A REMESSA NECESSÁRIA E O TEMPO RAZOÁVEL DO PROCESSO À LUZ DO ARTIGO 190 DO CPC

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a obrigatoriedade da remessa necessária, antes denominada reexame obrigatório, prevista no artigo 496, diante do atual cenário apresentado pelo Código de Processo Civil de 2015. É cediço que o tempo de tramitação dos processos é o grande entrave da efetiva tutela dos direitos no Brasil. Nesse sentido, almeja-se, com a presente tese, sugerir possibilidades que ajudem na agilização desses procedimentos, em especial nas ações contra a Fazenda Pública. Para tanto, mergulha no estudo dos princípios constitucionais, verdadeiros instrumentos de ponderação da prestação jurisdicional. Dentre estes, o princípio da razoável duração do processo, elevado ao patamar de princípio constitucional, e a importância da sua observância na busca pela celeridade. Pondera sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e a incidência nas decisões do magistrado. Analisa a ampliação dos poderes instrutórios do juiz no CPC 2015 e a sua aplicação na busca da prestação efetiva, além da relação triangular de cooperação processual. Examina a função do Estado como administrador do interesse público e este como justificativa da obrigatoriedade do reexame. Aborda o negócio jurídico processual, previsto no artigo 190, e a autonomia dada às partes para negociarem, previamente, atos processuais. Busca, por fim, identificar, conjugar e propor ferramentas e mecanismos para a flexibilização da remessa necessária, uma vez que o alcance da paridade entre as partes teria o condão de dar maior eficácia ao instituto, nas ações contra a Fazenda Pública.

Artigo

A REMESSA NECESSÁRIA E O TEMPO RAZOÁVEL DO PROCESSO À LUZ DO ARTIGO 190 DO CPC

 MARIA DAS GRAÇAS CABRAL CANIVELLO

LUCIA FROTA PESTANA DE AGUIAR

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a obrigatoriedade da remessa necessária, antes denominada reexame obrigatório, prevista no artigo 496, diante do atual cenário apresentado pelo Código de Processo Civil de 2015. É cediço que o tempo de tramitação dos processos é o grande entrave da efetiva tutela dos direitos no Brasil. Nesse sentido, almeja-se, com a presente tese, sugerir possibilidades que ajudem na agilização desses procedimentos, em especial nas ações contra a Fazenda Pública. Para tanto, mergulha no estudo dos princípios constitucionais, verdadeiros instrumentos de ponderação da prestação jurisdicional. Dentre estes, o princípio da razoável duração do processo, elevado ao patamar de princípio constitucional, e a importância da sua observância na busca pela celeridade. Pondera sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e a incidência nas decisões do magistrado. Analisa a ampliação dos poderes instrutórios do juiz no CPC 2015 e a sua aplicação na busca da prestação efetiva, além da relação triangular de cooperação processual. Examina a função do Estado como administrador do interesse público e este como justificativa da obrigatoriedade do reexame. Aborda o negócio jurídico processual, previsto no artigo 190, e a autonomia dada às partes para negociarem, previamente, atos processuais. Busca, por fim, identificar, conjugar e propor ferramentas e mecanismos para a flexibilização da remessa necessária, uma vez que o alcance da paridade entre as partes teria o condão de dar maior eficácia ao instituto, nas ações contra a Fazenda Pública.

Palavras-chave: Razoável Duração do Processo; Proporcionalidade e razoabilidade; Ampliação dos Poderes Instrutórios do Juiz; Código de Processo Civil; Interesse Público; Remessa Necessária; Obrigatoriedade; Negócio Jurídico Processual; Autocomposição; Flexibilização.

SUMÁRIO

  1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 2.1 O princípio da razoável duração do processo em sede constitucional; 2.2 Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; 2.3 Os poderes instrutórios do juiz no atual Código de Processo; 2.4 O Estado, o interesse público e a justificativa da remessa necessária; 2.5 O negócio jurídico processual e a flexibilização dos atos procedimentais; 3. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

1    INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa buscará analisar a remessa necessária, instituto que determina a reanálise da matéria em segundo grau sempre que as ações tenham como uma das partes o Estado, a sua obrigatoriedade prevista no artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015, bem como a eficácia da sua aplicação.

Sob a ótica do recente cenário trazido pelo CPC de 2015, promoverá uma reflexão sobre o prolongamento temporal do litígio, decorrente da incidência do reexame, e as consequências que acabam por fulminar a celeridade processual nas causas contra a Fazenda Pública.

Embora tal comando não seja novidade no ordenamento pátrio, a nova dinâmica do CPC impõe que se busque alternativas para o atual momento da sociedade, primando-se pela autocomposição dos conflitos, com o intuito de alcançar um resultado célere e mais satisfatório para as partes.

Nesse sentido, empreender-se-á a observação de princípios e institutos capazes de criar um cenário favorável à plasticidade do rigor da norma, de modo a tornar a remessa necessária um instrumento mais eficaz e de proteção dos interesses coletivos e mesmo individuais.

Inicialmente, o estudo discorrerá sobre a razoável duração do processo, antes baseada no Direito Processual e, depois, elevada ao patamar de princípio constitucional. Tratará da característica de arcabouço fundante na busca de uma tramitação processual célere e a sua consideração para fins de impulsionar os processos.

Em seguida, abordará a razoabilidade e a proporcionalidade como princípios basilares das decisões judiciais e que auxiliam na promoção da pacificação dos conflitos. Enquanto instrumentos de ponderação, estes princípios têm como escopo nortear os atos do magistrado na busca do equilíbrio das relações processuais discrepantes, o que, em regra, se observa nas ações em que o Estado é parte.

