacto escolhido. Visto, então, que a ACV tem um leque ampliado de aplicações, a depender das bordas de análise,é preciso diferenciar os níveis de avaliação de impacto, que podem ser midpoint, endpoint ou combinados:

  • Os métodos de interpretação de dados de midpoint utilizam indicadores de impacto anteriores ao ponto final da categoria avaliada;
  • Já os dados de endpoint, utilizam como método de interpretação a cadeia de causa e efeito até o dano, esse método está relacionado com a área mais ampla de proteção, que pode ser saúde humana, ambiente natural ou recursos naturais (MENDES et al., 2015) ;
  • O método combinado, por sua vez, utiliza dados de midpoint e endpoint.

            A depender da escolha do software utilizado para o cálculo da ACV esses diferentes níveis de avaliação de impacto podem predominar. Tais softwares permitem fazer o cálculo das entradas e saídas dos recursos naturais inerentes a determinado produto, considerando determinado nível de impacto.

            Conforme acima, a realização de uma avaliação do ciclo de vida envolve uma série de etapas importantes que devem ser cumpridas e é preciso levar em consideração que apesar da previsão legal de uma ACV decorrer de soft law, sua utilização na gestão empresarial pode levar à “eco-eficiência” do produto, agregando mais valor ao produto final e fortalecendo relações comerciais comprometidas com uma pegada mais ambientalmente adequada.

            Todavia, apesar dos benefícios advindos de uma ACV, a própria NBR ISO 14.040 admite que a ACV ainda está em estágio inicial, e que há muito trabalho a ser feito para desenvolver a ferramenta, destacando ainda que impactos econômicos e sociais não são abordados pelo relatório de uma ACV. Assim, para complementar uma análise de sustentabilidade do produto, é preciso que a partir dos dados obtidos em uma ACV sejam pesquisados e estudados os riscos de impactos sociais e econômicos de determinado produto. Ela é apenas um caminho na investigação dos impactos da cadeia de valor do produto.

            No Brasil, com a publicação da Lei 12.305/10 –  Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o ciclo de vida ganhou algum destaque, o que é um indício de que essa é, de fato, uma tendência a fazer parte da análise de sustentabilidade dos produtos, sendo certo ainda que há uma crescente preocupação com o descarte e destinação final dos produtos – ou seja, a fase final do ciclo de vida de um determinado produto.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos e a previsão do ciclo de vida

Quando se aborda o ciclo de vida na PNRS concentra-se a atenção no final da vida de um produto. Em como acontecerá a volta dessa matéria para o ambiente ou se é possível que seja reutilizada.

Dentre as previsões da PNRS, o Ministério do Meio Ambiente[6] destaca aquelasrelacionadas à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa, quiçá tamanho o protagonismo que deve ser dado ao assunto.

É importante conceituar aquilo que a PNRS entende por ciclo de vida do produto, responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e logística reversa. Assim, dispõe o art. 3o:

  • ciclo de vida do produto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final;
  • responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta lei;
  • logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada;

            Note que no caso da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, esta é conceituada como conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas para minimizar o volume de resíduos gerados e formas de reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental. Parece-nos, então, que maior atenção é dada à fase final da vida dos produtos,em como será direcionada a destinação final do produto e na forma pela qual a reabsorção da matéria por parte do meio ambiente será trabalhada pela cadeia produtiva daquele bem.

            Como princípios[7]da PNRS estão previstas abordagens interessantes, como por exemplo, uma visão sistêmica que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública. Isso porque ao se falar em sustentabilidade não se pode ficar circunscrito ao impacto ambiental, é preciso considerar todo um contexto mais amplo. Essa linha raciocío implica também na interessante definição dos objetivos, nos quais são arroladas ideias que buscam romper com o padrão de produção atual, procurando sempre inserir inovação para reduzir os potenciais impactos[8].

            Assim, no meio desses objetivos é interessante notar a indicação de estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto, sendo reconhecida a importância desse conhecimento da cadeia de produção[9]. O gerenciamento dos riscos de impactos ambientais depende do conhecimento da cadeia produtiva. Quanto mais conhecimento for produzido nesse sentido, melhor serão geridos esses riscos.

