A POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DO SURSIS PROCESSUAL NO ESTRANGEIRO

Artigo

A POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DO SURSIS PROCESSUAL NO ESTRANGEIRO

 

Agnes Christian Chaves Faria Alexandrovna Dybova[1]

Luma Carvalho Cruz Lima[2]

Palavras chaves: Sursis processual, Suspensão Condicional do Processo, Estrangeiro, Sursis e direito comparado.

  1. Conceito, Características e Natureza Jurídica

Com o advento da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais estaduais) novos institutos surgiram no ordenamento jurídico brasileiro. Um destes foi a Sursis processual (Suspensão Condicional do Processo) no artigo 89[3] dessa lei, que prevê que a suspensão condicional do processo deve ser proposta pelo Ministério Público ao réu na denúncia lida no inicio da audiência de instrução e julgamento.

O réu aceitando a oferta da sursis, o processo fica suspenso de 2 a 4 anos desde que cumpridas as condições propostas pelo juiz ao réu. Passado o prazo fixado e cumpridas as condições o processo será extinto sem dar causa a reincidência, caso contrário o processo volta a tramitar de onde parou, ou seja, da audiência de instrução e julgamento[4].

Assim, a suspensão condicional do processo é a interrupção do curso processual onde se impõe ao acusado algumas condições durante um período de provas. Ao final deste período, se cumprido, levará a extinção da punibilidade.

Segundo Edilson Mougenot Bonfim:

Trata-se de instituto jurídico que se amolda ao modelo de justiça criminal consensual instituído pela Lei n. 9.099/95, possuindo nítido caráter despenalizador. É certo que aquele que preencher os requisitos ou pressupostos legais, ao concordar com a suspensão, ficará submetido a um período probatório, em que serão restringidos alguns de seus direitos, mas, em contrapartida, não será submetido aos estigmas de um processo criminal, podendo, ao final, ser declarada extinta a punibilidade[5].

A suspensão condicional do processo tem natureza jurídica de norma despenalizadora (assim como a Lei 9.099/95) e .também tem um duplo caráter, pois interfere tanto na natureza processual quando suspende seu andamento quanto na natureza penal, uma vez que ao final existe a possibilidade de extinguir a punibilidade.

  1. No Direito Comparado

Este instituto está presente em outros ordenamentos jurídicos estrangeiros pois é notável a inclinação mundial para adoção de medidas despenalizadoras como nova e efetiva forma de controle social, não mais nos moldes antigos, por meio de um processo penal veementemente formal, baseado no argumento de que somente assim estariam garantidos os direitos fundamentais do infrator, mas alicerçada no princípio da intervenção mínima, a partir do qual a pena é aplicada somente em última hipótese, e no consenso.

Toda essa mudança foi encabeçada pela Lei n. 9.099/95, que trouxe novas diretrizes para o ordenamento vigente e atendeu aos reclamos da doutrina pátria, que há muito se sentia desprestigiada frente ao direito estrangeiro. Luiz Flávio Gomes 6 afirma ser essa a ‘maior revolução do Direito Penal e Processo Penal’, cujas vantagens são perceptíveis e irrefutáveis, conforme se explicitará[6].

Nesta nova perspectiva, a preocupação com a decisão formalista para o caso concreto sucumbe ante a procura pela verdadeira solução do conflito.

2.1 No Direito Alemão encontramos dois institutos despenalizadores. O primeiro deles é previsto no § 60 do StGB (Strafgesetzbuch – Código Penal alemão de 1975)[7], e consiste na substituição da pena privativa de liberdade não superior a um ano quando as consequências do delito tiverem incidido prejudicialmente no autor, de modo que a imposição de pena seria manifestamente incongruente[8].

