A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

Resumo

O direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está protegido pela Constituição brasileira, que determina ao poder Público e à coletividade o dever de defender e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, firmando um vínculo de responsabilidade ética intergeracional, cabendo às gerações presentes legar para as gerações futuras o acesso aos recursos naturais pelo menos no mesmo nível de acesso que tiveram, por isso, incumbe a todos respeitar os limites ambientais e promover a sustentabilidade. A prevenção é, portanto, o primeiro mandamento do Direito Ambiental, trata-se de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, verdadeiro direito fundamental indisponível. Também é sempre pertinente reiterar que além dos aspectos econômicos, a lesão ao macrobem ambiental é multifacetária e de difícil reparação, podendo o dano ter extensão material e extrapatrimonial difusa, sendo possível, ainda, que o dano venha a se projetar para o futuro. Assim, considerando a possibilidade de não ser alcançada a prevenção, sendo necessária a reparação e a consequente responsabilização do degradador, o ordenamento jurídico brasileiro conta com a ação civil pública, que é um mecanismo do processo coletivo apto a buscar junto ao Judiciário, através da tutela específica, uma solução para o conflito de natureza transindividual, podendo haver a cumulação de pedidos para obter a reparação do dano material e a compensação pela extensão extrapatrimonial difusa da lesão ao meio ambiente, fundamentado no princípio da reparação integral do dano e da atipicidade das ações coletivas.

Artigo

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

Isabella Franco Guerra[1]

Resumo: O direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está protegido pela Constituição brasileira, que determina ao poder Público e à coletividade o dever de defender e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, firmando um vínculo de responsabilidade ética intergeracional, cabendo às gerações presentes legar para as gerações futuras o acesso aos recursos naturais pelo menos no mesmo nível de acesso que tiveram, por isso, incumbe a todos respeitar os limites ambientais e promover a sustentabilidade. A prevenção é, portanto, o primeiro mandamento do Direito Ambiental, trata-se de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, verdadeiro direito fundamental indisponível. Também é sempre pertinente reiterar que além dos aspectos econômicos, a lesão ao macrobem ambiental é multifacetária e de difícil reparação, podendo o dano ter extensão material e extrapatrimonial difusa, sendo possível, ainda, que o dano venha a se projetar para o futuro. Assim, considerando a possibilidade de não ser alcançada a prevenção, sendo necessária a reparação e a consequente responsabilização do degradador, o ordenamento jurídico brasileiro conta com a ação civil pública, que é um mecanismo do processo coletivo apto a buscar junto ao Judiciário, através da tutela específica, uma solução para o conflito de natureza transindividual, podendo haver a cumulação de pedidos para obter a reparação do dano material e a compensação pela extensão extrapatrimonial difusa da lesão ao meio ambiente, fundamentado no princípio da reparação integral do dano e da atipicidade das ações coletivas.

SUMÁRIO: Introdução. 1.Aspectos Gerais da Proteção Constitucional do Meio Ambiente. 2. A Indisponiblidade do Direito ao Meio Ambiente Hígido. 3.O Dano Ambiental Extrapatrimonial Difuso e o Princípio da Reparação Integral. 4. A Ação Civil Pública e a Possibilidade Jurídica do Pedido de Condenação do Réu a Compensar o Dano Moral Coletivo Ambiental. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

A Constituição brasileira estabelece o dever de todos de promover a salvaguarda do meio ambiente, verdadeiro direito fundamental, pois trata-se de bem de uso comum do povo eessencial à sadia qualidade de vida.

Dada as peculiaridades do direito difuso ao equilíbrio e à higidez do meio ambiente, o dano ambiental pode acarretar lesão tanto de ordem patrimonial quanto extrapatrimonial, sendo necessária a reparação integral da lesão em razão da indisponibilidade e irrenunciabilidade concernentes a esse direito.

Então ,neste artigo, será analisada a possibilidade jurídica do pedido,na ação civil pública, de condenação do poluidor a compensar o dano moral coletivo ambiental, tomando por base os princípios do processo coletivo brasileiro. Também será abordada a admissão da cumulação de pedidos, interpretando de forma integrada o disposto nos artigos 3º da Lei nº 7347 de 1985 e 83 do Código de Defesa do Consumidor- Lei nº 8078 de 1990.

Considerando os referenciais doutrinários, a legislação brasileira e as decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, tendo em vista o fato de que o dano ao meio ambiente é multifacetário, verificando que quando perpetrado este pode provocar lesão a direitos das gerações presentes e futuras, na medida em que a lesão ao macrobem ambiental difuso pode ter consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, será analisada a importância do ordenamento jurídico brasileiro contar com um meio processual adequado para buscar a reparação integral da lesão, isto é, responsabilizar o degradador a reparar o dano em toda a sua extensão.

