A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA E OS REFLEXOS NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Resumo

O presente artigo explora os conceitos de racismo estrutural, feminismo interseccional e solidão da mulher negra, delimitando particularidades quanto ao tratamento e descaso do Estado brasileiro em relação à este grupo de pessoas vulneráveis. Além disso, pretende-se levantar evidências da relação entre a discriminação e a solidão afetiva e como isso reflete negativamente na dignidade da pessoa humana. Apresenta-se a historicidade do sistema opressor e a falta de justiça de transição como uma das causas da continuidade da marginalização da mulher preta. Sendo o racismo e o sexismo elementos criadores e mantenedores das disparidades das relações sociais, discorre-se sobre como a opressão implica limitações fundamentais na vida dos indivíduos, o que impacta de maneira incisiva na autoestima. Enfim, procurou-se sistematizar o conhecimento acerca de raça e gênero, investigando-se o impacto danoso do preconceito nas relações deste grupo minoritário.

Artigo

A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA E OS REFLEXOS NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

  

RAÍSA SANTOS XAVIER

  

RESUMO

 

O presente artigo explora os conceitos de racismo estrutural, feminismo interseccional e solidão da mulher negra, delimitando particularidades quanto ao tratamento e descaso do Estado brasileiro em relação à este grupo de pessoas vulneráveis. Além disso, pretende-se levantar evidências da relação entre a discriminação e a solidão afetiva e como isso reflete negativamente na dignidade da pessoa humana. Apresenta-se a historicidade do sistema opressor e a falta de justiça de transição como uma das causas da continuidade da marginalização da mulher preta. Sendo o racismo e o sexismo elementos criadores e mantenedores das disparidades das relações sociais, discorre-se sobre como a opressão implica limitações fundamentais na vida dos indivíduos, o que impacta de maneira incisiva na autoestima. Enfim, procurou-se sistematizar o conhecimento acerca de raça e gênero, investigando-se o impacto danoso do preconceito nas relações deste grupo minoritário.

Palavras-chave: Direito das minorias. Racismo estrutural. Teorias Feministas. Interseccionalidade. Raça e gênero. Solidão da mulher negra. Justiça de transição.

INTRODUÇÃO

 O Brasil é um país altamente miscigenado, plural e diverso. Numa mesma nação é possível perceber a presença de diferentes etnias, raças, culturas, sotaques e religiões. Tamanha diversidade se dispersa, integra e contrasta num território de dimensões continentais.

Diante de tamanha multiplicidade encontramos também desigualdades profundas. A riqueza étnica brasileira consegue ser louvável e ao mesmo tempo reveladora do abismo social enfrentado pelas pessoas negras. Ao adentrar num recorte de gênero este estudo mostrará o quanto o desequilíbrio social brasileiro é suportado de maneira ainda mais intensa pelas mulheres negras.

Pertencentes a um grupo minoritário encontrado no país desde a época escravista, as antigas organizações sociais se protraíram no tempo e continuam evidenciando o tratamento degradante dispensado às pessoas de pele preta, que são maioria nas regiões periféricas, subempregos e minoria nos espaços dominantes. Isso que denota sua vulnerabilidade.

O amparo e a proteção a esse grupamento é deveras importante. Valores como a justiça social, igualdade e cidadania devem ser preservados e protegidos. Esse protecionismo justifica-se por causa da subjugação máxima da mulher preta, que sempre foi objetificada e invisibilizada pela masculinidade dominante.

Essas disparidades manifestam-se desde o acesso desigual a oportunidades e direitos até violências graves, como será delineado no decorrer desta pesquisa que se propõe a analisar, pontuar e demonstrar através de uma metodologia teórica os reflexos do abandono estatal na vida da mulher negra. Serão abordadas questões de solidão afetiva, material, no campo da saúde e, curiosamente, as consequências em assuntos tributários.

Assim, pretende-se questionar a opressão profunda vivenciada pelo grupo minoritário formado pelas mulheres negras no Brasil, bem como enfrentar e retratar de que maneira a violência sofrida deságua nas mais variadas faces da marginalização social suportada.

1. DIREITO DAS MINORIAS

  O sistema democrático atual garante que as tomadas de decisões políticas sigam a vontade da maioria do povo. Através do sistema representativo temos a democracia indireta e, por meio de plebiscitos, referendos e eleições, a democracia direta. A despeito disso, para além da vontade majoritária, deve-se respeitar os direitos das minorias1.

Num país multicultural e miscigenado como o Brasil, as pessoas são naturalmente diferentes e têm de ser respeitadas nas suas diferenças. Os direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à dignidade e ao lazer, não podem ser fatores que discriminem as pessoas nos seus aspectos íntimos.

A legislação internacional é específica ao garantir direitos às minorias. O artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos aduz que

“Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua.”

É possível enumerar inúmeros grupos minoritários presentes no território brasileiro e, infelizmente, situações pessoais relacionadas à origem, raça, gênero, religião e orientação sexual são responsáveis por uma injustificável estigmatização.

Num ideal de sociedade justa e igualitária, os direitos das minorias devem existir em sua totalidade e seus representantes precisam ter a possibilidade de contrastá-los quando julgarem necessário. Além disso, os grupos não dominantes tem de se ver representados nas decisões que interessem a toda a sociedade.

A despeito disso, no Brasil, estes grupos são subrepresentados em todas as esferas de poder. Isso implica no desrespeito e preterimento dos direitos e necessidades básicas de seus integrantes.
De maneira espantosa, não há menção a minorias na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). É emblemático o fato de o legislador constitucional não ter se reportado aos grupos que mais necessitam da intervenção estatal num país perpassado por injustiça social.