O segundo instituto, mais assemelhado com o nosso sursis processual, corresponde ao arquivamento provisório do procedimento, antes ou depois de iniciada a ação penal, mediante previsão do § 153a do StPO (Strafprozebordnung – Código de Processo Penal alemão). Ambas as hipóteses são conjecturadas para delitos (Vergehen, § 12.2), não para crimes (Verbrechen, § 12.1) – tidos como mais graves –, desde que, nos termos do § 153a do StPO, as condições estipuladas sejam “apropriadas para suprir o interesse público na persecução penal” e que a “gravidade da culpa” não enseje sua prescindibilidade[9].

No arquivamento provisório (suspensão) da acusação, o Ministério Público deixa de propor a ação penal se o acusado concordar em cumprir determinadas condições previstas em lei, durante certo período. Terminado o prazo estabelecido e efetivadas as circunstâncias, extingue-se a punibilidade do delito e o procedimento é definitivamente arquivado. Já em trâmite o processo penal, pode haver nova oportunidade para o acordo, que, uma vez materializado, suspende o curso do processo, permanecendo sobrestado até que se cumpram as condições acordadas. Embora seja feita uma análise superficial sobre a “gravidade da culpa”, para fins de concessão do beneplácito, não há decisão judicial sobre a culpabilidade do acusado, assim como no direito brasileiro.

2.2 Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América observamos institutos assemelhados ao nosso no direito anglo-saxão: a probation system e o guilty plea, sendo aquela, inclusive, apontada como uma das fontes de inspiração do legislador brasileiro Luiz Flávio Gomes[10].

Na probation vemos claramente dois momentos distintos: o juiz declara o acusado culpado (conviction), e, após, no instante da leitura da sentença, havendo concordância, o réu entra em período de prova de seis meses (conforme o. Powers of Criminal Courts Act de 1973). Dessa forma, o que se suspende não é o processo, senão a sentença condenatória, aproximando-se mais do sursis penal brasileiro.

O tradicional instituto do guilty plea refere-se a uma forma de defesa do acusado, que admite a culpa para obter a imposição de pena menos severa.

Na suspensão condicional do processo, lado outro, não se discute a culpabilidade do autor do fato. Se a suspensão for revogada, resta intacta a presunção de inocência, e sua culpabilidade haverá de ser demonstrada no decorrer do devido processo legal.

No direito norte-estadunidense encontramos, na mesma linha, no plea bargaining. vigora, destoando do Brasil, o princípio da oportunidade da ação penal, de modo que o promotor pode se abster de intentar eventual demanda. Dessa forma, admite-se uma ampla transação sobre a questão controvertida, até extraprocessualmente.

O plea bargaining se revela na negociação entre o Ministério Público e a defesa com o escopo de obter uma confissão de culpa. Em troca, há acusação por crime menos grave ou por um número menor de crimes.

Válter Kenji Ishida[11] destaca que são solucionados cerca de 80 a 95% dos crimes por meio das transações.

2.3 Na Itália não há um instituto correspondente à suspensão condicional. No entanto, esse pais consolidou uma grande reforma em seu processo penal que merece ser, ainda que sucintamente, lembrada. O Código de Processo Penal italiano (de 1989), visando a abreviar o procedimento penal, criou cinco procedimentos especiais, privilegiando o consenso em quatro deles. É o chamado pattegiamento. Por meio da sistematização do princípio da oportunidade da ação penal, ao Ministério Público e ao acusado facultam-se optar pelo(a): a) procedimento por decreto, em que o membro do Parquet propõe pena até metade do mínimo cominado ao crime; b) juízo imediato, eliminando-se a fase probatória; c) juízo abreviado, de modo a expungir o debate; e d) aplicação de pena reduzida em até um terço .A decisão é sempre submetida ao juiz, que pode discordar ou homologar o ajuste[12].

2.4 O Código de Processo Penal português (Lei 78 de 1987) contemplou a suspensão provisória do processo. Incide o instituto antes da acusação (denúncia), quando o Ministério Público propõe ao arguido (réu) a imposição de regras de conduta e injunções, “se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão” (art. 281º), preenchidos os requisitos subjetivos legais[13].