  1. Aspectos Gerais da Proteção Constitucional do Meio Ambiente

A promulgação da Constiuição do Brasil em 1988 se deu sob a égide da reconstrução da democracia e dos direitos humanos no país. Fruto da preocupação em assegurar a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a submissão do poder do Estado à lei, houve oreconhecimento jurídico de novos direitos e foram ampliados os instrumentos para defendê-los,  tendo sido dedicado um capítulo ( artigo 225) que deu a proteção do manto constitucional ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 Sem sombra de dúvida as normas contidas na Constituição de 1988 ampliaram os espaços de participação popular, o que pode ser exemplificado tanto com a previsão da iniciativa popular para os projetos de lei como também pela previsão do dever da coletividade de preservar o meio ambiente, havendo, ainda,a respectiva possibilidade do cidadão mover a ação popular para anular ato adminsitrativo lesivo ao meio ambiente.

A Constituição brasileira, no artigo 225, define meio ambiente como bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Assim, enquanto macrobem autônomo revestido da qualidade de direito difuso pertencente a todos,a sua proteção assume interesse público. Nessa lógica, o equilíbrio ambiental não é passível de apropriação individual nem de disponibilidade.

O artigo 225 da CRFB impõe a todos, poder público e coletividade, o dever de promover a proteção do meio ambiente, estabelece o dever que recai para todos de não causar danos ambientais e determina que sejam envidados esforços para a manutenção da sua higidez.

A fim de garantir a defesa do meio ambiente, a Constituição incumbiu, como disposto no inciso III do artigo 129, ao Ministério Público mover a ação civil pública ambiental.

No texto constitucional estão presentes as bases do Direito Ambiental, depreendendo-se da leitura do artigo170, VI e do artigo225 que a prevenção é a orientação primeira.É necessário tomar todos os cuidados, adotar as medidas cabíveis para que as ações humanas não causem danos sérios e irreversíveis ao meio ambiente. No referido artigo 225 a ideia de sustentabilidade está presente, por esta razão a orientação é a de uso racional dos recursos ambientais para que tanto as gerações presentes quanto as gerações futuras possam ter acesso ao meio ambiente equilibrado. Continuando nesse caminho, o constituinte estabeleceu que a intervenção estatal é obrigatória na defesa do meio ambiente, bem como, no viés democrático, estatuiu a necessidade da participação popular na proteção ambiental.

No artigo 171 do texto constitucional brasileiro está incluídaa defesa do meio ambiente como princípio da Ordem Econômica.

A ordem é a de buscar a prevenção de danos, contudo, seesta não for alcançada a Constituição impõe a responsabilização do poluidor[2].

Considerando o teor do artigo 170 inciso VI, do artigo 225, do artigo 5º inciso LXXIII, do artigo 186, artigo 200, VIII, do artigo 216, do artigo 129, III da Constituição brasileira, fica clara a determinação de adequada proteção ao meio ambiente, em outros termos, o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado necessita de proteção suficiente, razão pela qual a atuação do poder público tem que ser na busca da manutenção da segurança e da ordem pública ambiental.

A interpretação finalista do disposto no caput do artigo 225 da Constituição de 1988 descortina um compromisso ético e solidário traduzido no dever das gerações presentes de legar para as gerações futuras ao menos o mesmo grau de acesso aos recursos naturais que tiveram.

Nesse sentido, as sempre lúcidas e pertinentes lições de Paulo Affonso Leme Machado   são seguir destacadas:

“O relacionamento das gerações com o meio ambiente não poderá ser levado a efeito de forma separada, como se a presença humana no planeta não fosse uma cadeia de elos sucessivos. O art. 225 consagra a ética da solidariedade entre as gerações, pois as gerações presentes não podem usar o meio ambiente fabricando a escassez e a debilidade para as gerações vindouras[3]”.

José Rubens Morato Leite[4] analisa a legislação brasileira e chama atenção para o fato de que o conceito de meio ambiente encontrado na Lei nº 6.938 de 1981[5] permite dizer que o legislador considerou-o como macrobem em uma visão globalizada e integrada, que pode ser referido como um bem unitário, incorpóreo e imaterial. Explica que a lei ao determinar a proteção da fauna, da flora, do ar, da água e do solo está se referindo a eles como elementos indispensáveis à proteção do meio ambiente como bem imaterial[6].

O meio ambiente ecologicamente equilibrado, nas palavras de Marcelo Abelha Rodrigues[7], é um bem imaterial que resulta da combinação de diversos fenômenos e reações de ordem física, química e biológica, provocados por diversos fatores presentes no planeta.