A ausência de representação constitucional traz dificuldades de acesso à Suprema Corte do país, como, por exemplo, a impossibilidade de representantes destes grupos ajuizarem Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade por não estarem elencados entre as entidades que podem propor estas ações no artigo 103 da CRFB.

Noutro sentido, o legislador infraconstitucional, por meio de um sistema especial de proteção dos direitos humanos, elaborou algumas normas como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1965), Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção Nº 189 da OIT sobre Povos Indígenas (1989).

Como defendido por Carmo (2016, p. 201-223), as minorias e grupos vulneráveis originam-se em relações de assimetria social (econômica, educacional, cultural etc.). A partir desta concepção, minoria seria a particularização de um grupo, já que a maioria se define por um grupamento generalizado, considerada majoritária em relação ao outro que destoar dele.

A condição de vulnerabilidade do grupo minoritário, que nem sempre está em menor quantidade, advém, pois, de opressões desse suposto padrão de normalidade, que pressiona os que possam ser considerados diferentes. A violência, por seu turno, originária dessa opressão, muitas vezes, na forma de preconceito e rejeição, marginaliza e discrimina o diferente.

1.1.  RACISMO ESTRUTURAL

 No Brasil, o racismo está imbricado nas relações sociais. A partir da análise histórica da formação desta nação, é possível inferir que a política escravista é responsável pelas mazelas enfrentadas pelo povo negro até os dias atuais.

De acordo com Almeida (2018), se faz mister evidenciar os fatos sociais, políticos, históricos (dentre eles o colonialismo, imperialismo e capitalismo), jurídicos e econômicos para se compreender a existência do racismo. O autor assevera que o racismo pode ser definido a partir de três conceitos, quais sejam, o individualista, o institucional e o estrutural2

No individualista, o racismo se exprime como uma deficiência patológica e decorre de preconceitos; no institucional, são concedidos privilégios e obstáculos a certos grupos em virtude da raça e estes atos são tidos como normais através da dominação e do poder; já no estrutural, a habitualidade do racismo nas relações sociais, políticas, jurídicas e econômicas, faz com que a responsabilização pessoal e organizacional por atos racistas não eliminem a reprodução da desigualdade racial.

Em visita ao país, peritos da Organização das Nações Unidas (ONU)3, em 2013, constataram que

“(…) os negros no País são os que mais são assassinados, são os que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são os que morrem mais cedo e têm a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, são os que mais lotam as prisões e os que menos ocupam postos nos governos.”

Corroborando os dados informados pela ONU, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias4  (Infopen) revela que, de 622 mil brasileiros privados de liberdade, mais da metade (61,6%) são pretos e pardos.

Indo além dos demonstrativos da injustiça racial que perpassa a sociedade brasileira, é fundamental admitir que o racismo não se manifesta apenas de maneira direta, mas também num caráter indireto, no qual as pessoas agem de modo discriminatório, por vezes, sem nem se dar conta. Este tipo de discriminação estrutural, por fazer parte da construção histórica do país, está tão arraigada que, na maioria dos espaços, se apresenta como a regra.

1.2. TEORIAS FEMINISTAS

A Teoria Feminista5 apresenta-se nos anos 60 e 70 do século XX como uma teoria crítica em busca da igualdade de gênero e possui três principais correntes, a saber, feminismo liberal, feminismo radical e feminismo interseccional.

O feminismo liberal, conforme Bowman (1998, p.247 apud DE SOUSA, 2014, p.19), que surgiu com o acesso das mulheres às faculdades de direito norte-americanas, intentou facilitar o acesso das mulheres a espaços, até então, exclusivo dos homens. Então, de acordo com a asserção de que não existem diferenças relevantes entre homens e mulheres, o tratamento diferenciado deve ser eliminado.

Esta vertente do feminismo, segundo Krieger (1983, p.163 e 168 apud DE SOUSA, 2014. p. 24), aceita as ideologias dominantes e, por isso, tem ampla capacidade de persuasão na busca pela igualdade formal, igualdade salarial e luta contra a discriminação de gênero.

Por seu turno, o feminismo radical6 apresenta-se como um contraponto ao feminismo liberal na medida que se concentra nas mulheres como dominadas pela classe masculina através de diferenças sociais construídas pelo sistema patriarcal – que dita as regras e o direito, que, por sua vez, é opressor porque a norma é masculina.

As feministas radicais rechaçam a naturalidade da natureza feminina ao assegurar que as mulheres foram socialmente construídas. O sistema patriarcal, segundo esta teoria, dita todas as regras e a opressão histórica suportada pelas mulheres é consequência da subordinação sexual da mulher pelo homem.

Finalmente, o feminismo interseccional trouxe à tona a importância dos inúmeros fatores que situam as mulheres de maneira desigual frente ao poder. Para essa teoria pós-moderna, indo além do gênero, a cor, raça, etnia, idade, origem social e religião são especificidades que estruturam e colocam as mulheres em posições hierárquicas distintas, como será tratado a seguir.

3.  A INTERSECCIONALIDADE NA DISCRIMINAÇÃO DE RAÇA E GÊNERO

 A interseccionalidade pode ser entendida como uma teoria que explica a maior vulnerabilidade das mulheres negras, que estão mais sujeitas aos reflexos do racismo, machismo, capitalismo e heteronormatividade.

Este conceito foi desenvolvido por Kimberle Crenshaw7, que explica a necessidade de compreendermos que homens e mulheres experimentam situações de racismo características de seu gênero. Segundo a ativista norte-americana, a visão tradicional das discriminações racial e de gênero é problemática por afirmar estarmos diante de pessoas diferentes. Ocorre que, na verdade, nem sempre os grupos são diversos, mas sobrepostos.