Veja que a lei portuguesa previu, acertadamente, a suspensão se a pena cominada for diferente da privativa de liberdade, ao contrário da Lei n. 9.099/95.Não é proferida sentença judicial reconhecendo a culpabilidade do autor, mas ela é ligeiramente perquirida para que haja a concessão (exame do “caráter diminuto da culpa”). Findo o prazo com o cumprimento das condições, o Ministério Público arquiva o processo, que não poderá mais ser reaberto (art. 282º, 3).

2.5 O instituto na Argentina é conhecido como suspensión del juicio a prueba.. Segundo dispõe o art. 76 do Código Penal da República Argentina Lei 11.179 atualizado em 1984, aplica-se aos casos em que a pena máxima prevista não ultrapasse a três anos de prisão, “se as circunstâncias do caso permitirem deixar suspenso o cumprimento da condenação aplicável, e houver consentimento do Ministério Público”, podendo o Tribunal “suspender a realização do processo”[14].

É suspenso o processo, portanto, se, empreendida análise sobre provável suspensão do cumprimento de pena a ser aplicada em futura condenação, o órgão acusador consentir com a alternativa. Reparados os danos e satisfeitas as condições firmadas no lapso temporal, é extinta a ação penal.

  1. Sursis Processual x Sursis da Pena

Não se confunde a sursis processual com a suspensão condicional da pena do artigo 77 do código penal, pois na da pena existe um processo e uma sentença condenatória, e se suspende a execução da pena privativa de liberdade. Já a sursis processual (suspensão condicional do processo) suspende é o processo logo no início sem a necessidade de uma sentença condenatória.

Conforme Aury Lopes Jr.:

Trata-se de ato bilateral, em que o Ministério Público oferece (por escrito e na denúncia, podendo ser em peça separada) e o réu, analisando as condições propostas, aceita ou não. Toda a transação deve ser feita em juízo e na presença do defensor do réu, ainda que de forma oral e sem formalidade[15].

É importante lembrar que a suspensão condicional do processo não fere o princípio da presunção de inocência do acusado uma vez que a aceitação não pressupõe admissão de culpa por parte do acusado.

A sentença que suspende o processo não implica admissão de culpa por parte do réu. Consiste apenas numa forma de defesa em o que acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência.

É importante antes de defender ou não a possibilidade de cumprimento da sursis processual no estrangeiro, elucidar algumas questões:

  1. Vocábulo “deverá” e possibilidade também da aplicação na ação privada.

Chamamos atenção ao vocábulo “poderá” presente no parágrafo 1o do artigo 89 da Lei 9.099/95, em que o Ministério Público “(…) poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes exigências: (…)”. Uma vez estando presente os pressupostos legais para a oferta do sursis esse deixa de ser uma faculdade e se torna uma obrigatoriedade por parte da acusação que não pode deixar de oferecê-la ao réu. Caso deixe de fazer caberá ao acusado apontar a supressão ocorrida ao juízo e as medidas cabíveis para que nesse caso seja realizada a suspensão. A lei se refere expressamente ao Ministério Público (poder dever) porém poderá ser proposta pela acusação caso seja uma ação penal de iniciativa privada[16].

  1. Condicionalidade: O acusado, que não tenha sido condenado por outro crime, presentes os requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal), aceitando o oferecimento da sursis processual, este entra no período de prova arcando com os ônus previstos nos incisos do parágrafo primeiro do artigo 89. Findo o prazo o processo é extinto. A grande vantagem da sursis é não gerar maus antecedentes. Ou seja, o acusado tem que cumprir as condições oferecidas pelo Juiz durante esse tempo.

O paragrafo 1º do artigo 89 da Lei 9.099/95 preceitua que aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a um período de prova, sob as seguintes condições:

I-reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II- proibição de frequentar determinados lugares;

III- proibição de ausentar-se da comarcar onde reside, sem autorização do Juiz;

IV- comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. (…).