José Afonso da Silva, interpretando a legislação brasileira ambiental, conclui que:

“O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais.”[8]

O meio ambiente é o espaço de convivência, pode ser compreendido como o conjunto de condições que possibilitam a vida. Ainda que apresente vários aspectos, pois é admissível falar em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho, não se pode perder de vista sua característica de bem unitário, de sua ubiquidade, isto é, daquilo que está em toda parte[9].

  1. A Indisponibilidade do Direito ao Meio Ambiente Hígido

 

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de terceira dimensão pertencente a toda a coletividade, configura um direito difuso, indivisível e imprescritível.O equilíbrio ambiental não é passível de ser atribuído com exclusividade a um único titular, pois é direito de todos e de cada um ao mesmo tempo. Na medida que a higidez ambiental é essencial para a sadia qualidade de vida, para o bem estar, segurança e saúde pública, não é admissível negociar ou abrir mão do equilíbrio do meio ambiente.

Na decisão no REsp nº 1.394.025- MS o STJ reconheceu que o meio ambiente equilibrado é direito indisponível e, consequentemente, havendo dano a esse tipo de área protegida nasce o dever de reparação. Pela clareza do voto da relatora, Ministra Eliana Calmon, no REspnº 1.394.025- MS, a ementa da decisão é destacada e transcrita abaixo:

“AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP. CASAS DE VERANEIO.  MARGENS DO RIO IVINHEMA/MS. SUPRESSÃO DE MATA CILIAR. DESCABIMENTO. ART. 8º DA LEI 12.651/2012. NÃO ENQUADRAMENTO. DIREITO ADQUIRIDO AO POLUIDOR. FATO CONSUMADO. DESCABIMENTO. DESAPROPRIAÇÃO NÃO CONFIGURADA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DANO AMBIENTAL E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.

  1. Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental).
  2. Conquanto não se possa conferir ao direito fundamental do meio ambiente equilibrado a característica de direito absoluto, certo é que ele se insere entre os direitos indisponíveis, devendo-se acentuar a imprescritibilidade de sua reparação, e a sua inalienabilidade, já que se trata de bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF/1988).
  3. Em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado. Precedentes do STJ e STF.
  4. A proteção legal às áreas de preservação permanente não importa em vedação absoluta ao direito de propriedade e, por consequência, não resulta em hipótese de desapropriação, mas configura mera limitação administrativa. Precedente do STJ.
  5. Violado o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, pois o Tribunal de origem reconheceu a ocorrência do dano ambiental e o nexo causal (ligação entre a sua ocorrência e a fonte poluidora), mas afastou o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes.
  6. Em que pese ao loteamento em questão haver sido concedido licenciamento ambiental, tal fato, por si só, não elide a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, uma vez afastada a legalidade da autorização administrativa.
  7. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ).
  8. Recurso especial parcialmente conhecido e provido”[10].

A decisão acima referia deixou claro que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental, inalienável, indisponível e imprecritível.

Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra, trata-se de um bem que pertence indivisivelmente a todos os indivíduos da coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado. Para o Poder Público – e também para os particulares- o meio ambiente é sempre indisponível e insuscetível de apropriação.[11]

O direito difuso por ser indivisível e de titularidade indeterminada não permite aos que são legitimados para a propositura da ação civil pública abrir mão do direito tutelado na ação coletiva, pois estes são legitimados extraordinários e atuam na qualidade de substitutos processuais da coletividade. Assim,a União, o Distrito Federal, os Estados, os Municípios, os Entes da Administração Pública indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Associações embora tenham recebido autorização legal, nos termos do artigo 5º da Lei nº 7.347 de 1985, para ingressar em juízo na defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por não serem os titulares do direito material controvertido não têm a permissão de dispor do referido direito fundamental.No caso de haver dano ambiental este deverá ser integralmente reparado.

  1. O Dano Ambiental Extrapatrimonial Difuso e o Princípio da Reparação Integral

 A legislação pátria conceitua degradação e poluição no artigo 3º, incisos II e III respectivamente, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, porém não há a definição de dano ambiental no Direito pátrio. Ainda assim, é possível depreender dos textos legais brasileiros, que o dano ao meio ambiente pode ser entendido como a alteração adversa que gera perda de qualidade ambiental provocada por interferência humana, projetando-se pelo lançamento de matéria ou energia fora dos limites estabelecidos e tolerados pela legislação, causando impacto negativo significativo, desestabilizando o equilíbrio ambiental, retirando a sinergia entre os elementos bióticos e abióticos.