A fim de exemplificar, Kimberle aduz que:

“Historicamente, o estupro era considerado um crime racial nos Estados Unidos. Em outras palavras, um processo por estupro podia ser anulado se não ficasse provado que a vítima era branca. Essa era uma regra no século XIX. Regras que foram formalmente eliminadas, mas as estatísticas sugerem que elas ainda constituem um problema intersecional. As mulheres envolvidas em casos de estupro tendem a ser julgadas pelo que faziam, pelo que vestiam quando foram estupradas. A raça tende a levar a todas essas inferências e suposições. Estudos têm mostrado que os processos movidos por mulheres afro-americanas são os que têm a menor probabilidade de serem levados a sério e resultarem na prisão dos culpados. Quando os culpados são presos, raramente são condenados e, quando condenados, a punição média do estuprador de uma mulher negra é de dois anos, contra seis anos quando a vítima é uma mulher latina e dez anos quando a vítima é uma mulher branca. Isso reflete o fato de que, a despeito de todos os outros fatores que tradicionalmente determinam quando se acreditará em mulheres, é a raça das mulheres negras que determina se as pessoas acreditarão nelas ou não. Sua raça é mais importante do que o fato de ela ter sido ferida, de conhecer a vítima, do que estava vestindo quando foi estuprada.”

 Ainda num contraponto com a realidade norte-americana, o esboço teórico de DAVIS (2016, p. 17) revela que os componentes econômico, político e ideológico capitalista e escravista se combinam e entrecruzam de modo a sustentar os projetos de dominação de classe. O sistema escravagista tratava negros como coisas e submetia o povo negro a todas as formas violentas de coerção, domínio e controle em um sistema caracterizado por uma desumanização cotidiana materializada em atos cotidianos de tortura, estupro, espancamento, chicotada, entre outros.

Há de se ressaltar que o exemplo dos Estados Unidos da América se encaixa à realidade brasileira, tendo em vista que o país enfrentou a realidade escravista durante aproximadamente 338 (trezentos e trinta e oito) e ainda não eliminou a cultura racista arraigada à sua sociedade, como será delineado adiante.

Deve ser levantado um ponto fundamental: o feminismo como um movimento social generalista precisa se atentar para o recorte racial tendo em vista que o feminismo branco atende suas próprias demandas e ignora o viés de raça. Enquanto a opressão de gênero se entrecruza com a opressão de raça, é impraticável tratá-las separadamente sob pena de se invisibilizar as integrantes da ambas as classes.

3.1.  A MULHER NEGRA E A QUESTÃO TRIBUTÁRIA NO BRASIL

 O grupo social mais afetado pela carga tributária do Brasil é o formado pelas mulheres negras8. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) comprova que a estrutura do sistema tributário é extremamente desigual na medida que reflete os interesses das classes dominantes tendo em vista que são elas quem detém a liderança ideológica da política econômica.

Indo de encontro com a justiça social, a tributação sobre patrimônio é insignificante (1,17%do PIB). Com o advento da Lei 9.249/95, o governo alterou a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas através da concessão de isenção do imposto à remessa de lucros e dividendos ao exterior. Ao impedir a tributação do lucro das grandes empresas e da renda dos mais abastados através do livre fluxo de recursos financeiros, a referida legislação contribui para a concentração de renda.

Em consonância com o estudo Favela 247 (2014):

“Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que o sistema tributário brasileiro, além de onerar a parcela mais pobre da população, pune mais os negros e as mulheres em relação aos brancos e aos homens. Segundo o levantamento, os 10% mais pobres comprometem 32% da renda com o pagamento de tributos. Para os 10% mais ricos, o peso dos tributos cai para 21%. A relação com o gênero e a raça aparece ao comparar a participação de cada fatia da população nessas categorias de renda. Nos 10% mais pobres da população, 68,06% são negros e 31,94%, brancos. A faixa mais desfavorecida é composta por 45,66% de homens e 54,34% de mulheres. Nos 10% mais ricos, que pagam menos imposto proporcionalmente à renda, há 83,72% de brancos e 16,28% de negros. Nessa categoria, 62,05% são homens e 31,05%, mulheres. “Não há dúvida de que a mulher negra é a mais punida pelo sistema tributário brasileiro, enquanto o homem branco é o mais favorecido”, diz o autor do estudo, Evilásio Salvador (…).”

A realidade tributária brasileira é mais uma expressão do racismo estrutural enfrentado pelas mulheres negras tendo em vista que a parcela mais vulnerável da população é a que suporta a taxação mais rígida no funcionamento normal da economia do país.

A situação fica ainda mais desigual se analisarmos o financiamento dos serviços públicos, que são custeados pela tributação. A população periférica é a que mais utiliza os serviços básicos fornecidos pelo estado, que, na maioria das vezes, não são prestados a ponto de garantir o mínimo existencial9 da parte mais frágil da sociedade: as mulheres negras.

3.2.  VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NEGRA

 A questão da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil é alarmante. A despeito do advento da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, os dados deste tipo de agressão superaram o esperado em um país que reconhece valores democráticos e plurais.

Diariamente10, 11 estupros são cometidos a cada 11 minutos, uma mulher é assassinada  a cada 2 horas, 503 mulheres são vítimas de agressão a cada hora e 5 espancamentos ocorrem a cada 2 minutos. Os números são bastante significativos e demonstram o quanto a violência de gênero se reproduz em nossa sociedade.