Seguirá examinando o atual cenário inserido pelo CPC de 2015, no que concerne à ampliação dos poderes instrutórios do juiz, uma vez que o legislador conferiu ao magistrado maior liberdade para diligenciar em busca do cumprimento de deveres e obrigações, em sede de processo judicial, objetivando a satisfação do direito pleiteado. E, também, no que se refere à promoção da autocomposição entre as partes, quando seja possível e de interesse destes a negociação, sempre chancelada pela homologação do julgador.

Por conseguinte, enfrentará a função do Estado como administrador dos bens públicos e a sua posição no contexto processual, a obrigatoriedade do reexame diante da justificativa do interesse da coletividade e o consequente desequilíbrio da relação com o particular.

Nessa esteira, abordará o negócio jurídico processual, instrumento recente introduzido na norma contida no artigo 190 do Código de Processo Civil Brasileiro, que tem por base propiciar às partes a liberdade de transacionar sobre os atos processuais, e mesmo sobre o rito, inclusive aqueles que tratam de matérias de ordem pública que, historicamente, nunca se admitira nos diplomas legais anteriores, Códigos de 1939 e 1973, a negociação. Tratará, também, da finalidade do instituto que é dar maior efetividade à concretização do direito perseguido e a homologação do magistrado julgador como condição de validade dos atos. Ao final, traçará uma linha de correlação entre o negócio jurídico processual e uma possível modulação da obrigatoriedade do reexame, intentando a maior eficácia deste quando da sua aplicação, vez que nem sempre haverá interesse do próprio Estado na reapreciação da matéria em questão.

Por fim, buscará compatibilizar, de forma harmônica, os princípios e institutos projetados a dar maior efetividade aos processos ao afastamento de atos procrastinatórios, a fim de alcançar um real panorama de celeridade nas causas intentadas contra a Fazenda Pública.

Devido às características do tema, a presente investigação basear-se-á, essencialmente, em pesquisa bibliográfica, analisando qualitativamente as informações e se utilizando do método comparativo.

Cabe ressaltar que não haverá, aqui, a pretensão de esgotar o tema, mas fomentar a reflexão e contribuir para a comunidade científica, servindo esta pesquisa de base para trabalhos posteriores mais aprofundados.

  • DESENVOLVIMENTO

2.1 O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO EM SEDE CONSTITUCIONAL

O atual Código do Processo Civil, em vigor desde 18 de março de 2016 e já amadurecido na doutrina, instituiu modificações positivas em vários procedimentos, valorizando os princípios constitucionais e posicionando-os entre os seus dez primeiros artigos, tais como a razoabilidade e a proporcionalidade, a razoável duração do processo e a cooperação da relação triangular.

Além disso, ampliou os poderes instrutórios do juiz, deixando-o em posição de maior autonomia para a aplicação da lei ao caso concreto. Primou, também, por proporcionar às partes a possibilidade de sistematizarem previamente procedimentos, por meio da autocomposição, com o fim de dar maior efetividade ao processo.

Em sintonia com tudo isso, os princípios constitucionais apresentam-se como pilares essenciais na interpretação e aplicação das leis na sociedade moderna.

Sob essa ótica, alcançam um campo ilimitado de atuação, sendo fonte inesgotável de valores fundamentais para a interpretação do direito, condicionando a validade de toda a ordem jurídica.

Segunda a doutrina, existem duas espécies de normas constitucionais: regras e princípios. Nesse sentido, é o ensinamento de Nunes Júnior:

[…] enquanto as regras são normas de conteúdo mais determinado, delimitado, claro, preciso, os princípios são normas de conteúdo mais amplo, vago, indeterminado, impreciso. O que diferencia a regra do princípio não é o assunto da norma jurídica, mas a forma através da qual ela é tratada. Outrossim, como vimos anteriormente, enquanto as regras devem ser cumpridas integralmente (aplicando-se a máxima “ou tudo ou nada”), os princípios devem ser cumpridos na maior intensidade possível (ou, como disse Robert Alexy, são “mandamentos de otimização”). Isto se dá, exatamente porque os princípios são vagos, amplos, imprecisos. Impossível seria cumpri-los na integralidade, motivo pelo qual devem ser cumpridos na maior intensidade possível (NUNES JÚNIOR, 2019, p.391).

Visto dessa forma, conclui-se que, enquanto as regras se mostram inflexíveis, posto que são mandamentos rígidos, os princípios, por seu caráter alargado, têm a função de dar maior maleabilidade à leitura das normas.

Noutro giro, ao afirmar que a Constituição é dotada de supremacia e prevalece sobre o processo político majoritário por ser oriundo da vontade do povo, Barroso conclui que essa característica é um dos pilares do modelo constitucional contemporâneo:

Note-se que o princípio não tem um conteúdo material próprio: ele apenas impõe a primazia da norma constitucional, qualquer que seja ela. Como consequência do princípio da supremacia constitucional, nenhuma lei ou ato normativo – a rigor, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se for incompatível com a Constituição (BARROSO, 2018, p.181).

Por iguais razões, diversos princípios processuais revestem-se de capa constitucional, consubstanciando sua aplicação em observância aos princípios fundantes, tendo como desígnio legitimar os procedimentos e atos processuais de forma integrada e harmônica.