Sobre o dano ambiental é possível concluir que este é multifacetário[12], a lesão pode repercutir sobre o macrobem, isto é, sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pode afetar microbens (água, ar, solo, fauna, flora), pode provocar a lesão a direito difuso, pode ricochetear e atingir direito individual, pode apresentar lesão de ordem material e também ter extensão extrapatrimonial difusa, pode trazer a possibilidade de reparação in natura mas pode, por outro lado, acontecer desta não ser mais possível ( como ocorre quando há perda da diversidade biológica com o desaparecimento de espécies), pode gerar o dano intermediário, que é verificado pelo lapso temporal necessário até ser alcançada a plena recuperação ambiental, e, ainda, pode haver situações em que não seja possível identificar instantaneamente toda a extensão do dano e este se projetar para o futuro.

É preciso atenção para as situações em que o equilíbrio dinâmico do sistema ecológico venha a ser afetado, esse tipo de circunstância poderá acarretar grandedificuldade na recuperaçãoda capacidade funcional ecológica.

A perda da diversidade biológica, a diminuição da qualidade de vida, a contaminação de recursos hídricos e a redução do acesso à água potável, por exemplo, além de causar prejuízos econômicos repercutem sobre valores imateriais da sociedade.

O dano ao macrobem ambiental pode ter dimensão material e pode ter também expressão extrapatrimonial difusa. A Constituição de 1988 prevê a indenização pelo dano moral e não o restringiu à esfera individual[13].

Oportuna a advertência de Maria Helena Diniz de que “o caráter patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo danificado, mas dos efeitos da lesão jurídica, pois do prejuízo causado a um bem jurídico econômico pode resultar perda de ordem moral, e da ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial pode originar dano material”[14].

O Superior Tribunal de Justiça, na decisão no REsp nº 1.367.923 – RJ, relatado pelo Ministro Humberto Martins, pronunciou-se no sentido de que “ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo.(…)As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura.[15]

Marcelo Abelha Rodrigues apresenta exemplos de situações que configuram dano ambiental de extensão extrapatrimonial, enfatizando que:

“É preciso ter a grandeza de compreensão de que quando se polui um recurso ambiental (por exemplo as águas do Rio Doce), isso causa a um só tempo a) um desequilíbrio ao ecossistema do qual o rio é um componente e b) um desequilíbrio ao próprio ecossistema que ele mesmo constitui.

Uma árvore tanto é, ela mesma, um ou alguns ecossistemas, como também atua como ingrediente para um ecossistema maior do qual ela seja um componente biótico. Não há a menor condição de identificar a árvore como um componente ambiental isolado, estático, sem nela identificar a condição ecossistema fim e ecossistema meio de um outro ecossistema.

Esse equilíbrio do entorno sempre terá consequências extrapatrimoniais (sem excluir as eventuais perdas patrimoniais), mas usa reparação e ou compensação deve levar em consideração, literalmente, todas as consequências que todas as formas de vida (atuais e futuras) sofrerão por causa da referida degradação”[16].

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[17], com fundamento no inciso VI do artigo 4ºda Lei nº6.938 de 1981,enfatiza a prioridade da reparação específica do dano ambiental. Assim, ressalta que em primeiro plano deverá ser buscada a reparação in natura, o retorno ao statu quo ante, sendo preferível a recomposição efetiva e direta do dano.

  1. A Ação Civil Pública e a Possibilidade Jurídica do Pedido de Condenação do Réu a Compensar o Dano Moral Coletivo Ambiental

A ação civil pública[18] tem mostrado ser o instrumento do processo coletivo por excelência para a defesa do meio ambiente.

A Constituição brasileira faz referência a ação civil pública no artigo 129, III, dispositivo que possibilita ao Ministério Público promover a defesa do meio ambiente através desta ação coletiva. Assim, tanto a Lei nº 6.938 de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, já referida nesse texto), que no artigo 14 estabelece a responsabilidade civil objetiva pelo dano ao meio ambiente e incumbe ao Ministério Público mover a ação civil de reparação do dano, quanto a Lei nº 7.347 de 1985 que instituiu no ordenamento jurídico a ação civil pública,  foram recepcionadas pela Constituição de 1988.

A Lei da Ação Civil Pública em seu artigo 5º prevê um rol taxativo de legitimados ativos, merecendo destaque o fato desta legitimidade ser extraordinária, concorrente e disjuntiva.

No artigo 1º da Lei nº7.347 de 1985 há a definição do objeto da ação civil pública e tendo em vista que esta lei introduziu no ordenamento jurídico brasileiro um mecanismo processual de defesa de direitos difusos e coletivos, que se caracterizam pela indivisibilidade, a nova redação do caput da norma, com a inclusão do dano moral[19], fundamenta a possibilidade de pleitear a indenização pela lesão de natureza imaterial, isto é, de requerer a responsabilização e a consequente compensação pelo dano moral coletivo, haja vista que a lei em tela não tem por objeto direito individual.