A forma mais grave de violência de gênero, o feminicídio, encontra-se capitulado no artigo 121, VI, do Código Penal. Se faz mister informar que a doutrina brasileira tem se mostrado progressista no sentido de conceituar mulher de maneira ampla. Neste sentido, o mestre CUNHA (2016, p.65):

“A doutrina aponta alguns critérios para definir o que se pode considerar mulher para os efeitos desta qualificadora: a) psicológico: o indivíduo nasce do sexo masculino, mas, psicologicamente, não aceita esta condição e se identifica como o sexo oposto. É o que move os transexuais a buscar o procedimento de reversão genital; b) biológico: identifica-se a mulher por sua constituição genética e suas implicações físicas externas; c) jurídico: para este critério, é mulher quem é assim reconhecido juridicamente, ou seja, quem exibe em seu registro civil identidade do gênero feminino, ainda que não tenha nascido nesta condição, nem exiba as características próprias do sexo feminino. É o que normalmente ocorre com os transexuais, que, após a reversão, buscam também alterar seu registro civil.”

Consoante entendimento da professora MENICUCCI11, o conceito de feminicídio surgiu na década de 1970 com o intuito de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de homicídio não representa um evento isolado na cultura brasileira. Contrariamente, é reflexo de uma sequência de violências perpetradas contra as mulheres, dentre elas: assédio sexual, abuso físico, verbal e psicológico, dentre outros.

De acordo com o Mapa da Violência 201512, em 2013 foram registrados quase cinco mil feminicídios no ano, sendo o 5º (quinto) país no ranking de homicídios contra a mulher. Diante deste panorama alarmando dos indicadores sociais do país, urge fazer um recorte racial tendo em vista que o racismo é fator determinante para o aumentado número de feminicídios.

Segundo o Dossiê Feminicídio13, as negras representam 58,86% (cinquenta e oito vírgula seis por cento) das mulheres vítimas de violência doméstica; são 53,6% (cinquenta e três vírgula seis por cento) dos casos de mortalidade materna; 65,9% (sessenta e cinco vírgula nove por cento) das vítimas de violência obstétrica; têm duas vezes mais chances de serem assassinadas que as mulheres brancas; são 56,8% (cinquenta e seis vírgula oito por cento) das vítimas de estupro registrados no Estado do Rio de Janeiro.

A despeito da queda de 9,8% (nove vírgula oito por cento) na taxa de homicídio contra as mulheres brancas ocorrido entre 2003 e 2013, o mesmo crime, contra as negras, teve um aumento de 54,2% (cinquenta e quatro vírgula dois por cento). A seguir, alguns apontamentos de ativistas negras brasileiras que reconhecem e apontam a questão do racismo estruturante:

“Na morte a gente se iguala, mulher negra morta e mulher branca são igualzinhas. Mas os processos são diferentes, o tamanho do desvalor que uma mulher negra experimenta, nenhuma mulher branca experimenta. As políticas não foram feitas de acordo com as nossas necessidades, os processos de prevenção e reparação não são iguais. Então, tirando o fato de estarmos iguais quando somos um corpo morto, em todo o resto é diferente.”14

“Ser mulher em uma sociedade que sustenta tantas discriminações é um perigo, sobretudo para as mulheres negras. Vivemos todos os dias escapando de morrer. Pela ausência das políticas, pela ausência do trabalho, da garantia da sobrevivência. E morremos também por conta da misoginia e do racismo, por termos nascido mulheres negras.”15

 “Por sermos mulheres pobres, temos mais dificuldade de acesso aos equipamentos públicos e à justiça. Nos equipamentos, muitas vezes, nos deparamos com o preconceito, porque, na perspectiva deles, não somos mulheres que nos expressamos com nitidez. Muitas vezes, por conta da violência que sofremos e pela falta de acesso à educação formal, por exemplo, temos dificuldade até para expressar de que forma se deu aquela violência. E o preconceito já começa por aí, por essa falta de sensibilidade para entender o que estamos falando ou para perguntar de uma forma que possam entender a essência daquilo que sofremos. Isso acontece com o médico, com a enfermeira, com o delegado, com o operador de justiça, com a assistente social.”16

3.3.  VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

 
A Constituição Federal prevê, no artigo 6º caput, o direito social à saúde e, no artigo 5º, I, o direito fundamental à igualdade de direitos e obrigações entre mulheres e homens. Em 1995, o  Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará). Além disso, o Brasil é signatário da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW), que, por sua vez, garante que:

“Artigo 12 1. Os Estados-parte adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar.

  1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados-parte garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância.”

 A despeito dessa proteção e aparato estatal garantindo igualdade de condições para que as mulheres tenham uma vida digna, o estado brasileiro não tem sido capaz de coibir a violência obstetrícia.

Pode-se definir a violência obstétrica17  como todo e qualquer ato direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera, ou ao seu bebê, desde que realizado sem o seu consentimento ou que desconsidere sua autonomia, integridade física e mental, seus sentimentos e preferências. Este ato de violência pode ocorrer durante o pré-natal, o parto ou a fase puerperal e pode ser ocasionada tanto por médicos quanto por qualquer prestador de serviço de saúde.

Alguns direitos das grávidas possuem previsão legal no ordenamento jurídico pátrio. A título de exemplo, temos a Lei 11.634/2007, que dispõe sobre o direito da gestante ao conhecimento e a vinculação à maternidade onde receberá assistência com a consequente proibição da recusa à admissão ao hospital e a Lei 11.108/2005, que, por seu turno, visa garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediado, ambas no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Não obstante o legislador tenha cuidado destes casos, outros, igualmente responsáveis pela violação obstetrícia feminina, não se encontram devidamente definidos em lei, o que dificulta sobremaneira sua caracterização.