            Como instrumentos[10] da PNRS estão arrolados, dentre outros, a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Novamente, o ciclo de vida ganha destaque.

            Esse destaque é observado até mesmo pela concepção da Logística Reversa, que compreende a obrigação do recolhimento do produto após seu uso pelo consumidor e a subsequente destinação ambientalmente adequada[11], tais produtos são:i)agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso; ii)pilhas e baterias; iii)pneus; iv)óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; v)lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e vi)produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

            Assim, tratando-se de Logística Reversa, é importante destacar a previsão dessa responsabilidade no final da vida de determinados produtos, através de destinação final ou reciclagem. Importante salientar que tal responsabilidade não se limita aos fabricantes, mas se estende também aos importadores, distribuidores e comerciantes.

            A PNRS previu também instrumentos para viabilizar a implementação de uma Logística Reversa, dando-se destaque aos acordos setoriais e ao Comitê Orientador para a Implantação de Sistemas de Logística Reversa (CORI).

            Sobre os acordos, estes possuem natureza contratual e visam à implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dosprodutos.Já o Comitê Orientador para a Implantação de Sistemas de Logística Reversa (CORI)[12] visa operacionalizar o sistema, e além do Ministério do Meio Ambiente conta também com o Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Fazenda e Ministério da Saúde[13].

            Vê-se, portanto, que a PNRS busca trazer ao contexto nacional essa tendência de preocupação com toda a cadeia produtiva, dos impactos associados aos riscos ambientais, econômicos e sociais. Ao se analisar a Lei 12.305/10 percebe-se que o legislador procurou incorporar ideias goblais e atuais, fundadas em posicionamentos de vanguarda, para a gestão dos resíduos sólidos.

            Todavia, essa abordagem da PNRS apesar de interessantíssima, ainda é tímida em termos de aplicabilidade. É preciso continuar a se pensar em toda uma nova forma de gerir os resíduos, considerando as inovações tecnológicas, para aprimorar as ações nesse sentido.

Conclusão

            Diante de todo o exposto, a gestão sustentável demanda uma constante adaptação às inovações tecnológicas e ideológicas. É preciso estar aberto também para as diversas abordagens de sustentabilidade.

            Com essa visão, é interessante mencionar que para Amartya Sen (1984) o desenvolvimento é um processo permanente de ampliação das liberdades substantivas dos seres humanos[14]. O referido economista é vinculado à escola das capacitações (capability approach) cuja característica é a luta contra a pobreza envolvendo uma dimensão ética e valorativa central, não apenas a renda das pessoas.

            Essa abordagem é especialmente interessante em um contexto que o crescimento econômico, por si só, não se mostra capaz de promover uma melhor distribuição de renda e combate à pobreza, o que compromete a qualidade dos debates voltados aos recursos naturais quando há urgentes questões relacionadas à subsistência humana que precisam de soluções imediatas.

            Note que em 2015, por exemplo, foram definidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[15], pelas Nações Unidas,que buscam ações para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas. Ou seja, não se tratam de objetivos meramente voltados a uma abordagem sobre recursos naturais ou crescimento econômico, mas sim de objetivos cujo escopo envolve o bem estar da humanidade.

            Portanto, uma gestão empresarial sustentável deve voltar-se para outras abordagens além da utilização dos recursos naturais e consequências econômicas. A interação de diversas área do conhecimento é essencial para que os pilares ambiental, econômico e social sustentem o sistema produtivo.

            É com essa visão que a análise do ciclo de vida faz parte de um maior comprometimento com toda a cadeia de valor da empresa. Em que pese ter um escopo ainda voltado para os impactos decorrentes dos recursos naturais, a análise do histórico de vida de um produto permite acompanhar as origens e a pressão nos recursos naturais dele decorrentes. Isso possibilita nortear e ampliar pesquisas relacionadas a questões éticas e sociais inerentes à produção, promovendo alterações positivas no gerenciamento dos recursos de uma empresa.

            Aumentar o conhecimento em determinado produto agrega valor ao mesmo e possibilita uma administração eficiente da produção. Por isso, em ummercado global, com o crescimento do consumo consciente, a ACV ganha relevância.