 O artigo 3º da Lei nº 7.347 de 1985 estabelece que o pedido na ação civil pública será o de obrigação de fazer ou de não fazer ou indenizar. Contudo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria são uníssonas no entendimento de que é possível a cumulação de pedidos. A posição do Superior Tribunal de Justiça é pacífica nesse sentido, como pode ser verificada pelo teor da decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.145.083 / MG, relatado pelo Minsitro Antônio Herman Benjamin, aplicando os princípios do poluidor pagador e da reparação integral, se manifestou no sentido da possbilidade de cumulação de pedidos em ação civil pública, entendendo que a interpretação das questões que envolvem a reparação do dano ambiental será no sentido do in dubio pro natura, como destacado na ementa da decisão:

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.(…)

  1. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
  2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

(…)

6.A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa”[20]

Muito embora não exista no Brasil um Código de Processo Coletivo, é possível falar na existência de um microssistema do processo coletivo brasileiro com base o artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 21 da Lei n 7.347 de 1985, como também pela identificação da existência de princípios próprios, procedimentos e institutos processuais voltados para as peculiaridade do objeto tutelado[21]. É necessária, por conseguinte, a aplicação intercambiante destas leis, de modo que deverá ser realizada a interpretação sistemática e integrada dos referidos diplomas legais.

O princípio da atipicidade das ações coletivas trata da máxima amplitude do processo coletivo, assim, todos os meios processuais válidos poderão ser utilizados para obter a tutela dos direitos transindividuais, ou seja, quaisquer formas de tutela serão admitidas para a defesa de direitos metaindividuais, havendo, inclusive, a possibilidade de cumulação de pedidos (fazer; não fazer; indenizar), podendo ser a tutela preventiva ou repressiva, conforme ditado pelo artigo 83 do CDC.

Também merece ser destacada a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental no Recurso Especial nº1.415.062,relatado pelo Ministro Humberto Martins, concluindo pela possibilidade de cumulação de pedidos em ação civil pública ambiental, com a seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 7.347/85. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE.

  1. Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado.
  2. Dessa forma, ao interpretar o art. 3º da Lei 7.347/85, deve ser dada à conjunção “ou” valor aditivo, e não alternativo. Consequentemente, deve-se reconhecer a possibilidade abstrata de cumulação da obrigação de fazer, consistente na reparação do dano ambiental causado, com indenização pecuniária.
  3. Agravo regimental improvido[22]”.(sic)

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[23], refletindo sobre os alicerces da responsabilidade civil em matéria ambiental, sublinha a inexistência de relação indissociável entre responsabilidade civil e ato ilícito. Portanto, poderá haver dano oriundo de atividade lícita, consequentemente, havendo a lesão a um bem jurídico ambiental e presente o nexo de causalidade, na medida em que se está diante da responsabilidade civil objetiva, decorrerá o dever de indenizar.

No Recurso Especial nº 1.198.727- MG, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou sobre a reparação do dano ambiental:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL.

DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DAREPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR.

POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

(…)

  1. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).”[24]

No Recurso Especial nº 1.410.698 – MG, relatado pelo Ministro Humberto Martins, a Corte entendeu que a reparação ambiental deve ser plena, merecendo destaque o seguinte trecho da ementa da decisão:

“3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: Resp 1.180.078/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje 28/02/2012.

  1. “O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (…) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos” (REsp1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010.)
  2. No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação). Nesse sentido: REsp 1.245.550/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/04/2015.

Recurso especial provido[25].

A decisão no REsp nº 1.410.698 – MG deixa claro que não será a identificação de sofrimento ou abalo psicológico que irá configurar o dano moral coletivo, mas sim a lesão que afeta valores éticos da sociedade.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[26]observa de forma atenta que a cumulação de pedidos de ressarcimento pelos danos materiais e morais não afasta a necessidade da reparação natural, pois em primeiro plano sempre estará a tutela específica e quando esta se mostrar possível será inafastável.

Flávio Ahmed[27], ao analisar a Lei da Mata Atlântica tece considerações relevantes sobre a reparação do dano ambiental e conclui que a reparação civil pecuniária não é o melhor caminho, vê na evolução de critérios indenizatórios amplos e científicos, bem como na efetividade de provimentos de urgência, um melhor caminho.

A reparação do dano ambiental deverá ser efetivada levando-se em conta as premissas da tutela específica, buscando, como ressaltado por Carolina Medeiros Bahia[28], na medida do possível, retornar à situação anterior à ocorrência da lesão, ao mais próximo do estado em que se encontrava o meio ambiente antes do dano ter sido praticado, como dita o princípio da reparação integral, para que não redunde em impunidade como explicado por José Rubens Morato Leite[29].