Apesar de ser uma agressão de difícil caracterização em virtude da habitualidade com a qual se apresenta no sistema de saúde brasileiro, alguns atos configuram a violência obstétrica, tais como a violência exercida através de gritos; os procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, e a falta de analgesia; violência psicológica, que pode ser praticada por meio de tratamento agressivo ou discriminatório; impedimento de contato com o recém-nascido; o impedimento à amamentação; a cesariana forçada18 e sem consentimento; o uso de ocitocina sem  consentimento da parturiente; a manobra de Kristeller19; a proibição da alimentação ou hidratação e a obrigação de manter a mulher deitada.

3.1.1  VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA CONTRA A MULHER NEGRA

 Não obstante a questão da violência obstétrica apresente dados alarmantes, no tocante às mulheres negras ela se agrava muito. Elas são as mais atingidas pela violência obstétrica (65,4% – sessenta e cinco vírgula quatro por cento) e pela mortalidade materna20 (53,6% – cinquenta e três vírgula seis por cento), de acordo com dados do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz.

A pesquisadora Fernanda Lopes, membro do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), informa:

“Discutir racismo e saúde no Brasil, em especial neste contexto político e socioeconômico que estamos vivendo é revisitar aquilo que a gente chama de estado democrático de direito, é consolidar uma nova narrativa orientada nas pessoas para os seus direitos fundamentais”, afirmou Fernanda Lopes, ao explicar a necessidade de se considerar o racismo como estruturante para compreender seu impacto na saúde. A pesquisadora também frisou que não existe como defender o SUS, como reconstruir uma ‘missão’ de democracia, sem enfrentar o problema. “Não existe a possibilidade de negar essas vozes que vêm gritando há tantos anos e resistindo”. Fernanda também apresentou números do Anuário do  Fórum Brasileiro de Segurança Pública que demonstram a imensa desigualdade entre brancos e negros. Dados de 2016 mostram que a polícia brasileira matou três vezes mais negros, que brancos. “Foram 963 mortes de brancos contra 3.240 mortes de negros”. Entre as mulheres, nos últimos dez anos, houve uma redução de 8% nos homicídios contra mulheres brancas, enquanto contra mulheres negras este número aumentou em 15.4%. Esses dados retratam iniquidades, desigualdades que são injustificáveis. Eles são a expressão mais pura da injustiça e da violação de direitos (…)”

 Diante destes dados calamitosos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o Brasil numa lista de 75 (setenta e cinco) países que precisam reduzir o número de óbitos maternos até 2030.

Ainda, de acordo com a pesquisadora, as mulheres negras têm acesso restrito a métodos analgésicos (tanto anestesia peridural, quanto técnicas não-farmacológicas como hidratação através de água, massagens, entre outros), além de maior chance de pré-natal inadequado e parto sem acompanhante.

Por mais ilógico que aparente, subsiste um resquício da crença de que as negras teriam maior resistência a dor, uma ideia antiga, datada do período da escravidão, quando essas mulheres eram objetificadas e usadas como cobaias para experimentos da ginecologia moderna.

De acordo com relatório21desenvolvido pelo Ministério da Saúde, não há grande diferença na distribuição das causas de morte materna entre mulheres brancas e negras. Majoritariamente, ambas morrem por hipertensão, hemorragia, infecção puerperal e aborto, logo, é possível aduzir que a desigualdade está no tratamento dispensado a elas.

A discriminação no tratamento das gestantes é reflexo e expressão do racismo e da violência de gênero. Dado que as pessoas atribuem um lugar inferior para as outras em virtude da cor da sua pele, essa classificação repercute diretamente na prestação dos serviços de saúde através da naturalização da ofensa aos direitos fundamentais.

A violência obstétrica pode ser entendida, ainda, como uma forma de invasão do corpo da mulher por parte dos profissionais de saúde. O corpo das mulheres negras é visto como colonial e suscetível de apropriação desde a época da escravidão. Conforme Assis (2017, p. 07):

“(…) as intercorrências que provocam os óbitos maternos vêm diminuindo entre as mulheres brancas e aumentando entre as mulheres negras (Câmara dos Deputados, 2016). Entre os anos de 2000 e 2012 as mortes por hemorragia caíram entre as brancas de 141 casos por 100 mil partos para 93 casos. Entre as mulheres negras

aumentou de 190 para 202 casos. Embora as investigações sobre as causas das mortes de mulheres em idade fértil venham crescendo e tal fato impacte nos resultados expostos, há que se levar em consideração, além de fatores clínicos e socioeconômicos, a concreticidade do racismo institucional. (…) Diante deste quadro é importante dizer que 92% (noventa e dos por cento) dos casos de mortes maternas por causas indiretas são evitáveis.”

O racismo estrutural provoca uma série de complexidades que geram inúmeros conflitos dentro das unidades de saúde. Comumente, os profissionais de saúde desconsideram e ultrajam a opinião das mulheres.

Nesta perspectiva, a valorização da eticidade profissional, a percepção do abismo social e das causas que provocam o tratamento díspar devem ser evidenciados, discutidos e estudados pelos profissionais da área da saúde com o intuito de se promover e reconhecer os direitos reprodutivos das mulheres negras.

3.4.  SOLIDÃO AFETIVA DA MULHER NEGRA

 É costumeiro ouvirmos a expressão “o amor não tem cor”. Contudo, o mercado matrimonial e dados demográficos22 do nosso país auxiliam na compreensão de uma realidade bem diversa.

Na categoria de pessoas brancas, o número de mulheres23 é maior que o de homens. Na categoria de pessoas pretas, pode-se reconhecer uma proporcionalidade entre o número de mulheres e homens, ou seja, não há sobras. A mulher branca, que é sobressalente em seu grupo, desloca-se para o outro e, por questões que serão delineadas a seguir, concorrem em condição privilegiada.