O processo civil brasileiro, cujo modelo é estabelecido pela Constituição Federal e chamado de modelo constitucional de processo civil (CUNHA, 2018), tem como base um conjunto de princípios constitucionais que visam não só disciplinar o processo como, também, ofertar um arcabouço de regras e conceitos a serem seguidos de forma a viabilizar a prestação jurisdicional, tendo o propósito no alcance da máxima efetividade ao final do percurso processual, como nos ensina Nunes Júnior:

E não é só: é sabido e consabido por todos que as Constituições dos países, consideradas suas leis fundamentais, têm o escopo de disciplinar, dentre outros assuntos, o exercício do poder do Estado e suas funções estatais, não ficando, pois, alheia a jurisdição. Da mesma forma, abandonando a vetusta teoria de que o processo é apenas um instrumento privatista das partes, mas sim um instrumento público de pacificação social, o tratamento constitucional se torna imperioso. […] Aliás, sabe-se que a Constituição é a lei que se encontra no ápice do ordenamento jurídico, sendo o seu pressuposto de validade. Assim, o intérprete, sob pena de conferir à lei a sua invalidade, deve compatibilizá-la com a Constituição. Portanto, as regras processuais somente podem ser interpretadas de forma a não colidirem com o texto constitucional, motivo pelo qual se torna imprescindível o estudo do “direito processual constitucional”. Ademais, não se diga que a previsão constitucional de regras ligadas ao processo é um ato apenas simbólico ou político, sem produção relevante de efeitos jurídicos (NUNES JÚNIOR, 2019, p.1110).

A Constituição, como lei fundamental, confere ao processo civil ares de instrumento constitucional de pacificação social. É por meio do processo, alicerçado pelos próprios princípios, em consonância com os princípios constitucionais, que se busca concretizar a pacificação dos conflitos de interesses.

Dentre esses princípios, o da razoável duração do processo se consolida como norma constitucional positivada no art. 5º, LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), inserida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (BRASIL, 2004). Tal princípio encontra-se diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, de forma que implica na proteção judicial efetiva, em tempo razoável, das demandas que se apresentam.

Do mesmo modo, define que todos os cidadãos são iguais perante a lei, não distinguindo-se por qualquer natureza, sendo assegurado a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade, tanto no âmbito administrativo quanto no judicial.

Ponderam Mendes, Coelho e Branco (2008, p.500) que o princípio da dignidade humana não permite que se transforme o homem em objeto de processos e ações por parte do Estado, sendo este vinculado ao dever de proteção e respeito do indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações. E que o reconhecimento do direito subjetivo ao processo célere impõe ao Poder Público, e ao Judiciário, a adoção de medidas para que o objetivo seja concretizado.

No mesmo sentido, doutrina Theodoro Júnior:

O novo CPC, por seu turno, prevê que essa garantia de duração razoável do processo aplica-se ao tempo de obtenção da solução integral do mérito, que compreende não apenas o prazo para pronunciamento da sentença, mas também para a ultimação da atividade satisfativa. É que condenação sem execução não dispensa à parte a tutela jurisdicional a que tem direito. A função jurisdicional compreende, pois, tanto a certificação do direito da parte, como sua efetiva realização. Tudo isso deve ocorrer dentro de um prazo que seja razoável, segundo as necessidades do caso concreto. Quanto ao gerenciamento das medidas que assegurem a conclusão do processo, deve compreender todas as providências tendentes a evitar diligências inúteis e promover as simplificações rituais permitidas pela lei, sem comprometimento do contraditório e ampla defesa, assim como as que reprimem a conduta desleal e temerária da parte que embaraça o normal encaminhamento do processo em direção à composição do conflito (THEODORO JÚNIOR, 2018, p.104).

Em outras palavras, confere-se, em observação do princípio da razoável duração do processo, o afastamento da utilização de procedimentos que não sejam úteis à sua marcha e posterguem o seu fim. Posto dessa forma, pondera-se sob quais outros princípios-base deve fundar-se o sistema jurídico processual para que se atinja maior agilidade no seu percurso sem que haja prejuízos ao direito pleiteado pelas partes.

Nesse cenário, figuram os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (por muitos considerados um só e interdependentes), que consubstanciam a interpretação de todo o ordenamento jurídico no alcance do direito justo. Buscam equilibrar toda a relação processual, do começo ao fim, estando relacionados dentre os mais importantes princípios que devem permear todas as decisões judiciais.

2.2 OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

Os postulados normativos visam estruturar a aplicação de outras normas diante de antinomias. A ponderação, a proibição do excesso, a concordância prática, a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade são alguns desses postulados.

Para Marinoni (2016), destacam-se o da razoabilidade e o da proporcionalidade pela relevância no cotidiano forense. Discorre que a aplicação do direito e dos direitos fundamentais devem estar vinculados ao emprego dos postulados normativos e, sem essa vinculação, tanto a aplicação quanto a interpretação do direito resultariam em instrumentos incontroláveis do ponto de vista intersubjetivo. E leciona que:

Daí que a utilização dos postulados normativos serve para evitar o arbítrio na aplicação do direito e para tornar, mediante a argumentação despendida, intersubjetivamente controláveis as escolhas decisórias realizadas ao longo do processo interpretativo (MARINONI, 2016, p.93).

A doutrina brasileira trata os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, por vezes, como único. E, muitas vezes, como complementares.

Para Câmara, não há unanimidade quanto a essa conceituação:

Também se faz expressa referência no art. 8o aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Estes são princípios cujo conteúdo ainda gera, na doutrina constitucional, tremenda controvérsia, sequer havendo consenso acerca de serem os termos razoabilidade e proporcionalidade sinônimos ou não (CÂMARA, 2019. p.35).

Inobstante isso, afirmam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017) que o STF tem dado aplicação ao princípio da razoabilidade em reiteradas decisões em sede de controle de constitucionalidade das leis e, também, se utilizado do postulado da proporcionalidade como parâmetro nas suas análises. Para esses autores, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade são um só e, por isso, tratados por eles como tal.