Consuelo Yoshida alerta para a dificuldade em se precisar os parâmetros e a própria valoração econômica em relação aos danos ambientais de efeitos morais, explica que “odano moral coletivo constitui lesão a valor imaterial coletivo, proporciona prejuízo a patrimônio ideal da coletividade, relacionado à manutenção do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida, podendo se manifestar sob três diferentes formas: (a) dano moral ambiental coletivo, pela diminuição da qualidade de vida e do bem-estar;(b) dano social, pela privação do gozo e fruição do equilíbrio ambiental; e (c ) dano ao valor intrínseco do meio ambiente”[30].

A complexidade que pode alcançar o dano ao meio ambiente requer a apuração critérios e dos seus efeitos, tanto os diretos e quanto os indiretos, como também a repercussão social, as perdas econômico-financeiras, o valor intrínseco do meio ambiente, os serviços ambientais (regularização do clima, estabilização de encostas,enfim, os serviços que a natureza fornece e que são essenciais para a vida, para o bem estar), sendo necessário o levantamento dos custos para a reparação, minimização, compensação, indenizaçãopelos efeitos do dano.

A compreensão do significado e da importância dos serviços ambientais é imprescindível para entender os múltiplos problemas que o dano ao meio ambiente pode provocar e a dificuldade de se calcular com precisão todos os seus efeitos.Não é simples avaliar a capacidade de regeneração natural e de resiliência dos ecossistemas. Nesse sentido, Henry Phillippe Ibanes de Novion explica de forma clara o que são os serviços ambientais, diz ele:

“De uns tempos para cá, o aumento da população, o crescimento das cidades, o desenvolvimento de indústrias cada vez maiores e a necessidade de produzir em maior quantidade têm aumentado significativamente a exploração da natureza e de seus recursos. Exploração essa que tem causado danos ao meio-ambiente, que, quase sempre, não consegue se recuperar e recompor suas funções, seus nutrientes e o bom funcionamento de seus ciclos naturais.Os rios, que traziam água limpa, agora estão cada vez mais sujos, transportando esgoto e lixo. Se antes, o rio corria vigoroso, agora, corre devagar, pois consumimos mais água do que o rio consegue repor, e, além disso, com a destruição das matas ciliares e das nascentes que protegiam os rios do assoreamento, os sedimentos, como a areia, correm direto para o rio, acumulando-se em seu leito e dificultando a passagem da água. Os polinizadores, como abelhas e os pássaros, em muitos lugares, estão desaparecendo, seja pela destruição de seus habitats naturais, seja pela poluição e excessivo uso de agrotóxicos.

Esse processo de exploração e destruição, em ritmo muito acelerado, afeta o bom funcionamento dos ciclos naturais e de seus serviços. As chuvas não acontecem mais na época e na intensidade certa. Sem o polinizadores, as plantas frutificam menos e a produção é afetada. (sic)

(…)

Serviço ambiental é a capacidade da natureza de fornecer qualidade de vida e comodidades, ou seja, garantir que a vida, como conhecemos, exista para todos e com qualidade (ar puro, água limpa e acessível, solos férteis, florestas ricas em biodiversidade, alimentos nutritivos e abundantes etc.), ou seja, a natureza trabalha (presta serviços) para a manutenção da vida e de seus processos e estes serviços realizados pela natureza são conhecidos como serviços ambientais[31]”.

Todos esses aspectos mostram que a avaliação técnica multidisciplinar pode se mostrar indispensável em determinados casos envolvendo a tutela coletiva ambiental, como nas situações que envolvam, por exemplo, a contaminação de lençol freático, a degradação do solo, o derramamento de óleo nos oceanos, a poluição atmosférica em zona industrial, poluição transfronteiriça, por isso, é desejável um aprofundamento nas pesquisas e estudos sobre os critérios para a mensuração do dano.

A decisão judicial terá sempre que ser fundamentada, pois esta é uma exigência do devido processo legal e está expressa no inciso IX do artigo 93 da Constituição brasileira. Assim sendo, o princípio do devido processo legal coletivo impõe a obrigatoriedade da transparência, da publicidade das decisões que deve ser compreendida não apenas no âmbito de dar conhecimento à sociedade sobre o objeto do processo, sobre aquilo que está sendo decidido, mas também no sentido de explicitar como e com base em que a lide está sendo solucionada. Então, o Direito veda decisões arbitrárias, por isso o magistrado tem que utilizar critérios proporcionais e claros na fundamentação da decisão, pois esta terá que ser embasada em procedimentos de prova que proporcionem um justo grau de exatidão e coerência, para que haja segurança jurídica e justiça[32].