O juiz poderia ainda decidir outras condições de acordo com o caso concreto? Podemos, a partir dessa possibilidade, pensar que em alguns casos práticos exista a necessidade de adaptar essas condições ao caso concreto (como, por exemplo, caso em que o acusado estude ou trabalhe a noite ou viaje a trabalho e até mesmo durante período de pandemia de COVID 19 ou o Juiz acrescer condições em relação ao crime praticado como, por exemplo, que o acusado não mais pratique receptação, dessa forma acrescendo condições às originais do artigo).

  1. Teses favoráveis a possibilidade de cumprimento da Sursis Processual no Estrangeiro.

Se há possibilidade de acréscimo de condição por parte do Juiz poderíamos pensar em substituição das condições originais?

Em relação ao caso de um brasileiro ou estrangeiro que venha a ser processado por crime cometido no Brasil e tenha direito ao instituto de sursis processual possa cumprir esse sursis, no todo ou em parte, no estrangeiro caso necessite viajar a lazer ou trabalho ou estudar por mais de 7 dias, ou sem autorização do Juiz?

O inciso III do paragrafo 1º do artigo 89 da Lei 9.099/95 é claro em relação a proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; e no inciso IV- determina o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades[17].

Em sentido favorável a possibilidade da tese Aury Lopes Junior escreveu:

A proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz, é uma medida bastante onerosa e que deve ser utilizada com prudência, para não equiparar o tratamento de quem não é culpado com aquele já condenado. Deverão ter o juiz (em que pese a medida a ser ofertada pelo MP, trata-se de ato judicial, sendo a última palavra do juiz) e o MP um mínimo de bom senso e coerência, para considerar as condições pessoais do imputado e o nível de onerosidade que lhe está sendo imposta. Daí por que, por exemplo, se a atividade profissional exige que o imputado constantemente tenha que viajar, inclusive para o exterior, é completamente inadequado e descabido impor-lhe uma ‘proibição de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz’. Não se pode olvidar de que não estamos tratando com alguém condenado e que deva cumprir uma pena. A situação é completamente diversa. A suspensão condicional não pode inviabilizar a atividade profissional ou a vida pessoal do imputado[18].

Também a condição de comparecimento pessoal e obrigatório a juízo não precisa ser, obrigatoriamente, mensal. Nada impede que se estabeleça um lapso maior, diante das condições e especificidades do caso concreto. O comparecimento se dá em cartório, onde será feito o controle das apresentações, não havendo um dia determinado, senão que, pelo menos uma vez ao longo de cada mês, deverá o imputado comparecer no cartório ou secretaria da vara criminal respectiva.

Por fim, outras condições poderão ser impostas, desde que adequadas e proporcionais ao fato e às condições pessoais do imputado. Cumpridas as condições impostas e superado o prazo fixado para o período de provas, deverá ser decretada a extinção da punibilidade, sem que gere o estigma de maus antecedentes ou da reincidência. Essa é uma das grandes vantagens da suspensão condicional, pois, cumprido o período de provas, o processo é extinto como se não tivesse existido[19].

A jurisprudência é clara que há necessidade de autorização do Juiz para ausentar-se da comarca mas não fala sobre impeditivo completo.

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO HOMOLOGADA. REQUERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INDEFERIDO PELA JULGADORA DE PRIMEIRO GRAU. ALUDIDA EXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL, EM VIRTUDE DA NEGATIVA DO PLEITO DE RELATIVIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DO SURSIS PROCESSUAL E DA IMPOSIÇÃO DE NOVAS RESTRIÇÕES. OCORRÊNCIA.PACIENTE QUE VINHA CUMPRINDO EXITOSAMENTE AS MEDIDAS QUE LHE FORAM PRESCRITAS.IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DAS EXIGÊNCIAS DO SURSIS SEM PRÉVIO REQUERIMENTO DAS PARTES. PROVIDÊNCIA ADOTADA QUE SE MOSTROU EXACERBADA. SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM QUE DEMONSTRA A BOA-FÉ DO EXECUTADO EM COMUNICAR SUAS INTENÇÕES AO JUÍZO FISCALIZADOR DA MEDIDA. RETIFICAÇÃO DO DECISUM COMBATIDO E PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE PROVA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO [PELO LAPSO TEMPORAL EM QUE O PACIENTE PERMANECER NO EXTERIOR] QUE SE IMPÕE. –1 Em substituição ao Des. Jorge Wagih Massad.– ORDEM CONCEDIDA, EM RATIFICAÇÃO À LIMINAR OUTRORA DEFERIDA. (TJPR – 5ª C.Criminal – HCC – 1565152-8 – Curitiba – Rel.: Juíza Simone Cherem Fabrício de Melo – Unânime – J. 25.08.2016).

PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – SURSIS – PROIBIÇÃO DE O RÉU AUSENTAR-SE DA COMARCA ONDE RESIDE, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – ART. 89, § 1º, III, da LEI 9.099/95 – CONDIÇÃO IMPOSTA, EM SURSIS PROCESSUAL, DEPOIS DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – PEDIDO DO RÉU PARA SE AUSENTAR DA COMARCA ONDE RESIDE NÃO APRECIADO – INEXISTÊNCIA DE PREJUDICALIDADE DO PEDIDO – APELAÇÃO PROVIDA. I – A decisão que, em 28/03/2007, deferiu, ao réu, o pedido de liberdade provisória – utilizada, pelo Juízo a quo, para julgar prejudicado o pedido formulado pelo réu,em 04/09/2007, para se ausentar da Comarca onde reside, todos os meses, pelo período de 10 (dez) dias) -, deixou de produzir efeitos a partir da suspensão condicional do processo, deferida posteriormente, em 27/09/2007, sob as condições estipuladas, inclusive a de o réu não se ausentar da Comarca, sem autorização judicial. II – Estabelecida a necessidade de prévia autorização judicial para o réu ausentar-se da Comarca onde reside, quando do deferimento da suspensão condicional do processo, não há que se falar em prejudicialidade do pedido de autorização judicial para ausentar-se da Comarca, por 10 (dez) dias, a cada mês, enquanto não decorrido o prazo do sursis processual, mesmo porque a proibição de ausentar-se o réu da Comarca onde reside, sem autorização judicial, constitui condição legal para o sursis processual, a teor do art. 89, § 1º, III, da Lei 9.099/95. II – Apelação provida, para que o pedido seja apreciado pelo Juízo a quo. PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – SURSIS – PROIBIÇÃO DE O RÉU AUSENTAR-SE DA COMARCA ONDE RESIDE, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – ART. 89, § 1º, III, da LEI 9.099/95 – CONDIÇÃO IMPOSTA, EM SURSIS PROCESSUAL, DEPOIS DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – PEDIDO DO RÉU PARA SE AUSENTAR DA COMARCA ONDE RESIDE NÃO APRECIADO – INEXISTÊNCIA DE PREJUDICALIDADE DO PEDIDO – APELAÇÃO PROVIDA. I – A decisão que, em 28/03/2007, deferiu, ao réu, o pedido de liberdade provisória – utilizada, pelo Juízo a quo, para julgar prejudicado o pedido formulado pelo réu,em 04/09/2007, para se ausentar da Comarca onde reside, todos os meses, pelo período de 10 (dez) dias) -, deixou de produzir efeitos a partir da suspensão condicional do processo, deferida posteriormente, em 27/09/2007, sob as condições estipuladas, inclusive a de o réu não se ausentar da Comarca, sem autorização judicial. II – Estabelecida a necessidade de prévia autorização judicial para o réu ausentar-se da Comarca onde reside, quando do deferimento da suspensão condicional do processo, não há que se falar em prejudicialidade do pedido de autorização judicial para ausentar-se da Comarca, por 10 (dez) dias, a cada mês, enquanto não decorrido o prazo do sursis processual, mesmo porque a proibição de ausentar-se o réu da Comarca onde reside, sem autorização judicial, constitui condição legal para o sursis processual, a teor do art. 89, § 1º, III, da Lei 9.099/95. II – Apelação provida, para que o pedido seja apreciado pelo Juízo a quo. (ACR 2007.35.03.001806-8/GO, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma,e-DJF1 p.296 de 27/03/2009). (TRF-1 – ACR: 1806 GO 2007.35.03.001806-8, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 16/02/2009, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 27/03/2009 e-DJF1 p.296).