De outro modo, Marinoni (2016) considera que a razoabilidade tem por objetivo promover a adequação da norma geral a um caso concreto específico. Impõe que haja um dever de equidade do intérprete, vinculando a aplicação da norma à observação das particularidades do caso em questão. Quanto à proporcionalidade, serve para estruturar a aplicação de princípios e regras, devendo aferir uma ligação entre meio e fim. Vejamos:

Sem relação entre meio e fim a proporcionalidade não tem qualquer utilidade: determinada restrição (meio) é sempre proporcional em relação à promoção de determinado estado de coisas (fim). Essa é a razão pela qual a proporcionalidade serve muitas vezes para estruturar a aplicação de princípios colidentes (MARINONI, 2016, p.92).

Enquanto a razoabilidade teve sua origem no direito anglo-saxônico, o princípio da proporcionalidade nasceu no direito alemão e constituiu-se de três elementos, conforme assevera a maior doutrina: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Na adequação, é preciso que a medida escolhida pelo Poder Público seja apropriada visando o alcance do fim pretendido, se utilizando de meio apto para isso.

Quando não alcançado o fim desejado com o meio escolhido, será este inadequado. Já a necessidade validará, ou não, a medida que restrinja um direito, sempre que indispensável e não substituída por medida menos restritiva, e seja passível de alcançar o mesmo resultado. Enfim, se a relevância do fim alcançado é justificada pela restrição imposta, firmar-se-á a proporcionalidade em sentido estrito (MARINONI, 2016).

Cumpre frisar a importância da observação aos princípios e postulados a fim de se evitar arbitrariedades na interpretação e decisões do julgador ao longo do percurso processual.

Torna-se, assim, imperioso que o juiz certifique-se ter observado todos os meios de ponderação na busca da pacificação dos conflitos, quando da aplicação das leis.

Em síntese, cumpre ao magistrado conjugar os poderes conferidos a ele pelo Estado à proporcionalidade e à razoabilidade na persecução de um direito satisfatório e justo.

2.3 OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO

O CPC de 2015 traz à baila possibilidades que ampliam os poderes instrutórios do juiz no exercício da sua função de prestar a tutela jurisdicional, com o fim de abarcar, de forma satisfatória, a resolução dos conflitos.

Ocorre que esses poderes devem ser revestidos de imparcialidade, pois, o magistrado é o condutor do processo e as suas decisões deverão estar em consonância com os princípios constitucionais e com o Estado Democrático de Direito.

Assevera Bueno (2018, p.206) que “o poder tratado pelo novo código deve ser interpretado como dever-poder uma vez que o juiz exerce função pública e, como tal, deve utilizá-lo até o limite do necessário”.

Em igual convicção, discorre Donizetti:

O CPC/2015 aprimora os poderes-deveres do juiz para instrução e julgamento da causa, conferindo-lhe maior amplitude para adequação do método processual aos contornos da relação material que o substância.[…] Ademais, permite a supressão de atos processuais protelatórios, bem como a dilação de prazos processuais que necessitem maior tempo para a sua execução, sem falar na possibilidade do emprego de diversos meios para garantia da efetividade da tutela jurisdicional […] (DONIZETTI, 2018, p.155).

Marinoni (2016) considera que o processo civil brasileiro (Lei n.13.105, de 16 de março de 2015) possui um sistema incomum por, em seu inciso IV do artigo 139, ressalvada a Fazenda Pública no caso do precatório, dispor de todas as técnicas processuais para a tutela dos direitos em todas as suas espécies (BRASIL, 2015). E segue:

Nada obsta ao juiz, desde que justificadamente e com emprego da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), que determine outras medidas, desde que promovam o fim, sejam o menos restritivas possíveis e prestigiem o direito constitucionalmente mais relevante (MARINONI, 2016, p.186).

 Por outra vertente, na visão de Câmara (2019), ao juiz não cabe dirigir o processo, já que não é a figura central, mas que, na verdade, todos os sujeitos participantes têm a mesma relevância, construindo conjuntamente a relação processual e o seu resultado. Acrescenta que ao juiz cabe, também, promover a autocomposição.

E afirma que:

Incumbe ao juiz dar à causa a solução prevista no ordenamento jurídico, aplicando as regras e os princípios adequados para a solução da causa. Não pode o juiz decidir contra legem, de forma contrária ao direito vigente. Impende, porém, observar o disposto no parágrafo único do art. 140 (segundo o qual ao juiz seria autorizado decidir por equidade nos casos previstos em lei). O CPC só prevê expressamente a possibilidade de um julgamento que se dê “fora dos limites da legalidade estrita” nos procedimentos de jurisdição voluntária (art. 723, parágrafo único). […] Em outros termos, incumbe ao juiz buscar (com auxílio das partes, que atuam em contraditório) a decisão correta para o caso que lhe é submetido, assim entendida a decisão constitucionalmente legítima, isto é, a decisão que está em conformidade com o direito vigente (CÂMARA, 2019, p.129-131).

No entanto, embora alguns doutrinadores argumentem que o limite do dever

do juiz é a aplicação literal da lei, os poderes conferidos a ele, e agora ampliados pelo CPC, não devem ter por finalidade apenas guiar o caminho processual a ser seguido, mas, também, equilibrar as relações, mesmo àquelas em que o Estado integre o vínculo na defesa do interesse público, e incentivar a cooperação entre as partes na perquirição da efetiva tutela jurisdicional, a fim de que o processo se torne não apenas um instrumento de proteção dos direitos da União, mas também dos particulares, integrantes do mesmo bem coletivo.

2.4 O ESTADO, O INTERESSE PÚBLICO E A JUSTIFICATIVA DA REMESSA NECESSÁRIA

De modo a ratificar a soberania do interesse da coletividade sobre o privado, instituiu-se à Fazenda Pública prerrogativas processuais das quais os particulares não usufruem.