A desvantagem em que a mulher preta se encontra quando comparada à branca em assuntos maritais é latente e isso indica a intercessão de algum fator social. Historicamente, as mulheres negras foram libertas antes dos homens negros em virtude da espécie de trabalho ligado à produção agrícola que eles desempenhavam.

Em virtude disso, as famílias pretas brasileiras do século XIX eram, em sua maioria, chefiadas por mulheres por causa da crescente marginalização do homem negro. Essas mulheres assumiam totalmente a autoridade e a função de proteção do lar ao passo que a figura masculina era deveras dispensável.

Aliado a isso, como observa Souza, ocorria a “a existência de uma intensa liberdade sexual na vida masculina, de forma que os homens negros mantinham outros relacionamentos além de seu casamento sem que houvesse perda de regalias ou prejuízo social.”

Por isso, encontramos, assim, mulheres que, na maioria das vezes eram mães solteiras exercentes de todas as funções do lar e trabalho externo.

Estatisticamente, o último recenseamento demográfico24 brasileiro mostra que os homens negros penderam para escolher mulheres pretas em menor percentual (39,9%) do que mulheres pretas em relação a homens negros (50,3%).

Histórica e culturalmente, as características fenotípicas da mulher negra são relacionados a padrões negativos e expressões racistas como “cabelo ruim”, “cabelo bombril”, “nariz de batata”, “beiço de nego” são naturalizadas e aceitas em diálogos de maneira habitual. Para além disso, a mulher negra também é hipersexualizada e associada ao trabalho servil, sendo ignorados completamente seus desejos sexuais e afetivos como pessoa humana.

Noutro prisma, a mulher branca é associada a uma imagem mais aceitável no imaginário da sociedade. Seu estereótipo se aproxima mais do que seria o padrão para estar num relacionamento afetivo.

Diante do exposto, é inegável inferir que as relações afetivas brasileiras não são direcionadas unicamente por questão de gosto. Os desejos afetivos e sexuais são atravessados por princípios racistas construídos socialmente e, por isso, as mulheres negras são costumeiramente preteridas.

4.  JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

  A justiça de transição25 pode ser entendida como um conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e extrajudiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa

do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades ocorridas no passado.

Esta série de ações tem como esteio a justiça, a verdade, a reparação e a restruturação das instituições. Em conformidade com Rodrigues e Bolonha (2017, p. 09-27):

“No Brasil, os primeiros mecanismos de justiça de transição foram criados entre a segunda metade dos anos de 1990 e o início dos anos 2000, apresentando caráter reparatório e investigativo. São exemplos desses mecanismos a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (1995) e a Comissão de Anistia (2002). Contudo, foi somente entre os anos de 2009 e 2012 que mecanismos especificamente dedicados à promoção do direito à memória e à verdade foram criados, como são exemplos a Lei de Acesso a Informações (2011) e a criação da Comissão Nacional da Verdade (2011). Estas duas últimas iniciativas, aliás, somente começaram a vigorar em 2012.”

Apesar dos primeiros dispositivos nacionais de justiça de transição terem sido criados recentemente, o Brasil possui uma dívida histórica com o povo preto. A ausência de políticas reparatórias que permitissem a inserção do povo negro nos espaços de poder e reduzissem as desigualdades raciais alarmantes foram determinantes na perpetuação do racismo sistêmico enfrentado pelos negros.

No que diz respeito à memória, pode-se exemplificar o apagamento da entrada dos escravos no porto da cidade do Rio de Janeiro através da construção do tão ovacionado Museu do Amanhã26, de construção moderna e futurista, que fica localizado no cais do Valongo, onde mais de 500 (quinhentos) mil escravos entraram e morreram durante o período escravista. A idealização de um museu de ciências futurísticas no ponto de chegada do maior contingente de negros escravos da história da humanidade demonstra o desinteresse do governo estatal pela história preta.

No âmbito da justiça, urge aduzir a impossibilidade de se punir criminalmente os responsáveis pela escravidão em virtude do decurso do tempo. No entanto, é possível e urgente o enfrentamento do genocídio27 da população preta realizado cotidianamente durante a atuação das polícias nas periferias. Noutro sentido, no que tange às ações afirmativas28 para inserir a população preta no ensino público superior, é aparente sua natureza reparatória tendo em vista que objetiva reparar uma disparidade de condições provenientes do período escravista.

É necessário implementar no Brasil um verdadeiro sistema de recuperação histórica do período escravocrata a fim de conectar a população com o passado que não é estudado e conhecido com profundidade pela maioria do povo. É inegável que este passado de exceção é responsável pela projeção nas desigualdades atuais e merece figurar em posição de destaque nos planos de governo.

A despeito de ter abolido a escravidão, o governo brasileiro não forneceu subsídios aos recém-libertos. O povo negro foi relegado à própria sorte e acabou se instalando nos locais mais periféricos do país, sem estrutura financeira ou formação profissional que possibilitasse a inserção igualitária nos espaços de poder e no mercado de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 No cenário atual do Brasil, a estruturação de todas as atividades e a formação profissional devem ser analisadas para se estimar em que sentido estes sujeitos reconhecem a existência do racismo e da violência contra a mulher negra nos mais variados aspectos.

A cultura sexista e racista dominadora é responsável pela perpetuação do tratamento degradante destinado às mulheres negras e, infelizmente, a realidade brasileira revela que as violações de direitos humanos são rotina na vida deste grupo minoritário.

É possível concluir que os males advindos da escravidão não tiveram fim e o tamanho do desprestígio que uma mulher negra suporta, nenhuma mulher branca suporta. As políticas não foram feitas de acordo com as nossas necessidades e os processos de prevenção e reparação não são iguais.