Tendo em vista tratar-se de lesão a direito difuso, em razão de sua já mencionada indivisibilidade e titularidade indeterminada, a Lei nº 7.347 de 1985 estabelece que o montante da condenação em dinheiro em ação civil pública ambiental será revertido para o Fundo previsto no artigo 13.

O fato da legislação brasileira tratar o meio ambiente equilibrado como direito fundamental é um avanço, a existência de um microssistema de tutela coletiva que possibilita provocar o Judiciário e requerer medidas para ver o dano ambiental integralmente reparado é um alento. Contudo, não se pode esquecer da prevenção e é preciso lembrar que esses mesmos mecanismos processuais admitem a adoção de medidas de urgência para inibir a configuração do dano, pois como se sabe, o dano ao meio ambiente é de difícil reparação.

Por ser tarefa de todos a defesa do meio ambiente, por se tratar de direito difuso indisponível, pela dificuldade de reparar a degradação ambiental, é preciso refletir e sobretudo agir racionalmente no sentido de adotar as medidas para conter os riscos e evitar o dano ambiental.

 

Conclusão

 O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito difuso, portanto indivisível e de titularidade indeterminada. De acordo com os ditames constitucionais a sua proteção é tarefa de toda a sociedade e também do poder público.

A prevenção do dano é a premissa do Direito Ambiental, mas se o dano vier a ocorrer há o dever do degradador de reparar, em toda a extensão, a lesão provocada ao meio ambiente.

A Constituição de 1988 estabeleceu no § 3º do artigo 225 o dever de reparação dos danos ambientais, tendo recepcionado a Lei nº 6.938 de 1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,e a Lei nº 7.347 de 1985 – Lei da Ação Civil Pública.

Na Lei nº 6.938 de 1981, no parágrafo 1º do artigo 14, está prevista a responsabilidade civil objetiva pelo dano ambiental. A Lei nº 7.347 de 1985, por sua vez, prevê o meio processual adequado para responsabilizar civilmente o poluidor.

O caput do artigo 1º da Lei nº 7.347 de 1985 traz a possibilidade jurídica do pedido de condenação do poluidor a reparar o dano de ordem material e a compensar o dano moral coletivo.

Considerando os princípios da Tutela Coletiva, destacadamente o princípio da atipicidade e o da reparação integral do dano, aplicando o artigo 3º da Lei da Ação Civil Pública combinado com o disposto no artigo 83 da Lei nº 8.078 de 1990, verifica-se que é possível a cumulação de pedidos.

A ação civil pública é, assim, sem dúvida, um mecanismo importante do Direito Processual Coletivo Brasileiro que viabiliza aos entes políticos da Federação ( União, Distrito Federal, Estados, Municípios), aos entes da Administração Pública Indireta, a entes intermediários da coletividade, Ministério Público, Defensoria Pública, Associações ( organizações da sociedade civil), que atuam como substitutos processuais, pleitear junto ao Poder Judiciário a defesa do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e traz as bases legais para o pedido de reparação dos danos materiais e extrapatrimoniais difusos.

Referências Bibliográficas

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Sites Consultados

www.stj.jus.br

https://uc.socioambiental.org

Notas de Rodapé:

[1] Membro da CDA/OAB-RJ. Doutoranda em Direito pela UNESA, Mestre em Direito pela PUC-Rio, Professora da PUC-Rio, SecretáriaGeral da Comissão de Direito Ambiental da OAB Seccional do Estado do Rio de Janeiro, membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil- APRODAB.

Este artigo foi elaborado a partir da pesquisa que vem sendo realizada pela autora para a elaboração da tese de doutorado no programa de pós graduação da Universidade Estácio de Sá- UNESA.

[2] Não será objeto de análise, no presente artigo, os aspectos que envolvem o disposto no parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição brasileira e a responsabilidade por dano ambiental nas esferas administrativa, penal e civil, será feita apenas uma breve referência à responsabilidade civil objetiva.

[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22ª ed São Paulo: Malheiros, 2014, p.155.

[4] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.85.

[5] Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938 de 1981 foi recepcionada pela Constituição de 1988. Trata-se de lei nacional que fixa normas gerais ambientais.

[6] Op. cit., p.86.

[7] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. 4ª ed. rev. atual., ampl. Salvador: JusPodivm, 2016, p.60.

[8] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3ª ed. rev.atual. São Paulo: Malheiros, 2000, p.20.

[9] Ver FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p.19-20, p.60.