Nesse sentido, imaginemos o caso concreto onde o acusado precise ausentar-se da comarca por motivos acadêmicos ou profissionais, seria razoável suprimir esse direito e submetê-lo a um processo burocrático de solicitação de autorização judicial para fazê-lo?

Entendemos que é necessário o pedido de autorização ao Juiz para isso porém este deve aceitar ou negar tal autorização de forma ponderada e levando em consideração cada caso concreto. Podendo inclusive substituir essa condição por outra mais adequada.

Ou ainda, na excepcionalidade de momentos como o que vivenciamos de uma pandemia, como proceder nas fases de lockdown, onde por vezes presenciamos o fechamento dos tribunais e a suspensão de prazos ou por causa de saúde do acusado, necessidade pessoal ou profissional poderíamos realizar o que e pedido no inciso IV sobre a obrigação do acusado de comparecimento em juízo, de outra forma? Como por exemplo de forma digital por meio de e-mails ou vídeos informando ao cartório e juiz sobre suas atividades e paradeiro. Também entendemos que não há óbice para isto pois atualmente até cartório de Notas estão utilizando de forma digital assinatura de atos (por meio do programa e-notariado).

A sociedade é dinâmica e o direito precisa acompanhá-la, até mesmo para cumprir o seu papel social.

Bibliografia

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SITES

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ULIANO. Beatriz Corrêa Elias. Suspensão Condicional do Processo e Princípio da Presunção de Inocência. Rev. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 29, p. 31-43, dez. 2010. p. 31. Disponível em: https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/revista-sjrj/arquivo/171-733-6-pb.pdf. Acesso em: 27 abr. 2021.

NOTAS:

[1]   Advogada OAB RJ e AO Porto, mentora no projeto Mentoria Jurídica da OAB-RJ. Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Consultora Jurídica da Coordenação Central Cooperação Internacional da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós-graduação em Tradução pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Gregoriana de Roma. Doutoranda em Direito pela Universidade da Santa Croce/Roma.

[2]   Advogada OAB RJ, Formada em Direito pela Universidade UNIGRANRIO e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes.

[3]   “Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não tenha sido condenado por outro crime, presentes os requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal).

[4]   (…) paragrafo 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a um período de prova, sob as seguintes condições:

I-reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II- proibição de frequentar determinados lugares;

III- proibição de ausentar-se da comarcar onde reside, sem autorização do Juiz;

IV- comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. (…).

[5]   BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 610.

[6]   GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2ª ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

[7]   O StGB (Código Penal Alemão) de 1975, vigente na Alemanha, não é caracterizado como um código integralmente novo, posto que é resultado de uma reforma profunda e incisiva do RStGB (Código Penal do Reich), de 15.05.1871.3 Além disso, formalmente, o StGB tem sido objeto de reformas periódicas e complexas. A última alteração foi em decorrência da Lei de 02.10.2009 (BGBl., I, Nr. 66 de 10.2009). Portanto, o RStGB, de 1871, foi o primeiro Código da Alemanha unificada e representou uma síntese de dois textos precedentes, a saber, o Código Prussiano de 1851, e o Código Bávaro de 1813. DECOMAIN, Pedro Roberto. O Código Penal alemão: tradução, comparação e notas. Porto Alegre: Nuria Fabris Ed, 2014. p. 11.

[8]   FOLGADO, Antonio Nobre. Suspensão condicional do Processo Penal: como instrumento de controle social. São Paulo: J. de Oliveira, 2002. p. 62.