A sociedade brasileira é imbricada no racismo patriarcal, que divide as pessoas pela cor da pele, pela etnia, e pelo gênero. Além disso, existe o agravante das disparidades sociais e econômicas que dificultam a mobilização social para enfrentar os mais diversos obstáculos e exigir direitos.

Por vezes, a falta de acesso à educação formal suportada por uma parcela grande da população torna ainda mais difícil a maneira de expressar de que forma se deu a violência suportada e o preconceito e inicia neste momento.

A falta de sensibilidade para entender o que a vítima está falando ou para perguntar de modo claro a essência do que foi tolerado é algo presente nas mais variadas profissões e isso é perpassado por valores ideológicos, políticos, sociais, econômicos, e culturais.

No intuito de exterminar isso, é preciso reconfigurar as ações que incentivam a invisibilidade interseccional e, uma das alternativas é a integração e estímulo dos movimentos sociais e o aumento da participação de mulheres negras nos espaços públicos e privados de poder.

Diante de todo exposto, se pode concluir que as mulheres negras são menosprezadas rotineiramente na sociedade brasileira pelo racismo e sexismo. Por isso, é urgente o reconhecimento disso por parte dos governantes para que os serviços prestados à população recebam a devida atenção étnico-racial a fim de reduzir e, futuramente, eliminar as desigualdades.

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NOTAS:

1 – Entendido como um grupo de cidadãos que constituem uma minoria numérica numa posição não dominante em um Estado, dotados de características étnicas, religiosas ou linguísticas que se diferem daquelas da maioria da população, possuindo um senso de solidariedade entre si, motivados, ainda que apenas implicitamente, por uma vontade coletiva de sobreviver e cujo objetivo é alcançar igualdade em relação à maioria em fato e em direito. (DESCHÊNES apud WHEATLEY, 2005, p. 18)

2- O racismo estrutural corresponde a um sistema de opressão cuja ação transcende a mera formatação das instituições, eis que perpassa desde a apreensão estética até todo e qualquer espaço nos âmbitos público e privado, haja vista ser estruturante das relações sociais e, portanto, estar na configuração da sociedade, sendo por ela naturalizado. Por corresponder a uma estrutura, é fundamental destacar que o racismo não está apenas no plano da consciência – a estrutura é intrínseca ao inconsciente. Ele transcende o âmbito institucional, pois está na essência da sociedade e, assim, é apropriado para manter, reproduzir e recriar desigualdades e privilégios, revelando-se como mecanismo colocado para  perpetuar o atual estado das coisas. De todas as transformações ocorridas com os modos de produção ao longo da história, o racismo no Brasil pode ser considerado como produto desta ordem social estabelecida pelo escravismo colonial, sendo, portanto, o elemento que permaneceu desde a gênese do Brasil, sobrevivendo a todas as transformações ocorridas, até o atual modelo neoliberal. O racismo está, assim, na essência do próprio Estado. Disponível em < https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/download/148025/147028/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019.

3- No lançamento da Campanha #VidasNegras.

4 – O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro. O sistema, atualizado pelos gestores dos estabelecimentos desde 2004, sintetiza informações sobre os estabelecimentos penais e a população prisional. Em 2014, o DEPEN (Departamento Penitenciário) reformulou a metodologia utilizada, com vistas a modernizar o instrumento de coleta e ampliar o leque de informações coletadas. O tratamento dos dados permitiu amplo diagnóstico da realidade estudada, mas que não esgotam, de forma alguma, todas as possibilidades de análise.

5- “Entender sexo como uma construção social é desvendá-lo dentro de outro conceito chave no feminismo, que é o de gênero, defendido por Harding citado por Castro e Bronfman ( 1 993) como sendo “uma construção social sistemática do masculino e do feminino que está pouco (ou nada) determinado pela biologia (pelo sexo), presente em todas as sociedades, e que permeia todas as dimensões da vida social e privada”. (p.378) Todavia, como bem salientam Castro e Bronfman ( 1 993), a produção de conhecimento científico numa perspectiva feminista não está respaldada apenas na teorização de idéias acerca das desigualdades de gênero, mas está estritamente vinculada à estrutura social predominante. A ênfase feminista, inclui ainda a consideração de preconceitos de classe e de raça. Sob este aspecto, torna-se imperativo lembrar que a ciência feminista teve sua origem não no mundo acadêmico mas no movimento soci” Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/reben/v50n4/v50n4a07.pdf> Acesso em 20 de janeiro de 2019.

6- CAIN, , Feminist jurisprudence: grounding the theories, 241.

7- CRENSHAW, A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. Cruzamento: raça e gênero. Painel 1

8 – Disponível em: https://www.geledes.org.br/mulher-negra-e-quem-paga-mais-impostos-brasil/. Acesso em 10 de fevereiro de 2019

9 – Destarte, em tese, seria o caso de os poderes públicos assegurarem o respeito por um núcleo essencial, um patamar de conteúdo mínimo, com ações e projetos definidos, desde logo, no orçamento do governo. Tal patamar proibiria a insuficiência de direitos fundamentais básicos, a fim de garantir a dignidade humana. Suzana Tavares da Silva chega a se referir a uma “mochila da dignidade humana”, a ser garantida a cada indivíduo pelos governantes (SILVA, 2010, p. 129 apud FILHO).