No entanto, essas vantagens não protegeriam efetivamente o axiomático princípio do interesse público, já que, por suplantar o interesse dos particulares, titulares do mesmo bem que se pretende tutelar, estariam em dissonância com os princípios constitucionais processuais.

Não há pacificação na doutrina brasileira acerca do tema.

Preceitua Di Pietro que

Apesar das críticas a esse critério distintivo, que realmente não é absoluto, algumas verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais (DI PIETRO, 1991, p.133).

Todavia, há um outro enfoque na visão de Barroso quando adverte que é preciso ponderar sempre que o interesse protegido pelo Estado for de encontro a um direito fundamental previsto na Constituição. Se não, vejamos:

Pois bem: em um Estado democrático de direito, assinalado pela centralidade e supremacia da Constituição, a realização do interesse público primário muitas vezes se consuma apenas pela satisfação de determinados interesses privados. Se tais interesses forem protegidos por uma cláusula de direito fundamental, não há de haver qualquer dúvida. Assegurar a integridade física de um detento, preservar a liberdade de expressão de um jornalista, prover a educação primária de uma criança são, inequivocamente, formas de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for uma única pessoa privada (BARROSO, 2018, p.58).

Bandeira de Mello (2018), em referência à conceituação da doutrina italiana, sustenta que, muitas vezes, o Estado defende os chamados interesses secundários, de viés econômico, e não os primários, de cunho coletivo. Observa que, por serem interesses subjetivos, o Estado como pessoa jurídica concorre com todos, objetivando, também, a tutela de interesses particulares, similares aos interesses de qualquer sujeito de direito.

As prerrogativas da Fazenda Pública, em regra, são justificadas por ser o Estado um administrador dos interesses públicos e, consequentemente, desempenhar uma função social de proteção ao bem comum de todos. Cunha (2018) observa que a ideia de que o todo vem antes das partes é antiga e resulta numa relação de subordinação do interesse individual ao coletivo, derivando na supremacia do interesse público como alicerce de todo o direito público.

Sendo o Estado um representante da soberania do povo e responsável por executar o que lhe foi delegado, tornou-se um rigoroso administrador desses bens em proteção ao interesse da coletividade, mas não como titular absoluto, como assevera Di Pietro (1991, p.163) ao afirmar que, “a Administração Pública não é titular do interesse público, mas apenas a sua guardiã; ela tem que zelar pela sua proteção. Daí a indisponibilidade do interesse público”.

Em outra perspectiva, de acordo com Barroso, o argumento do interesse público perde força quando analisado no mesmo contexto do princípio da dignidade da pessoa humana e concluiu:

Assim, se determinada política representa a concretização de importante meta coletiva (como a garantia da segurança pública ou da saúde pública, por exemplo), mas implica a violação da dignidade humana de uma só pessoa, tal política deve ser preterida, como há muito reconhecem os publicistas comprometidos com o Estado de direito (BARROSO, 2018, p.59).

Note-se que a concepção de fundamentar as prerrogativas no ideal aristotélico de igualdade, de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida das desigualdades, não ganha força, pois, o Estado não detém paridade com os particulares.

Nesse sentido, a exemplo da remessa necessária, aduz-se que o interesse público nem sempre consubstanciará a imposição de prerrogativas com a justificativa de defesa do bem de todos, mas sim, em regra, para a proteção do próprio erário.

Argumentam Cappelletti e Bryant Garth (1988, p.15) que “a efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de armas […]”. Embora, a uma observação mais atenta, a obrigatoriedade do reexame pareça, sobretudo, zelar por privilégios verdadeiramente contestáveis em sacrifício das garantias da parte adversa.

O instituto da remessa necessária, prevista no artigo 496 do atual Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), antes denominado de reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório, remota da era do Direito Medieval. Passou pelo Código de Processo Civil de 1939 e pelo Código de Processo Civil de 1973, neste, em seu artigo 475, reformado pela Lei nº 10.352 de 2001.

Em sua alteração, determinou que não somente a União, o estado e o município possuiriam tal prerrogativa como, também, o Distrito Federal, as autarquias e as fundações de direito público. Na visão de Gomes Júnior (2001, p.647), a inclusão foi tardia, porém, válida, “[…] inserir a regra no âmbito do Código de Processo Civil, o que já deveria ter sido feito anteriormente”.

O código atual traz a remessa necessária no seu artigo 496 e faz novas mudanças ao determinar que os efeitos das sentenças condenatórias proferidas contra a Fazenda Pública, no todo ou em parte, apenas se deem após a confirmação em segundo grau de jurisdição (BRASIL, 2015).

Embora o instituto exija uma reanálise da decisão de primeiro grau, não possui as características de recurso e não está previsto como tal no diploma processual.

Ainda segundo Gomes Júnior (2001, p.647), “a remessa necessária não é um recurso por não ostentar as características próprias destes e não estar prevista no rol taxativo do artigo 994 do CPC 2015, de forma que não se submete ao princípio da taxatividade”.

Asseveram Didier Júnior e Cunha que:

O reexame não contém pressupostos dos recursos. De fato, além de não atender ao princípio da taxatividade, o reexame não está sujeito a prazo, faltando ao juiz legitimidade e interesse em recorrer. A isso acresce a circunstância de não haver o atendimento ao requisito da regularidade formal, que exige do recorrente a formulação do pedido de nova decisão e a demonstração das razões de fato e de direito que o fundamentam (DIDIER JUNIOR; CUNHA; 2009, p.481).

Entretanto, para alguns, a remessa seria recurso interposto pelo juiz, com a obrigação do envio para a reanálise da sentença pelo tribunal superior que proferirá acórdão para confirmar ou reformar a decisão do juízo a quo, tomando, assim, ares de recurso interposto de ofício pelo juiz (CUNHA, 2018).