[10]BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, REsp nº 1.394.025- MS, relatora Ministra Eliana Calmon, Documento: 1271574 Site certificado –julgado em 08/10/2013, DJe: 18/10/2013,www.stj.jus.br em 25 de outubro de 2017.

[11] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente.2ºed.SP:Juarez de Oliveira,2004, p.39.

[12]Consultar Édis Milaré, Direito do ambiente.10ºed. rev, atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 p.318-337. O autor elabora a análise sobre o dano ambiental, aborda os aspectos conceituais, as suas características e peculiaridades, explicando, ainda, o sentido de dano multifacetário e a extensão extrapatrimonial.

[13]Artigo 5º, inciso X da CRFB de 1988.

[14]DINIZ, Maria Helena, apud MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 10ºed. rev, atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.328.

[15]BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, REsp nº 1.367.923-RJ, relator Ministro Humberto Martins, julgado em 27.08.2013, DJe 06.09.2013,www.stj.jus.br em 25 de outubro de 2017.

[16] Op. cit, p.64-65.

[17] Op. cit. p. 44.

[18]Lei nº7.347 de 1985 art. 1º “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l – ao meio-ambiente; (…)”

[19] O texto do caput do artigo 1º da Lei nº 7.347 de 1985 teve a sua redação alterada, inicialmente pelo artigo 88 da Lei nº8.884 de 1994, pois foi incluído como objeto da ação civil pública a reparação civil do dano moral, mantido pela nova lei da concorrência- Lei nº12.529 de 2011, art. 117, “O caput e o inciso V do art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com a seguinte redação art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (…)”

[20]BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, REsp nº 1.145.083- MG, relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012, www.stj.jus.br em 25 de outubro de 2017.

[21] Inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça fazem referência ao microssistema do processo coletivo, ver por exemplo a decisão da Segunda Turma no AgInt no Recurso Especial nº 1.379.659 – DF, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, julgado 28.03.2017, DJe 18.04.2017; Conflito de Competência nº 144.922- MG, relatora Ministra Diva Malerbi, Primeira Seção, julgado 22.06.2016, DJe 09.08.2016,www.stj.jus.br em 25 de outubro de 2017.

[22] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Truma, Agravo Regimental no Recurso Especial nº1.415.062, relatado pelo Ministro Humberto Martins, julgado em 13.05.2014, Dje19.05.2014,www.stj.jus.br, consultado em 22 de outubro de 2017.

[23] Op. cit. p.48.

[24]BRASIL, STJ, Segunda Turma Recurso Especial nº 1.198.727- MG, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, Julgado 14.08.2012, DJe 09.05.2013, www.stj.jus.br, consultado em 22 de outubro de 2017.

[25] BRASIL, STJ, Segunda Turma, REsp nº1.410.698 – MG, relatado pelo Ministro Humberto Martins, Julgado: 23/06/2015, Documento: 1421337 – DJe: 30/06/2015, www.stj.jus.br, consultado em 22 de outubro de 2017.

[26]Op. cit., p.45.

[27] AHMED, Flávio.A tutela da mata atlântica no direito ambiental. In: Temas fundamentais de direitos difusos e coletivos: desafios e perspectivas. Coord. YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato, AHMED, Flávio, CAVALCA, Renata Falson. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p 415.

[28]BAHIA, Carolina Medeiros. Dano ambiental e nexo de causalidade na sociedade de risco. In: Dano Ambiental na Sociedade de Risco. Coordenador José Rubens Morato Leite. Organizadoras: Helini Sivini Ferreira, Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira. São Paulo: Saraiva, 2012, p.62.

[29] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.220.

[30]YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A proteção do meio ambiente e dos direitos fundamentais correlatos no sistema constitucional brasileiro. In: Temas fundamentais de direitos difusos e coletivos:desafios e perspectivas. Coord. YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato, AHMED, Flávio, CAVALCA, Renata Falson. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.32-35.

[31] NOVION, Henry Phillippe Ibanes de.“O que são serviços ambientais”. (https://uc.socioambiental.org )acessado em 26.10.2017

[32]As lições de Ronald Dworkin, na obraO império do direito, Tradução de Jeferson Luiz Camargo, Revisão Técnica de Gildo Sá Leitão Rios. 3ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2014, p.201, descortinando o sentido de Direito como integridade, contribuem para aprofundar a análise sobre o controle da discricionariedade nas decisões judiciais e a importância da fundamentação das decisões.O CPC 2015 veda a decisão surpresa, agasalha os referenciais do princípio da boa-fé, da lealdade processual, do direito das partes de obterem a solução integral do mérito, da publicidade das decisões. (Lei nº 13.105 de 2015: artigos 1º ao 11 que são normas fundamentais do processo civil).