O mínimo existencial possui, assim, uma relação com a dignidade humana e com o próprio Estado Democrático de Direito, no comprometimento que este deve ter pela concretização da ideia de justiça social (HÄERLE, 2003, p. 356- 362 apud FILHO). Todavia, a defesa de um mínimo existencial, fundamentado em uma ideia de proibição de insuficiência, não pode reduzir os direitos sociais a padrões mínimos de existência, tendo por corolário a acomodação dos gestores públicos e decisores políticos. E, nesse ponto, os membros do Ministério Público e demais agentes públicos responsáveis pelo controle da administração pública precisam estar bastante atentos. Ora, a proibição da insuficiência tem que ser interpretada como um conceito dinâmico, como um verdadeiro ponto de partida, e não como um local de chegada. A partir dela, a efetivação dos direitos fundamentais em sua perspectiva social, não se entendendo que a efetivação de tais direitos termine com ela e nem que tal postulado trate apenas de garantir um mínimo vital.

10 – Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-a-dimensao-do-problema- no-brasil/#brasil-e-o-5o-no-ranking-de-homicidios-de-mulheres> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019

11- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-a-dimensao-do-problema-no- brasil/#brasil-e-o-5o-no-ranking-de-homicidios-de-mulheres> Acesso em 10 de fevereiro de

12- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/mapa-da-violencia-2015- homicidio-de-mulheres-no-brasil-flacsoopas-omsonu-mulheresspm-2015/> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019

13- Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/como-e-por-que-morrem-as- mulheres/#mulheres-negras-morrem-mais> Acesso em 10 de fevereiro de 2019

14- Jurema Werneck, integrante da ONG Criola, médica e Doutora em Comunicação e Cultura. Também integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU

15- Tânia Palma, assistente social e ex-ouvidora da Defensoria no Estado da

16- Magali Mendes, promotora legal popular (PLP) e integrante da associação de PLPs Cida da Terra de Campinas e Região.

17 – Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/publicacao/pesquisa-mulheres-brasileiras-e-genero-nos-espacos- publico-e-privado-2010/. Acesso em 15 de fevereiro de 2019

18- O elevado número de cesáreas no Brasil, que se encontra em torno de 52% no setor público, podendo chegar a 88% no setor privado, contraria as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)[5]. A taxa ideal de cesáreas, de acordo com a OMS, seria entre 10% e 15%. Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/. Acesso em 15 de fevereiro de 2019.

19- A manobra de Kristeller é uma manobra obstétrica executada durante o parto que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê. A manobra foi idealizada pelo ginecologista alemão Samuel Kristeller (1820–1900), que a descreveu em 1867. É realizada por auxiliar do obstetra, juntando-se as duas mãos no fundo do útero, sobre a parede abdominal, com os polegares voltados para frente, tracionando-se o fundo do útero em direção à pelve, no exato momento em que ocorre uma contração uterina durante o parto natural. Pode também ser utilizada durante a cirurgia cesárea. É importante ressaltar que a manobra de Kristeller é reconhecidamente danosa à saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando à parturiente o desconforto da dor provocada e também o trauma que se seguirá indefinidamente. Disponível em: http://www.corensc.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Parecer-T%C3%A9cnico-001-2016-CT-Sa%C3%Bade-Mulher-Manobra-de-Kristeller.pdf. Acesso em 15 fevereiro de 2019.

20- Relacionados à gravidez, ao parto ou até 42 dias após o parto.

21 – Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/23/BE-2012-43–1--pag-1-a-7— Mortalidade-Materna.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2019

22- Disponível em  <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/98/cd_2010_nupcialidade_fecundidade_migracao_amostra.pdf>  Acesso em 10 de fevereiro de 2019.

23 – Há de se ressaltar que a classificação em análise é exclusivamente biológica. Em vista disso, se desconsiderou o exame de questões de gênero e sexualidade

24 – Disponível em <https://censo2010.ibge.gov.br/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019

25 – Conselho de Segurança da ONU – UN Security Council – The rule of law and transitional justice in conflict and post- conflict societies. Report Secretary-GeneralS 2004/616. Disponível em <https://www.joaolordelo.com/single- post/2016/11/15/O-que-se-entende-por-%E2%80%9CJusti%C3%A7a-de-Transi%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D> Acesso em 10 de fevereiro de 2019

26 – Disponível em <https://museudoamanha.org.br/> Acesso em 10 de fevereiro de 2019

27 – O Brasil registrou 10 mil 136 assassinatos de jovens entre 11 e 19 anos em 2013, em média 28 mortos por dia. De acordo com o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência e coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o número equivale a 3,5 chacinas da Candelária perpetradas diariamente. Dados apresentados por Júlio mostram que o índice de jovens negros, entre 16 e 17 anos, mortos no ano de 2013, é de 66,3 por 100 mil habitantes. O de jovens brancos, na mesma faixa etária, é de 24,2 por 100 mil. Para o ministro Pepe Vargas, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os números são um alerta de que as chacinas não cessaram.

28 – As cotas raciais são ações afirmativas aplicadas em alguns países, como o Brasil, a fim de diminuir as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes etnias raciais. Essas ações afirmativas podem existir em diversos meios, mas a sua obrigatoriedade é mais notada no setor público – como no ingresso nas universidades, concursos públicos e bancos.

As cotas raciais são uma medida de ação contra a desigualdade num sistema que privilegia um grupo racial em detrimento de outros – esses, oprimidos perante a sociedade. Ao contrário do que diz o senso comum, cotas raciais não se aplicam somente a pessoas negras. Em várias universidades, por exemplo, existem cotas para indígenas e seus descendentes, que visam abarcar as demandas educacionais dessas populações. Há, em alguns lugares, cotas diferenciadas para pessoas pardas, também – caso contrário, estão inclusas nas cotas para negros. Disponível em: <https://www.politize.com.br/cotas-raciais-no-brasil-o-que-sao/> Acesso em: 10 de fevereiro de 2019.

 

Palavras Chaves

Direito das minorias. Racismo estrutural. Teorias Feministas. Interseccionalidade. Raça e gênero. Solidão da mulher negra. Justiça de transição.