Destaque-se que, uma vez proferida sentença contrária à Fazenda Pública e não agindo de ofício o juiz, os autos serão avocados pelo presidente do tribunal hierárquico respectivo a fim de consumar a reanálise (BRASIL, 2015). Vale ressaltar que esse envio independe de interposição de apelação espontânea pelo órgão ora condenado.

Já em seu parágrafo 1º, o artigo 496 do CPC dispõe que somente haverá remessa dos autos se não houver apelação (BRASIL, 2015). Do que se deduz que mesmo que não haja interesse do ente público em interpor apelação, e tampouco no caso de perda do prazo, a inércia não obstará o envio da remessa (CÂMARA, 2016).

Dessa forma, sempre que houver uma decisão contrária à Fazenda Pública, o processo será enviado ao tribunal para reapreciação da matéria constante da sentença, independentemente de apelação da parte sucumbida.

Todavia, recorrendo o sucumbente e, do mesmo modo, sendo enviado o processo pelo juiz, haverá a apreciação apenas do recurso, conforme acentuado por Theodoro Júnior:

Assim, tendo o NCPC eliminado a remessa necessária quando a Fazenda hover (sic) recorrido, o Tribunal, nos processos em andamento, desprezará o reexame ex officio e apreciará apenas o recurso (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.1078).

Percebe-se, com nitidez, que a figura do juiz, nesse caso, não possui, no mesmo volume, a discricionariedade dada à função no atual diploma, por ocasião da inovação trazida no seu artigo 139 (BRASIL, 2015). No caso da remessa, a atuação do juiz se limita à obrigatoriedade do reexame, independentemente de uma avaliação mais apropriada da situação ou do interesse das partes envolvidas.

Ademais, a apreciação pelo tribunal superior é condição para a produção dos efeitos da sentença, já que a remessa possui natureza de condição de eficácia de sentença. Ou seja, não havendo o reexame em sede de segundo grau, a sentença não transitará em julgado.

Determinada a remessa, seu efeito será suspensivo, obstando a produção dos efeitos da sentença exarada em primeiro grau. Se inerte o juiz, qualquer das partes poderá requerer o seu envio, não havendo preclusão à determinação da remessa. De outro modo, não ocorrendo quaisquer das hipóteses acima, caberá ao presidente do tribunal respectivo avocar os autos para o seu recebimento.

Nesse ponto é possível verificar que o instituto influencia diretamente no tempo de tramitação da ação, prejudicando a razoável duração do processo, posto que não há um prazo determinado, ou mesmo previsto, para o prosseguimento do feito.

Não só isso, mas retira do juiz qualquer possibilidade de promover uma composição entre as partes, mesmo que seja este o desejo de ambas. Outrossim, não demarca tempo para que haja o envio para o segundo grau, obstando o trânsito em julgado e aumentando ainda mais a dilação do processo.

Lado outro, figurando a Fazenda Pública como autor da demanda, entende a doutrina não haver sentença contra o ente público e, sendo assim, não caberá o envio do processo ao juízo ad quem.

O artigo 496 prevê, ainda, outras hipóteses de enquadramento para o envio da remessa. Ocorre que nem todos os processos estarão sujeitos à obrigatoriedade do reexame, cabendo ao juiz examiná-los e determinar ou não o envio.

Conclui-se, portanto, que o reexame obrigatório limita os poderes instrutórios do magistrado, prejudicando a razoável duração do processo, e desprestigia a autocomposição amplamente promovida pelo CPC e concretizada no instituto do negócio jurídico processual.

2.5 O    NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E    A FLEXIBILIZAÇÃO DOS ATOS PROCEDIMENTAIS

O Código de Processo Civil de 2015 adotou a possibilidade da flexibilização dos atos processuais, por meio do instituto do negócio jurídico processual, previsto no artigo 190, em ações que versem sobre direitos que admitam a autocomposição (Lei 13.105 de 16 de março de 2015).

Este novo instrumento tem por objetivo dar às partes maior liberdade para que componham, previamente e de acordo com os próprios interesses, prazos peremptórios, ritos e, até mesmo, matérias de ordem pública. Essa possibilidade era inimaginável até pouco tempo atrás, visto tratar-se de atos que não admitiam flexibilização por negociação entre as partes.

Sempre mediante a homologação do julgador, tal medida objetivou dar maior efetividade à concretização do direito material, democratizando o processo a partir da concessão de maior autonomia aos litigantes.

Frise-se que o Código de Processo Civil não é um instrumento de posse do juiz, do advogado ou da parte, mas tem como finalidade precípua a efetividade da prestação jurisdicional, sendo que, para isso, faculta às partes a sistematização prévia dos procedimentos, moldando-os às especificidades do caso concreto.

Embora a lei disponha sobre a intervenção do juiz nos casos em que seja notória a hipossuficiência financeira e técnica de uma das partes, ou se tenha a percepção de má-fé de uma ou de ambas, o dispositivo alavanca a forma consensual de resolução dos conflitos, possibilitando, até mesmo, que os litigantes modifiquem prazos e convencionem a não produção de prova testemunhal ou pericial. Nesse raciocínio, o diploma delega ao juiz apenas o controle dos termos acordados, zelando pelo equilíbrio da relação e pela vedação de atos que possam prejudicar o processo.

As partes poderão, também, definir o calendário que deverão seguir, vinculando não só os litigantes como o juiz, podendo ser modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. Nessa linha, expõe Donizetti que não há óbice à sua aplicação nos direitos que não admitam a autocomposição:

O calendário processual, previsto no art. 191, a seu turno, porque interfere de forma menos intensa nas posições das partes no processo, pode ser celebrado em qualquer processo de natureza cível, pouco importa se o direito substancial admita ou não autocomposição. Aqui o negócio se limita à definição de datas (calendário) para a prática de atos processuais pelas partes e pelo juiz (Donizetti, 2018, p.203).