[9]   FOLGADO, 2002, p. 62-63.

[10] GOMES, 1997, p. 35.

[11] ISHIDA, Válter Kenji. A suspensão condicional do processo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17.

[12] ISHIDA, 2003, p. 18.

[13] Ibid., p. 19.

[14] FOLGADO, 2002, p. 65.

[15] LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 1.545.

[16] Jurisprudência nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

LEGITIMIDADE PARA O SEU OFERECIMENTO. O benefício processual, previsto no art. 89 da Lei n.º 9.099/95, é cabível também nos casos de crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ.

Julgamento convertido em diligência para manifestação pelo querelante e o Ministério Público sobre eventual proposta, por se tratar de direito público subjetivo do querelado. (TJ-SP – APR: 10005943320198260486 SP 1000594-33.2019.8.26.0486, Relator: Adugar Quirino do Nascimento Souza Junior, Data de Julgamento: 22/02/2021, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: 23/02/2021).

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL PRIVADA. INJÚRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

ATUAÇÃO DA QUERELANTE EM CAUSA PRÓPRIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. NÃO COMPROVAÇÃO. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. FATO DESCRITO DE MANEIRA A PERMITIR O ADEQUADO EXERCÍDIO DO CONTRADITÓRIO.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

INVIABILIDADE. FACULDADE DO QUERELANTE. ANULAÇÃO DE OFÍCIO DA DECISÃO QUE REVOGOU O BENEFÍCIO. 1. Uma vez que a querelante possui cadastro no PJe e, em consulta on line realizada junto ao Cadastro Nacional dos Advogados – CNA, mantido pelo Conselho Federal da OAB, a situação cadastral dela consta como regular naquela base de dados, não deve ser acolhida, em sede de habeas corpus a alegação de falta de capacidade postulatória para a propositura de queixa-crime, pois o impetrante não logrou comprovar sua alegação. 2. Consoante se observa por meio da leitura da petição inicial, a querelante descreveu diversas situações em que teria sido menosprezada e até mesmo injuriada pelo paciente durante todo o período em que teriam se relacionado e também depois de terem rompido, no entanto, foi devidamente esclarecido em tópico próprio, que tratou sobre o prazo para a propositura da queixa-crime, que o delito efetivamente imputado ao querelado teria ocorrido no dia 05-fevereiro-2020 e seria o único fato devidamente documentado, não havendo falar, portanto, em inépcia da denúncia. 3. Por se tratar de matéria de ordem pública e, portanto, cognoscível de ofício, uma vez que foi realizado acordo de suspensão condicional do processo, à querelante, e não ao Ministério Público, competia requerer ou não que esse benefício fosse revogado, por ser a titular da ação penal privada, no entanto, no presente caso, houve revogação independentemente de sua manifestação acerca do tema, o que enseja a nulidade da decisão; ademais, há notícia de que o fato que deu causa à revogação do benefício (propositura de uma nova ação penal contra o querelado) não mais subsiste, pois ele foi absolvido sumariamente no respectivo processo. 4. Acolhido o parecer da Procuradoria de Justiça. 5. De ofício, declarar a nulidade da decisão que revogou o benefício da suspensão condicional do processo. (TJ-DF 07098130920218070000 DF 0709813-09.2021.8.07.0000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Data de Julgamento: 15/04/2021, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe: 27/04/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada).

[17] Então não óbice direto a possibilidade do cumprimento da sursis processual no estrangeiro. Porém, chamamos atenção a necessidade de pedir autorização para ausentar-se da comarca ao Juiz, justificando tal pedido e apresentando provas que corroborem essa necessidade. Nem pode o Juiz mudar as condições sem o conhecimento das partes.

[18] LOPES Jr., 2020, p. 846.

[19] LOPES Jr., 2020, p. 846-847.

Palavras Chaves

Sursis processual, Suspensão Condicional do Processo, Estrangeiro, Sursis e direito comparado