            Sua larga aplicação, todavia, ainda depende de aprimoramento de metodologias, mas a mesma já se apresenta como uma interessante ferramenta. Tanto o é, que foi inclusive prevista na Lei 12.305/10 – Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Dentre a exposição de motivos (EM Nº 58/MMA/2007[16]) da PNRS, a então Ministra do Meio Ambiente destaca que a geração de resíduos é um fenômeno inevitável e que o manejo ambientalmente saudável de resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento dos resíduos por métodos seguros, o que inclui novos modelos de consumo e produção.Nas mesmas razões destaca-se que a gestão integrada de resíduos sólidos não pode se limitar a uma área técnica, integrando-se a outras áreas como: i)saúde, ii) fazendária, iii) planejamento e iv) sociais. Essa preocupação reflete bem a ideia de que não se pode promover sustentabilidade através de uma abordagem puramente voltada para recursos naturais.

É claro que a PNRS tem uma abordagem mais direcionada para o final da vida de um produto, no tratamento a ser dado ao mesmo após seu consumo, além de como se promoverá a destinação final desse produto. Mas em seu texto há previsões relevantes sobre o ciclo de vida, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida, além da logística reversa para determinados materiais.

Tudo isso é um indício da tendência de se pensar no ciclo como um todo e não apenas no final da cadeia. Já é uma inquietude real e atual a origem, forma de produção e destinação final do produto, cuja ACV pode contribuir positivamente para a melhoria dos sistemas de produção, utilização de insumos e geração de resíduos.

            Se de um lado somos privilegiados em poder refletir nos dias de hoje sobre um documento produzido há mais de 30 anos, como o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro Comum, será curioso refletir daqui a mais 30 anos sobre o presente artigo, quando provavelmente as técnicas sobre ciclo de vida já tiverem sido aprimoradas e incorporadas pela sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2009b. NBR ISO 14044: Gestão Ambiental – Avaliação de Ciclo de Vida – Requisitos e Orientações. Rio de Janeiro/RJ.

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BRASIL, 2010. Lei 12.305. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

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Notas de Rodapé:

[1] Advogada e membro da CDA/OAB-RJ. Pós-graduada em direito ambiental e em direito administrativo e econômico, ambas pela PUC/RJ. Mestranda em Práticas de Desenvolvimento Sustentável na UFRRJ e mestranda em Economia e Gestão Empresarial na UCAM.

[2]Disponível em: http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf . Último acesso em 17/10/17.

[3]Elkington, J; 2012.Sustentabilidade, CanibaiscomGarfo e Faca. M. Books do BrasilEditora Ltda. São Paulo.

[4] Apud ELKINGTON (2012). O Professor Stuart Hart é um dos principais autores que aborda o tema das implicações do meio ambiente e da pobreza para a estratégia de negócios. Para mais informações: http://www.stuartlhart.com/ Último acesso em 17/10/17.

[5] PIEKARSKI, Cassiano Moro et al. (2013) Aplicação da ACV na matriz elétrica Brasileira: Uma análise multi cenários em termos de mudança climática, qualidade de ecossistema, saúde humana e recursos. Disponível em: http://www.revistaespacios.com/a13v34n04/13340409.html. último acesso em 31.05.2016. p. 2.

[6] Informações disponíveis em: http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/residuos-perigosos/logistica-reversa . Último acesso em 29/10/2017

[7]PNRS. Art. 6o.

[8]Nesse sentido destacam-se os objetivos de: estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; e a adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais.

[9] PNRS. Art. 7o, XIII.

[10]PNRS. Art. 8o.

[11]PNRS. Arts. 31 c/c 33.

[12]Decreto n. 7.404/10. Art. 33.

[13] Informações disponíveis em: http://www.mma.gov.br/ . Último acesso em 29/10/2017.

[14]Apud ABRAMOVAY (2012)

[15]ODS (ONU, 2015): 1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2) acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; 3) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4) assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; 5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6) assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; 7) assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; 8) promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; 9) construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; 10) reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; 11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; 13) tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos; 14) conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; 16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e 17) fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Para mais informações: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Últimoacessoem 17/10/17.

[16] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/expmotiv/mma/2007/58.htm . Último acesso em 29/10/2017.

Palavras Chaves

Ciclo de vida; NBR ISO 14040; Resíduos Sólidos; Logística Reversa