Complementando o tema, Theodoro Júnior discorre que o negócio jurídico não atinge os atos conferidos ao juiz, não sendo permitido às partes vetar o controle de pressupostos processuais e de condições da ação, ou qualquer atribuição inerente à função do magistrado:

[…] não é dado às partes, por exemplo, vetar a iniciativa de prova do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem qualquer outra atribuição que envolva matéria de ordem pública inerente à função judicante. Tampouco é de admitir-se que se afastem negocialmente os deveres cuja inobservância represente litigância de má-fé (THEODORO JÚNIOR, 2018, p.488).

No negócio jurídico, previsto no artigo 190 do CPC, prevalece a autonomia da vontade das partes, limitada à observância dos princípios processuais e constitucionais, com o propósito de imprimir agilidade e efetividade ao direito material perseguido.

Desse modo, impõe-se conferir, não só aos particulares mas também à Fazenda Pública, a possibilidade de interferirem no caminhar do próprio processo, por opção de ambas as partes, sempre que não houver prejuízo dos procedimentos imprescindíveis. Vale mencionar que, de acordo com texto do enunciado 256 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (EPPC, 2017), a Fazenda Pública pode celebrar negócios processuais. (FLORIANÓPOLIS, 2017, p. 7).

Frise-se que a cooperação entre as partes busca alcançar a celeridade do processo, ratificando uma prática já existente no meio e que restou personificada no atual diploma.

Além disso, sobre o princípio da cooperação, também conhecido como princípio cooperativo de processo, Bueno aduz que:

Mesmo antes do CPC de 2015, já era possível (e desejável) extrair a cooperação dos princípios constitucionais do contraditório, do devido processo constitucional e da eficiência processual, enfatizando o elemento de ampla participação do processo (o devido na perspectiva constitucional) com vistas a contribuir não só para seu desenvolvimento, mas também para o proferimento das decisões e a satisfação do direito tal qual reconhecido (BUENO, 2018, p.107).

Outrossim, pondera que a cooperação tem por base deveres que carecerão ser observados não apenas pelas partes, mas, conjuntamente, pelo magistrado, e segue:

Observação importante que merece ser feita é que a cooperação prevista no dispositivo em comento deve ser praticada por todos os sujeitos do processo.[…] Manifestações seguras do princípio da cooperação nessa perspectiva estão no dever de declinar o endereço para onde as intimações deverão ser encaminhadas, atualizando-o ao longo do processo (art.77, V); na viabilidade genérica de realização de “negócio processuais” (art. 190); na possibilidade de os advogados efetivarem intimações ao longo do processo (art. 269, § 1º); na identificação consensual das questões de fato e de direito pelas partes e sujeito à homologação judicial (art. 357, § 2º), e na escolha em comum, pelas partes, do perito para a realização da chamada “perícia consensual” (art. 471), apenas para citar alguns dos diversos exemplos (BUENO, 2018, p.108).

Idêntica reflexão merece ser feita quanto à amplitude da capacidade da Fazenda Pública diante dos negócios processuais. Embora já seja possível a autocomposição entre o ente público e o particular, como já mencionado, essa possibilidade está restrita a algumas situações como, por exemplo, a forma de intimação. São as palavras de Cunha:

A intimação da Fazenda pública deve ser pessoal, a ser feita por meio eletrônico, por carga ou por remessa, que são os meios adequados para que ela se realize. É possível, porém, que, no caso concreto, tais meios sejam ineficientes, ou de impossível, custosa ou demorada realização. Por isso, a Fazenda Pública pode celebrar com a parte contrária um negócio jurídico processual, a fim de estabelecer outra forma de intimação pessoal, que se realize por oficial de justiça ou por via postal ou por outro meio que venha a ser acordado (CUNHA, 2018, p.59).

Impende ponderar que, igualmente, a arbitragem é uma forma de composição, vez que d às partes a possibilidade de negociarem a resolução de determinados conflitos diante da demora e da falta de aptidão do Estado para esses julgamentos.

Houve grande divergência doutrinária sobre a participação do Poder Público na arbitragem, com base na ideia de indisponibilidade do interesse público. Porém, a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996), ampliada pela Lei n. 13.129/2015, veio a pacificar a discussão, permitindo à Administração Pública a utilização da arbitragem (CUNHA, 2018).

Vislumbra-se, então, um estreitamento de interesses, cumprindo aqui estabelecer uma relação de tangenciamento entre as possibilidades de negociação processual, no âmbito da Administração Pública para com o particular, com o desígnio de evitar que as demandas se perpetuem no tempo, a exemplo daquelas que têm duração maior que uma década. Como exemplo, observe-se a apelação cível do ano de 2000, julgada pelo TRF somente no ano de 2019, transcrita abaixo:

APELACÃO CIVEL N° 0007177-02.2000.4.03.6109/SP. EMENTA DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS A EXECUCAO DE SENTENCA. 28,86%. LEIS 8.622/93 E 8.627/93. OPORTUNIDADE PARA MANIFESTACAO ACERCA DOS CALCULOS JUDICIAIS ACOLHIDOS EM SENTENCA. INEXISTENCIA. VIOLACAO DO COMTRADITORIO, APMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. OCORRENCIA. NULIDADE DA SENTENCA. APELACAO DA CNEM PROVIDA. 1.De análise dos autos, verifica-se que após a apresentação dos cálculos da contadoria, apesar de determinada a intimação para as partes se manifestarem acerca dos cálculos apresentados, não foi dada vista ao INSS, sendo prolatada a sentença sem essa providência. A alegação de falta de intimação dos atos anteriores a este não procede, visto que houve manifestação do INSS pela realização de perícia contábil anteriormente a remessa dos autos. 2. Caracterizada a ofensa aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes desta Corte e demais Tribunais Regionais Federais. 3. Apelação provida. (TRF-3 – ApCiv: 00071770220004036109 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, Data de Julgamento: 01/10/2019, PRIMEIRA TURMA, Data de publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/10/2019).

Diante da demora do trâmite processual e com a perspectiva de que o novo código caminhou na direção de alargar as diversas formas de composição dos conflitos, faz-se necessário fortalecer o instituto do negócio jurídico processual, ampliando o seu campo de atuação sobre a Administração Pública, já que esta é parte envolvida em grande número de ações.

A propósito, é sabido que litígios contra a Fazenda podem se arrastar por longos anos, resultando em falência ou insolvência da parte adversa. Em especial, quando acrescido da obrigatoriedade do reexame.

Sob esse prisma, por fim, restaria menos oneroso aos particulares contratar com o Estado sabendo que um provável litígio não estaria, desde logo, fadado a um tempo deveras prolongado e, em regra, em seu desfavor.

3   CONCLUSÃO

O presente artigo pretendeu demonstrar, de maneira não exaustiva, ser plausível a ampliação do negócio jurídico processual para a sua aplicação à remessa necessária, de forma a dar maior eficácia ao instituto.

Por conhecer a complexidade do debate e saber que o tema é merecedor de uma pesquisa mais aprofundada, não se pretendeu aqui exaurir o assunto, mas fomentar o debate, imbuindo a discussão de possibilidades. Por esse motivo, firma-se o compromisso de, futuramente, dar continuidade a esse estudo, dado que pôde-se observar a grande controvérsia doutrinária em torno do tema. Posto isto, o presente trabalho servirá apenas como base para uma possível tese de mestrado.

É indiscutível que as demandas em face da Fazenda Pública põem à prova não só a perseverança dos particulares como também a sua própria subsistência. Um processo desse tipo pode levar, se somado ao envio da remessa, mais de uma década sem que haja qualquer decisão em segundo grau, não sendo incomum que, antes mesmo da sentença, o particular já tenha se tornado insolvente ou falido.

Por óbvio que o particular tem vida útil, seja ele pessoa física ou jurídica, enquanto o Estado é figura infinita, não se submetendo aos efeitos do tempo. Muito pelo contrário, em um tanto de vezes, o tempo é seu aliado, imprimindo à parte adversa a fragilidade de quem está suscetível às consequências de uma demanda quase inacabável.

Com efeito, visto que o Estado é parte capaz para a autocomposição, não há que se falar em prejuízo ao bem público, pois, como já exposto, também integra o interesse geral a parte contrária, sendo certo que cabe à administração pública zelar pela efetividade dos processos como garantia dos direitos fundamentais.

Posto isso, impendeu-se   propor  o uso  do negócio jurídico processual a fim  de facilitar o diálogo das partes, visando o  pretenso efeito de uma melhor reflexão com a chance de até mesmo mitigar a austera obrigatoriedade da remessa necessária, ao invés de continuar com sua aplicação imediata, que pode nem mesmo refletir a intenção do ente público no caso concreto.

Isso porque o reexame pode burocratizar o processo desnecessariamente, atrasando os procedimentos e comprometendo a eficácia do próprio instituto, restando por contrariar todo a temática principiológica de dar celeridade aos procedimentos, constantes do Código de Processo Civil de 2015.

O emprego do negócio jurídico à remessa necessária se apresenta como o meio mais coerente com a mens legis do CPC de 2015, onde conceitos como o saneamento cooperativo, a estabilidade da tutela provisória e outros institutos já demonstraram estar presente no novel diploma legal um espírito ousado. O envio automático do processo ao segundo grau, que é o que ocorre mesmo quando não há interesse do próprio Estado em recorrer da decisão exarada, indica claramente ser o maior inimigo da pacificação social em tempo razoável. Ampliar a abrangência do instituto imprimirá a eficácia desejada há tanto tempo frustrada.

Conjugando-se a conformidade dos interesses da Fazenda Pública com os termos da sentença, a autocomposição do negócio jurídico e os poderes ampliados do juiz e das partes, tornar-se-ia útil e apropriada, sempre sob a análise prévia do magistrado, a flexibilização do instituto, proporcionando um desfecho mais célere ao processo.

Tendo como base o princípio processual constitucional do direito ao tempo razoável do processo, alavancado ao patamar de garantia constitucional pela Emenda Constitucional 45/04, o negócio jurídico processual aplicado se demonstrará o instrumento democrático oportunamente destinado à flexibilização procedimental.

Nesse sentido, somente o tempo poderia comprovar a efetividade do negócio jurídico processual delineado no atual código de processo, por ter características de temática nova.

 Em síntese, a pesquisa técnico-científica aqui apresentada buscou evidenciar o quão abrangente e adequada é a conjugação do negócio jurídico processual com a remessa necessária, visto que possibilitará ao magistrado imprimir a celeridade ideal ao procedimento legal, valendo-se dos poderes ampliados no CPC de 2015, com o objetivo de satisfazer, em tempo razoável, ambos os polos da relação processual, sobretudo elevando o nível do debate jurídico-científico.

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Palavras Chaves

Razoável Duração do Processo; Proporcionalidade e razoabilidade; Ampliação dos Poderes Instrutórios do Juiz; Código de Processo Civil; Interesse Público; Remessa Necessária; Obrigatoriedade; Negócio Jurídico Processual; Autocomposição; Flexibilização